ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

9 de março de 2017 ( 1 )*

«Reenvio prejudicial — Dados pessoais — Proteção das pessoas singulares no que respeita ao tratamento desses dados — Diretiva 95/46/CE — Artigo 6.o, n.o 1, alínea e) — Dados sujeitos à publicidade do registo das sociedades — Primeira Diretiva 68/151/CEE — Artigo 3.o — Dissolução da sociedade em causa — Limitação do acesso de terceiros a esses dados»

No processo C‑398/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Corte suprema di cassazione (Tribunal de Cassação, Itália), por decisão de 21 de maio de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 23 de julho de 2015, no processo

Camera di Commercio, Industria, Artigianato e Agricoltura di Lecce

contra

Salvatore Manni,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič (relator), presidente de secção, A. Prechal, A. Rosas, C. Toader e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 15 de junho de 2016,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Camera di Commercio, Industria, Artigianato e Agricoltura di Lecce, por L. Caprioli, avvocato,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por E. De Bonis e P. Grasso, avvocati dello Stato,

em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes,

em representação da Irlanda, por E. Creedon, J. Quaney e A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por A. Carroll, barrister,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, M. Figueiredo e C. Vieira Guerra, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por P. Costa de Oliveira, D. Nardi e H. Støvlbæk, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 8 de setembro de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o da Primeira Diretiva 68/151/CEE do Conselho, de 9 de março de 1968, tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados‑Membros às sociedades, na aceção do segundo parágrafo do artigo 58.o do Tratado, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO 1968, L 65, p. 8; EE 17 F1 p. 3), conforme alterada pela Diretiva 2003/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2003 (JO 2003, L 221, p. 13) (a seguir «Diretiva 68/151»), bem como do artigo 6.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO 1995, L 281, p. 31).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Camera di Commercio, Industria, Artigianato e Agricoltura di Lecce (Câmara de Comércio, Indústria, Artesanato e Agricultura de Lecce, Itália, a seguir «Câmara de Comércio de Lecce») e Salvatore Manni a propósito da recusa daquela de cancelar do registo das sociedades determinados dados pessoais que dizem respeito a S. Manni.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 68/151

3

Como especifica o considerando 3 da Diretiva 2003/58, esta visa, designadamente, a atualização da Diretiva 68/151 de modo a «facilitar e acelerar o acesso das partes interessadas às informações sobre as sociedades, simplificando significativamente as formalidades de publicidade impostas a estas últimas».

4

Os considerandos da Diretiva 68/151 têm a seguinte redação:

«Considerando que é urgente a coordenação prevista no n.o 3[,] alínea g), do artigo 54.o [do Tratado CEE], e no Programa Geral para a Supressão das Restrições à Liberdade de Estabelecimento, nomeadamente em relação às sociedades por ações e às outras sociedades de responsabilidade limitada, porquanto a atividade destas sociedades frequentemente se estende para além dos limites do território nacional;

Considerando que a coordenação das disposições nacionais respeitantes à publicidade, à validade das obrigações contraídas por estas sociedades e à nulidade destas, reveste particular importância, nomeadamente para assegurar a proteção dos interesses de terceiros;

Considerando que, neste domínio, devem ser adotadas simultaneamente disposições comunitárias para estas sociedades, visto que, como garantia, em face de terceiros, elas apenas oferecem o património social;

Considerando que a publicidade deve permitir que os terceiros conheçam os atos essenciais da sociedade e certas indicações a ela respeitantes, nomeadamente a identidade das pessoas que têm o poder de a vincular;

Considerando que a proteção de terceiros deve ser assegurada por disposições que limitem, na medida do possível, as causas de invalidade das obrigações contraídas em nome da sociedade;

Considerando que, para garantir a segurança jurídica tanto nas relações entre a sociedade e terceiros, como entre os sócios, é necessário limitar os casos de nulidade, assim como o efeito retroativo da declaração de nulidade, e fixar um prazo curto para a oposição de terceiros a esta declaração.»

5

Por força do artigo 1.o da Diretiva 68/151, as medidas de coordenação prescritas por esta aplicam‑se às disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas aos tipos de sociedades enumerados por esta disposição, entre os quais figura, para a República Italiana, a società a responsabilità limitata (sociedade de responsabilidade limitada).

6

O artigo 2.o da referida diretiva, que figura na secção I da mesma, intitulado «Publicidade», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que a publicidade obrigatória relativa às sociedades abranja, pelo menos, os seguintes atos e indicações:

[…]

d)

A nomeação e a cessação de funções, assim como a identidade das pessoas que, na qualidade de órgão legalmente previsto ou de membros de tal órgão:

i)

têm o poder de vincular a sociedade para com terceiros e de a representar em juízo,

ii)

participam na administração, na vigilância ou na fiscalização da sociedade.

[…]

h)

A dissolução da sociedade;

[…]

j)

A nomeação e a identidade dos liquidatários, bem como os seus poderes respetivos, salvo se estes poderes resultarem expressa e exclusivamente da lei ou dos estatutos;

k)

O encerramento da liquidação, assim como o cancelamento do registo nos Estados‑Membros em que este cancelamento produza efeitos jurídicos.»

7

O artigo 3.o da referida diretiva, que figura nesta mesma secção, dispõe:

«1.   Em cada Estado‑Membro será aberto um processo, seja junto de um registo central, seja junto de um registo comercial ou de um registo das sociedades, para cada uma das sociedades que aí estiverem inscritas.

2.   Todos os atos e todas as indicações que estão sujeitos a publicidade, nos termos do artigo 2.o, serão arquivados no processo ou transcritos no registo; o objeto das transcrições no registo deve, em qualquer caso, constar do processo;

[…]

3.   Deve poder ser obtida, mediante pedido, cópia integral ou parcial dos documentos ou indicações mencionados no artigo 2.o A partir de 1 de janeiro de 2007 os pedidos podem ser apresentados ao registo em suporte de papel ou por via eletrónica, à escolha do requerente.

A partir de uma data a fixar por cada Estado‑Membro, mas não posterior a 1 de janeiro de 2007, as cópias referidas no primeiro parágrafo podem ser obtidas do registo em suporte de papel ou por via eletrónica, à escolha do requerente. A presente disposição aplica‑se a todos os documentos e indicações, independentemente de terem sido arquivados antes ou depois da data fixada. Porém, os Estados‑Membros podem decidir que todos ou certos tipos de documentos e indicações arquivados em suporte de papel até 31 de dezembro de 2006 não podem ser obtidos do registo em formato eletrónico se já tiver decorrido um determinado período entre o arquivo e a apresentação do pedido junto do registo. Tal período não pode ser inferior a 10 anos.

[…]»

8

A Diretiva 68/151 foi revogada e substituída pela Diretiva 2009/101/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados‑Membros às sociedades, na aceção do segundo parágrafo do artigo 48.o do Tratado, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO 2009, L 258, p. 11), conforme alterada pela Diretiva 2012/17/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de junho de 2012 (JO 2012, L 156, p. 1).

9

A Diretiva 2012/17 inseriu na Diretiva 2009/101, designadamente, o artigo 7.o‑A, que especifica:

«O tratamento de dados pessoais no âmbito da presente diretiva fica sujeito ao disposto na Diretiva 95/46 […]»

10

Contudo, tendo em conta a data dos factos, o litígio no processo principal continua a ser regido pela Diretiva 68/151.

Diretiva 95/46

11

A Diretiva 95/46 que, segundo o seu artigo 1.o, tem por objeto a proteção das liberdades e dos direitos fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente do direito à vida privada, no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais, e a eliminação dos obstáculos à livre circulação desses dados, enuncia, nos seus considerandos 10 e 25:

«(10)

Considerando que o objetivo das legislações nacionais relativas ao tratamento de dados pessoais é assegurar o respeito dos direitos e liberdades fundamentais, nomeadamente do direito à vida privada, reconhecido não só no artigo 8.o da Convenção europeia para a proteção dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais [assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950,] como nos princípios gerais do direito comunitário; que, por este motivo, a aproximação das referidas legislações não deve fazer diminuir a proteção que asseguram, devendo, pelo contrário, ter por objetivo garantir um elevado nível de proteção na Comunidade;

[…]

(25)

Considerando que os princípios de proteção devem encontrar expressão, por um lado, nas obrigações que impendem sobre as pessoas […] responsáveis pelo tratamento de dados, em especial no que respeita à qualidade dos dados, à segurança técnica, à notificação à autoridade de controlo, às circunstâncias em que o tratamento pode ser efetuado, e, por outro, nos direitos das pessoas cujos dados são tratados serem informadas sobre esse tratamento, poderem ter acesso aos dados, poderem solicitar a sua retificação e mesmo, em certas circunstâncias, poderem opor‑se ao tratamento».

12

O artigo 2.o da Diretiva 95/46 dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)

‘Dados pessoais’, qualquer informação relativa a uma pessoa singular, identificada ou identificável (pessoa em causa); é considerado identificável todo aquele que possa ser identificado, direta ou indiretamente, nomeadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social;

b)

‘Tratamento de dados pessoais’ (tratamento), qualquer operação ou conjunto de operações efetuadas sobre dados pessoais, com ou sem meios automatizados, tais como a recolha, registo, organização, conservação, adaptação ou alteração, recuperação, consulta, utilização, comunicação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de colocação à disposição, comparação ou interconexão, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição;

[…]

d)

‘Responsável pelo tratamento’, a pessoa singular ou coletiva, a autoridade pública, o serviço ou qualquer outro organismo que, individualmente ou em conjunto com outrem, determine as finalidades e os meios de tratamento dos dados pessoais; sempre que as finalidades e os meios do tratamento sejam determinados por disposições legislativas ou regulamentares nacionais ou comunitárias, o responsável pelo tratamento ou os critérios específicos para a sua nomeação podem ser indicados pelo direito nacional ou comunitário;

[…]»

13

O artigo 3.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», estabelece, no seu n.o 1:

«A presente diretiva aplica‑se ao tratamento de dados pessoais por meios total ou parcialmente automatizados, bem como ao tratamento por meios não automatizados de dados pessoais contidos num ficheiro ou a ele destinados.»

14

O artigo 6.o da Diretiva 95/46, inserido no seu capítulo II, secção I, intitulada «Princípios relativos à qualidade dos dados», tem a seguinte redação:

«1.   Os Estados‑Membros devem estabelecer que os dados pessoais serão:

a)

Objeto de um tratamento leal e lícito;

b)

Recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, e que não serão posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades. O tratamento posterior para fins históricos, estatísticos ou científicos não é considerado incompatível desde que os Estados‑Membros estabeleçam garantias adequadas;

c)

Adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são recolhidos e para que são tratados posteriormente;

d)

Exatos e, se necessário, atualizados; devem ser tomadas todas as medidas razoáveis para assegurar que os dados inexatos ou incompletos, tendo em conta as finalidades para que foram recolhidos ou para que são tratados posteriormente, sejam apagados ou retificados;

e)

Conservados de forma a permitir a identificação das pessoas em causa apenas durante o período necessário para a prossecução das finalidades para que foram recolhidos ou para que são tratados posteriormente. Os Estados‑Membros estabelecerão garantias apropriadas para os dados pessoais conservados durante períodos mais longos do que o referido, para fins históricos, estatísticos ou científicos.

2.   Incumbe ao responsável pelo tratamento assegurar a observância do disposto no n.o 1.»

15

O artigo 7.o da Diretiva 95/46, inserido no seu capítulo II, secção II, intitulada «Princípios relativos à legitimidade do tratamento de dados», dispõe o seguinte:

«Os Estados‑Membros estabelecerão que o tratamento de dados pessoais só poderá ser efetuado se:

[…]

c)

O tratamento for necessário para cumprir uma obrigação legal à qual o responsável pelo tratamento esteja sujeito;

ou

[…]

e)

O tratamento for necessário para a execução de uma missão de interesse público ou o exercício da autoridade pública de que é investido o responsável pelo tratamento ou um terceiro a quem os dados sejam comunicados;

ou

f)

O tratamento for necessário para prosseguir interesses legítimos do responsável pelo tratamento ou do terceiro ou terceiros a quem os dados sejam comunicados, desde que não prevaleçam os interesses ou os direitos e liberdades fundamentais da pessoa em causa, protegidos ao abrigo do n.o 1 do artigo 1.o»

16

O artigo 12.o da mesma diretiva, intitulado «Direito de acesso», prevê:

«Os Estados‑Membros garantirão às pessoas em causa o direito de obterem do responsável pelo tratamento:

[…]

b)

Consoante o caso, a retificação, o apagamento ou o bloqueio dos dados cujo tratamento não cumpra o disposto na presente diretiva, nomeadamente devido ao caráter incompleto ou inexato desses dados;

[…]»

17

O artigo 14.o da Diretiva 95/46, intitulado «Direito de oposição da pessoa em causa», dispõe:

«Os Estados‑Membros reconhecerão à pessoa em causa o direito de:

a)

Pelo menos nos casos referidos nas alíneas e) e f) do artigo 7.o, se opor em qualquer altura, por razões preponderantes e legítimas relacionadas com a sua situação particular, a que os dados que lhe digam respeito sejam objeto de tratamento, salvo disposição em contrário do direito nacional. Em caso de oposição justificada, o tratamento efetuado pelo responsável deixa de poder incidir sobre esses dados;

[…]»

18

O artigo 28.o da Diretiva 95/46 prevê a criação, pelos Estados‑Membros, de uma autoridade de controlo responsável pela fiscalização da aplicação das disposições adotadas nos termos dessa diretiva.

Direito italiano

19

O artigo 2188.o do codice civil (Código Civil) dispõe:

«É instituído o registo das sociedades para efeito das inscrições previstas na lei.

A manutenção do registo incumbe ao serviço de registo das sociedades, sob fiscalização de um juiz delegado do presidente do tribunal.

O registo é público.»

20

O artigo 8.o n.os 1 e 2, da legge n.o 580 — Riordinamento delle camere di commercio, industria, artigianato e agricoltura (Lei n.o 580 sobre a reorganização das Câmaras de Comércio, Indústria, Artesanato e Agricultura), de 29 de dezembro de 1993 (suplemento ordinário do GURI n.o 7, de 11 de janeiro de 1994), prevê que a manutenção do registo das sociedades é confiada às Câmaras de Comércio, Indústria, Artesanato e Agricultura.

21

O decreto del Presidente della Repubblica n.o 581 — Regolamento di attuazione dell’articolo 8 della legge 29 dicembre 1993, n.o 580, in materia di istituzione del registro delle imprese di cui all’articolo 2188 del codice civile (Decreto do Presidente da República n.o 581 sobre o Regulamento de Execução do artigo 8.o da Lei n.o 580, de 29 de dezembro de 1993, relativa à instituição do registo das sociedades previsto no artigo 2188.o do Código Civil), de 7 de dezembro de 1995 (GURI n.o 28, de 3 de fevereiro de 1996), regula determinados aspetos relativos ao registo das sociedades.

22

A transposição em direito italiano da Diretiva 95/46 é assegurada pelo decreto legislativo n.o 196 — Codice in materia di protezione dei dati personali (Decreto Legislativo n.o 196, que institui o Código de Proteção de Dados Pessoais), de 30 de junho de 2003 (suplemento ordinário do GURI n.o 174, de 29 de julho de 2003).

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

23

S. Manni é administrador único da Italiana Costruzioni Srl, à qual foi adjudicado um contrato para a construção de um complexo turístico.

24

Em 12 de dezembro de 2007, S. Manni intentou uma ação contra a Câmara de Comércio de Lecce, alegando que os imóveis desse complexo não se vendiam por resultar do registo das sociedades que ele tinha sido o administrador único e o liquidatário da Immobiliare e Finanziaria Salentina Srl (a seguir «Immobiliare Salentina»), cuja falência tinha sido declarada em 1992, e que essa sociedade tinha sido cancelada do registo das sociedades, na sequência de um processo de liquidação, em 7 de julho de 2005.

25

No âmbito dessa ação, S. Manni alegou que os seus dados pessoais, que resultam do registo das sociedades, foram tratados por uma sociedade especializada na recolha e processamento de informação de mercado e na evolução dos riscos (rating) e que, apesar de um seu pedido nesse sentido, a Câmara de Comércio de Lecce não procedeu ao respetivo cancelamento.

26

S. Manni pediu, portanto, por um lado, que seja ordenado à Câmara de Comércio de Lecce que cancele, torne anónimos ou bloqueie os dados que o associam à falência da Immobiliare Salentina e, por outro, que essa Câmara de Comércio seja condenada a reparar o prejuízo por ele sofrido pelo facto de a sua reputação ter sido prejudicada.

27

Por decisão de 1 de agosto de 2011, o Tribunale di Lecce (Tribunal de Lecce, Itália) julgou procedente aquele pedido e ordenou à Câmara de Comércio de Lecce que tornasse anónimos ou que bloqueasse os dados que associam S. Manni à falência da Immobiliare Salentina e condenou a demandada na reparação do prejuízo, fixado em 2000 euros, acrescido de juros e despesas.

28

Com efeito, o Tribunale di Lecce (Tribunal de Lecce) entendeu que «as inscrições que associam o nome de uma pessoa singular a uma fase crítica da vida da empresa (como a falência) não podem ser perenes, na falta de um interesse geral específico na respetiva conservação e divulgação». Não estando prevista pelo Código Civil uma duração máxima de inscrição, entendeu que, «uma vez terminado um período adequado» após concluída a falência da sociedade em causa e o seu cancelamento do registo das sociedades, a necessidade e a utilidade, na aceção do Decreto Legislativo n.o 196, da indicação do nome do antigo administrador único dessa sociedade no momento da falência desta desaparece, podendo o interesse público de uma «‘memória histórica’ da existência da sociedade e das dificuldades que atravessou ser amplamente realizado igualmente através de dados anónimos».

29

Chamado a conhecer de um recurso de cassação interposto pela Câmara de Comércio de Lecce contra a referida decisão, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o princípio da conservação dos dados pessoais ser interpretado no sentido de que permite a identificação das pessoas interessadas durante um período de tempo não superior ao necessário à prossecução das finalidades para as quais são recolhidos ou posteriormente tratados, previsto no artigo 6.o, [n.o 1,] alínea e), da Diretiva 95/46, transposta pelo Decreto Legislativo n.o 196, de 30 de junho de 2003, e de que, por isso, se opõe ao sistema de publicidade constituído pelo registo das sociedades, previsto na […] Diretiva 68/151, bem como, no direito nacional, no artigo 2188.o do Código Civil e no artigo 8.o da Lei n.o 580, de 29 de dezembro de 1993, na medida em que exige que qualquer pessoa possa, sem limite temporal, ter acesso aos dados relativos às pessoas singulares constantes desse registo?

2)

Permite o artigo 3.o da Diretiva 68/151 que, em derrogação do princípio de que os dados publicados no registo das sociedades têm duração temporal ilimitada e estão disponíveis a destinatários indeterminados, os mesmos dados deixem de estar sujeitos a ‘publicidade’, nesse duplo sentido, mas estejam disponíveis só durante um período limitado ou relativamente a destinatários determinados, com base numa apreciação casuística atribuída ao gestor desses dados?»

Quanto às questões prejudiciais

30

Com as suas questões, que importa tratar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o da Diretiva 68/151 e o artigo 6.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 95/46 devem ser interpretados no sentido de que os Estados‑Membros podem, ou mesmo devem, permitir às pessoas singulares, a que se refere o artigo 2.o, n.o 1, alíneas d) e j), da Diretiva 68/151, solicitar à autoridade responsável pela manutenção do registo das sociedades que limite, decorrido um determinado prazo após a dissolução da sociedade em causa e com base numa apreciação casuística, o acesso aos dados pessoais respetivos, inscritos nesse registo.

31

A título preliminar, há que realçar que o processo principal e as questões prejudiciais assim dirigidas ao Tribunal de Justiça dizem respeito não ao tratamento posterior dos dados controvertidos, neste caso efetuado por uma sociedade especializada na atividade de rating, a que se refere o n.o 25 do presente acórdão, mas à acessibilidade de terceiros a esses dados que constam do registo das sociedades.

32

A este respeito, antes de mais, há que realçar que, por força do artigo 2.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 68/151, os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que a publicidade obrigatória relativa às sociedades abranja, pelo menos, a nomeação, a cessação de funções, assim como a identidade das pessoas que, na qualidade de órgão legalmente previsto ou de membros de tal órgão, têm o poder de vincular a sociedade perante terceiros e de a representar em juízo ou participam na administração, na supervisão ou na fiscalização dessa sociedade. Além disso, segundo esse mesmo artigo 2.o, n.o 1, alínea j), devem igualmente ser tornados públicos a nomeação e a identidade dos liquidatários, bem como, em princípio, os seus poderes respetivos.

33

Nos termos do artigo 3.o, n.os 1 a 3, da Diretiva 68/151, essas indicações devem ser transcritas, em cada Estado‑Membro, num registo central, isto é, num registo comercial ou num registo das sociedades (a seguir, conjuntamente, «registo»), e uma cópia integral ou parcial dessas indicações deve poder ser obtida mediante pedido.

34

Ora, há que observar que as indicações relativas à identidade das pessoas a que se refere o artigo 2.o, n.o 1, alíneas d) e j), da Diretiva 68/151 constituem, enquanto informações sobre pessoas singulares identificadas ou identificáveis, «dados pessoais», na aceção do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 95/46. Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a circunstância de essas informações se inscreverem no contexto de uma atividade profissional não é de molde a retirar‑lhes a qualificação de dados pessoais (v. acórdão de 16 de julho de 2015, ClientEarth e PAN Europe/EFSA, C‑615/13 P, EU:C:2015:489, n.o 30 e jurisprudência referida).

35

Por outro lado, ao transcrever e manter as referidas informações no registo e ao comunicá‑las, sendo o caso, mediante pedido a terceiros, a autoridade encarregada da manutenção desse registo procede a um «tratamento de dados pessoais», pelo qual é «responsável», na aceção das definições dadas no artigo 2.o, alíneas b) e d), da Diretiva 95/46.

36

O tratamento de dados pessoais que é, assim, feito na aplicação do artigo 2.o, n.o 1, alíneas d) e j), e do artigo 3.o da Diretiva 68/151 está sujeito à Diretiva 95/46, por força dos seus artigos 1.o e 3.o Isso encontra‑se, de resto, agora expressamente previsto no artigo 7.o‑A da Diretiva 2009/101, conforme alterada pela Diretiva 2012/17, que, todavia, tem apenas, neste contexto, valor declarativo. Como alegou a Comissão Europeia na audiência, o legislador da União Europeia considerou, com efeito, útil recordar essa circunstância no contexto das alterações legislativas introduzidas pela Diretiva 2012/17 e que visam assegurar a interoperabilidade dos registos dos Estados‑Membros, uma vez que essas alterações deixam antever um aumento na intensidade do tratamento de dados pessoais.

37

Quanto à Diretiva 95/46, importa recordar que, como resulta do seu artigo 1.o e do seu considerando 10, esta visa garantir um nível elevado de proteção das liberdades e dos direitos fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente, da sua vida privada, no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais (v. acórdão de 13 de maio de 2014, Google Spain e Google, C‑131/12, EU:C:2014:317, n.o 66 e jurisprudência referida).

38

Segundo o considerando 25 da Diretiva 95/46, os princípios da proteção previstos por esta encontram expressão, por um lado, nas obrigações que impendem sobre as pessoas que procedem ao tratamento dos dados, referindo‑se essas obrigações, em especial, à qualidade dos dados, à segurança técnica, à notificação à autoridade de controlo, às circunstâncias em que o tratamento pode ser efetuado, e, por outro, nos direitos conferidos às pessoas, cujos dados são objeto de tratamento, de serem informadas sobre este, de terem acesso aos dados, de solicitarem a sua retificação e mesmo, em certas circunstâncias, de se oporem ao tratamento.

39

O Tribunal de Justiça já declarou que as disposições da Diretiva 95/46, na medida em que regulam o tratamento de dados pessoais suscetível de pôr em causa as liberdades fundamentais e, em especial, o direito à vida privada, devem necessariamente ser interpretadas à luz dos direitos fundamentais garantidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») (v. acórdão de 6 de outubro de 2015, Schrems, C‑362/14, EU:C:2015:650, n.o 38 e jurisprudência referida).

40

Assim, o artigo 7.o da Carta garante o direito ao respeito pela vida privada, enquanto o artigo 8.o da Carta proclama expressamente o direito à proteção dos dados pessoais. Os n.os 2 e 3 deste último artigo precisam que esses dados devem ser objeto de um tratamento leal, para fins específicos e com o consentimento da pessoa interessada ou com outro fundamento legítimo previsto por lei, que todas as pessoas têm o direito de aceder aos dados coligidos que lhes digam respeito e de obter a respetiva retificação e que o cumprimento destas regras fica sujeito a fiscalização por parte de uma autoridade independente. Estas exigências encontram aplicação, nomeadamente, nos artigos 6.o, 7.o, 12.o, 14.o e 28.o da Diretiva 95/46.

41

No que se refere, em especial, às condições gerais da legalidade impostas pela Diretiva 95/46, importa recordar que, sem prejuízo das derrogações admitidas nos termos do seu artigo 13.o, qualquer tratamento de dados pessoais deve, por um lado, ser conforme com os princípios relativos à qualidade dos dados, enunciados no artigo 6.o desta diretiva, e, por outro, cumprir um dos princípios relativos à legitimidade do tratamento de dados, enumerados no artigo 7.o da referida diretiva (v., designadamente, acórdão de 14 de maio de 2014, Google Spain e Google, C‑131/12, EU:C:2014:317, n.o 71 e jurisprudência referida).

42

A este respeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 52 das suas conclusões, há que observar que o tratamento de dados pessoais que é efetuado pela autoridade encarregada da manutençãodo registo por aplicação do artigo 2.o, n.o 1, alíneas d) e j), e do artigo 3.o da Diretiva 68/151 responde a vários fundamentos de legitimação previstos no artigo 7.oda Diretiva 95/46, a saber, os que figuram na sua alínea c), relativa ao respeito de uma obrigação legal, na sua alínea e), relativa ao exercício da autoridade pública ou à execução de uma missão de interesse público, e na sua alínea f), relativa à realização de um interesse legítimo prosseguido pelo responsável pelo tratamento ou pelos terceiros a quem os dados sejam comunicados.

43

Tratando‑se, designadamente, do fundamento de legitimação previsto no artigo 7.o, alínea e), da Diretiva 95/46, há que recordar que o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de decidir que a atividade de uma autoridade pública que consiste em salvaguardar, numa base de dados, dados que as sociedades são obrigadas a comunicar com base em obrigações legais, em permitir aos interessados a consulta desses dados e em lhes fornecer cópias destes enquadra‑se no exercício de poderes públicos (v. acórdão de 12 de julho de 2012, Compass‑Datenbank, C‑138/11, EU:C:2012:449, n.os 40 e 41). Além disso, tal atividade constitui igualmente uma missão de interesse público, na aceção dessa mesma disposição.

44

Neste caso, as partes no processo principal opõem‑se quanto a saber se a autoridade encarregada da manutenção do registo deve, decorrido um certo prazo após a cessação das atividades de uma sociedade e a pedido da pessoa em causa, quer apagar ou tornar anónimos esses dados pessoais quer limitar a sua publicidade. Nesse contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, designadamente, sobre se tal obrigação decorre do artigo 6.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 95/46.

45

Segundo o artigo 6.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 95/46, os Estados‑Membros preveem que os dados pessoais serão conservados sob uma forma que permita a identificação das pessoas em causa apenas durante um período que não exceda o necessário à realização das finalidades para que foram recolhidos ou para que são tratados posteriormente. Quando esses dados são conservados para além do período referido para fins históricos, estatísticos ou científicos, os Estados‑Membros preveem garantias adequadas. Por força do n.o 2 desse mesmo artigo, incumbe ao responsável pelo tratamento assegurar a observância desses princípios.

46

Em caso de não cumprimento da condição imposta no artigo 6.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 95/46, os Estados‑Membros garantirão à pessoa em causa, nos termos do seu artigo 12.o, alínea b), o direito de que o responsável pelo tratamento, consoante o caso, apague ou bloqueie os dados em questão (v., neste sentido, acórdão de 13 de maio de 2014, Google Spain e Google, C‑131/12, EU:C:2014:317, n.o 70).

47

Por outro lado, segundo o artigo 14.o, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 95/46, os Estados‑Membros reconhecerão à pessoa em causa o direito, designadamente nos casos referidos no seu artigo 7.o, alíneas e) e f), de se opor, em qualquer altura, por razões preponderantes e legítimas relacionadas com a sua situação particular, a que os dados que lhe dizem respeito sejam objeto de tratamento, salvo disposição em contrário do direito nacional. A ponderação a efetuar no âmbito do referido artigo 14.o, primeiro parágrafo, alínea a), permite, assim, ter em conta, de maneira mais específica, todas as circunstâncias que rodeiam a situação concreta da pessoa em causa. Em caso de oposição justificada, o tratamento efetuado pelo responsável deixa de poder incidir sobre esses dados (v. acórdão de 13 de maio de 2014, Google Spain e Google, C‑131/12, EU:C:2014:317, n.o 76).

48

A fim de determinar se os Estados‑Membros são obrigados, por força do artigo 6.o, n.o 1, alínea e), e do artigo 12.o, alínea b), ou do artigo 14.o, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 95/46, a prever para as pessoas singulares referidas no artigo 2.o, n.o 1, alíneas d) e j), da Diretiva 68/151 o direito de pedir à autoridade encarregada da manutenção do registo que apague ou bloqueie após um certo tempo os dados pessoais inscritos nesse registo, ou restrinja o acesso a estes, importa, antes de mais, procurar saber qual a finalidade dessa inscrição.

49

A este respeito, resulta dos considerandos e do título da Diretiva 68/151 que a publicidade nela prevista visa proteger, designadamente, os interesses de terceiros relativamente às sociedades por ações e às sociedades por quotas, uma vez que apenas oferecem como garantia em relação a terceiros o seu património social. Para este efeito, a publicidade deve permitir que os terceiros conheçam os atos essenciais da sociedade em questão e certas indicações a ela respeitantes, nomeadamente a identidade das pessoas que têm o poder de a vincular.

50

Por outro lado, o Tribunal de Justiça já salientou que a finalidade da Diretiva 68/151 é garantir a segurança jurídica nas relações entre as sociedades e os terceiros na perspetiva de uma intensificação das trocas comerciais entre os Estados‑Membros na sequência da criação do mercado interno e que, nessa perspetiva, é importante que qualquer pessoa que pretenda estabelecer e continuar as suas relações comerciais com as sociedades situadas noutros Estados‑Membros possa facilmente tomar conhecimento dos dados essenciais relativos à constituição das sociedades comerciais e aos poderes das pessoas encarregadas de as representar, o que impõe que todos os dados importantes figurem explicitamente no registo (v., neste sentido, acórdão de 12 de novembro de 1974, Haaga, 32/74, EU:C:1974:116, n.o 6).

51

Além disso, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a publicidade prevista no artigo 3.o da Diretiva 68/151 visa permitir a informação de todos os interessados, sem que estes tenham de justificar a existência de um direito ou de um interesse que necessite de proteção. Salientou, a esse respeito, que o próprio texto do artigo 54.o, n.o 3, alínea g), do Tratado CEE, no qual assenta esta diretiva, menciona o objetivo de proteção dos interesses de terceiros em geral sem distinguir ou excluir certas categorias de entre estes, de forma que o conceito de terceiros visado nesta disposição não pode, nomeadamente, ser reduzido exclusivamente aos credores da sociedade em causa (v. acórdão de 4 de dezembro de 1997, Daihatsu Deutschland, C‑97/96, EU:C:1997:581, n.os 19, 20 e 22, e despacho de 23 de setembro de 2004, Springer, C‑435/02 e C‑103/03, EU:C:2004:552, n.os 29 e 33).

52

Em seguida, quanto à questão de saber se, para atingir a finalidade do artigo 3.o da Diretiva 68/151, é, em princípio, necessário que os dados pessoais das pessoas singulares referidas no artigo 2.o, n.o 1, alíneas d) e j), dessa diretiva continuem inscritos no registo e/ou sejam acessíveis a quaisquer terceiros mediante pedido igualmente após a cessação da atividade e a dissolução da sociedade em causa, há que observar que a referida diretiva não contém nenhuma precisão a esse propósito.

53

No entanto, como também salientou o advogado‑geral nos n.os 73 e 74 das suas conclusões, é pacífico que, mesmo após a dissolução de uma sociedade, os direitos e as relações jurídicas relativos a essa sociedade podem subsistir. Assim, em caso de litígio, os dados previstos no artigo 2.o, n.o 1, alíneas d) e j), da Diretiva 68/151 podem revelar‑se necessários para, designadamente, apurar da legalidade de um ato praticado em nome dessa sociedade durante o período da sua atividade ou para que terceiros possam intentar uma ação contra os membros dos seus órgãos ou contra os seus liquidatários.

54

Além disso, em função, designadamente, dos prazos de prescrição aplicáveis nos diferentes Estados‑Membros, podem surgir questões que imponham a necessidade de dispor desses dados mesmo vários anos após uma sociedade ter deixado de existir.

55

Ora, face à grande variedade de cenários possíveis, que podem envolver operadores em vários Estados‑Membros, e à significativa heterogeneidade dos prazos de prescrição previstos pelos diferentes direitos nacionais em diferentes áreas do direito, salientada pela Comissão, afigura‑se, no estado atual, impossível a identificação de um prazo único, a contar da dissolução de uma sociedade, no termo do qual a inscrição dos referidos dados no registo e a respetiva publicidade deixam de ser necessárias.

56

Nessas condições, os Estados‑Membros, por força do artigo 6.o, n.o 1, alínea e), e do artigo 12.o, alínea b), da Diretiva 95/46, não podem garantir às pessoas singulares visadas no artigo 2.o, n.o 1, alíneas d) e j), da Diretiva 68/151 o direito de obter, por princípio, após um determinado prazo a contar da dissolução da sociedade em causa, a supressão dos dados pessoais que lhes dizem respeito, que foram inscritos no registo em aplicação dessa última disposição, ou o bloqueio desses dados para o público.

57

Esta interpretação do artigo 6.o, n.o 1, alínea e), e do artigo 12.o, alínea b), da Diretiva 95/46 não conduz, por outro lado, a uma ingerência desproporcionada nos direitos fundamentais das pessoas em causa, designadamente no direito ao respeito da vida privada, bem como no seu direito à proteção de dados pessoais, garantidos pelos artigos 7.o e 8.o da Carta.

58

Com efeito, por um lado, o artigo 2.o, n.o 1, alíneas d) e j), e o artigo 3.o da Diretiva 68/151 impõem a publicidade unicamente para um número limitado de dados pessoais, a saber, os que se referem à identidade e às funções respetivas das pessoas com poderes para vincular perante terceiros a sociedade em causa e para a representar em juízo, ou que participam na administração, na supervisão ou na fiscalização dessa sociedade, ou que tenham sido nomeadas como seu liquidatário.

59

Por outro lado, como salientado no n.o 49 do presente acórdão, a Diretiva 68/151 prevê a publicidade para os dados visados no seu artigo 2.o, n.o 1, alíneas d) e j), devido, designadamente, ao facto de as sociedades anónimas e as sociedades por quotas apenas oferecerem como garantia perante terceiros o seu património social, o que representa um risco acrescido para estes. Tendo em conta este risco, justifica‑se que as pessoas singulares que optem por participar nas trocas comerciais por intermédio dessa sociedade sejam obrigadas a disponibilizar ao público os dados que se referem à sua identidade e às suas funções nesta, tanto mais que estão conscientes dessa obrigação no momento em que decidem exercer tal atividade.

60

Por último, quanto ao artigo 14.o, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 95/46, há que observar que, embora resulte do que precede que na ponderação a fazer no âmbito desta disposição prevalecem, em princípio, a necessidade de proteger os interesses de terceiros em relação às sociedades anónimas e às sociedades por quotas e de garantir a segurança jurídica, a lealdade das transações comerciais e o bom funcionamento do mercado interno, não se pode, contudo, excluir que possam existir situações especiais em que razões preponderantes e legítimas relacionadas com o caso concreto da pessoa em causa justifiquem excecionalmente que o acesso aos dados pessoais que lhe dizem respeito inscritos no registo das sociedades seja limitado, findo um prazo suficientemente longo após a dissolução da sociedade em questão, a terceiros que demonstrem um interesse específico na sua consulta.

61

A este respeito, há contudo que precisar que, na medida em que a aplicação do artigo 14.o, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 95/46 está sujeita à reserva de que a legislação nacional não preveja disposição em contrário, a decisão final quanto a saber se as pessoas singulares visadas no artigo 2.o, n.o 1, alíneas d) e j), da Diretiva 68/151 podem pedir à autoridade encarregada da manutenção do registo uma limitação do acesso aos dados pessoais que lhes dizem respeito, com base numa apreciação casuística, cabe aos legisladores nacionais.

62

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar o estado do direito nacional neste domínio.

63

No pressuposto de que resulta dessa verificação que o direito nacional permite pedidos deste tipo, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, atendendo a todas as circunstâncias pertinentes e tendo em conta o prazo corrido após a dissolução da sociedade em causa, a existência eventual de razões preponderantes e legítimas que seriam, se for caso disso, de molde a justificar excecionalmente a limitação do acesso de terceiros aos dados que dizem respeito a S. Manni no registo das sociedades, dos quais resulta que este foi o administrador único e liquidatário da Immobiliare Salentina. A este respeito, há que salientar que a mera circunstância de que, supostamente, os imóveis de um complexo turístico construído pela Italiana Costruzioni, de que S. Manni é atualmente administrador único, não se vendem porque os potenciais adquirentes desses imóveis têm acesso a esses dados no registo das sociedades não basta para configurar tal razão, tendo em conta, designadamente, o interesse legítimo destes de disporem dessas informações.

64

Atendendo às considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 6.o, n.o 1, alínea e), o artigo 12.o, alínea b), e o artigo 14.o, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 95/46, lidos em conjugação com o artigo 3.o da Diretiva 68/151, devem ser interpretados no sentido de que, no estado atual do direito da União, cabe aos Estados‑Membros determinar se as pessoas singulares, visadas no artigo 2.o, n.o 1, alíneas d) e j), desta última diretiva, podem pedir à autoridade encarregada da manutenção do registo das sociedades que verifique, com base numa apreciação casuística, se se justifica excecionalmente, por razões preponderantes e legítimas relativas à sua situação especial, limitar, findo um prazo suficientemente longo após a dissolução da sociedade em causa, o acesso aos dados pessoais que lhes dizem respeito, inscritos no registo, a terceiros que demonstrem um interesse específico na consulta desses dados.

Quanto às despesas

65

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

O artigo 6. o , n. o 1, alínea e), o artigo 12. o , alínea b), e o artigo 14. o , primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, lidos em conjugação com o artigo 3. o da Primeira Diretiva 68/151/CEE do Conselho, de 9 de março de 1968, tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos EstadosMembros às sociedades, na aceção do segundo parágrafo do artigo 58.o do Tratado, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade, conforme alterada pela Diretiva 2003/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2003, devem ser interpretados no sentido de que, no estado atual do direito da União, cabe aos EstadosMembros determinar se as pessoas singulares, visadas no artigo 2.o, n.o 1, alíneas d) e j), desta última diretiva, podem pedir à autoridade encarregada da manutenção, respetivamente, do registo central, do registo do comércio ou do registo das sociedades que verifique, com base numa apreciação casuística, se se justifica excecionalmente, por razões preponderantes e legítimas relativas à sua situação especial, limitar, findo um prazo suficientemente longo após a dissolução da sociedade em causa, o acesso aos dados pessoais que lhes dizem respeito, inscritos no registo, a terceiros que demonstrem um interesse específico na consulta desses dados.

 

Assinaturas


( 1 ) Língua do processo: italiano.