ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

25 de outubro de 2017 ( *1 )

«Recurso de anulação — Decisão do Conselho que autoriza a abertura de negociações sobre um Acordo de Lisboa revisto relativo às denominações de origem e às indicações geográficas — Artigo 3.o, n.o 1, TFUE — Competência exclusiva da União — Política comercial comum — Artigo 207.o, n.o 1, TFUE — Aspetos comerciais da propriedade intelectual»

No processo C‑389/15,

que tem por objeto um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE, interposto em 17 de julho de 2015,

Comissão Europeia, representada por F. Castillo de la Torre, J. Guillem Carrau, B. Hartmann, A. Lewis e M. Kocjan, na qualidade de agentes,

recorrente,

apoiada por:

Parlamento Europeu, representado por J. Etienne, A. Neergaard e R. Passos, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por M. Balta e F. Florindo Gijón, na qualidade de agentes,

recorrido,

apoiado por:

República Checa, representada por M. Hedvábná, K. Najmanová, M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

República Federal da Alemanha, representada por T. Henze e J. Techert, na qualidade de agentes,

República Helénica, representada por M. Tassopoulou, na qualidade de agente,

Reino de Espanha, representado por M. A. Sampol Pucurull, na qualidade de agente,

República Francesa, representada por G. de Bergues, D. Colas, F. Fize, B. Fodda e D. Segoin, na qualidade de agentes,

República Italiana, representada por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Fiorentino, avvocato dello Stato,

Hungria, representada por M. Bóra, M. Z. Fehér e G. Koós, na qualidade de agentes,

Reino dos Países Baixos, representado por M. Bulterman, M. Gijzen e B. Koopman, na qualidade de agentes,

República da Áustria, representada por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

República Portuguesa, representada por M. Figueiredo, L. Inez Fernandes e M. L. Duarte, na qualidade de agentes,

República Eslovaca, representada por M. Kianička, na qualidade de agente,

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por C. Brodie e D. Robertson, na qualidade de agentes,

intervenientes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Tizzano, vice‑presidente, L. Bay Larsen, J. L. da Cruz Vilaça, A. Rosas, J. Malenovský (relator), presidentes de secção, E. Juhász, M. Safjan, D. Šváby, M. Berger, A. Prechal, E. Jarašiūnas e M. Vilaras, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 12 de junho de 2017,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 26 de julho de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

Através do seu recurso, a Comissão Europeia pede a anulação da Decisão 8512/15 do Conselho, de 7 de maio de 2015, que autoriza a abertura de negociações sobre um Acordo de Lisboa revisto relativo às denominações de origem e às indicações geográficas, no que respeita a matérias da competência da União Europeia (a seguir «decisão impugnada»).

Quadro jurídico

Direito internacional

Convenção de Paris

2

A Convenção para a Proteção da Propriedade Industrial foi assinada em Paris, em 20 de março de 1883, revista pela última vez em Estocolmo, em 14 de julho de 1967, e alterada em 28 de setembro de 1979 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 828, n.o 11851, p. 305, a seguir «Convenção de Paris»).

3

Do texto inicial desta Convenção constava um preâmbulo, não retomado nas revisões posteriores, nos termos do qual as partes na referida Convenção decidiram celebrá‑la «motivadas pelo desejo de assegurar, de comum acordo, uma proteção completa e eficaz da indústria e do comércio dos cidadãos dos respetivos Estados e de contribuir para a garantia dos direitos dos inventores e para a lealdade das transações comerciais».

4

O artigo 1.o da Convenção de Paris prevê, nomeadamente, que os Estados aos quais a mesma se aplica se constituem em União para a proteção da propriedade industrial, incluindo as patentes, os modelos, os desenhos, as marcas, o nome comercial e as indicações de proveniência ou denominações de origem, bem como a repressão da concorrência desleal.

5

O artigo 2.o desta Convenção prevê nomeadamente que os nacionais de cada um dos Estados desta União gozarão, em todos os outros Estados que dela são membros, no que respeita à proteção da propriedade industrial, das vantagens que as respetivas leis concedem aos nacionais, e que, por conseguinte, aqueles gozarão da mesma proteção que estes últimos.

6

Neste contexto, os artigos 10.o a 10.o‑ter da referida Convenção obrigam os Estados desta União a assegurar aos seus nacionais uma proteção efetiva contra a concorrência desleal, bem como a oferecer‑lhes recursos legais adequados, estando igualmente prevista a apreensão dos produtos em causa no ato da importação em caso de utilização de uma indicação falsa relativa à sua proveniência.

7

Ao abrigo do artigo 19.o da Convenção de Paris, os Estados partes nesta última reservam‑se o direito de, separadamente, concluírem entre si acordos particulares para a proteção da propriedade industrial.

Acordo de Lisboa

8

O Acordo de Lisboa para a proteção das denominações de origem e seu registo internacional foi assinado em 31 de outubro de 1958, revisto em Estocolmo, em 14 de julho de 1967, e alterado em 28 de setembro de 1979 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 828, n.o 13172, p. 205, a seguir «Acordo de Lisboa»). Constitui um acordo particular, na aceção do artigo 19.o da Convenção de Paris, ao qual qualquer Estado parte nesta Convenção pode aderir.

9

À data da interposição do presente recurso, eram partes neste acordo vinte e oito Estados. Entre estes figuravam sete Estados‑Membros da União, a saber, a República da Bulgária, a República Checa, a República Francesa, a República Italiana, a Hungria, a República Portuguesa e a República Eslovaca. Três outros Estados‑Membros, concretamente, a República Helénica, o Reino de Espanha e a Roménia, também o tinham assinado sem, no entanto, o terem ratificado. A União, em contrapartida, não era parte no referido acordo, ao qual só podiam aderir Estados.

10

Nos termos do artigo 1.o do Acordo de Lisboa, os países aos quais este acordo se aplica constituem‑se em União Particular no âmbito da União para a Proteção da Propriedade Industrial, instituída pela Convenção de Paris, e obrigam‑se a proteger, nos seus territórios e nos termos deste acordo, as denominações de origem dos produtos dos outros países da União Particular, reconhecidas e protegidas como tal no país de origem e registadas na Secretaria Internacional da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI).

11

Ao abrigo do artigo 2.o, n.o 1, deste acordo, entende‑se por «denominação de origem» a denominação geográfica de um país, região ou localidade que serve para designar um produto dele originário cuja qualidade ou características são devidas exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluindo os fatores naturais e os fatores humanos.

12

Os artigos 3.o a 7.o do referido acordo definem o conteúdo e as condições de proteção das denominações de origem por ele abrangidas, assim como as modalidades do seu registo pela Secretaria Internacional da OMPI. O artigo 4.o do mesmo acordo precisa nomeadamente que esta proteção não exclui a proteção já existente a favor dessas denominações de origem em cada um dos Estados da União Particular, ao abrigo, nomeadamente, da Convenção de Paris.

13

O artigo 8.o do Acordo de Lisboa prevê que as diligências necessárias para assegurar a referida proteção poderão ser exercidas, em cada um dos países da União Particular instituída por este acordo, em conformidade com a legislação nacional.

14

Os artigos 9.o a 18.o deste acordo reúnem as disposições consagradas à organização institucional e ao funcionamento administrativo da referida União Particular, bem como as cláusulas gerais relativas ao referido acordo.

Direito da União

15

A partir dos anos 1970, a União adotou progressivamente diferentes atos que regem, nomeadamente, a definição, a designação, a apresentação e a rotulagem de certos tipos de produtos que beneficiam de denominações de origem ou de indicações geográficas, bem como as condições de concessão, de proteção e de controlo destas últimas. Os tipos de produtos atualmente em causa são os vinhos, as bebidas espirituosas, os vinhos aromatizados e outros produtos agrícolas e géneros alimentícios.

16

A regulamentação da União a este respeito é atualmente constituída pelo Regulamento (CE) n.o 110/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de janeiro de 2008, relativo à definição, designação, apresentação, rotulagem e proteção das indicações geográficas das bebidas espirituosas e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 1576/89 do Conselho (JO 2008, L 39, p. 16, e retificação no JO 2009, L 228, p. 47), pelo Regulamento (UE) n.o 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, relativo aos regimes de qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JO 2012, L 343, p. 1, e retificação no JO 2013, L 55, p. 27), pelo Regulamento (UE) n.o 1308/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece uma organização comum dos mercados dos produtos agrícolas e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 922/72, (CEE) n.o 234/79, (CE) n.o 1037/2001 e (CE) n.o 1234/2007 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 671, e retificações no JO 2014, L 189, p. 261, e no JO 2016, L 130, p. 32), bem como pelo Regulamento (UE) n.o 251/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativo à definição, descrição, apresentação, rotulagem e proteção das indicações geográficas dos produtos vitivinícolas aromatizados e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1601/91 do Conselho (JO 2014, L 84, p. 14, e retificações no JO 2014, L 105, p. 12, e L 283, p. 77, e no JO 2016, L 227, p. 5).

Antecedentes do litígio e decisão impugnada

Revisão do Acordo de Lisboa

17

Em setembro de 2008, a assembleia da União Particular instituída pelo Acordo de Lisboa criou um grupo de trabalho responsável pela preparação de uma revisão deste acordo com vista a melhorá‑lo e a torná‑lo mais atrativo, preservando simultaneamente os seus princípios e objetivos.

18

Em outubro de 2014, este grupo de trabalho chegou a acordo a respeito de um projeto de ato (a seguir «projeto de acordo revisto»), que retomava as disposições de ordem institucional, processual e material que figuravam no Acordo de Lisboa, ao mesmo tempo que alterava parcialmente a sua sistemática e aditava alguns elementos complementares ou precisões. Estes tinham por objeto, em particular, o âmbito de aplicação da proteção prevista por este acordo, que era proposto alargar às indicações geográficas (artigos 2.o e 9.o), o alcance material desta proteção e os meios processuais para lhe dar execução (artigos 4.o a 8.o e 11.o a 20.o), bem como a possibilidade de as organizações intergovernamentais aderirem ao referido acordo (artigo 28.o).

19

Foi convocada uma conferência diplomática em Genebra, entre 11 e 21 de maio de 2015, com vista à apreciação e à adoção do projeto de acordo revisto. Em conformidade com o projeto de Regulamento de Processo, aprovado pelo respetivo comité preparatório, foram convidadas a participar nessa conferência as delegações dos vinte e oito Estados partes no Acordo de Lisboa, bem como duas delegações ditas «especiais», entre as quais a delegação da União, e um determinado número de delegações ditas «observadoras».

20

Em 20 de maio de 2015, esta conferência diplomática adotou o Ato de Genebra do Acordo de Lisboa relativo às denominações de origem e às indicações geográficas, o qual foi aberto a assinatura em 21 de maio de 2015.

Recomendação da Comissão e decisão impugnada

21

Perante a perspetiva de realização da referida conferência diplomática, em 30 de março de 2015, a Comissão adotou uma recomendação de decisão do Conselho que autorizava a abertura de negociações sobre um Acordo de Lisboa revisto relativo às denominações de origem e às indicações geográficas.

22

Nesta recomendação, em primeiro lugar, a Comissão convidou o Conselho a fundar a sua decisão no artigo 207.o TFUE e no artigo 218.o, n.os 3 e 4, TFUE, tendo em conta a competência exclusiva atribuída à União pelo artigo 3.o, n.o 1, TFUE no domínio da política comercial comum, por um lado, e o objetivo e o conteúdo do Acordo de Lisboa, por outro.

23

Em segundo lugar, a Comissão propôs que o Conselho a autorizasse a conduzir as negociações em nome da União, que adotasse as diretrizes de negociação a seguir para o efeito e que designasse o comité especial a consultar nesse contexto.

24

Em 7 de maio de 2015, o Conselho adotou a decisão impugnada. Diferentemente do recomendado pela Comissão, esta decisão fundou‑se no artigo 114.o TFUE e no artigo 218.o, n.os 3 e 4, TFUE.

25

Nos considerandos 2 e 3 da referida decisão esta escolha foi fundamentada nos seguintes termos:

«(2)

O sistema internacional do Acordo de Lisboa está a ser objeto de revisão. Esta última tem por objetivo a melhoria do referido acordo, com vista a atrair mais membros, ao mesmo tempo que preserva os seus princípios e objetivos. […]

(3)

O [projeto de] acordo revisto estabelece um sistema de proteção das denominações de origem e das indicações geográficas para as Partes contratantes através de um registo único. Esta matéria foi objeto de harmonização no âmbito da legislação interna da [União] no que respeita às denominações e indicações agrícolas e, por conseguinte, é da competência partilhada da União (no que respeita às denominações e indicações agrícolas) e dos seus Estados‑Membros (no que respeita às denominações e indicações não agrícolas e aos impostos).»

26

O artigo 1.o desta decisão tem a seguinte redação:

«A Comissão está autorizada a participar, conjuntamente com os sete Estados‑Membros partes no Acordo de Lisboa, na conferência diplomática para adoção d[o projeto de acordo revisto], no que respeita às matérias da competência da União.»

27

O artigo 2.o desta decisão dispõe:

«No interesse da União, os sete Estados‑Membros partes no Acordo de Lisboa exercem os seus direitos de voto, com base numa posição comum, no que respeita às matérias da competência da União.»

28

Nos termos do artigo 3.o da referida decisão:

«As negociações serão conduzidas em conformidade com as diretrizes de negociação que figuram em anexo.»

29

O artigo 4.o da mesma decisão prevê:

«No decurso da conferência diplomática deve verificar‑se uma coordenação adequada, no que respeita às matérias da competência da União. Após a conferência, os negociadores informarão sem demora o grupo “Propriedade Intelectual” do Conselho.»

30

Na sequência da adoção da decisão impugnada, a Comissão proferiu uma declaração na qual manifestou a sua discordância tanto em relação às bases jurídicas em que o Conselho se fundamentou como em relação à designação de Estados‑Membros como negociadores por conta da União.

Pedidos das partes e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

31

A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que:

anule a decisão impugnada;

mantenha os seus efeitos até à entrada em vigor de uma nova decisão do Conselho, num prazo razoável a contar da prolação do acórdão do Tribunal de Justiça; e

condene o Conselho nas despesas.

32

O Conselho pede ao Tribunal de Justiça que:

negue provimento ao recurso; e

condene a Comissão nas despesas.

33

Por decisões de 27 de novembro de 2015, o presidente do Tribunal de Justiça autorizou a República Checa, a República Federal da Alemanha, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República Italiana, a Hungria, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República Portuguesa e a República Eslovaca a intervirem no processo em apoio dos pedidos do Conselho.

34

Por decisão do mesmo dia, o presidente do Tribunal de Justiça autorizou o Parlamento Europeu a intervir no processo em apoio dos pedidos da Comissão.

35

Por decisão de 12 de janeiro de 2016, o presidente do Tribunal de Justiça autorizou o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte a intervir no processo em apoio dos pedidos do Conselho, caso fosse realizada uma audiência.

Quanto ao recurso

36

A Comissão, apoiada pelo Parlamento, invoca dois fundamentos de recurso. O primeiro desses fundamentos é relativo ao facto de o Conselho ter adotado a decisão impugnada em violação do artigo 3.o TFUE, dado que as negociações em causa nessa decisão dizem respeito a um projeto de acordo que é da competência exclusiva da União. O segundo fundamento é relativo ao facto de o Conselho ter violado o artigo 207.o, n.o 3, TFUE e o artigo 218.o, n.os 3, 4 e 8, TFUE ao designar Estados‑Membros como negociadores num domínio que é da competência da União e ao não ter adotado a decisão impugnada em conformidade com a regra da votação por maioria qualificada aqui aplicável.

37

O primeiro fundamento é composto por duas partes. A primeira, apresentada a título principal, é relativa ao facto de a decisão impugnada violar a competência exclusiva atribuída pelo artigo 3.o, n.o 1, TFUE à União no domínio da política comercial comum. A segunda, invocada a título subsidiário, é relativa à violação do artigo 3.o, n.o 2, TFUE. Importa, em primeiro lugar, analisar a primeira parte deste fundamento.

Argumentos das partes

38

A Comissão e o Parlamento sublinham, antes de mais, que a competência exclusiva atribuída à União pelo artigo 3.o, n.o 1, TFUE no domínio da política comercial comum inclui, em conformidade com o disposto no artigo 207.o, n.o 1, TFUE, os aspetos comerciais da propriedade intelectual. A este título, apenas a União tem competência para negociar e celebrar acordos internacionais em matéria de propriedade intelectual, uma vez que está demonstrado que, atendendo ao seu objetivo e ao seu conteúdo, estes acordos apresentam uma ligação específica com as trocas comerciais internacionais, por exemplo, ao facilitarem estas trocas mediante uma uniformização regulamentar. Por conseguinte, longe de estar limitada aos acordos relativos à harmonização da proteção dos direitos de propriedade intelectual negociados no quadro da Organização Mundial do Comércio (OMC), esta competência exclusiva abrange, nomeadamente, outros acordos, cuja análise casuística demonstre que visam, a título principal, e numa base de reciprocidade, favorecer as trocas de mercadorias ou de serviços com países terceiros, garantindo a estas mercadorias ou serviços um grau de proteção idêntico àquele de que já beneficiam no mercado interno.

39

Em seguida, a Comissão e o Parlamento alegam que, no caso em apreço, o projeto de acordo revisto tem uma ligação específica com as trocas comerciais internacionais, à semelhança do Acordo de Lisboa. É certo que este projeto não tem um preâmbulo que exponha expressamente a sua finalidade. No entanto, a análise das suas disposições e do contexto no qual se insere demonstra que o referido projeto tem por objeto e por efeito fazer com que as denominações de origem e as indicações geográficas de cada parte contratante beneficiem de um sistema de registo internacional que assegure a sua proteção jurídica, no território de todas as partes contratantes, contra os riscos de utilização que possam afetar a sua integridade ou notoriedade e, por isso, prejudicar a comercialização dos produtos correspondentes no estrangeiro. Assim, o referido projeto melhora a proteção das exportações desses produtos provenientes da União com destino a países terceiros, que, de outro modo, dependeria de um registo país a país e, por conseguinte, de garantias jurídicas variáveis. Consequentemente, tal projeto é abrangido pela competência exclusiva da União no domínio da política comercial comum, mesmo que o sistema de proteção que prevê instituir deva ser executado pelas autoridades dos Estados‑Membros, nos termos do artigo 291.o, n.o 1, TFUE. De resto, a União já celebrou sozinha, com base no artigo 207.o TFUE, um determinado número de acordos internacionais relativos à proteção das denominações de origem e às indicações geográficas, sendo que o Conselho, que não contesta a existência desta prática, não justifica os motivos que, no caso em apreço, o levaram a afastar‑se dela.

40

Por último, nestas circunstâncias, a Comissão e o Parlamento entendem que o Conselho cometeu um erro de direito ao considerar que o projeto de acordo revisto era abrangido pela aproximação das legislações no domínio do mercado interno, na aceção do artigo 114.o TFUE, e, por conseguinte, pela competência partilhada entre a União e os seus Estados‑Membros. Deste ponto de vista, o Conselho estabeleceu erradamente um paralelismo entre as competências externa e interna da União. Com efeito, a competência da União para negociar o projeto de acordo revisto pode ter por base a política comercial comum, ainda que, por um lado, as normas comuns da União em matéria de proteção das denominações de origem e das indicações geográficas se fundem, por sua vez, na política agrícola comum e na aproximação das legislações dos Estados‑Membros, e que, por outro, nesta fase, as competências da União nesta matéria apenas tenham sido exercidas relativamente às denominações de origem e às indicações geográficas relativas aos produtos agrícolas, por oposição às relativas aos produtos não agrícolas.

41

O Conselho e todos os Estados‑Membros intervenientes consideram, por seu turno, que o projeto de acordo revisto não é abrangido pelo domínio da política comercial comum e que a União não dispõe, a este título, de competência exclusiva para o negociar.

42

A este respeito, alegam no essencial que, para que se possa considerar que um acordo internacional, que deve ser negociado num contexto diferente do da OMC e que tem por objeto questões de propriedade intelectual diferentes das que são objeto do acordo sobre aspetos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio, o qual constitui o anexo 1 C do Acordo que institui a OMC, assinado em Marraquexe, em 15 de abril de 1994, e aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO 1994, L 336, p. 1), visa aspetos comerciais da propriedade intelectual na aceção do artigo 207.o, n.o 1, TFUE, é necessário que esse acordo internacional tenha uma ligação específica com as trocas comerciais internacionais.

43

Ora, no caso em apreço, o projeto de acordo revisto não se inscreve num quadro que permita considerar que essa ligação específica existe. Com efeito, antes de mais, o referido acordo é administrado pela OMPI, sendo que a Convenção que instituiu esta organização revela que o principal objetivo desta última é a promoção da adoção de medidas destinadas a melhorar a proteção da propriedade intelectual e a harmonizar as legislações nacionais na matéria. Em seguida, o próprio projeto de acordo revisto não tem por objetivo facilitar as trocas comerciais estendendo o alcance da legislação da União a países terceiros, mas sim, à semelhança das normas comuns adotadas pela União com base no artigo 114.o TFUE em matéria de denominações de origem e de indicações geográficas, criar um mecanismo de preservação das produções tradicionais e de informação dos consumidores aplicável a todas as partes contratantes, incluindo a União, caso venha a aderir ao referido acordo. Por último, a análise do conteúdo deste projeto confirma que o mesmo é abrangido pelo domínio de competência previsto no artigo 114.o TFUE, na medida em que se destina a criar um quadro processual uniforme de proteção das denominações de origem e das indicações geográficas, e que a criação desse quadro processual só a título secundário e indireto pode influenciar as trocas de bens que beneficiam das referidas denominações e indicações.

44

De qualquer modo, o Conselho defende que, se o Tribunal de Justiça considerar que a base jurídica material adequada da decisão impugnada é o artigo 207.o TFUE, e não o artigo 114.o TFUE, a referência incorreta a este último deve ser considerada um vício de forma que não justifica a anulação da mesma decisão. Com efeito, por um lado, em qualquer dos casos, o Conselho apontou corretamente o artigo 218.o TFUE como base jurídica processual da referida decisão e, por outro, respeitou as correspondentes exigências processuais ao adotar a decisão em causa por maioria qualificada.

Apreciação do Tribunal de Justiça

45

O desacordo que opõe a Comissão, apoiada pelo Parlamento, e o Conselho, apoiado pelos Estados‑Membros intervenientes, implica determinar se o projeto de acordo revisto é ou não abrangido pelo domínio da política comercial comum.

46

Neste domínio, o artigo 3.o, n.o 1, TFUE atribui à União uma competência exclusiva.

47

Nos termos do artigo 207.o, n.o 1, TFUE, a política comercial comum assenta em princípios uniformes, designadamente no que diz respeito aos aspetos comerciais da propriedade intelectual, e é conduzida de acordo com os princípios e objetivos da ação externa da União.

48

Resulta, nomeadamente, desta referência, de acordo com a qual a política comercial comum se insere no contexto da ação externa da União, que a referida política é relativa às trocas comerciais com os Estados terceiros e não às trocas no mercado interno [acórdão de 18 de julho de 2013, Daiichi Sankyo e Sanofi‑Aventis Deutschland, C‑414/11, EU:C:2013:520, n.o 50, e parecer 2/15 (Acordo de Comércio Livre com Singapura), de 16 de maio de 2017, EU:C:2017:376, n.o 35].

49

A este respeito, é de jurisprudência assente que os compromissos internacionais acordados pela União em matéria de propriedade intelectual se inserem na política comercial comum quando apresentem uma ligação específica com as trocas comerciais internacionais, por se destinarem essencialmente a promover, a facilitar ou a regular essas trocas comerciais, e têm efeitos diretos e imediatos nessas trocas [parecer 2/15 (Acordo de Comércio Livre com Singapura), de 16 de maio de 2017, EU:C:2017:376, n.o 112 e jurisprudência referida].

50

Podem nomeadamente ser abrangidos por esta política os acordos internacionais cujo objeto é assegurar e organizar a proteção dos direitos de propriedade intelectual no território das partes, desde que preencham os dois requisitos recordados no número anterior do presente acórdão [v., neste sentido, acórdão de 18 de julho de 2013, Daiichi Sankyo e Sanofi‑Aventis Deutschland, C‑414/11, EU:C:2013:520, n.os 58 a 61, e parecer 2/15 (Acordo de Comércio Livre com Singapura), de 16 de maio de 2017, EU:C:2017:376, n.os 116, 121, 122, 125 e 127].

51

No caso vertente, uma vez que a decisão impugnada visa, como decorre do seu título, autorizar a abertura de negociações relativas ao projeto de acordo revisto, é necessário determinar se esse projeto se destina, no essencial, a promover, facilitar ou reger as trocas comerciais entre a União e Estados terceiros e depois, em caso de resposta afirmativa, se tem efeitos diretos e imediatos nessas trocas.

52

Em primeiro lugar, importa constatar que a finalidade do projeto de acordo revisto nunca foi expressamente enunciada, nem através de um preâmbulo nem de uma disposição que figure no texto desse projeto.

53

Na falta de tal enunciado expresso, importa analisar essa finalidade à luz do contexto convencional em que se inscreve o referido projeto.

54

A este respeito, há que salientar, por um lado, que o projeto de acordo revisto prevê alterar o Acordo de Lisboa, como decorre do considerando 2 da decisão impugnada. Por outro lado, o próprio Acordo de Lisboa constitui um acordo fundado no artigo 19.o da Convenção de Paris, tendo sido celebrado, como decorre dos seus artigos 1.o e 4.o, em complemento desta última.

55

Nestas circunstâncias, importa antes de mais conduzir a análise da finalidade do projeto de acordo revisto tendo em conta a Convenção de Paris, que está na origem e que constitui a base de um acervo convencional do qual este projeto é apenas o elemento mais recente.

56

Como decorre dos seus artigos 1.o e 2.o, esta Convenção tem por objeto instituir uma União para a proteção da propriedade industrial e assegurar a proteção das diferentes formas de propriedade industrial detidas pelos cidadãos dos Estados que dela fazem parte, incluindo as indicações de proveniência e as denominações de origem, garantindo‑lhes o benefício de um tratamento nacional recíproco.

57

Além disso, a Convenção de Paris destina‑se, no essencial, a promover e a facilitar as trocas comerciais internacionais. Com efeito, decorre do preâmbulo desta Convenção que a mesma foi adotada para proteger a indústria e o comércio e para contribuir para a lealdade das transações comerciais entre os Estados que nela são partes. A proteção equivalente e homogénea dos direitos de propriedade industrial que esta Convenção concede aos seus nacionais visa, portanto, em última análise, permitir que estes últimos participem em pé de igualdade no comércio internacional.

58

Atendendo ao contexto convencional evocado no n.o 54 do presente acórdão, importa em seguida ter em conta o Acordo de Lisboa, que institui uma União Particular concebida como um complemento à Convenção de Paris no domínio específico das denominações de origem.

59

Mais especificamente, além da proteção geral assegurada pela Convenção de Paris, este acordo visa a aplicação de um sistema específico que permita que as denominações de origem protegidas num dos Estados da União Particular instituída pelo acordo beneficiem de um registo internacional que lhes garanta uma proteção, alargada a todos os outros Estados da referida União Particular, contra qualquer usurpação ou imitação.

60

No que respeita ao seu objetivo, e como observou o advogado‑geral no n.o 79 das suas conclusões, importa salientar que a proteção específica das denominações de origem prevista pelo Acordo de Lisboa não constitui um fim em si mesma, mas um meio ao serviço de uma finalidade que consiste no desenvolvimento com lealdade das trocas comerciais entre as partes contratantes. Com efeito, os critérios homogéneos de proteção, instituídos por este acordo no território de todos os Estados que nele são partes, têm por objetivo favorecer a participação em pé de igualdade dos operadores económicos que participam nas trocas comerciais entre os referidos Estados.

61

Por último, como indicado nos n.os 17 e 18 do presente acórdão, o projeto de acordo revisto visa preservar os objetivos e princípios do Acordo de Lisboa através de um certo número de aditamentos destinados a melhorá‑lo e a torná‑lo mais atrativo. Para o efeito, este projeto prevê nomeadamente que o âmbito de aplicação material do referido acordo seja alargado às indicações geográficas, que sejam precisados os aspetos materiais e processuais da proteção que o acordo garante a tais indicações e denominações de origem, bem como que a União possa aderir ao acordo.

62

Na medida em que o objetivo principal do projeto de acordo revisto é reforçar o sistema instituído pelo Acordo de Lisboa e alargar, dentro da União Particular criada por esse acordo, o benefício da proteção específica que estabelece às indicações geográficas, em complemento da proteção garantida pela Convenção de Paris às diferentes formas de propriedade industrial, deve considerar‑se que o referido projeto de acordo se inscreve no contexto da finalidade prosseguida pelo acervo convencional de que faz parte, como precisada nos n.os 57 e 60 do presente acórdão, e, mais especificamente, que se destina, do ponto de vista da União, a facilitar e a reger as trocas comerciais entre esta última e os Estados terceiros que são partes no referido acordo.

63

O argumento do Conselho segundo o qual o projeto de acordo revisto será administrado pela OMPI a partir da sua entrada em vigor, como já é o caso do Acordo de Lisboa, não é suscetível de pôr em causa esta conclusão.

64

É certo que este projeto confia a gestão de um dos componentes do acordo internacional que o mesmo prefigura, concretamente, o dispositivo de registo internacional das denominações de origem e das indicações geográficas que institui, à Secretaria Internacional da OMPI. É igualmente verdade que esse acordo internacional deverá, de modo mais geral, ser administrado por esta organização. No entanto, as modalidades que um acordo internacional prevê para garantir a sua futura execução e administração devem ser lidas à luz dos objetivos que conduziram as partes à sua celebração, e não o inverso.

65

Em segundo lugar, no que respeita aos efeitos do projeto de acordo revisto, é de jurisprudência constante que não basta que um ato da União, como um acordo internacional celebrado por esta, possa ter determinadas implicações nas trocas comerciais internacionais para que esse ato deva ser classificado na categoria dos atos que integram a política comercial comum. Além do requisito, analisado nos n.os 52 a 64 do presente acórdão, segundo o qual esse ato deve ser essencialmente destinado a promover, a facilitar ou a reger essas trocas, o mesmo deve igualmente ter efeitos diretos e imediatos nas referidas trocas [acórdãos de 18 de julho de 2013, Daiichi Sankyo e Sanofi‑Aventis Deutschland, C‑414/11, EU:C:2013:520, n.o 51, e de 22 de outubro de 2013, Comissão/Conselho, C‑137/12, EU:C:2013:675, n.o 57; e parecer 3/15 (Tratado de Marraquexe sobre o acesso a obras publicadas), de 14 de fevereiro de 2017, EU:C:2017:114, n.o 61].

66

A este respeito, cumpre constatar que o sistema de proteção recíproca das denominações de origem e das indicações geográficas, previsto pelo projeto de acordo revisto, assenta, no essencial, em três séries de disposições.

67

Antes de mais, cada parte contratante é obrigada a pôr em prática um conjunto de normas de direito material que impeçam que as denominações de origem e as indicações geográficas que já beneficiam de uma proteção no território de uma das outras partes contratantes possam ser objeto de utilizações que prejudiquem os interesses dos seus detentores ou afetem a notoriedade dos produtos que delas beneficiem (artigo 11.o) ou que se tornem genéricas (artigo 12.o).

68

Em seguida, cada parte contratante é obrigada a criar, no seu ordenamento jurídico, normas de direito processual que permitam que qualquer pessoa singular ou coletiva interessada consiga obter, das autoridades administrativas e judiciais competentes, o respeito pela proteção conferida pelo projeto de acordo revisto a essas denominações de origem e indicações geográficas, bem como instaurar, ou fazer instaurar, ações judiciais contra quem violar as referidas denominações e indicações (artigo 14.o).

69

Por último, o projeto de acordo revisto permite que os detentores das referidas denominações de origem e indicações geográficas invoquem a proteção garantida pelas diferentes disposições, referidas nos dois números anteriores do presente acórdão, graças a um mecanismo de registo único, válido em toda a União Particular instituída pelo Acordo de Lisboa (artigos 5.o a 8.o).

70

Tendo em conta este mecanismo de registo único, há que considerar que o acordo internacional que o projeto de acordo revisto prefigura terá como efeito direto e imediato a alteração das condições em que são organizadas as trocas comerciais entre a União e as outras partes no referido acordo internacional, na medida em que os fabricantes que participam nestas trocas serão dispensados da obrigação que sobre eles impende atualmente, para fazer face aos riscos jurídicos e económicos associados a essas trocas, de apresentar um pedido de registo das denominações de origem e das indicações geográficas que utilizam junto das autoridades competentes de cada uma das partes contratantes.

71

Além disso, as disposições descritas nos n.os 67 e 68 do presente acórdão terão efeitos diretos e imediatos nas trocas comerciais entre a União e os Estados terceiros em causa, na medida em que darão a todos esses fabricantes, bem como a qualquer outra pessoa singular ou coletiva interessada, as ferramentas necessárias para obter, em condições materiais e processuais homogéneas, o respeito efetivo da proteção dos seus direitos de propriedade industrial em caso de utilização prejudicial ou desleal de denominações de origem ou de indicações geográficas no estrangeiro, conferida pelo projeto de acordo revisto.

72

Esta apreciação dos efeitos do projeto de acordo revisto é corroborada pela análise que conduziu o Tribunal de Justiça, atendendo ao papel fundamental desempenhado pela proteção dos direitos de propriedade intelectual no comércio de mercadorias e de serviços, em geral, e na luta contra o comércio ilícito, em particular, a considerar que um projeto de acordo internacional que prevê a criação de um mecanismo de registo e de um sistema de proteção recíproca das indicações geográficas das partes contratantes contra atos de concorrência desleal, análogos aos que estão em causa no caso vertente, era suscetível de ter efeitos diretos e imediatos nas trocas comerciais internacionais [parecer 2/15 (Acordo de Comércio Livre com Singapura), de 16 de maio de 2017, EU:C:2017:376, n.o 127].

73

Nestas condições, os efeitos do projeto de acordo revisto nas trocas entre a União e os Estados terceiros que a ela venham a aderir cumprem as exigências fixadas pela jurisprudência recordada no n.o 65 do presente acórdão.

74

Assim, resulta da análise deste projeto, por um lado, que o mesmo se destina essencialmente a facilitar e a reger as trocas comerciais entre a União e Estados terceiros e, por outro, que é suscetível de ter efeitos diretos e imediatos nessas trocas, pelo que a sua negociação se enquadra na competência exclusiva atribuída pelo artigo 3.o, n.o 1, TFUE à União no domínio da política comercial comum referida no artigo 207.o, n.o 1, TFUE.

75

Foi, portanto, erradamente que o Conselho considerou que a decisão impugnada era abrangida pela aproximação das legislações no domínio do mercado interno e, por conseguinte, por uma competência partilhada entre a União e os seus Estados‑Membros, e que fundou esta decisão no artigo 114.o TFUE e no artigo 218.o, n.os 3 e 4, TFUE.

76

Ao invés do que o Conselho defende, este erro não pode ser visto como um mero vício de forma. Com efeito, o mesmo conduziu, nomeadamente, essa instituição a infringir as disposições processuais especialmente previstas no artigo 207.o, n.o 3, TFUE em matéria de negociação de acordos internacionais abrangidos pelo domínio da política comercial comum, entre as quais figuram, em primeiro lugar, as disposições relativas à condução das negociações pela Comissão, como observado pelo advogado‑geral nos n.os 86 e 89 das suas conclusões.

77

Daqui decorre que deve ser dado provimento ao recurso e que a decisão impugnada deve ser anulada, sem que seja necessário analisar a segunda parte do primeiro fundamento nem o segundo fundamento invocados pela Comissão.

Quanto ao pedido de manutenção dos efeitos da decisão impugnada

78

Em conformidade com o artigo 264.o, primeiro parágrafo, TFUE, se o recurso tiver fundamento, o Tribunal de Justiça anulará o ato impugnado.

79

Ao abrigo do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, compete à instituição de que emane o ato anulado tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça.

80

Assim sendo, nos termos do artigo 264.o, segundo parágrafo, TFUE, o Tribunal de Justiça pode, quando considerar necessário, indicar quais os efeitos do ato anulado que se devem considerar definitivos.

81

Este poder pode ser utilizado, por razões de segurança jurídica, nomeadamente quando a anulação de uma decisão adotada pelo Conselho, no contexto de um processo de negociação e de celebração de acordos internacionais previsto no artigo 218.o TFUE, for suscetível de pôr em causa a participação da União no acordo internacional em causa, ou a sua execução, apesar de a competência da União para o efeito não suscitar dúvidas (v., no que respeita a decisões relativas à assinatura de acordos internacionais, acórdãos de 22 de outubro de 2013, Comissão/Conselho, C‑137/12, EU:C:2013:675, n.os 80 e 81; de 24 de junho de 2014, Parlamento/Conselho, C‑658/11, EU:C:2014:2025, n.o 90; e de 28 de abril de 2015, Comissão/Conselho, C‑28/12, EU:C:2015:282, n.os 61 e 62).

82

No caso em apreço, a Comissão pede que, em caso de anulação da decisão impugnada, o Tribunal de Justiça mantenha os seus efeitos para não pôr em causa o resultado das negociações para as quais a referida decisão foi adotada, até à entrada em vigor de uma decisão do Conselho fundada nos artigos 207.o e 218.o TFUE, num prazo razoável a contar da data da prolação do seu acórdão.

83

Na medida em que estas negociações conduziram, após a entrada em vigor da referida decisão, à adoção do Ato de Genebra do Acordo de Lisboa relativo às denominações de origem e às indicações geográficas, e na medida em que a competência da União para essa adoção não levanta dúvidas, importa acolher o pedido da Comissão.

84

Por conseguinte, há que manter os efeitos da decisão impugnada até à entrada em vigor, num prazo razoável, não superior a seis meses a contar da data da prolação do presente acórdão, de uma decisão do Conselho fundada nos artigos 207.o e 218.o TFUE.

Quanto às despesas

85

O artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça dispõe que a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. No caso em apreço, tendo a Comissão pedido a condenação do Conselho nas despesas e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas efetuadas pela Comissão.

86

Por outro lado, o artigo 140.o, n.o 1, do mesmo regulamento dispõe que os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no processo devem suportar as suas próprias despesas. No caso em apreço, a República Checa, a República Federal da Alemanha, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República Italiana, a Hungria, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República Portuguesa, a República Eslovaca, o Reino Unido e o Parlamento suportarão as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

É anulada a Decisão 8512/15 do Conselho, de 7 de maio de 2015, que autoriza o início de negociações sobre um Acordo de Lisboa revisto relativo às denominações de origem e às indicações geográficas, no que respeita a matérias da competência da União Europeia.

 

2)

Mantêm‑se os efeitos da Decisão 8512/15 até à entrada em vigor, num prazo razoável, não superior a seis meses a contar da data da prolação do presente acórdão, de uma decisão do Conselho da União Europeia fundada nos artigos 207.o e 218.o TFUE.

 

3)

O Conselho da União Europeia é condenado nas despesas.

 

4)

A República Checa, a República Federal da Alemanha, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República Italiana, a Hungria, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República Portuguesa, a República Eslovaca, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e o Parlamento Europeu suportarão as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.