ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

2 de junho de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Impostos especiais de consumo — Diretiva 2003/96/CE — Taxas de imposto especial de consumo diferenciadas para carburantes e combustíveis de aquecimento — Condição de aplicação da taxa para combustíveis de aquecimento — Entrega de um extrato mensal das declarações segundo as quais os produtos comprados se destinam a aquecimento — Aplicação da taxa de imposto especial de consumo prevista para os carburantes em caso de falta de entrega desse extrato — Princípio da proporcionalidade»

No processo C‑418/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Wojewódzki Sąd Administracyjny we Wrocławiu (Tribunal Administrativo da voivodia de Wroclaw, Polónia), por decisão de 4 de junho de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de setembro de 2014, no processo

ROZ‑ŚWIT Zakład Produkcyjno‑Handlowo‑Usługowy Henryk Ciurko, Adam Pawłowski spółka jawna

contra

Dyrektor Izby Celnej we Wrocławiu,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, E. Juhász e C. Vajda (relator), juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 28 de outubro de 2015,

vistas as observações apresentadas:

em representação da ROZ‑ŚWIT Zakład Produkcyjno‑Handlowo‑Usługowy Henryk Ciurko, Adam Pawłowski spółka jawna, por K. Kocowski e S. Bogdański, adwokaci,

em representação do Dyrektor Izby Celnej we Wrocławiu, por W. Bronicki, E. Białas‑Giejbatow e D. Kowalik, na qualidade de agentes, assistidos por J. Kaute, radca prawny,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna e K. Maćkowska, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Owsiany‑Hornung e F. Tomat, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, n.o 3, do artigo 5.o e do artigo 21.o, n.o 4, da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e de eletricidade (JO 2003, L 283, p. 51), conforme alterada pela Diretiva 2004/75/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004 (JO 2004, L 195, p. 31, a seguir «Diretiva 2003/96»), bem como do princípio da proporcionalidade.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a sociedade ROZ‑ŚWIT Zakład Produkcyjno‑Handlowo‑Usługowy Henryk Ciurko, Adam Pawłowski spółka jawna (a seguir «ROZ‑ŚWIT»), ao Dyrektor Izby Celnej we Wrocławiu (diretor dos Serviços Aduaneiros de Wroclaw), a respeito da recusa deste último em conceder à ROZ‑ŚWIT o benefício da taxa de imposto especial de consumo reduzida aplicável ao combustível de aquecimento, por falta de entrega, no respetivo prazo, do extrato mensal das declarações segundo as quais os produtos comprados se destinam a aquecimento (a seguir «extrato das declarações dos compradores»).

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 3, 4, 9, 17 e 18 da Diretiva 2003/96 enunciam:

«3)

O bom funcionamento do mercado interno e a realização dos objetivos das outras políticas comunitárias exigem a fixação de níveis mínimos de tributação a nível comunitário para a maioria dos produtos energéticos, incluindo a eletricidade, o gás natural e o carvão.

4)

A existência de importantes diferenças entre os níveis nacionais de tributação da energia aplicados pelos Estados‑Membros poderá ser prejudicial ao bom funcionamento do mercado interno.

[...]

9)

Deverá ser concedida aos Estados‑Membros a necessária flexibilidade para definirem e aplicarem políticas adaptadas aos contextos nacionais.

[...]

17)

Importa fixar níveis mínimos comunitários de tributação diferenciados em função da utilização dos produtos energéticos e da eletricidade.

18)

Os produtos energéticos utilizados como carburante para determinadas finalidades industriais e comerciais e os utilizados como combustíveis de aquecimento são normalmente tributados a níveis inferiores aos aplicáveis aos produtos energéticos utilizados como carburante.»

4

O artigo 2.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da referida diretiva prevê:

«Quando destinados a serem utilizados, colocados à venda ou consumidos como carburante ou combustível de aquecimento, os produtos energéticos para os quais não é especificado um nível tributário na presente diretiva serão tributados de acordo com a sua utilização, à taxa prevista para o carburante ou o combustível de aquecimento equivalente.»

5

O artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva tem a seguinte redação:

«Os níveis de tributação aplicados pelos Estados‑Membros aos produtos energéticos e à eletricidade enumerados no artigo 2.o não podem ser inferiores aos níveis mínimos previstos na presente diretiva.»

6

O artigo 5.o da mesma diretiva dispõe:

«Desde que respeitem os níveis mínimos de tributação previstos na presente diretiva e sejam compatíveis com o direito comunitário, podem ser aplicadas pelos Estados‑Membros, sob controlo fiscal, taxas de imposto diferenciadas, nos seguintes casos:

se as taxas diferenciadas estiverem diretamente ligadas à qualidade do produto;

se as taxas diferenciadas dependerem de níveis quantitativos de consumo de eletricidade e produtos energéticos utilizados para fins de aquecimento;

para as seguintes utilizações: transportes públicos locais de passageiros (incluindo os táxis), recolha de lixo, forças armadas e administração pública, pessoas deficientes, ambulâncias;

para distinguir entre utilização profissional e utilização não profissional, no caso dos produtos energéticos e da eletricidade referidos nos artigos 9.° e 10.°»

7

Os artigos 7.° a 9.° da Diretiva 2003/96 preveem que os níveis mínimos de tributação aplicáveis, respetivamente, aos carburantes, aos produtos utilizados como carburantes para fins industriais e comerciais específicos e aos combustíveis de aquecimento são fixados em conformidade com o anexo I, quadros A a C, desta diretiva.

8

Os artigos 14.° a 19.° da referida diretiva referem‑se às isenções totais ou parciais ou a reduções do nível de tributação que os Estados‑Membros, ou alguns deles, podem ou devem aplicar nas condições aí enunciadas.

9

Nos termos do artigo 21.o, n.o 4, da mesma diretiva:

«Os Estados‑Membros podem igualmente prever que a tributação dos produtos energéticos e da eletricidade seja exigível sempre que se verificar que uma condição relativa à utilização final estabelecida nas normas nacionais para efeitos de aplicação de um nível reduzido de tributação ou de uma isenção não está a ser cumprida ou deixou de o ser.»

Direito polaco

10

O artigo 89.o, n.os 1, 4, 5 e 14 a 16, da Ustawa o podatku akcyzowym (Lei relativa aos impostos especiais de consumo), de 6 de dezembro de 2008, conforme alterada (Dz. U. de 2009, n.o 3, posição 11, a seguir «Lei relativa aos impostos especiais de consumo»), tem a seguinte redação:

«1.   As taxas do imposto especial de consumo aplicáveis aos produtos energéticos são as seguintes:

[...]

10)

para os fuelóleos abrangidos pelos códigos NC 2710 19 51 a 2710 19 69:

a)

os que destilam 30% ou mais do seu volume a 350°C ou cuja densidade a 15°C é inferior a 890 quilogramas por metro cúbico, de coloração vermelha e marcados em conformidade com as disposições especiais — 232,00 [zlótis polacos (PLN)] por 1000 litros,

b)

os demais, que não estão sujeitos às obrigações de coloração e de marcação em conformidade com as disposições especiais — [64,00] PLN por 1000 quilogramas.

[...]

4.   No caso de:

1)

os produtos referidos no n.o 1, alínea [...] 10) [...], serem utilizados para alimentar motores de combustão, se forem utilizados sem respeitar as condições de etiquetagem e de coloração fixadas nas disposições especiais e armazenados num depósito equipado com um distribuidor de combustível ou vendidos a partir de tal depósito, é aplicável a taxa de 1822,00 PLN/1 000 litros, ou, se a sua densidade a 15°C for inferior ou igual a 890 quilogramas por metro cúbico, a taxa de 2047,00 PLN/1 000 quilogramas.

[...]

5.   O vendedor de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo não isentos em razão da sua finalidade, referidos no n.o 1, alínea [...] 10) [...], deve, em caso de venda:

1)

a pessoas coletivas, entidades organizacionais sem personalidade jurídica ou pessoas singulares que exerçam uma atividade comercial, obter do adquirente uma declaração segundo a qual os produtos comprados se destinam a aquecimento ou a ser vendidos como produtos destinados a aquecimento, permitindo a aplicação das taxas de imposto previstas no n.o 1, alínea [...] 10) [...]

2)

a pessoas singulares que não exerçam uma atividade comercial, obter do adquirente uma declaração segundo a qual os produtos comprados se destinam a aquecimento, permitindo a aplicação das taxas de imposto previstas no n.o 1, alínea [...] 10) [...]; esta declaração deverá ser junta à cópia do recibo ou à cópia de qualquer outro documento de venda remetido ao comprador; não havendo essa possibilidade, o vendedor deve inscrever na declaração o número e a data de emissão do documento comprovativo da venda.

[...]

14.   O vendedor de produtos sujeitos a imposto especial de consumo previstos no n.o 1, alínea [...] 10) [...], elabora e entrega à estância aduaneira competente, até ao vigésimo quinto dia do mês imediatamente seguinte ao da venda, o extrato mensal das declarações referidas no n.o 5; os originais das declarações devem ser conservados pelo vendedor por um período de cinco anos a contar do termo do ano civil em que foram emitidas e estar disponíveis para inspeção.

15.   O extrato mensal das declarações deve conter:

1)

no que respeita ao vendedor referido no n.o 14:

a)

o nome e a morada da sede ou do domicílio da entidade que forneceu o extrato,

b)

a quantidade, a natureza e a finalidade dos produtos visados pela declaração,

c)

a data da declaração,

d)

a data e local de emissão do extrato e a assinatura legível da pessoa que o emite,

e)

a menção do número de instalações de aquecimento de que dispõem os compradores, segundo as suas declarações,

f)

o local (morada) onde se encontram as instalações de aquecimento indicadas nas declarações,

[...]

16.   Se as condições referidas nos n.os 5 a 15 não estiverem preenchidas, é aplicável a taxa prevista no n.o 4, alínea 1).»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11

Por decisão de 23 de fevereiro de 2011, o Naczelnik Urzędu Celnego we Wrocławiu (chefe da Estância Aduaneira de Wroclaw, Polónia) emitiu um aviso de liquidação adicional de impostos especiais de consumo relativo a uma dívida fiscal da ROZ‑ŚWIT.

12

Resulta dessa decisão que o procedimento iniciado pelas autoridades fiscais determinou que, durante o período compreendido entre 1 de março e 31 de dezembro de 2009, a ROZ‑ŚWIT efetuou uma série de operações de venda de combustível que consistia em fuelóleo leve. Constatou‑se que essas vendas ocorreram efetivamente e que não havia dúvida de que os compradores tinham confirmado a compra e o consumo desse combustível para fins de aquecimento. Contudo, a ROZ‑ŚWIT não entregou, no respetivo prazo, o extrato das declarações dos compradores, conforme previsto no artigo 89.o, n.o 14, da Lei relativa aos impostos especiais de consumo. Consequentemente, foi aplicada a taxa para carburante prevista no artigo 89.o, n.o 4, alínea 1), desta lei, nos termos do n.o 16 do mesmo artigo.

13

A ROZ‑ŚWIT apresentou reclamação da referida decisão ao diretor dos Serviços Aduaneiros de Wroclaw, alegando que a falta de entrega dos extratos das declarações dos compradores consubstanciava uma mera irregularidade formal, uma vez que não havia dúvida quanto à efetiva utilização do combustível em questão para fins de aquecimento.

14

Tendo essa reclamação sido indeferida, a ROZ‑ŚWIT interpôs recurso no Wojewódzki Sąd Administracyjny we Wrocławiu (Tribunal Administrativo da voivodia de Wroclaw, Polónia).

15

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se, quando um Estado‑Membro exerceu o direito, previsto pela Diretiva 2003/96, de diferenciar as taxas de imposto especial de consumo relativas aos produtos abrangidos pelo âmbito de aplicação desta diretiva consoante a sua utilização, a disposição constante do artigo 89.o, n.o 16, da Lei relativa aos impostos especiais de consumo é contrária à referida diretiva na medida em que conduz, em razão da falta de entrega do extrato das declarações dos compradores, à aplicação da taxa de imposto especial de consumo prevista para os carburantes a um produto utilizado como combustível de aquecimento.

16

Além disso, o referido órgão jurisdicional manifestou dúvidas quanto ao facto de a obrigação de emissão e entrega desse extrato ser proporcionada ao objetivo prosseguido, a saber, a prevenção da evasão e da fraude fiscais. Considera que esta obrigação é de natureza formal e secundária, permitindo apenas uma análise preliminar da finalidade dos produtos em causa. A este respeito, evoca a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao imposto sobre o valor acrescentado segundo a qual, por um lado, a dedução deste imposto a montante deve ser concedida se os requisitos substanciais tiverem sido cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (v. acórdão de 12 de julho de 2012, EMS‑Bulgaria Transport, C‑284/11, EU:C:2012:458 , n.os 61 e 62), e, por outro, a sujeição, pelo ordenamento jurídico nacional, da isenção na exportação a um prazo de saída sem permitir o reembolso do imposto sobre o valor acrescentado já pago em caso de desrespeito desse prazo, mesmo quando o sujeito passivo tenha apresentado prova de que a mercadoria saiu do território aduaneiro da União, vai além do que é necessário para atingir o objetivo de lutar contra a evasão e a fraude fiscais (v. acórdão de 19 de dezembro de 2013, BDV Hungary Trading, C‑563/12, EU:C:2013:854, n.o 39).

17

O órgão jurisdicional de reenvio pretende também saber se a sanção prevista no artigo 89.o, n.o 16, da Lei relativa os impostos especiais de consumo, que consiste em aplicar a taxa de imposto especial de consumo prevista para os carburantes em caso de incumprimento da obrigação de entrega do extrato das declarações dos compradores no respetivo prazo, é conforme com o princípio da proporcionalidade. No que se refere, em especial, à gravidade da infração, aquele órgão jurisdicional considera que esta sanção não tem por objetivo prevenir a fraude fiscal, mas visa apenas o incumprimento da referida obrigação e consubstancia, além disso, um montante não negligenciável.

18

Nestas condições, o Wojewódzki Sąd Administracyjny we Wrocławiu (Tribunal Administrativo da voivodia de Wroclaw) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 5.o, em conjugação com o artigo 2.o, n.o 3, e com o artigo 21.o, n.o 4, da Diretiva [2003/96] ser interpretado no sentido de que obsta ao regime de direito interno consagrado no artigo 89.o, n.o 16, da [Lei relativa aos impostos especiais de consumo], que prevê a aplicação ao fuelóleo da taxa do imposto especial de consumo prevista para os carburantes sempre que não seja cumprida a formalidade prevista no artigo 89.o, n.os 14 e 15, da [Lei relativa aos impostos especiais de consumo]?

2)

É compatível com o princípio da proporcionalidade a formalidade prevista no artigo 89.o, n.os 14 e 15, da [Lei relativa aos impostos especiais de consumo] segundo a qual a taxa reduzida de imposto especial de consumo prevista para o fuelóleo só é aplicável se dentro de determinado prazo legal for [elaborado e apresentado um extrato] das declarações dos adquirentes, independentemente do preenchimento do requisito substantivo de o combustível de aquecimento ter sido efetivamente vendido para fins de aquecimento?

3)

A sanção prevista no artigo 89.o, n.o 16, da [Lei relativa aos impostos especiais de consumo], nos termos da qual se aplica ao vendedor, pela venda de fuelóleo, o imposto especial de consumo à taxa prevista para o carburante (artigo 89.o, n.o 4, [alínea 1)], da [Lei relativa aos impostos especiais de consumo]) sempre que não seja cumprida a formalidade prevista no artigo 89.o, n.os 14 e 15, da [Lei relativa aos impostos especiais de consumo] — como sucedeu no presente caso —, é compatível com o princípio da proporcionalidade?»

Quanto às questões prejudiciais

19

Com as suas questões, que há que analisar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2003/96 e o princípio da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual, por um lado, os vendedores de combustível são obrigados a submeter, no prazo estabelecido, um extrato mensal das declarações dos compradores, segundo as quais os produtos comprados se destinam a aquecimento, e, por outro, na falta de entrega de tal extrato no prazo fixado, é aplicável ao combustível vendido a taxa do imposto especial de consumo prevista para os carburantes, mesmo que se tenha constatado que não há dúvida de que esse produto se destinava a aquecimento.

20

A título preliminar, há que recordar que os princípios gerais do direito, entre os quais figura o princípio da proporcionalidade, fazem parte da ordem jurídica da União. Por essa razão, devem ser respeitados pelas instituições da União, mas também pelos Estados‑Membros no exercício dos poderes que as diretivas da União lhes conferem (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 21 de fevereiro de 2008, Netto Supermarkt, C‑271/06, EU:C:2008:105, n.o 18, e de 10 de setembro de 2009, Plantanol, C‑201/08, EU:C:2009:539, n.o 43).

21

Daqui decorre que uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que visa designadamente transpor para a ordem jurídica interna do Estado‑Membro em causa as disposições da Diretiva 2003/96, deve respeitar o princípio da proporcionalidade.

Quanto à obrigação de entregar um extrato das declarações dos compradores

22

Resulta da decisão de reenvio que o extrato das declarações dos compradores, cuja elaboração e entrega à estância aduaneira se encontram previstas no artigo 89.o, n.os 14 e 15, da Lei relativa aos impostos especiais de consumo, constitui um instrumento de controlo que tem por objetivo a prevenção da evasão e da fraude fiscais.

23

Uma vez que a Diretiva 2003/96 não estabelece um mecanismo de controlo específico da utilização do combustível nem medidas destinadas a lutar contra a fraude fiscal ligada à venda de combustível incumbe aos Estados‑Membros preverem esses mecanismos e medidas no seu direito nacional, no respeito pelo direito da União. A este propósito, decorre do considerando 9 desta diretiva que os Estados‑Membros dispõem de uma margem de apreciação na definição e implementação de políticas adaptadas aos contextos nacionais.

24

No que se refere à proporcionalidade da obrigação de apresentar um extrato das declarações dos compradores, o órgão jurisdicional de reenvio faz referência a decisões do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional, Polónia), bem como de certos órgãos jurisdicionais administrativos polacos, segundo as quais tal extrato informa a autoridade fiscal da realização da venda preferencial do combustível, bem como do local e do modo de utilização previsto. Além disso, permite uma análise preliminar dos dados nele contidos e, por conseguinte, identificar e detetar fraudes fiscais.

25

Ora, tendo em consideração a margem de apreciação de que dispõem os Estados‑Membros quanto às medidas e aos mecanismos a adotar com vista a prevenir a evasão e a fraude fiscais ligadas à venda de combustíveis, e na medida em que uma obrigação de entregar, junto das autoridades competentes, um extrato das declarações dos compradores não reveste um caráter manifestamente desproporcionado, há que considerar que uma tal obrigação constitui uma medida apropriada para prosseguir esse objetivo e não vai além do que é necessário para o alcançar.

26

Consequentemente, a Diretiva 2003/96 e o princípio da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual os vendedores de combustível de aquecimento estão obrigados a apresentar, no prazo fixado, um extrato das declarações dos compradores segundo as quais os produtos comprados se destinam a aquecimento.

Quanto à aplicação da taxa de imposto especial de consumo prevista para os carburantes em caso de incumprimento da obrigação de apresentar um extrato das declarações dos compradores

27

Em conformidade com o artigo 89.o, n.o 16, da Lei relativa aos impostos especiais de consumo, o incumprimento da obrigação de elaborar e entregar um extrato das declarações dos compradores nos prazos fixados acarreta a aplicação ao combustível vendido da taxa de imposto especial de consumo prevista para os carburantes, qualquer que seja a utilização efetiva desse combustível.

28

No que respeita, em primeiro lugar, à conformidade de tal consequência com a Diretiva 2003/96, há que salientar desde logo que as disposições desta diretiva citadas pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua primeira questão não são diretamente pertinentes para efeitos do litígio no processo principal. Com efeito, antes de mais, o artigo 2.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da referida diretiva visa «os produtos energéticos para os quais não é especificado um nível tributário na presente diretiva», ao passo que resulta da decisão de reenvio que o nível tributário do produto em causa no processo principal está claramente definido na Diretiva 2003/96.

29

Em seguida, o artigo 5.o desta diretiva prevê taxas de imposto diferenciadas em certos casos enumerados taxativamente neste artigo, a saber, se estiverem ligadas à qualidade do produto, se dependerem das quantidades consumidas, se os produtos forem utilizados em certos domínios públicos ou ainda quando essas taxas distinguem entre a utilização profissional e a utilização não profissional. Por conseguinte, este artigo não respeita à diferença de utilização entre carburante e combustível de aquecimento.

30

Por último, o artigo 21.o, n.o 4, da Diretiva 2003/96 refere‑se às condições associadas à aplicação das taxas reduzidas e das isenções previstas nos artigos 14.° a 19.° desta diretiva.

31

Em contrapartida, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de declarar que a sistemática da Diretiva 2003/96 assenta numa distinção clara entre os carburantes e os combustíveis de aquecimento em função, nomeadamente, do critério da utilização. Com efeito, a distinção entre carburantes e combustíveis de aquecimento, introduzida pelos considerandos 17 e 18 desta diretiva, é aplicada, nomeadamente, nos artigos 7.° a 9.° da mesma, relativos às modalidades de fixação dos níveis mínimos de tributação aplicáveis, por um lado, aos combustíveis de aquecimento e, por outro, aos carburantes e aos produtos utilizados como carburantes para fins industriais e comerciais específicos (v., nesse sentido, acórdão de 3 de abril de 2014, Kronos Titan e Rhein‑Ruhr Beschichtungs‑Service, C‑43/13 e C‑44/13, EU:C:2014:216, n.o 28).

32

Além disso, os considerandos 3 e 4 da referida diretiva referem que o bom funcionamento do mercado interno exige a fixação de níveis mínimos de tributação a nível da União para a maioria dos produtos energéticos e que a existência de importantes diferenças entre os níveis nacionais de tributação da energia aplicados pelos Estados‑Membros poderá ser prejudicial a tal funcionamento. Por conseguinte, há que considerar que a definição de níveis mínimos de tributação de produtos consoante a sua utilização como carburante ou combustível de aquecimento contribui para o bom funcionamento do mercado interno, permitindo excluir eventuais distorções de concorrência entre produtos utilizados para os mesmos fins.

33

Daqui resulta que tanto a sistemática geral como a finalidade da Diretiva 2003/96 se baseiam no princípio segundo o qual os produtos energéticos são tributados em função da sua utilização efetiva.

34

Consequentemente, uma disposição de direito nacional como o artigo 89.o, n.o 16, da Lei relativa aos impostos especiais de consumo, nos termos da qual, na falta de entrega de um extrato das declarações dos compradores no prazo fixado, a taxa de imposto especial de consumo prevista para os carburantes é automaticamente aplicada aos combustíveis para aquecimento, mesmo que, como constatado no processo principal, estes tenham sido utilizados enquanto tal, contraria a sistemática geral e a finalidade da Diretiva 2003/96.

35

Em segundo lugar, tal aplicação automática da taxa de imposto especial de consumo prevista para os carburantes em caso de incumprimento da obrigação de entregar um extrato desse tipo viola o princípio da proporcionalidade.

36

Com efeito, resulta da decisão de reenvio que, no processo principal, se constatou que as vendas de combustível efetuadas pela ROZ‑ŚWIT tinham sido verificadas e que não havia dúvida de que os compradores tinham confirmado a compra e o consumo desse combustível para efeitos de aquecimento. Acresce que nenhum elemento dos autos indica que essas vendas foram realizadas com o objetivo de beneficiar de modo fraudulento da taxa de imposto especial de consumo preferencial atribuída aos combustíveis destinados a aquecimento.

37

Contudo, apesar da referida constatação, as autoridades competentes aplicaram aos combustíveis vendidos, nos termos do artigo 89.o, n.o 16, da Lei relativa aos impostos especiais de consumo, a taxa de imposto especial de consumo prevista para os carburantes.

38

A este respeito, resulta da decisão de reenvio que, na Polónia, a taxa de imposto especial de consumo aplicável aos carburantes pode ser mais de oito vezes superior à aplicável aos combustíveis de aquecimento.

39

Nestas condições, o facto de aplicar aos combustíveis de aquecimento em causa no processo principal a taxa de imposto especial de consumo prevista para os carburantes em razão da violação da obrigação, imposta pelo direito nacional, de apresentar um extrato das declarações dos compradores nos prazos fixados, quando se constatou que não havia dúvida de que esses produtos se destinavam a aquecimento, vai além do que é necessário para prevenir a evasão e a fraude fiscais (v., por analogia, acórdão de 27 de setembro de 2007, Collée, C‑146/05, EU:C:2007:549, n.o 29).

40

Neste contexto, importa precisar que nada impede um Estado‑Membro de prever a aplicação de uma coima pela violação de uma obrigação como a que consiste na entrega às autoridades competentes de um extrato das declarações dos compradores do combustível de aquecimento vendido. A competência de que dispõe um Estado‑Membro para aplicar tal sanção deve ser exercida no respeito pelo direito da União e pelos seus princípios gerais, incluindo o princípio da proporcionalidade. Para apreciar se essa sanção é conforme com este princípio, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais ter em conta, designadamente, a natureza e a gravidade da infração que a referida sanção visa penalizar, bem como as modalidades de determinação do seu montante (v., por analogia, acórdão de 19 de julho de 2012, Rēdlihs, C‑263/11, EU:C:2012:497, n.os 44 a 47).

41

Consequentemente, a Diretiva 2003/96 e o princípio da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual, na falta de entrega de um extrato mensal das declarações dos compradores no prazo fixado, é aplicada ao combustível de aquecimento vendido a taxa de imposto especial de consumo prevista para os carburantes, mesmo que se tenha constatado que não há dúvida de que esse produto se destinava a aquecimento.

42

Atendendo às considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que a Diretiva 2003/96 e o princípio da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual os vendedores de combustível estão obrigados a apresentar, no prazo fixado, um extrato mensal das declarações dos compradores segundo as quais os produtos comprados se destinam a aquecimento; e

se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual, na falta de entrega de tal extrato no prazo fixado, é aplicável ao combustível de aquecimento vendido a taxa de imposto especial de consumo prevista para os carburantes, mesmo que se tenha constatado que não há dúvida de que esse produto se destinava a aquecimento.

Quanto às despesas

43

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

 

A Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e de eletricidade, conforme alterada pela Diretiva 2004/75/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004, e o principio da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que:

 

não se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual os vendedores de combustível estão obrigados a apresentar, no prazo fixado, um extrato mensal das declarações dos compradores segundo as quais os produtos comprados se destinam a aquecimento; e

 

se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual, na falta de entrega de tal extrato no prazo fixado, é aplicável ao combustível de aquecimento vendido a taxa de imposto especial de consumo prevista para os carburantes, mesmo que se tenha constatado que não há dúvida de que esse produto se destinava a aquecimento.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.