ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

20 de março de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Não pagamento do IVA devido — Sanções — Legislação nacional que prevê uma sanção administrativa e uma sanção penal pelos mesmos factos — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 50.o — Princípio ne bis in idem — Natureza penal da sanção administrativa — Existência de uma mesma infração — Artigo 52.o, n.o 1 — Restrições ao princípio ne bis in idem — Requisitos»

No processo C‑524/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunale di Bergamo (Tribunal de Bérgamo, Itália), por decisão de 16 de setembro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 1 de outubro de 2015, no processo penal contra

Luca Menci,

sendo interveniente:

Procura della Repubblica,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Tizzano, vice‑presidente, R. Silva de Lapuerta, M. Ilešič, T. von Danwitz (relator), A. Rosas e E. Levits, presidentes de secção, E. Juhász, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, S. Rodin, F. Biltgen, K. Jürimäe, C. Lycourgos e E. Regan, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: V. Giacobblo‑Peyronnel, depois R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 8 de setembro de 2016,

visto o despacho de reabertura da fase oral do processo de 25 de janeiro de 2017 e após a audiência de 30 de maio de 2017,

considerando as observações apresentadas:

em representação de L. Menci, por G. Broglio, V. Meanti e I. Dioli, avvocati,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. Galluzzo, avvocato dello Stato,

em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e D. Klebs, na qualidade de agentes,

em representação da Irlanda, inicialmente por E. Creedon e, em seguida, por M. Browne, G. Hodge e A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por M. Gray, barrister,

em representação do Governo francês, por D. Colas, G. de Bergues, F.‑X. Bréchot, S. Ghiandoni e E. de Moustier, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e J. Langer, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por H. Krämer, M. Owsiany‑Hornung e F. Tomat, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de setembro de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), lido à luz do artigo 4.o do Protocolo n.o 7 da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo penal instaurado contra Luca Menci por infrações em matéria de imposto sobre o valor acrescentado (IVA).

Quadro jurídico

CEDH

3

O artigo 4.o do Protocolo n.o 7 da CEDH, sob a epígrafe «Direito a não ser julgado ou punido mais de uma vez», dispõe:

«1.   Ninguém pode ser penalmente julgado ou punido pelas jurisdições do mesmo Estado por motivo de uma infração pela qual já foi absolvido ou condenado por sentença definitiva, em conformidade com a lei e o processo penal desse Estado.

2.   As disposições do número anterior não impedem a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se fatos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afetar o resultado do julgamento.

3.   Não é permitida qualquer derrogação ao presente artigo com fundamento no artigo 15.o da Convenção.»

Direito da União

4

O artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), determina as operações sujeitas ao IVA.

5

Nos termos do artigo 273.o desta diretiva:

«Os Estados‑Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados‑Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados‑Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.»

Direito italiano

6

O artigo 13.o, n.o 1, do decreto legislativo n. 471 — Riforma delle sanzioni tributarie non penali in materia di imposte dirette, di imposta sul valore aggiunto e di riscossione dei tributi, a norma dell’articolo 3, comma 133, lettera q), della legge 23 dicembre 1996, n. 662 [Decreto Legislativo n.o 471, relativo à reforma das sanções fiscais não penais no âmbito dos impostos diretos, do imposto sobre o valor acrescentado e da cobrança dos impostos, nos termos do artigo 3.o, n.o 133, alínea q), da Lei n.o 662, de 23 de dezembro de 1996], de 18 de dezembro de 1997 (Suplemento ordinário ao GURI n.o 5, de 8 de janeiro de 1998), na versão em vigor à data dos factos no processo principal (a seguir «Decreto Legislativo n.o 471/97»), tinha a seguinte redação:

«Quem não efetuar, no todo ou em parte, no prazo legal, os pagamentos por conta, periódicos, de liquidação do saldo final ou do remanescente do imposto resultante da declaração, depois da dedução, nesses casos, dos montantes dos pagamentos periódicos e por conta, mesmo que não tenham sido efetuados, está sujeito a uma sanção administrativa no valor de 30% de cada montante não pago, mesmo quando, após a correção de erros materiais ou de cálculo detetados no controlo da declaração anual, resultar que o imposto é superior ou que o valor a deduzir é inferior. […]»

7

O artigo 10.o‑A, n.o 1, do decreto legislativo n. 74 — Nuova disciplina dei reati in materia di imposte sui redditi e sul valore aggiunto, a norma dell’articolo 9 della legge 25 giugno 1999, n. 205 (Decreto Legislativo n.o 74, relativo ao novo regime dos crimes em matéria de imposto sobre os rendimentos e do imposto sobre o valor acrescentado, nos termos do artigo 9.o da Lei de 25 de junho de 1999, n.o 205), de 10 de março de 2000 (GURI n.o 76, de 31 de março de 2000, p. 4), na versão em vigor à data dos factos no processo principal (a seguir «Decreto Legislativo n.o 74/2000»), dispunha:

«Será punido com pena de seis meses a dois anos de prisão quem não pagar, no prazo previsto para a apresentação da declaração anual em substituição do sujeito passivo, as retenções devidas com base nesta mesma declaração ou que resultem da certificação expedida aos substitutos, em montante superior a cinquenta mil euros por cada exercício fiscal.»

8

O artigo 10.o‑B, n.o 1, deste decreto legislativo, sob a epígrafe «Não pagamento do IVA», na versão em vigor à data dos factos no processo principal, enunciava:

«O disposto no artigo 10.o‑A aplica‑se nos limites previstos também a quem não pague o imposto sobre o valor acrescentado devido com base na declaração anual, no prazo previsto para o pagamento por conta relativo ao exercício fiscal seguinte.»

9

O artigo 20.o do referido decreto legislativo, sob a epígrafe «Relações entre processo penal e processo tributário», prevê, no seu n.o 1:

«O procedimento administrativo de fiscalização dos impostos destinado à determinação do montante a cobrar e o processo perante o órgão jurisdicional tributário não podem ser suspensos no decurso do processo penal que tenha por objeto os mesmos factos ou factos cuja verificação seja essencial ao termo do processo.»

10

O artigo 21.o do mesmo decreto legislativo, sob a epígrafe «Sanções administrativas para as infrações consideradas abrangidas pelo direito penal», enuncia, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   A Administração competente aplica, em todo o caso, as sanções administrativas relativas às infrações fiscais inscritas no registo das infrações penais.

2.   Estas sanções não são exequíveis contra as pessoas não referidas no artigo 19.o, n.o 2, exceto se o processo penal tiver sido encerrado por uma decisão de arquivamento, por uma decisão irrevogável de absolvição ou por uma decisão que ponha termo à instância de modo a excluir a relevância penal da ação. Neste último caso, os prazos para a cobrança começam a partir da data da comunicação da decisão de arquivamento, de absolvição ou do termo da instância à Administração competente; a comunicação é efetuada pela Secretaria do órgão jurisdicional que as emitiu.»

Tramitação do processo principal e questão prejudicial

11

L. Menci foi sujeito a um procedimento administrativo no qual foi acusado, na sua qualidade de proprietário da empresa individual homónima, do não pagamento, nos prazos fixados por lei, do IVA resultante da declaração anual relativa ao exercício fiscal de 2011, que ascendia a um montante total de 282495,76 euros.

12

Esse procedimento deu origem a uma decisão da Amministrazione Finanziaria (Administração Tributária, Itália), pela qual esta ordenou a L. Menci que procedesse ao pagamento do montante de IVA devido e, além disso, com base no artigo 13.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 471/97, lhe aplicou uma sanção administrativa que ascendia a 84748,74 euros, representando 30% da dívida fiscal. Essa decisão tornou‑se definitiva. Tendo sido aceite o pedido de pagamento em prestações apresentado por L. Menci, este procedeu ao pagamento das primeiras prestações.

13

Após o encerramento definitivo desse procedimento administrativo, foi instaurado um processo penal pelos mesmos factos contra L. Menci no Tribunale di Bergamo (Tribunal de Bérgamo, Itália), mediante citação direta da Procura della Repubblica (Procurador da República, Itália), pelo facto de a referida falta de pagamento de IVA constituir uma infração prevista e punida pelos artigos 10.o‑A, n.o 1, e 10.o‑B, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 74/2000.

14

O órgão jurisdicional de reenvio refere que, segundo as disposições do Decreto Legislativo n.o 74/2000, o processo penal e o procedimento administrativo são conduzidos de forma independente, sendo, respetivamente, da competência das autoridades judiciárias e das autoridades administrativas. Nenhum destes dois processos pode ser suspenso na pendência da decisão do outro.

15

Esse órgão jurisdicional acrescenta que o artigo 21.o, n.o 2, do referido decreto legislativo, nos termos do qual as sanções administrativas relativas às infrações fiscais aplicadas pela autoridade administrativa competente não são exequíveis exceto se o processo penal tiver sido encerrado definitivamente por uma decisão de arquivamento, por uma decisão de absolvição ou por uma decisão que ponha termo à instância, que exclua a relevância penal do facto, não impede que uma pessoa, como L. Menci, seja sujeito a um processo penal depois de lhe ter sido aplicada uma sanção administrativa definitiva.

16

Nestas condições, o Tribunale di Bergamo (Tribunal de Bérgamo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O disposto no artigo 50.o [da Carta], interpretado à luz do artigo 4.o [do Protocolo] n.o 7 [da CEDH] e da correspondente jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, opõe‑se à possibilidade de instaurar um procedimento penal que tenha por objeto um facto (não pagamento do IVA) pelo qual foi aplicada ao arguido uma sanção administrativa irrevogável?»

Quanto à questão prejudicial

17

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 50.o da Carta, lido à luz do artigo 4.o do Protocolo n.o 7 da CEDH, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional nos termos da qual pode ser instaurado um processo penal contra uma pessoa, por não pagamento do IVA devido nos prazos legais, apesar de já lhe ter sido aplicada uma sanção administrativa definitiva pelos mesmos factos.

18

A título preliminar, há que recordar que, em matéria de IVA, decorre, nomeadamente, dos artigos 2.o e 273.o da Diretiva 2006/112, lidos em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, que os Estados‑Membros têm a obrigação de tomar todas as medidas legislativas e administrativas necessárias para garantir a cobrança da totalidade do IVA devido nos seus territórios respetivos e para lutar contra a fraude (v., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 25 e jurisprudência referida).

19

Além disso, o artigo 325.o TFUE obriga os Estados‑Membros a combaterem as atividades ilícitas lesivas dos interesses financeiros da União Europeia, por meio de medidas efetivas e dissuasoras, e, em particular, obriga‑os, para combater as fraudes lesivas dos interesses financeiros da União, a tomar medidas análogas às que tomarem para combater as fraudes lesivas dos seus próprios interesses. Ora, os interesses financeiros da União incluem, nomeadamente, as receitas provenientes do IVA (v., neste sentido, Acórdão de 5 de dezembro de 2017, M.A.S. e M.B., C‑42/17, EU:C:2017:936, n.os 30 e 31 e jurisprudência referida).

20

A fim de garantir a cobrança integral das referidas receitas e, assim, a proteção dos interesses financeiros da União, os Estados‑Membros dispõem de liberdade de escolha das sanções aplicáveis, as quais podem tomar a forma de sanções administrativas, de sanções penais ou de uma combinação de ambas. No entanto, as sanções penais podem ser indispensáveis para combater de forma efetiva e dissuasora certos casos de fraude grave ao IVA (v., neste sentido, Acórdão de 5 de dezembro de 2017, M.A.S. e M.B., C‑42/17, EU:C:2017:936, n.os 33 e 34).

21

Na medida em que visam assegurar a cobrança exata do IVA e combater a fraude, as sanções administrativas aplicadas pelas autoridades tributárias nacionais e os processos penais instaurados por infrações em matéria de IVA, como os que estão em causa no processo principal, constituem uma execução dos artigos 2.o e 273.o da Diretiva 2006/112 e do artigo 325.o TFUE e, portanto, do direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 27, e de 5 de abril de 2017, Orsi e Baldetti, C‑217/15 e C‑350/15, EU:C:2017:264, n.o 16). Por conseguinte, devem respeitar o direito fundamental garantido no artigo 50.o da Carta.

22

Além disso, embora, como é confirmado pelo artigo 6.o, n.o 3, TUE, os direitos fundamentais reconhecidos pela CEDH façam parte do direito da União, enquanto princípios gerais, e o artigo 52.o, n.o 3, da Carta disponha que os direitos nela contidos que correspondam a direitos garantidos pela CEDH têm o mesmo sentido e o mesmo alcance que os que lhes são conferidos pela referida convenção, esta não constitui, enquanto a União não aderir à mesma, um instrumento jurídico formalmente integrado na ordem jurídica da União (Acórdãos de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 44, e de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 45 e jurisprudência referida).

23

Segundo as anotações relativas ao artigo 52.o da Carta, o n.o 3 deste artigo visa garantir a coerência necessária entre a Carta e a CEDH, «sem que tal atente contra a autonomia do direito da União e do Tribunal de Justiça da União Europeia» (Acórdãos de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 47, e de 14 de setembro de 2017, K., C‑18/16, EU:C:2017:680, n.o 50 e jurisprudência referida).

24

Por conseguinte, o exame da questão submetida deve ser realizado à luz dos direitos fundamentais garantidos pela Carta, em particular do seu artigo 50.o (v., neste sentido, Acórdão de 5 de abril de 2017, Orsi e Baldetti, C‑217/15 e C‑350/15, EU:C:2017:264, n.o 15 e jurisprudência referida).

25

O artigo 50.o da Carta dispõe que «[n]inguém pode ser julgado ou punido penalmente por um delito do qual já tenha sido absolvido ou pelo qual já tenha sido condenado na União por sentença transitada em julgado, nos termos da lei». Assim, o princípio ne bis in idem proíbe o cúmulo tanto de procedimentos como de sanções que tenham natureza penal na aceção deste artigo pelos mesmos factos e contra a mesma pessoa (v., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 34).

Quanto à natureza penal dos procedimentos e das sanções

26

No que diz respeito à apreciação da natureza penal dos procedimentos e das sanções como os que estão em causa no processo principal, há que recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, são relevantes três critérios. O primeiro é a qualificação jurídica da infração no direito interno, o segundo, a própria natureza da infração, e o terceiro, o nível de severidade da sanção suscetível de ser aplicada ao interessado (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de junho de 2012, Bonda, C‑489/10, EU:C:2012:319, n.o 37, e de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 35).

27

Embora caiba ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, à luz destes critérios, se os procedimentos e as sanções penais e administrativos em causa no processo principal têm natureza penal na aceção do artigo 50.o da Carta, o Tribunal de Justiça pode, contudo, quando se pronuncia sobre um reenvio prejudicial, dar precisões destinadas a guiar o órgão jurisdicional nacional na sua interpretação (v., neste sentido, Acórdão de 5 de junho de 2014, Mahdi, C‑146/14 PPU, EU:C:2014:1320, n.o 79 e jurisprudência referida).

28

No caso em apreço, importa desde logo precisar que não está em causa a qualificação penal, tendo em conta os critérios recordados no n.o 26 do presente acórdão, dos procedimentos penais em causa no processo principal e das sanções a que estes são suscetíveis de conduzir. Em contrapartida, coloca‑se a questão de saber se o procedimento administrativo a que L. Menci foi sujeito e a sanção administrativa definitiva que lhe foi aplicada no termo desse procedimento têm ou não natureza penal na aceção do artigo 50.o da Carta.

29

A este respeito, no que se refere ao primeiro critério recordado no n.o 26 do presente acórdão, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que o direito nacional qualifica de procedimento administrativo o procedimento que conduziu à aplicação desta última sanção.

30

Não obstante, a aplicação do artigo 50.o da Carta não se limita apenas aos procedimentos e sanções qualificados de «penais» pelo direito nacional, mas estende‑se — independentemente dessa qualificação no direito interno — aos procedimentos e às sanções que devem ser considerados de natureza penal com base nos dois outros critérios indicados no referido n.o 26.

31

No que se refere ao segundo critério, relativo à própria natureza da infração, este implica verificar se a sanção em causa prossegue, nomeadamente, uma finalidade repressiva (v. Acórdão de 5 de junho de 2012, Bonda, C‑489/10, EU:C:2012:319, n.o 39). Daqui decorre que uma sanção com finalidade repressiva tem natureza penal na aceção do artigo 50.o da Carta e que a simples circunstância de prosseguir também uma finalidade preventiva não é suscetível de lhe retirar a sua qualificação de sanção penal. Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 113 das suas conclusões, é próprio das sanções penais destinarem‑se tanto à repressão como à prevenção de condutas ilícitas. Em contrapartida, uma medida que se limita a reparar o prejuízo causado pela infração em causa não tem natureza penal.

32

No caso em apreço, o artigo 13.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 471/97 prevê, em caso de não pagamento do IVA devido, uma sanção administrativa que acresce aos montantes de IVA a pagar pelo sujeito passivo. Embora, como alega o Governo italiano nas suas observações escritas, esta sanção seja reduzida quando o imposto é efetivamente pago num certo prazo a partir da falta de pagamento, também é verdade que o pagamento tardio do IVA devido é punido pela referida sanção. Verifica‑se, assim, o que corresponde, aliás, à apreciação do órgão jurisdicional de reenvio, que esta mesma sanção prossegue uma finalidade repressiva, o que é próprio de uma sanção de natureza penal na aceção do artigo 50.o da Carta.

33

No que diz respeito ao terceiro critério, importa salientar que a sanção administrativa em causa no processo principal reveste, em conformidade com o artigo 13.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 471/97, a forma de uma coima de 30% do IVA devido, que acresce ao pagamento deste imposto, e apresenta, sem que seja contestado entre as partes no processo principal, um nível de severidade elevado que é suscetível de reforçar a análise segundo a qual esta sanção é de natureza penal na aceção do artigo 50.o da Carta, o que cabe, contudo, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto à existência de uma mesma infração

34

Resulta da própria redação do artigo 50.o da Carta que este proíbe julgar ou punir penalmente a mesma pessoa mais de uma vez pelo mesmo delito (v., neste sentido, Acórdão de 5 de abril de 2017, Orsi e Baldetti, C‑217/15 e C‑350/15, EU:C:2017:264, n.o 18). Como refere o órgão jurisdicional de reenvio no seu pedido de decisão prejudicial, os diferentes procedimentos e sanções de natureza penal em causa no processo principal visam a mesma pessoa, a saber, L. Menci.

35

Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, o critério relevante para apreciar a existência de uma mesma infração é o da identidade dos factos materiais, entendidos no sentido da existência de um conjunto de circunstâncias concretas indissociavelmente ligadas entre si e que levaram à absolvição ou à condenação definitiva da pessoa em causa (v., por analogia, Acórdãos de 18 de julho de 2007, Kraaijenbrink, C‑367/05, EU:C:2007:444, n.o 26 e jurisprudência referida, e de 16 de novembro de 2010, Mantello, C‑261/09, EU:C:2010:683, n.os 39 e 40). Assim, o artigo 50.o da Carta proíbe a aplicação, por factos idênticos, de várias sanções de natureza penal no termo de diferentes procedimentos instaurados para estes fins.

36

Além disso, a qualificação jurídica, no direito nacional, dos factos e o interesse jurídico protegido não são relevantes para efeitos da verificação da existência de uma mesma infração, na medida em que o alcance da proteção conferida pelo artigo 50.o da Carta não pode variar de um Estado‑Membro para outro.

37

No caso em apreço, decorre das indicações que constam da decisão de reenvio que foi aplicada a L. Menci, de forma definitiva, uma sanção administrativa de natureza penal, pelo não pagamento, nos prazos legalmente fixados, do IVA resultante da declaração anual relativa ao exercício fiscal de 2011 e que o processo penal em causa no processo principal visa esta mesma falta de pagamento.

38

Embora, como alega o Governo italiano nas suas observações escritas, a aplicação de uma sanção penal no termo de um processo penal como o que está em causa no processo principal exija, diferentemente da referida sanção administrativa de natureza penal, um elemento subjetivo, há que salientar, contudo, que a circunstância segundo a qual a aplicação da referida sanção penal depende de um elemento constitutivo suplementar em relação à sanção administrativa de natureza penal não é, por si só, suscetível de pôr em causa a identidade dos factos materiais em questão. Sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a sanção administrativa de natureza penal e o processo penal em causa no processo principal parecem, assim, ter por objeto uma mesma infração.

39

Nestas condições, verifica‑se que a regulamentação nacional em causa no processo principal permite instaurar um processo penal contra uma pessoa, como L. Menci, por uma infração que consiste na falta de pagamento do IVA devido com base na declaração relativa a um ano de tributação, depois da aplicação a esta mesma pessoa, pelos mesmos factos, de uma sanção administrativa definitiva de natureza penal na aceção do artigo 50.o da Carta. Ora, este cúmulo de procedimentos e de sanções é constitutivo de uma restrição ao direito fundamental garantido neste artigo.

Quanto à justificação da restrição ao direito garantido no artigo 50.o da Carta

40

Importa recordar que, no seu Acórdão de 27 de maio de 2014, Spasic (C‑129/14 PPU, EU:C:2014:586, n.os 55 e 56), o Tribunal de Justiça declarou que uma restrição ao princípio ne bis in idem consagrado no artigo 50.o da Carta pode ser justificada com base no seu artigo 52.o, n.o 1.

41

Em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, primeira frase, da Carta, qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos por esta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. De acordo com a segunda frase do mesmo número, na observância do princípio da proporcionalidade, só podem ser introduzidas restrições aos referidos direitos e liberdades se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

42

No presente caso, é facto assente que a possibilidade de cumular procedimentos e sanções penais assim como procedimentos e sanções administrativos de natureza penal está prevista na lei.

43

Além disso, uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal respeita o conteúdo essencial do artigo 50.o da Carta, uma vez que, segundo as indicações que constam dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, apenas permite esse cúmulo de procedimentos e de sanções em condições limitativamente fixadas, assegurando assim que o direito garantido neste artigo 50.o não seja posto em causa enquanto tal.

44

Quanto à questão de saber se a restrição ao princípio ne bis in idem resultante de uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal corresponde a um objetivo de interesse geral, decorre dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que esta regulamentação pretende garantir a cobrança da totalidade do IVA devido. Atendendo à importância conferida pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, para cumprir este objetivo, à luta contra as infrações em matéria de IVA (v., neste sentido, Acórdão de 5 de dezembro de 2017, M.A.S. e M.B., C‑42/17, EU:C:2017:936, n.o 34 e jurisprudência referida), pode justificar‑se um cúmulo de procedimentos e de sanções de natureza penal quando estes visem, para a realização do referido objetivo, finalidades complementares que tenham por objeto, se for caso disso, aspetos diferentes da mesma conduta ilícita em causa, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

45

A este respeito, em matéria de infrações ao IVA, parece legítimo que um Estado‑Membro pretenda, por um lado, dissuadir e punir qualquer incumprimento, seja intencional ou não, das regras de declaração e de cobrança do IVA, aplicando sanções administrativas, eventualmente, de quantia fixa e, por outro, dissuadir e punir incumprimentos graves destas regras, que são particularmente nefastos para a sociedade e que justificam a adoção de sanções penais mais graves.

46

O respeito do princípio da proporcionalidade, por seu turno, exige que o cúmulo de procedimentos e de sanções previsto por uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal não exceda os limites do que é adequado e necessário para a realização dos objetivos legítimos prosseguidos por essa regulamentação, entendendo‑se que, quando haja uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados por esta não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 2010, Müller Fleisch, C‑562/08, EU:C:2010:93, n.o 43; de 9 de março de 2010, ERG e o., C‑379/08 e C‑380/08, EU:C:2010:127, n.o 86; e de 19 de outubro de 2016, EL‑EM‑2001, C‑501/14, EU:C:2016:777, n.os 37 e 39 e jurisprudência referida).

47

A este respeito, há que recordar que, segundo a jurisprudência citada no n.o 20 do presente acórdão, os Estados‑Membros dispõem de liberdade de escolha das sanções aplicáveis, para garantir a cobrança integral das receitas provenientes do IVA. Na falta de harmonização do direito da União na matéria, os Estados‑Membros têm, assim, o direito de prever tanto um regime em que as infrações em matéria de IVA só podem ser objeto de procedimentos e de sanções uma única vez como um regime que autoriza o cúmulo de procedimentos e de sanções. Nestas circunstâncias, a proporcionalidade de uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal não pode ser posta em causa pelo simples facto de o Estado‑Membro em questão ter optado por prever a possibilidade do referido cúmulo, sob pena de privar esse Estado‑Membro desta liberdade de escolha.

48

Feito este esclarecimento, há que salientar que uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê essa possibilidade de cúmulo, é adequada à realização do objetivo referido no n.o 44 do presente acórdão.

49

Quanto ao seu caráter estritamente necessário, uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal deve, antes de mais, prever regras claras e precisas que permitam ao particular prever quais os atos e omissões que podem ser objeto desse cúmulo de procedimentos e de sanções.

50

No caso em apreço, como resulta dos elementos que constam dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, a regulamentação nacional em causa no processo principal, nomeadamente o artigo 13.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 471/97, prevê as condições em que o não pagamento do IVA devido nos prazos legais pode levar à aplicação de uma sanção administrativa de natureza penal. Em conformidade com este artigo 13.o, n.o 1, e nas condições referidas no artigo 10.o‑A, n.o 1, e no artigo 10.o‑B, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 74/2000, esse não pagamento pode também, caso seja relativo a uma declaração fiscal anual num montante de IVA superior a cinquenta mil euros, ser objeto de uma pena de prisão de seis meses a dois anos.

51

Assim, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, afigura‑se que a regulamentação nacional em causa no processo principal prevê, de forma clara e precisa, em que circunstâncias o não pagamento do IVA devido pode ser objeto de um cúmulo de procedimentos e de sanções de natureza penal.

52

Em seguida, uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal deve assegurar que os encargos que para as pessoas em questão resultam deste cúmulo sejam limitados ao estritamente necessário para cumprir o objetivo referido no n.o 44 do presente acórdão.

53

No que se refere, por um lado, ao cúmulo de procedimentos de natureza penal que, como resulta dos elementos que constam dos autos, são conduzidos de forma independente, a exigência recordada no número anterior implica a existência de regras que assegurem uma coordenação destinada a reduzir ao estritamente necessário o encargo complementar que este cúmulo representa para as pessoas em causa.

54

No presente caso, embora a regulamentação nacional em causa no processo principal permita instaurar um processo penal mesmo depois da aplicação de uma sanção administrativa de natureza penal que encerra definitivamente o procedimento administrativo, resulta dos elementos que constam dos autos e resumidos no n.o 50 do presente acórdão que esta regulamentação parece limitar os processos penais às infrações de uma determinada gravidade, a saber, as relativas a um montante de IVA não pago superior a cinquenta mil euros, para as quais o legislador nacional previu uma pena de prisão, cuja severidade parece justificar a necessidade de instaurar, para aplicar esta pena, um processo penal independente do procedimento administrativo de natureza penal.

55

Por outro lado, o cúmulo de sanções de natureza penal deve ser sujeito a regras que permitam garantir que a severidade do conjunto de sanções aplicadas corresponde à gravidade da infração em causa, decorrendo esta exigência não só do artigo 52.o, n.o 1, da Carta mas também do princípio da proporcionalidade das penas consagrado no seu artigo 49.o, n.o 3. Estas regras devem prever a obrigação de as autoridades competentes, em caso de aplicação de uma segunda sanção, assegurarem que a severidade do conjunto de sanções aplicadas não exceda a gravidade da infração constatada.

56

No caso em apreço, parece resultar do artigo 21.o do Decreto Legislativo n.o 74/2000 que este não se limita a prever a suspensão da execução forçada das sanções administrativas de natureza penal durante o processo penal, mas que obsta definitivamente a esta execução depois da condenação penal da pessoa em causa. Além disso, segundo as indicações que figuram na decisão de reenvio, o pagamento voluntário da dívida fiscal, desde que também abranja a sanção administrativa aplicada à pessoa em causa, constitui uma circunstância atenuante especial a ter em conta no âmbito do processo penal. Assim, verifica‑se que a regulamentação nacional em causa no processo principal prevê condições próprias para assegurar que as autoridades competentes limitem a severidade do conjunto de sanções aplicadas ao estritamente necessário face à gravidade da infração cometida.

57

Por conseguinte, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, afigura‑se que uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal permite assegurar que o cúmulo de procedimentos e de sanções que autoriza não exceda o estritamente necessário para cumprir o objetivo referido no n.o 44 do presente acórdão.

58

Importa ainda salientar que, embora uma regulamentação nacional que cumpre os requisitos previstos nos n.os 44, 49, 53 e 55 do presente acórdão pareça, em princípio, suscetível de assegurar a conciliação necessária entre os diferentes interesses em causa, essa regulamentação deve também ser aplicada pelas autoridades e pelos órgãos jurisdicionais nacionais de maneira a que o encargo resultante, no caso em apreço e para a pessoa em causa, do cúmulo dos procedimentos e das sanções não seja excessivo face à gravidade da infração cometida.

59

Cabe, em definitivo, ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar o caráter proporcionado da aplicação concreta da referida regulamentação no âmbito do processo principal, ponderando, por um lado, a gravidade da infração fiscal em causa e, por outro, o encargo que resulta concretamente para a pessoa em causa do cúmulo dos procedimentos e das sanções em causa no processo principal.

60

Por último, na medida em que a Carta contém direitos correspondentes a direitos garantidos pela CEDH, o artigo 52.o, n.o 3, da Carta prevê que o sentido e o alcance desses direitos são os mesmos que os que lhes são conferidos pela referida convenção. Por conseguinte, há que ter em conta o artigo 4.o do Protocolo n.o 7 da CEDH para efeitos da interpretação do artigo 50.o da Carta (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 77, e de 5 de abril de 2017, Orsi e Baldetti, C‑217/15 e C‑350/15, EU:C:2017:264, n.o 24).

61

A este respeito, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou que o cúmulo de procedimentos e de sanções fiscais e penais que punem uma mesma infração à lei fiscal não viola o princípio ne bis in idem consagrado no artigo 4.o do Protocolo n.o 7 da CEDH, quando os processos fiscais e penais em causa apresentem um nexo material e temporal suficientemente estreito (TEDH, 15 de novembro de 2016, A e B c. Noruega, CE:ECHR:2016:1115JUD 002413011, § 132).

62

Assim, as exigências a que o artigo 50.o da Carta, em conjugação com o seu artigo 52.o, n.o 1, submete um eventual cúmulo de procedimentos e de sanções penais assim como de procedimentos e de sanções administrativos que tenham natureza penal, tal como resulta dos n.os 44, 49, 53, 55 e 58 do presente acórdão, asseguram um nível de proteção do princípio ne bis in idem que não viola o garantido pelo artigo 4.o do Protocolo n.o 7 da CEDH, conforme interpretado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

63

Atendendo ao conjunto das considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 50.o da Carta deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional nos termos da qual podem ser instaurados processos penais contra uma pessoa, por não pagamento do IVA devido nos prazos legais, apesar de já lhe ter sido aplicada, pelos mesmos factos, uma sanção administrativa definitiva de natureza penal na aceção do referido artigo 50.o, na condição de esta regulamentação

visar um objetivo de interesse geral que seja suscetível de justificar esse cúmulo de procedimentos e de sanções, a saber, a luta contra as infrações em matéria de IVA, devendo esses procedimentos e essas sanções ter finalidades complementares,

conter regras que assegurem uma coordenação que limite ao estritamente necessário o encargo adicional que para as pessoas em causa resulta de um cúmulo de procedimentos, e

prever regras que permitam assegurar que a severidade do conjunto de sanções aplicadas se limite ao estritamente necessário face à gravidade da infração em causa.

64

Cabe ao órgão jurisdicional nacional certificar‑se, tendo em conta o conjunto de circunstâncias no processo principal, de que o encargo que resulta concretamente para a pessoa em causa da aplicação da regulamentação nacional em questão no processo principal e do cúmulo de procedimentos e de sanções que esta autoriza não é excessivo face à gravidade da infração cometida.

Quanto às despesas

65

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional nos termos da qual podem ser instaurados processos penais contra uma pessoa, por não pagamento do imposto sobre o valor acrescentado devido nos prazos legais, apesar de já lhe ter sido aplicada, pelos mesmos factos, uma sanção administrativa definitiva de natureza penal na aceção do referido artigo 50.o, na condição de esta regulamentação

visar um objetivo de interesse geral que seja suscetível de justificar esse cúmulo de procedimentos e de sanções, a saber, a luta contra as infrações em matéria de imposto sobre o valor acrescentado, devendo esses procedimentos e essas sanções ter finalidades complementares,

conter regras que assegurem uma coordenação que limite ao estritamente necessário o encargo adicional que para as pessoas em causa resulta de um cúmulo de procedimentos, e

prever regras que permitam assegurar que a severidade do conjunto de sanções aplicadas se limite ao estritamente necessário face à gravidade da infração em causa.

 

2)

Cabe ao órgão jurisdicional nacional certificar‑se, tendo em conta o conjunto de circunstâncias no processo principal, de que o encargo que resulta concretamente para a pessoa em causa da aplicação da regulamentação nacional em questão no processo principal e do cúmulo de procedimentos e de sanções que esta autoriza não é excessivo face à gravidade da infração cometida.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.