ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

7 de setembro de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Diretiva 2009/73/CE — Energia — Setor do gás — Fixação dos preços de fornecimento de gás natural aos clientes finais — Tarifas regulamentadas — Entrave — Compatibilidade — Critérios de apreciação — Objetivos de segurança do abastecimento e de coesão territorial»

No processo C‑121/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Conseil d’État (França), por decisão de 15 de dezembro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 10 de março de 2015, no processo

Association nationale des opérateurs détaillants en énergie (ANODE)

contra

Premier ministre,

Ministre de l’Économie, de l’Industrie et du Numérique,

Commission de régulation de l’énergie,

ENGIE, anteriormente GDF Suez,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, F. Biltgen, A. Borg Barthet (relator), E. Levits e M. Berger, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: A. Calot Escobar,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Association nationale des opérateurs détaillants en énergie (ANODE), por O. Fréget e R. Lazerges, avocats,

em representação da ENGIE, por C. Barthélemy, avocat,

em representação do Governo francês, por G. de Bergues, D. Colas e J. Bousin, na qualidade de agentes,

em representação do Governo húngaro, por M. Fehér, na qualidade de agente,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por C. Giolito e O. Beynet, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de abril de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2009/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural e que revoga a Diretiva 2003/55/CE (JO 2009, L 211, p. 94).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Association nationale des opérateurs détaillants en énergie (ANODE), ao Premier ministre (Primeiro‑Ministro), ao ministre de l’Économie, de l’Industrie et du Numérique (Ministro da Economia, da Indústria e do Setor Digital), à Commission de régulation de l’énergie (Comissão de Regulação da Energia, França) e à ENGIE, anteriormente GDF Suez, sobre as tarifas regulamentadas de venda de gás natural.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Nos termos dos considerandos 44 e 47 da Diretiva 2009/73:

«(44)

O cumprimento dos requisitos de serviço público constitui uma exigência fundamental da presente diretiva e é importante que nela sejam especificadas normas mínimas comuns, a respeitar por todos os Estados‑Membros, que tenham em conta os objetivos de proteção do consumidor, de segurança do fornecimento, de proteção do ambiente e de equivalência dos níveis de concorrência em todos os Estados‑Membros. É importante que os requisitos de serviço público possam ser interpretados numa base nacional, tendo em conta as circunstâncias nacionais, e sujeitos ao cumprimento do direito comunitário.

[…]

(47)

As obrigações de serviço universal e público e as normas mínimas comuns daí decorrentes têm de ser reforçadas, para garantir a todos os consumidores, em particular aos consumidores vulneráveis, os benefícios da concorrência e preços justos. Os requisitos de serviço público deverão ser definidos a nível nacional, tendo em conta as circunstâncias nacionais; os Estados‑Membros deverão, contudo, respeitar o direito comunitário [...]»

4

O artigo 3.o, n.os 1 e 2, desta diretiva enuncia:

«1.   Os Estados‑Membros devem assegurar, com base na sua organização institucional e no respeito pelo princípio da subsidiariedade, e sem prejuízo do disposto no n.o 2, que as empresas de gás natural sejam exploradas de acordo com os princípios constantes da presente diretiva, na perspetiva da realização de um mercado de gás natural competitivo, seguro e ambientalmente sustentável, e não devem fazer discriminações entre essas empresas no que respeita a direitos ou obrigações.

2.   Tendo plenamente em conta as disposições aplicáveis do Tratado, nomeadamente do artigo [106.°], os Estados‑Membros podem impor às empresas do setor do gás, no interesse económico geral, obrigações de serviço público em matéria de segurança, incluindo a segurança do abastecimento, de regularidade, qualidade e preço dos fornecimentos, assim como de proteção do ambiente, incluindo a eficiência energética, a energia produzida a partir de fontes renováveis e a proteção do clima. Essas obrigações devem ser claramente definidas, transparentes, não discriminatórias, verificáveis e garantir a igualdade de acesso das empresas do setor do gás natural da Comunidade aos consumidores nacionais. Relativamente à segurança do abastecimento, à eficiência energética/gestão da procura e ao cumprimento dos objetivos ambientais e dos objetivos em matéria de energia produzida a partir de fontes renováveis referidos no presente número, os Estados‑Membros podem instaurar um sistema de planeamento a longo prazo, tendo em conta a possibilidade de terceiros procurarem aceder à rede.»

5

O artigo 2.o, ponto 28, da Diretiva 2009/73 define o «cliente elegível» como o cliente livre de comprar gás ao comercializador da sua escolha, na aceção do artigo 37.o desta diretiva.

6

O artigo 37.o, n.o 1, da Diretiva 2009/73 dispõe:

«Os Estados‑Membros devem garantir que os clientes elegíveis incluam:

a)

Até 1 de julho de 2004, os clientes elegíveis a que se refere o artigo 18.o da Diretiva 98/30/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a regras comuns para o mercado do gás natural [(JO 1998, L 204, p. 1)]. Os Estados‑Membros devem publicar, até 31 de janeiro de cada ano, os critérios de definição desses clientes elegíveis;

b)

A partir de 1 de julho de 2004, todos os clientes não domésticos;

c)

A partir de 1 de julho de 2007, todos os clientes.»

Direito francês

7

Nos termos do artigo L. 100‑1 do code de l’énergie (Código da Energia):

«A política energética garante a independência estratégica da nação e favorece a sua competitividade económica. Esta política visa:

assegurar a segurança do abastecimento;

manter um preço de energia competitivo; [...]

garantir a coesão social e territorial assegurando o acesso de todos à energia.»

8

O artigo L. 121‑32 deste código prevê a atribuição de obrigações de serviço público aos fornecedores de gás natural respeitantes, designadamente, à segurança do abastecimento e à qualidade e preço dos produtos e serviços fornecidos.

9

O artigo L. 121‑46 do referido código dispõe:

«I —

Os objetivos e as modalidades que permitem assegurar a execução das missões de serviço público definidas nas secções 1 e 2 do presente capítulo serão objeto de contratos celebrados entre o Estado, por um lado, e [...] a GDF‑Suez [...], por outro, [...] em razão das missões de serviço público que lhe são atribuídas [...]

II —

Os contratos previstos no ponto I abrangem, nomeadamente:

As exigências de serviço público em matéria de segurança de abastecimento, regularidade e qualidade do serviço prestado aos consumidores;

Os meios que permitem assegurar o acesso ao serviço público;

[…]

A evolução plurianual das tarifas regulamentadas de venda […] de gás;

[…]»

10

O artigo L. 410‑2 do code de commerce (Código Comercial) dispõe que:

«Salvo disposição em contrário da lei, os preços dos bens, produtos e serviços […] serão livremente fixados pelo jogo da concorrência.

Não obstante, nos setores ou nas zonas onde a concorrência de preços está limitada, seja por situações de monopólio ou de dificuldades de abastecimento prolongadas seja por disposições legais ou regulamentares, os preços podem ser regulamentados por decreto do Conseil d’État após consulta da Autorité de la concurrence.»

11

Os artigos L. 445‑1 a L. 445‑4 do code de l’energie, sob a epígrafe «Tarifas regulamentadas de venda», precisam:

«Artigo L. 445‑1

As disposições do segundo parágrafo do artigo L. 410‑2 do code de commerce aplicam‑se às tarifas regulamentadas de venda de gás natural referidas no artigo L. 445‑3.

Artigo L. 445‑2

As decisões sobre as tarifas mencionadas no artigo L. 445‑3 são tomadas conjuntamente pelos Ministros com as pastas da economia e da energia, sob parecer da Comissão de Regulação da Energia.

A Comissão de Regulação da Energia formula as suas propostas e os seus pareceres, que devem ser fundamentados, depois de ter procedido às consultas, que considerou úteis, aos intervenientes no mercado de energia.

Artigo L. 445‑3

As tarifas regulamentadas de venda de gás natural são definidas em função das características intrínsecas dos fornecimentos e dos custos associados aos mesmos. Cobrem todos estes custos com exclusão de qualquer subvenção a favor dos clientes que exerceram o seu direito previsto no artigo L. 441‑1. […]

Artigo L. 445‑4

O consumidor final de gás natural só pode beneficiar das tarifas regulamentadas do gás natural referidas no artigo L. 445‑3 para um local de consumo que ainda seja objeto dessas tarifas.

Todavia, um consumidor final de gás natural que consuma menos de 30000 quilowatts por ano pode beneficiar, no local de consumo, das tarifas regulamentadas de venda de gás natural referidas no artigo L. 445‑3.»

12

O artigo L. 441‑1 do code de l’énergie dispõe:

«Os clientes que consomem o gás que adquirem ou que adquirem gás para revender têm o direito, eventualmente por intermédio do seu mandatário, de escolher o seu fornecedor de gás natural.»

13

As regras que determinam o modo como são calculadas as tarifas reguladas são estabelecidas pelo décret no 2009‑1603, du 18 décembre 2009, relatif aux tarifs réglementés de vente de gaz naturel (Decreto n.o 2009‑1603, de 18 de dezembro de 2009, relativo às tarifas regulamentadas de venda de gás natural) (JORF de 22 de dezembro de 2009, p. 22082), conforme alterado pelo décret no 2013‑400, du 16 mai 2013 (Decreto n.o 2013‑400, de 16 de maio de 2013) (JORF de 17 de maio de 2013, p. 8189) (a seguir «Decreto n.o 2009‑1603»).

14

O Decreto n.o 2009‑1603 prevê que os preços regulados para a venda de gás sejam definidos pelos Ministros da Economia e da Energia, após parecer da Comissão de Regulação da Energia. Em primeiro lugar, é tomada uma decisão conjunta por estes dois Ministros, onde é definida a fórmula tarifária para cada fornecedor, que reflita a totalidade dos custos de fornecimento de gás natural e a metodologia de avaliação dos custos excluindo o fornecimento. Em segundo lugar, um decreto adotado pelos referidos Ministros, após análise e parecer da Comissão de Regulação da Energia, define os preços regulados para a venda do gás natural. Esses preços são revistos, pelo menos, uma vez por ano e reanalisados em caso de necessidade, em função da evolução da fórmula tarifária. Um fornecedor que proponha preços inferiores aos preços regulados pode propor uma alteração do preço regulado à Comissão de Regulação da Energia, que deve garantir que a alteração pedida resulta efetivamente da aplicação da fórmula tarifária. Estas disposições foram alteradas a partir de 1 de janeiro de 2016, com atribuição de um papel mais importante à Comissão de Regulação da Energia, que faz propostas de preços regulados aos Ministros da Economia e da Energia. Estas propostas são consideradas aceites se estes Ministros não levantarem objeções no prazo de três meses.

15

No que se refere aos custos abrangidos pelos preços regulados, o Decreto n.o 2009‑1603 prevê que os custos sejam totalmente cobertos pelos preços regulados. Assim, os artigos 3.° e 4.° desse decreto dispõem:

«Artigo 3.o

As tarifas regulamentadas de venda de gás natural cobrem os custos de abastecimento de gás natural e outros custos excluindo o abastecimento.

Comportam uma parte variável ligada ao consumo efetivo e uma parte fixa calculada a partir dos custos fixos de fornecimento de gás natural que podem também ter em conta a quantidade consumida, contratada ou reservada pelo cliente e as condições de utilização, nomeadamente da repartição das quantidades pedidas ao longo do ano.

Artigo 4.o

Para cada fornecedor é definida uma fórmula tarifária que traduz a totalidade dos custos de abastecimento em gás natural. A fórmula tarifária e os custos excluindo o abastecimento permitem determinar o custo médio de fornecimento de gás natural, a partir do qual são fixadas as tarifas regulamentadas de venda deste, em função das modalidades de prestação dos serviços aos clientes em causa.

Os custos excluindo o abastecimento compreendem, nomeadamente:

os custos de utilização das redes de transporte de gás natural e, sendo esse o caso, das redes de distribuição pública de gás natural, resultantes da aplicação das tarifas de utilização das infraestruturas de gás fixadas pela Comissão de Regulação da Energia;

os custos de utilização de armazenamento de gás natural, sendo esse o caso;

os custos de comercialização dos serviços fornecidos, incluindo uma margem comercial razoável.

[…]»

16

Assim, os custos excluindo o abastecimento cobrem os elementos correspondentes à transmissão, ao armazenamento, à distribuição, aos impostos e aos lucros e os custos de fornecimento refletem os custos de abastecimento e baseiam‑se principalmente nos contratos de longo prazo entre o fornecedor e os produtores estrangeiros, sendo a quase totalidade do consumo em França proveniente de importação. Esses contratos a longo prazo estão geralmente indexados ao preço do petróleo.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17

Por petição apresentada em 17 de julho de 2013, a ANODE interpôs um recurso no Conseil d’État (França) para a anulação do décret no 2013‑400. com base em abuso de poder.

18

No seu recurso, a ANODE alega, designadamente, que os artigos L. 445‑1 a L. 445‑4 do code de l’énergie, aplicados pelo referido decreto, violam os objetivos da Diretiva 2009/73.

19

A ANODE alega, especialmente, que as disposições de direito nacional em questão não são conformes com o princípio de aplicação enunciado no acórdão de 20 de abril de 2010, Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205).

20

O Conseil d’État questiona‑se, em primeiro lugar, sobre se se deve considerar que uma intervenção estatal nos preços, como a prevista pela regulamentação francesa, conduz à determinação do nível do preço de fornecimento de gás natural ao consumidor final independentemente do livre jogo do mercado, constituindo assim, pela sua própria natureza, um entrave à realização de um mercado do gás natural competitivo, em violação do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2009/73.

21

Se assim for, o Conseil d’État interroga‑se, em segundo lugar, quanto aos critérios à luz dos quais a compatibilidade dessa regulamentação com a Diretiva 2009/73 deve ser apreciada e, em particular, se o artigo 106.o, n.o 2, TFUE, conjugado com o artigo 3.o, n.o 2, dessa diretiva, permite aos Estados‑Membros prosseguirem, através da implementação de preços regulamentados, fins como a segurança do abastecimento e a coesão territorial. O Conseil d’État também se interroga quanto à possibilidade de uma intervenção estatal na fixação do preço fundada no princípio da cobertura da totalidade dos custos do fornecedor histórico e nas componentes desses custos que possam eventualmente ser consideradas na fixação das tarifas regulamentadas.

22

Nestas condições, o Conseil d’État decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve considerar‑se que a intervenção de um Estado‑Membro que consiste em impor a um operador histórico que proponha ao consumidor final o fornecimento de gás natural a tarifas regulamentadas, mas que não obsta a que sejam propostas ofertas concorrentes a preços inferiores a essas tarifas, tanto pelo fornecedor histórico como pelos fornecedores alternativos, conduz à determinação do nível do preço d[o] fornecimento do gás natural ao consumidor final independentemente do livre jogo do mercado e constitui, pela sua própria natureza, um entrave à realização de um mercado de gás natural competitivo na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2009/73?

2)

Na hipótese de uma resposta afirmativa à primeira questão, à luz de que critérios deve ser apreciada a compatibilidade de tal intervenção estatal no preço d[o] fornecimento do gás natural ao consumidor final com a Diretiva 2009/73?

Mais especificamente:

a)

Em que medida e em que condições o artigo 106.o, n.o 2, TFUE, conjugado com o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/73, permite aos Estados‑Membros, ao intervirem no preço do fornecimento do gás natural ao consumidor final, prosseguirem outros objetivos, como a segurança do abastecimento e a coesão territorial, diferentes da manutenção do preço do fornecimento a um nível razoável?

b)

O artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/73 permite, tendo em conta nomeadamente os objetivos de segurança do abastecimento e da coesão territorial, uma intervenção de um Estado‑Membro na fixação do preço de fornecimento do gás natural fundada no princípio da cobertura da totalidade dos custos do fornecedor histórico e os custos destinados a ser cobertos pelas tarifas podem incluir outras componentes para além da parte representativa do abastecimento de longa duração?»

Quanto às questões prejudiciais

23

Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o regime relativo às tarifas regulamentadas para a venda do gás natural, como o que está em causa no processo principal, é compatível com a Diretiva 2009/73 e com o artigo 106.o, n.o 2, TFUE.

24

A título preliminar, importa constatar que o Tribunal de Justiça, no acórdão de 20 de abril de 2010, Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205), já teve oportunidade de traçar o quadro de análise que permite ao juiz nacional competente apreciar a compatibilidade com o direito da União de uma intervenção estatal nos preços, especificamente no setor do gás natural. Nesse acórdão e na jurisprudência subsequente, o Tribunal de Justiça deu várias indicações relativamente aos critérios em que essa apreciação se deve basear e é em linha com essa jurisprudência que importa analisar as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio (v. acórdãos de 21 de dezembro de 2011, Enel Produzione, C‑242/10, EU:C:2011:861, e de 10 de setembro de 2015, Comissão/Polónia, C‑36/14, não publicado, EU:C:2015:570).

Quanto à primeira questão

25

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2009/73 deve ser interpretado no sentido de que a intervenção de um Estado‑Membro que consista em impor a determinados fornecedores, entre os quais o fornecedor histórico, que proponham ao consumidor final o fornecimento de gás natural a tarifas regulamentadas, mas que não obsta a que sejam propostas ofertas concorrentes a preços inferiores a essas tarifas por todos os fornecedores no mercado, constitui, pela sua própria natureza, um entrave à realização do mercado do gás natural competitivo previsto nessa disposição.

26

Embora não resulte de nenhuma disposição da Diretiva 2009/73 que o preço do fornecimento do gás natural deva ser exclusivamente fixado pelo jogo da oferta e da procura, essa exigência decorre da própria finalidade e da economia geral dessa diretiva, que tem por objetivo prosseguir a realização de um mercado interno do gás natural total e efetivamente aberto e competitivo, no qual todos os consumidores possam escolher livremente os seus fornecedores e todos os fornecedores possam livremente fornecer os seus produtos aos seus clientes (v., neste sentido, acórdão de 10 de setembro de 2015, Comissão/Polónia, C‑36/14, não publicado, EU:C:2015:570, n.o 45).

27

A este propósito, há que recordar que uma medida de intervenção pública sobre os preços de venda do gás natural é uma medida que, pela sua própria natureza, constitui um obstáculo à realização de um mercado interno de gás operacional (v. acórdão de 20 de abril de 2010, Federutility e o., C‑265/08, EU:C:2010:205, n.o 35).

28

Neste caso, a regulamentação francesa em causa no processo principal prevê uma intervenção estatal que consiste em impor a determinadas empresas que ofereçam no mercado, a determinadas categorias de clientes, a venda de gás natural a preços que são o resultado de um cálculo efetuado segundo critérios e utilizando tabelas estabelecidas pelas autoridades públicas.

29

Ora, as tarifas estabelecidas em aplicação dessa regulamentação constituem preços regulados que não são de maneira nenhuma o resultado de uma livre fixação decorrente do jogo da oferta e da procura no mercado. Bem pelo contrário, essas tarifas resultam de uma fixação efetuada com base em critérios impostos pelas autoridades públicas e que, por conseguinte, se situa fora da dinâmica das forças do mercado.

30

Como salientou o advogado‑geral no n.o 31 das suas conclusões, uma medida que impõe a oferta de um produto ou serviço no mercado a um preço determinado influencia necessariamente a liberdade de as empresas vinculadas agirem no mercado em causa e, assim, no processo concorrencial que se desenrola nesse mercado. Tal medida é, por natureza, contrária ao objetivo de realização de um mercado aberto e competitivo.

31

Daqui decorre que uma determinação de tarifas resultante de uma intervenção das autoridades públicas afeta necessariamente o jogo da concorrência e que, por conseguinte, uma regulamentação como a que está em causa no processo principal opõe‑se ao objetivo de realização de um mercado de gás natural aberto e competitivo, previsto no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2009/73.

32

Além disso, como salientou o advogado‑geral no n.o 35 das suas conclusões, o facto de as empresas vinculadas pelas tarifas regulamentadas também poderem determinar livremente as suas ofertas no mercado não é suscetível de pôr em causa a constatação de que a intervenção estatal em questão afeta o jogo da concorrência. Com efeito, a própria existência de dois segmentos de mercado, a saber, um segmento no qual os preços são fixados fora do jogo da concorrência e outro em que a sua determinação é deixada às forças do mercado, é incompatível com a criação de um mercado interno do gás natural aberto e competitivo. A este respeito, importa acrescentar que o argumento do Governo francês segundo o qual as tarifas regulamentadas têm o papel de limite máximo de referência para a fixação dos preços dos outros fornecedores que não estão vinculados pela regulamentação em causa no processo principal reforça a ideia de que as referidas tarifas afetam concretamente a livre determinação dos preços no mercado francês do gás natural.

33

Em face do exposto, há que responder à primeira questão que o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2009/73 deve ser interpretado no sentido de que a intervenção de um Estado‑Membro que consista em impor a determinados fornecedores, entre os quais o fornecedor histórico, que proponham ao consumidor final o fornecimento de gás natural a tarifas regulamentadas constitui, pela sua própria natureza, um entrave à realização de um mercado do gás natural competitivo previsto nessa disposição, e esse entrave subsiste mesmo que essa intervenção não obste a que sejam propostas ofertas concorrentes a preços inferiores a essas tarifas por todos os fornecedores no mercado.

Quanto à segunda questão

34

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede, em substância, a clarificação dos critérios a considerar para a apreciação da compatibilidade da legislação em causa ano processo principal com o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/73.

35

A este respeito, importa declarar, a título preliminar, que as indicações relativas à admissibilidade de uma intervenção do Estado consistente na regulamentação dos preços, que são enunciadas no acórdão de 20 de abril de 2010, Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205), no que se refere ao artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2003/55/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno de gás natural e que revoga a Diretiva 98/30/CE (JO 2003, L 176, p. 57), valem igualmente para o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/73, não tendo trazido nenhuma alteração a esta última disposição relativamente à sua aplicação ao processo principal (v. acórdão de 10 de setembro de 2015, Comissão/Polónia, C‑36/14, não publicado, EU:C:2015:570, n.o 53).

36

Assim, embora uma intervenção estatal na fixação do preço do fornecimento de gás natural ao consumidor final constitua um entrave à realização de um mercado do gás natural competitivo, essa intervenção pode, no entanto, ser admitida no âmbito da Diretiva 2009/73, se estiverem preenchidas três condições. Em primeiro lugar, essa intervenção deve prosseguir um objetivo de interesse económico geral; em segundo lugar, deve respeitar o princípio da proporcionalidade; e, em terceiro lugar, deve prever obrigações de serviço público claramente definidas, transparentes, não discriminatórias e verificáveis e garantir a igualdade de acesso das empresas do setor do gás da União aos consumidores (v., neste sentido, acórdãos de 20 de abril de 2010, Federutility e o., C‑265/08, EU:C:2010:205, n.os 20 a 22 e 47, e de 10 de setembro de 2015, Comissão/Polónia, C‑36/14, não publicado, EU:C:2015:570, n.os 51 a 53).

37

No que respeita à primeira condição, relativa à existência de um interesse económico geral, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se em que medida e em que condições um Estado‑Membro pode prosseguir outros objetivos de interesse económico geral além da manutenção do preço do fornecimento a um nível razoável, reconhecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 20 de abril de 2010, Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205).

38

Importa salientar que a Diretiva 2009/73 não fornece a definição de condição relativa ao interesse económico geral, mas a referência, no artigo 3.o, n.o 2, desta diretiva, quer a esta condição quer ao artigo 106.o TFUE, que diz respeito às empresas encarregadas da gestão de um serviço de interesse económico geral, implica interpretar a referida condição à luz desta última disposição do Tratado (v., neste sentido, acórdão de 20 de abril de 2010, Federutility e o., C‑265/08, EU:C:2010:205, n.o 26).

39

A este respeito, o Tribunal de Justiça recordou que o artigo 106.o, n.o 2, TFUE prevê, por um lado, que as empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral estão submetidas às regras de concorrência na medida em que a aplicação destas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhes foi confiada e, por outro, que o desenvolvimento das trocas comerciais não deve ser afetado de maneira que contrarie os interesses da União (acórdão de 20 de abril de 2010, Federutility e o., C‑265/08, EU:C:2010:205, n.o 27).

40

Como salientou o advogado‑geral no n.o 44 das suas conclusões, a interpretação da condição relativa ao interesse económico geral deve ser enquadrada no novo contexto resultante da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, que inclui, além do artigo 106.o TFUE, o artigo 14.o TFUE, o Protocolo (n.o 26) relativo aos serviços de interesse geral, anexo ao Tratado UE, na sua versão resultante do Tratado de Lisboa, e ao Tratado FUE (a seguir «Protocolo n.o 26»), bem como a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que adquiriu o mesmo valor jurídico que os Tratados, em especial o seu artigo 36.o, relativo ao acesso aos serviços de interesse económico geral.

41

Em especial, o Protocolo n.o 26 reconhece, de forma explícita, o papel essencial e o amplo poder discricionário das autoridades dos Estados‑Membros na prestação, execução e organização de serviços de interesse económico geral.

42

No que respeita especificamente ao setor do gás natural, resulta do segundo período do considerando 47 da Diretiva 2009/73 que os requisitos de serviço público deverão ser definidos a nível nacional, tendo em conta as circunstâncias nacionais, devendo, contudo, os Estados‑Membros respeitar o direito da União.

43

É nesta perspetiva que o artigo 106.o, n.o 2, TFUE visa conciliar os interesses dos Estados‑Membros em utilizar certas empresas como instrumentos de política económica ou social com o interesse da União em que sejam respeitadas as regras de concorrência e preservada a unidade do mercado interno (v., neste sentido, acórdãos de 21 de setembro de 1999, Albany, C‑67/96, EU:C:1999:430, n.o 103, e de 20 de abril de 2010, Federutility e o., C‑265/08, EU:C:2010:205, n.o 28).

44

O Tribunal de Justiça precisou que os Estados‑Membros podem, no respeito do direito da União, definir a extensão e a organização dos seus serviços de interesse económico geral. Em particular, podem ter em consideração objetivos próprios da sua política nacional (v., neste sentido, acórdãos de 21 de setembro de 1999, Albany, C‑67/96, EU:C:1999:430, n.o 104, e de 20 de abril de 2010, Federutility e o., C‑265/08, EU:C:2010:205, n.o 29).

45

A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que, no âmbito da apreciação que os Estados‑Membros devem fazer nos termos da Diretiva 2009/73 se, no interesse económico geral, deverá impor‑se às empresas que operam no setor do gás obrigações de serviço público, cabe aos Estados‑Membros proceder a uma conciliação entre o objetivo de liberalização e os outros objetivos prosseguidos por esta diretiva (v., neste sentido, acórdão de 20 de abril de 2010, Federutility e o., C‑265/08, EU:C:2010:205, n.o 32).

46

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio refere‑se especificamente aos objetivos da segurança e de coesão territorial, conforme invocados pelo Governo francês, enquanto objetivos de interesse económico geral prosseguidos pela regulamentação em causa no processo principal.

47

No que se refere à segurança do abastecimento, este objetivo está expressamente previsto ao nível do direito primário da União e na Diretiva 2009/73.

48

Com efeito, conforme salientou o advogado‑geral no n.o 56 das suas conclusões, o artigo 194.o, n.o 1, alínea b), TFUE identifica a segurança do abastecimento energético da União como um dos objetivos fundamentais da política da União no domínio da energia. Em relação especificamente ao domínio do gás natural, resulta de diversos considerandos e artigos da Diretiva 2009/73 que esta prevê expressamente a segurança do abastecimento energético como uma das suas finalidades fundamentais.

49

Em contrapartida, a coesão territorial não é especificamente prevista pela Diretiva 2009/73 enquanto objetivo de interesse económico geral que poderia justificar a imposição de obrigações de serviço público no domínio do gás natural.

50

Todavia, há que salientar, por um lado, conforme indicou o advogado‑geral nos n.os 52 a 54 das suas conclusões, que o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/73 enumera, de forma não exaustiva, os tipos de ações que podem ser objeto de obrigações de serviço público e que os Estados‑Membros, no respeito do direito da União, permanecem livres de definir quais são os objetivos de interesse económico geral que pretendem prosseguir ao impor obrigações de serviço público. No entanto, essas obrigações deverão ter sempre por objetivo a realização de um ou de vários objetivos de interesse económico geral.

51

Por outro lado, conforme salientou o advogado‑geral no n.o 57 das suas conclusões, o artigo 14.o TFUE reconhece explicitamente o papel desempenhado pelos serviços de interesse económico geral na promoção da coesão territorial da União. Além disso, o artigo 36.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia menciona explicitamente a coesão territorial no âmbito do direito de acesso aos serviços de interesse económico geral.

52

Resulta do exposto que o direito da União, e, designadamente, o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/73, lido à luz dos artigos 14.° e 106.° TFUE, permite aos Estados‑Membros apreciar se, no interesse económico geral, devem ser impostas às empresas intervenientes no setor do gás obrigações de serviço público que tenham por objeto o preço de fornecimento de gás natural, a fim de, nomeadamente, garantir a segurança do abastecimento e a coesão territorial, desde que estejam preenchidas todas as outras condições previstas nessa diretiva.

53

No que se refere à segunda das condições enumeradas no n.o 36 do presente acórdão, relativa ao respeito do princípio da proporcionalidade, resulta dos próprios termos do artigo 106.o TFUE que as obrigações de serviço público que o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/73 permite impor às empresas devem respeitar o princípio da proporcionalidade e, por conseguinte, que tais obrigações apenas podem afetar a livre fixação do preço do fornecimento de gás natural, a partir de 1 de julho de 2007, na medida em que tal se revele necessário para a realização do objetivo de interesse económico geral que prosseguem e, consequentemente, por um período necessariamente limitado no tempo (v., neste sentido, acórdão de 20 de abril de 2010, Federutility e o., C‑265/08, EU:C:2010:205, n.o 33).

54

Se compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, no âmbito do litígio no processo principal, se esta exigência de proporcionalidade foi preenchida, cabe, contudo, ao Tribunal de Justiça dar‑lhe, com base nas informações disponíveis, todas as indicações necessárias para o efeito, à luz do direito da União (acórdão de 20 de abril de 2010, Federutility e o., C‑265/08, EU:C:2010:205, n.o 34).

55

O respeito do princípio da proporcionalidade implica, em primeiro lugar, que a medida em causa seja suscetível de garantir a realização do objetivo de interesse económico geral pretendido (acórdão de 21 de dezembro de 2011, Enel Produzione, C‑242/10, EU:C:2011:861, n.o 55).

56

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio fornece muito poucos elementos para apreciar as razões pelas quais a imposição de preços do gás seria necessária em relação à realização de objetivos muito gerais como os invocados pelo Governo francês.

57

Em especial, no que respeita ao objetivo da segurança do abastecimento, o órgão jurisdicional de reenvio refere‑se, em substância, ao argumento daquele governo segundo o qual os contratos de abastecimento do fornecedor histórico, indexados ao preço dos produtos petrolíferos e a longo prazo, garantiriam uma maior segurança do abastecimento do que os contratos dos fornecedores alternativos, afetados pela instabilidade do preço do gás no mercado grossista.

58

Ora, embora não esteja excluído que uma regulamentação que comporte a obrigação de disponibilizar e fornecer o gás natural a um preço determinado possa ser considerada suscetível de garantir a segurança do fornecimento, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, na falta da apresentação de elementos de análise precisos ao Tribunal de Justiça, determinar se é esse o caso no que diz respeito à regulamentação em causa no processo principal.

59

No que se refere ao objetivo da coesão territorial, há que salientar que, mesmo que não esteja excluído que esse objetivo possa ser prosseguido pela imposição, em todo o território nacional, de tarifas regulamentadas, incumbirá ao órgão jurisdicional de reenvio avaliar, no quadro da análise que permite determinar se a medida em causa em causa no processo principal é suscetível de garantir esse objetivo, se não existem medidas que também permitam garantir o referido objetivo, mas que entravem menos a realização de um mercado interno aberto do gás natural, como uma imposição de preço apenas aplicável a certas categorias de clientes que se encontrem em zonas isoladas e identificadas segundo critérios geográficos objetivos.

60

Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça decidiu que a duração da intervenção estatal nos preços deve ser limitada ao estritamente necessário para alcançar o objetivo prosseguido (acórdão de 20 de abril de 2010, Federutility e o., C‑265/08, EU:C:2010:205, n.os 33 e 35).

61

A este respeito, resulta das informações de que o Tribunal de Justiça dispõe que a regulamentação em causa no processo principal não prevê nenhuma limitação para a duração da obrigação de propor ao cliente final o fornecimento de gás natural a tarifas regulamentadas, o que confere a esta obrigação um caráter permanente.

62

A fixação de uma duração máxima para as tarifas adotadas não pode constituir tal limitação, na medida em que esse mecanismo só prevê um reexame periódico do nível dessas tarifas e não diz respeito à necessidade e às modalidades da intervenção pública nos preços em função da evolução do setor do gás.

63

Em todo o caso, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, perante os elementos precisos de que dispõe, apreciar se a imposição de uma obrigação como a estabelecida pelo artigo L. 410‑2 do code de commerce, tendo, em substância, um caráter permanente, respeita a exigência recordada no n.o 55 do presente acórdão.

64

Em terceiro lugar, o método de intervenção aplicado não deve ultrapassar o necessário para atingir o objetivo de interesse económico geral prosseguido (acórdão de 20 de abril de 2010, Federutility e o., C‑265/08, EU:C:2010:205, n.o 36).

65

A este respeito, resulta da decisão de reenvio que a intervenção em causa no processo principal se baseia no princípio da cobertura da totalidade dos custos do fornecedor histórico por aplicação de uma fórmula representativa destes custos de abastecimento e de uma metodologia de avaliação desses custos excluindo o abastecimento, elaboradas após uma análise anual da evolução dos custos realizada pela autoridade reguladora.

66

Neste contexto, a exigência de necessidade requer a identificação, em princípio, da componente do preço do gás sobre a qual seria necessária uma intervenção para alcançar o objetivo pretendido pela intervenção estatal (v., por analogia, acórdão de 20 de abril de 2010, Federutility e o., C‑265/08, EU:C:2010:205, n.os 36 e 38). Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se o método de intervenção nos preços implementado não ultrapassa o necessário para atingir os objetivos de interesse económico geral prosseguidos e se não há medidas apropriadas menos restritivas.

67

Em quarto lugar, a exigência de necessidade deve igualmente ser apreciada tendo em conta o âmbito de aplicação pessoal da medida em causa e, mais precisamente, os seus beneficiários (acórdão de 20 de abril de 2010, Federutility e o., C‑265/08, EU:C:2010:205, n.o 39).

68

A este respeito, importa examinar em que medida a intervenção estatal em causa no processo principal beneficia, respetivamente, os particulares e as empresas, enquanto consumidores finais de gás.

69

No caso em apreço, a regulamentação em causa no processo principal prevê que, a partir de 1 de janeiro de 2016, os beneficiários do fornecimento a preço regulado são os consumidores domésticos e as empresas com um consumo inferior a 30000 kWh/ano. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se este sistema, que parece beneficiar de forma idêntica os clientes domésticos e as pequenas e médias empresas, respeita a exigência de proporcionalidade no que se refere ao âmbito de aplicação pessoal da medida, tendo em conta os objetivos da segurança do abastecimento e da coesão territorial.

70

Por último, no que se refere à terceira das condições enumeradas no n.o 36 do presente acórdão, segundo a qual a intervenção estatal deve prever obrigações de serviço público claramente definidas, transparentes, não discriminatórias e controláveis e garantir igual acesso das empresas de gás da União aos consumidores, há que constatar que o órgão jurisdicional de reenvio não forneceu nenhum elemento de análise a este respeito.

71

No que se refere, nomeadamente, ao caráter não discriminatório da regulamentação em causa no processo principal, conforme salientou o advogado‑geral no n.o 82 das suas conclusões, o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/73 permite impor obrigações de serviço público «às empresas do setor do gás» em geral e não exatamente a determinadas empresas. Além disso, o artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva prevê que os Estados‑Membros «não devem fazer discriminações entre [as empresas do gás natural] no que respeita a direitos ou obrigações». Neste âmbito, o sistema de designação das empresas encarregadas de obrigações de serviço público não pode excluir a priori nenhuma das empresas do setor da distribuição do gás (v., neste sentido, acórdão de 19 de junho de 2008, Comissão/França, C‑220/07, não publicado, EU:C:2008:354, n.o 31).

72

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se essa exigência assim como as outras condições previstas no n.o 66 do presente acórdão estão preenchidas por aplicação do sistema tarifário em causa no processo principal.

73

Assim, há que responder à segunda questão:

O artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/73, lido à luz dos artigos 14.° e 106.° TFUE e do Protocolo n.o 26, deve ser interpretado no sentido de que permite aos Estados‑Membros apreciarem se, no interesse económico geral, se deve impor às empresas intervenientes no setor do gás obrigações de serviço público que tenham por objeto o preço de fornecimento de gás natural a fim de, nomeadamente, garantir a segurança do abastecimento e a coesão territorial, desde que, por um lado, estejam preenchidas todas as condições que o artigo 3.o, n.o 2, desta diretiva enuncia, e especificamente o caráter não discriminatório dessas obrigações, e, por outro, que a imposição dessas obrigações respeite o princípio da proporcionalidade.

O artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/73 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a um método de determinação do preço que se baseie numa tomada em consideração dos custos, desde que a aplicação desse método não tenha como consequência que a intervenção estatal ultrapasse o necessário para atingir os objetivos de interesse económico geral que prossegue.

Quanto às despesas

74

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

1)

O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2009/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural e que revoga a Diretiva 2003/55/CE, deve ser interpretado no sentido de que a intervenção de um Estado‑Membro que consista em impor a determinados fornecedores, entre os quais o fornecedor histórico, que proponham ao consumidor final o fornecimento de gás natural a tarifas regulamentadas constitui, pela sua própria natureza, um entrave à realização de um mercado do gás natural competitivo previsto nessa disposição, e esse entrave subsiste mesmo que essa intervenção não obste a que sejam propostas ofertas concorrentes a preços inferiores a essas tarifas por todos os fornecedores no mercado.

 

2)

O artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/73, lido à luz dos artigos 14.° e 106.° TFUE e do Protocolo (n.o 26) relativo aos serviços de interesse geral, anexo ao Tratado UE, na sua versão resultante do Tratado de Lisboa, e ao Tratado FUE, deve ser interpretado no sentido de que permite aos Estados‑Membros apreciarem se, no interesse económico geral, se deve impor às empresas intervenientes no setor do gás obrigações de serviço público que tenham por objeto o preço de fornecimento de gás natural a fim de, nomeadamente, garantir a segurança do abastecimento e a coesão territorial, desde que, por um lado, estejam preenchidas todas as condições que o artigo 3.o, n.o 2, desta diretiva enuncia, e especificamente o caráter não discriminatório dessas obrigações, e, por outro, que a imposição dessas obrigações respeite o princípio da proporcionalidade.

O artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/73 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a um método de determinação do preço que se baseie numa tomada em consideração dos custos, desde que a aplicação desse método não tenha como consequência que a intervenção estatal ultrapasse o necessário para atingir os objetivos de interesse económico geral que prossegue.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.