ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

15 de outubro de 2015 ( * )

«Reenvio prejudicial — Regulamento (CE) n.o 1346/2000 — Artigos 4.° e 13.° — Processo de insolvência — Atos prejudiciais — Ação de restituição dos pagamentos efetuados antes da abertura do processo de insolvência — Lei do Estado‑Membro de abertura do processo de insolvência — Lei de um outro Estado‑Membro que rege o ato em causa — Lei que, ‘no caso em apreço, [...] não permite a impugnação do ato por nenhum meio’ — Ónus da prova»

No processo C‑310/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Helsingin hovioikeus (Finlândia), por decisão de 26 de junho de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de junho de 2014, no processo

Nike European Operations Netherlands BV

contra

Sportland Oy, em liquidação

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: F. Biltgen, presidente da Décima Secção, exercendo funções de presidente da Sexta Secção, M. Berger (relatora) e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Nike European Operations Netherlands BV, por A. Saarikivi, asianajaja,

em representação do Governo finlandês, por H. Leppo, na qualidade de agente,

em representação do Governo belga, por M. Jacobs, na qualidade de agente,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Kemper, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por L. Banciella Rodríguez‑Miñón, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por E. Paasivirta e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 4.°, n.o 2, alínea m), e 13.° do Regulamento (CE) n.o 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência (JO L 160, p. 1).

2

Esse pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Nike European Operations Netherlands BV (a seguir «Nike») e a Sportland Oy, em liquidação (a seguir «Sportland»), a propósito de uma ação de anulação.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O considerando 24 do Regulamento n.o 1346/2000 enuncia:

«O reconhecimento automático de um processo de insolvência ao qual é geralmente aplicável a lei do Estado de abertura pode interferir com as normas a que obedece o comércio jurídico noutros Estados‑Membros. Para proteger as expectativas legítimas e a segurança do comércio jurídico nos Estados‑Membros […] que não o de abertura, deve prever‑se uma série de derrogações à regra geral.»

4

O artigo 4.o do referido regulamento dispõe:

«1.   Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos é a lei do Estado‑Membro em cujo território é aberto o processo, a seguir designado ‘Estado de abertura do processo’.

2.   A lei do Estado de abertura do processo determina as condições de abertura, tramitação e encerramento do processo de insolvência. A lei do Estado de abertura do processo determina, nomeadamente:

[...]

m)

As regras referentes à nulidade, à anulação ou à impugnação dos atos prejudiciais aos credores.»

5

Nos termos do artigo 13.o do mesmo regulamento:

«O n.o 2, alínea m), do artigo 4.o não é aplicável se quem tiver beneficiado de um ato prejudicial a todos os credores fizer prova de que:

esse ato se rege pela lei de um Estado‑Membro que não o Estado de abertura do processo, e

no caso em apreço, essa mesma lei não permite a impugnação do ato por nenhum meio.»

Direito finlandês

6

O § 10 da Lei relativa à reintegração na massa falida (takaisinsaannista konkurssipesään annettu laki) dispõe que o pagamento de uma dívida efetuado mais de três meses antes da data de referência é anulado se a dívida tiver sido paga através de meios de pagamento inabituais ou antes do fim do prazo ou se, em relação à importância da massa falida, o montante do pagamento se afigurar considerável.

Direito neerlandês

7

Por força do artigo 47.o da Lei relativa à falência (Faillissementswet), o pagamento de uma dívida exigível só pode ser contestado se se provar que o beneficiário do pagamento sabia, no momento da receção do mesmo, que um pedido de abertura de um processo de insolvência já tinha sido apresentado em tribunal ou que o credor e o devedor tinham celebrado um acordo para favorecer o credor em detrimento dos outros credores.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8

A Sportland, com sede em Helsínquia (Finlândia), vendia a retalho produtos produzidos pela Nike, com sede em Hilversum (Países Baixos), em conformidade com um contrato de franquia. Por força desse contrato, que estava sujeito ao direito neerlandês, a Sportland pagou à Nike dívidas vencidas, respeitantes à aquisição dos stocks abrangidos pelo referido contrato, em dez pagamentos escalonados, no período compreendido entre 10 de fevereiro e 20 de maio de 2009, correspondente ao montante total de 195108,15 euros.

9

Chamado a conhecer de um pedido apresentado em 5 de maio de 2009, o Helsingin käräjäoikeus (tribunal de primeira instância de Helsínquia) determinou a abertura, em 26 de maio de 2009, de um processo de insolvência contra a Sportland. Esta última intentou no Helsingin käräjäoikeus uma ação em que pedia que os pagamentos referidos no número anterior do presente acórdão fossem anulados e que a Nike fosse obrigada a restituir as quantias pagas e os juros, em conformidade com o § 10 da Lei relativa à reintegração na massa falida.

10

A Nike pediu que a ação fosse julgada improcedente. Invocou, nomeadamente, o artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000 e alegou que os pagamentos impugnados eram abrangidos pelo direito neerlandês. Ora, com fundamento no artigo 47.o da Lei relativa à falência, os pagamentos não podiam ser anulados.

11

O Helsingin käräjäoikeus julgou a ação da Sportland procedente. Considerou, nomeadamente, que o perito que perante ele tinha comparecido não tinha examinado a questão da possibilidade de, no direito neerlandês, atentas todas as circunstâncias do processo principal, uma reintegração dos pagamentos na massa da liquidação. Esse órgão jurisdicional concluiu que a Nike não tinha demonstrado que, para efeitos do artigo 13.o do referido regulamento, os pagamentos não podiam ser impugnados.

12

A Nike, que considerava ter fornecido explicações suficientes quanto ao conteúdo da legislação neerlandesa, recorreu dessa decisão para o Helsingin hovioikeus (tribunal de recurso de Helsínquia). A Sportland pediu que fosse negado provimento a esse recurso, pelo facto, nomeadamente, de a Nike não ter fornecido explicações quanto ao teor de outras disposições do direito neerlandês, para além das relativas à legislação em matéria de falência, nem quanto aos princípios gerais desse direito.

13

Na sua decisão de reenvio, o Helsingin hovioikeus recorda que, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento 1346/2000, a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos é a do Estado de abertura do processo. Segundo o artigo 4.o, n.o 2, alínea m), desse regulamento, essa lei determina designadamente as regras referentes à nulidade, à anulação ou à impugnação dos atos prejudiciais aos credores. Ora, por força do artigo 13.o do referido regulamento, a alínea m) do n.o 2 do artigo 4.o não é aplicável se quem tiver beneficiado de um ato prejudicial a todos os credores fizer prova de que esse ato se rege pela lei de um Estado‑Membro diferente do Estado de abertura do processo e de que essa lei não permite a impugnação do ato por nenhum meio.

14

O órgão jurisdicional de reenvio observa que as partes no processo principal se opõem, em primeiro lugar, quanto à interpretação da expressão «no caso em apreço, [...] não permite a impugnação do ato por nenhum meio», em segundo lugar, quanto ao alcance da obrigação de a Nike fornecer indicações sobre ao teor do direito neerlandês e, em terceiro lugar, quanto à repartição do ónus da prova entre as partes.

15

Nestas condições, o Helsingin hovioikeus decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000 ser interpretado no sentido de que a expressão ‘no caso em apreço […] [o] ato’ significa que o ato não pode ser anulado, atendendo a todas as circunstâncias do caso?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão e se o [demandado nessa ação] tiver invocado uma disposição [de uma] lei [na aceção] do artigo 13.o, primeiro travessão, nos termos da qual o pagamento de uma dívida vencida só pode ser impugnado nas circunstâncias aí previstas, e que não são indicadas na ação intentada nos termos da lei do Estado em que foi aberto o processo de insolvência:

i)

há razões que se oponham a uma interpretação do artigo 13.o no sentido de que a parte que pede a anulação, após ter tido conhecimento desta disposição, tem de invocar estas circunstâncias se, nos termos do direito nacional do Estado‑Membro em que foi aberto o processo de insolvência, tiver de alegar todas circunstâncias em que fundamenta a sua ação, ou

ii)

o [demandado] tem de demonstrar que estas circunstâncias não existiam e que, segundo a disposição em causa, a impugnação não era possível sem que a parte que pede a anulação tenha de invocar especificamente essas circunstâncias?

3)

Independentemente da resposta à [segunda] questão […] i): deve o artigo 13.o ser interpretado no sentido de que

i)

recai sobre o [demandado] o ónus da prova de que as circunstâncias referidas na disposição não se verificavam no caso concreto, ou

ii)

o ónus da prova da existência dessas circunstâncias pode ser determinado nos termos do direito de um Estado‑Membro diferente do Estado da abertura do processo, aplicável ao ato, que prevê que o ónus da prova recai sobre a parte que pede a anulação, ou

iii)

pode o artigo 13.o também ser interpretado no sentido de que o ónus da prova é regulado pelas disposições nacionais do Estado do foro?

4)

Deve o artigo 13.o ser interpretado no sentido de que a expressão ‘não permite a impugnação do ato por nenhum meio’ visa, além das disposições em matéria de insolvência, aplicáveis ao ato, também as disposições e [os] princípios gerais deste direito, aplicáveis ao ato?

5)

Em caso de resposta afirmativa à [quarta] questão […]:

i)

deve o artigo 13.o ser interpretado no sentido de que o [demandado] tem de demonstrar que o direito a que se refere o artigo 13.o não contém disposições ou princípios gerais ou de outro tipo, que permitam uma impugnação com base nos elementos de facto alegados, e

ii)

pode um órgão jurisdicional, nos termos do artigo 13.o, quando entende que o [demandado] apresentou explicações suficientes para esse fim, exigir da outra parte a prova de uma disposição em matéria de [falência] ou da lei geral aplicável ao ato, de um Estado‑Membro diferente do Estado em que foi aberto o processo, no sentido do artigo 13.o, segundo a qual a impugnação é possível?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

16

Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que a sua aplicação está sujeita à condição de o ato em causa não poder ser impugnado com fundamento na lei aplicável a esse ato (a seguir «lex causae»), atentas todas as circunstâncias do caso em apreço.

17

A este respeito, há que concluir que a redação do artigo 13.o do referido regulamento, na versão em língua finlandesa, difere ligeiramente das outras versões linguísticas, na medida em que não parece incluir os termos «no caso em apreço» ou uma expressão análoga. Ora, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a necessidade de uma interpretação uniforme de uma disposição do direito da União exige, em caso de divergência entre as diferentes versões linguísticas, que a disposição em causa seja interpretada em função do contexto e da finalidade da regulamentação a que pertence (v. acórdão Christie’s France, C‑41/14, EU:C:2015:119, n.o 26 e jurisprudência referida).

18

Quanto ao contexto e à finalidade do artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000, cumpre recordar, por um lado, que esse artigo prevê uma exceção à regra geral, consagrada no artigo 4.o, n.o 1, desse regulamento, segundo a qual a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos é a lei do Estado de abertura do processo (a seguir «lex fori concursus»). Por outro lado, essa exceção, que tem por objeto, como prevê o considerando 24 do referido regulamento, proteger a confiança legítima e a segurança das transações em Estados‑Membros diferentes do de abertura do processo, deve ser interpretada estritamente e o seu alcance não pode ir além do que é necessário para alcançar este objetivo (v. acórdão Lutz, C‑557/13, EU:C:2015:227, n.o 34).

19

Assim, o artigo 13.o do Regulamento 1346/2000 visa proteger a confiança legítima de quem beneficiou de um ato prejudicial a todos os credores, ao prever que esse ato continuará a ser regido, mesmo após a abertura de um processo de insolvência, pelo direito que lhe era aplicável na data em que foi realizado, a saber, a lex causae.

20

Ora, resulta claramente desse objetivo que a aplicação do artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000 exige a tomada em consideração de todas as circunstâncias do caso em apreço. Com efeito, não pode haver confiança legítima no facto de que a validade de um ato será apreciada, após a abertura de um processo de insolvência, abstraindo dessas circunstâncias, quando, mesmo na falta de abertura desse processo, estas deviam ser tidas em conta.

21

Além disso, a obrigação de interpretar estritamente a exceção prevista no artigo 13.o do referido regulamento opõe‑se a uma interpretação extensiva do alcance desse artigo, que permite a quem beneficiou de um ato prejudicial ao conjunto dos credores subtrair‑se à aplicação da lex fori concursus ao invocar de forma apenas puramente abstrata o caráter inimpugnável do ato em causa com base numa disposição da lex causae.

22

Nestas circunstâncias, deve responder‑se à primeira questão que o artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que a sua aplicação está sujeita à condição de o ato em causa não poder ser impugnado com fundamento na lex causae, atentas todas as circunstâncias do caso em apreço.

Quanto à segunda e à terceira questões

23

Com a segunda e a terceira questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, para efeitos de aplicação do artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000 e na hipótese de o demandado numa ação de nulidade, de anulação ou de impugnação de um ato invocar uma disposição da lex causae segundo a qual esse ato só é impugnável nas circunstâncias previstas por essa disposição, a quem incumbe invocar a não verificação dessas circunstâncias e fazer a respetiva prova.

24

A este propósito, cumpre recordar que, nos termos do artigo 13.o do referido regulamento, o n.o 2, alínea m) do artigo 4.o não é aplicável se quem tiver beneficiado de um ato prejudicial a todos os credores fizer prova de que esse ato se rege pela lei de um Estado‑Membro que não o Estado de abertura do processo e de que essa mesma lei não permite a impugnação do ato por nenhum meio.

25

Resulta da própria redação do artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000 que incumbe ao demandado numa ação de nulidade, de anulação ou de impugnação de um ato fazer a prova de que esse ato não pode ser impugnado com base na lex causae. Por outro lado, ao prever que esse demandado deve fazer a prova de que o ato considerado não pode ser impugnado «por nenhum meio» e isto, como decorre do n.o 22 do presente acórdão, atentas todas as circunstâncias do caso em apreço, o referido artigo 13.o impõe igualmente a esse demandado, pelo menos implicitamente, a obrigação de fazer a prova tanto da existência dos elementos de facto que permitem concluir que o ato em causa não pode ser impugnado como da falta de qualquer elemento que se oponha a essa conclusão.

26

Por conseguinte, uma vez que o artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000 atribui expressamente o ónus da prova ao demandado que invoca esse artigo, o demandante, no âmbito de uma ação intentada com base nas disposições pertinentes da lex fori concursus, não pode ser obrigado a alegar ou mesmo a fazer a prova de que estão reunidos os pressupostos de aplicabilidade de uma disposição da lex causae que permite, em princípio, impugnar o ato em causa, como o artigo 47.o da Lei relativa à insolvência em causa no processo principal.

27

Todavia, embora o artigo 13.o do referido regulamento regule expressamente a atribuição do ónus da prova, não contém disposições relativas aos aspetos processuais mais específicos. Assim, esse artigo não inclui disposições relativas, designadamente, às modalidades de administração da prova, aos meios de prova admissíveis no órgão jurisdicional nacional competente ou aos princípios que regem a apreciação, por esse órgão jurisdicional, da força probatória dos elementos de prova que lhe são submetidos.

28

Ora, decorre de jurisprudência constante que, na falta de regras da União na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro estabelecer essas regras, por força do princípio da autonomia processual, desde que, no entanto, não sejam menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes sujeitas ao direito interno (princípio da equivalência) e não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União (princípio da efetividade) (v., neste sentido, acórdão Kušionová, C‑34/13, EU:C:2014:2189, n.o 50 e jurisprudência referida).

29

No que respeita, em especial, ao princípio da efetividade mencionado no número anterior do presente acórdão, este opõe‑se, por um lado, à aplicação de regras processuais nacionais que tornem impossível na prática ou excessivamente difícil o recurso ao artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000, ao prever regras demasiado estritas, em especial no que diz respeito à prova negativa da não verificação de circunstâncias determinadas. Por outro lado, esse princípio opõe‑se a regras nacionais demasiado flexíveis em matéria de prova cuja aplicação conduza, na prática, a inverter o ónus da prova previsto no artigo 13.o do referido regulamento.

30

Todavia, a mera dificuldade de fazer a prova da verificação das circunstâncias em que a lex causae exclui a impugnação do ato em causa, ou, se for caso disso, da não verificação das circunstâncias, previstas pela lex causae, em que o ato pode ser impugnado, não viola, em si mesma, o princípio da efetividade, antes responde à exigência, evocada no n.o18 do presente acórdão, de interpretar estritamente o referido artigo.

31

Nestas condições, há que responder à segunda e à terceira questões que, para efeitos de aplicação do artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000 e na hipótese de o demandado numa ação de nulidade, de anulação ou de impugnação de um ato invocar uma disposição da lex causae segundo a qual esse ato só é impugnável nas circunstâncias previstas por essa disposição, incumbe a esse demandado invocar a não verificação dessas circunstâncias e fazer a respetiva prova.

Quanto à quarta questão

32

Com a quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se há que interpretar o artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000 no sentido de que a expressão «não permite a impugnação do ato por nenhum meio» visa, além das disposições da lex causae aplicáveis em matéria de insolvência, também as disposições e os princípios gerais desta lei.

33

A este respeito, resulta do n.o 19 do presente acórdão que o artigo 13.o do referido regulamento visa proteger a confiança legítima de quem tiver beneficiado de um ato prejudicial a todos os credores, ao prever que esse ato continua a reger‑se pela lex causae, mesmo após a abertura de um processo de insolvência. Além disso, como resulta do n.o 22 do presente acórdão, a aplicação desse artigo 13.o favoravelmente a esse beneficiário exige a tomada em consideração de todas as circunstâncias do caso em apreço.

34

Ora, o objetivo de proteção da confiança legítima e a necessidade de ter em conta todas as circunstâncias do caso em apreço impõem uma interpretação do artigo 13.o do mesmo regulamento no sentido de que o referido beneficiário deve fazer a prova de que o ato considerado não é impugnável com fundamento nas disposições da lex causae aplicáveis em matéria de insolvência nem da lex causae na sua totalidade.

35

Com efeito, por um lado, a redação do artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000 milita claramente a favor de tal interpretação, uma vez que impõe ao beneficiário de um ato prejudicial o ónus da prova de que esse ato não é impugnável «por nenhum meio». Por outro lado, não pode haver confiança legítima no facto de que um ato, que é impugnável com fundamento numa disposição ou num princípio geral da lex causae, seja apreciado, após a abertura de um processo de insolvência, apenas à luz das disposições da lex causae aplicáveis em matéria de insolvência.

36

Nestas circunstâncias, há que responder à quarta questão que o artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que a expressão «não permite a impugnação do ato por nenhum meio» visa, além das disposições da lex causae aplicáveis em matéria de insolvência, também as disposições e os princípios gerais desta lei.

Quanto à quinta questão

37

Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que o demandado numa ação de nulidade, de anulação ou de impugnação de um ato deve demonstrar que a lex causae, globalmente considerada, não permite impugnar esse ato. Por outro lado, esse órgão jurisdicional pretende saber, em substância, se o órgão jurisdicional nacional que conhece dessa ação pode, se considerar que o demandado apresentou explicações suficientes, entender que cabe ao demandante fazer a prova de uma disposição ou de um princípio da lex causae por força dos quais o referido ato pode ser impugnado.

38

Em primeiro lugar, no que diz respeito à questão de saber se, para efeitos da aplicação do referido artigo 13.o, o demandado numa ação de nulidade, de anulação ou de impugnação de um ato deve demonstrar que a lex causae, globalmente considerada, não permite impugnar o ato em causa, há que recordar que, como decorre do n.o 31 do presente acórdão, incumbe a esse demandado invocar a não verificação das circunstâncias que permitem impugnar esse ato com base na lex causae e fazer a respetiva prova.

39

Ora, o artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000 não distingue as disposições da lex causae aplicáveis em matéria de insolvência das disposições e dos princípios da lex causae aplicáveis a outras matérias, mas prevê que incumbe ao referido demandado fazer a prova de que o ato em causa não pode ser impugnado «por nenhum meio». Por conseguinte, decorre claramente da redação desse artigo que este deve ser interpretado no sentido de que o mesmo demandado deve demonstrar que a lex causae, globalmente considerada, não permite impugnar esse ato.

40

Esta conclusão está igualmente em conformidade com o princípio, recordado no n.o 18 do presente acórdão, segundo o qual o artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000 deve ser objeto de interpretação estrita. Com efeito, uma interpretação contrária, no sentido de que o ónus da prova relativo à inexistência de qualquer disposição ou de qualquer princípio da lex causae que permitam uma impugnação caberia ao autor da impugnação, facilitaria excessivamente o recurso a essa disposição e atribuir‑lhe‑ia um alcance consideravelmente alargado.

41

Por outro lado, só essa conclusão corresponde ao objetivo do referido artigo 13.o, recordado no n.o 19 do presente acórdão, de proteger a confiança legítima de quem beneficiou de um ato prejudicial a todos os credores, ao prever que esse ato continuará a ser regido pelo direito que lhe era aplicável na data em que foi realizado. Com efeito, nessa data, o referido ato era regido pela lex causae, globalmente considerada, aplicável fora do processo de insolvência, não sendo o mesmo artigo 13.o, em princípio, aplicável, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, aos atos praticados após a abertura de um processo de insolvência (v. acórdão Lutz, C‑557/13, EU:C:2015:227, n.o 36).

42

Em segundo lugar, quanto à questão de saber se o órgão jurisdicional nacional competente para apreciar uma ação de nulidade, de anulação ou de impugnação de um ato pode, se considerar que o demandado apresentou explicações suficientes, considerar que o demandante deve fazer prova de uma disposição ou de um princípio da lex causae por força dos quais esse ato pode ser impugnado, cumpre recordar que resulta do n.o 25 do presente acórdão que incumbe a esse demandado fazer a prova de que o referido ato não pode ser impugnado.

43

Por outro lado, resulta dos n.os 27 a 29 do presente acórdão que, não contendo o artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000 disposições relativas, designadamente, às modalidades de administração da prova, aos meios de prova admissíveis no órgão jurisdicional nacional competente ou aos princípios que regem a apreciação, por esse órgão jurisdicional, da força probatória dos elementos de prova que lhe são submetidos, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro estabelecê‑las, por força do princípio da autonomia processual, desde que, no entanto, os princípios da equivalência e da efetividade sejam respeitados. Não estariam em conformidade com o princípio da efetividade regras nacionais demasiado flexíveis em matéria de prova cuja aplicação conduza, na prática, a inverter o ónus da prova.

44

Daqui decorre que o órgão jurisdicional nacional apenas pode considerar que cabe ao demandante numa ação de nulidade, de anulação ou de impugnação de um ato fazer a prova de uma disposição ou de um princípio da lex causae por força dos quais esse ato pode ser impugnado quando esse órgão jurisdicional considerar que o demandado, num primeiro momento, demonstrou efetivamente, à luz das regras habitualmente aplicáveis segundo o seu direito processual nacional, que o ato em causa, por força da lex causae, não pode ser impugnado. Todavia, decorre da autonomia processual do Estado‑Membro em causa estabelecer, no respeito dos princípios da efetividade e da equivalência, os critérios que permitam apreciar se o demandante fez efetivamente essa prova.

45

Nestas circunstâncias, há que responder à quinta questão que o artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que o demandado numa ação de nulidade, de anulação ou de impugnação de um ato deve demonstrar que a lex causae, globalmente considerada, não permite impugnar o referido ato. O órgão jurisdicional nacional que conhece dessa ação só pode considerar que cabe ao demandante fazer a prova da existência de uma disposição ou de um princípio da lex causae por força dos quais esse ato pode ser impugnado quando considerar que o demandado, num primeiro momento, demonstrou efetivamente, à luz das regras habitualmente aplicáveis do seu direito processual nacional, que o ato em causa, por força da lex causae, não pode ser impugnado.

Quanto às despesas

46

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

 

1)

O artigo 13.o do Regulamento (CE) n.o 1346/2000, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado no sentido de que a sua aplicação está sujeita à condição de o ato em causa não poder ser impugnado com fundamento na lei aplicável a esse ato ( lex causae ), atentas todas as circunstâncias do caso em apreço.

 

2)

Para efeitos de aplicação do artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000 e na hipótese de o demandado numa ação de nulidade, de anulação ou de impugnação de um ato invocar uma disposição da lei aplicável a esse ato (lex causae) segundo a qual esse ato só é impugnável nas circunstâncias previstas por essa disposição, incumbe a esse demandado invocar a não verificação dessas circunstâncias e fazer a respetiva prova.

 

3)

O artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que a expressão «não permite a impugnação do ato por nenhum meio» visa, além das disposições da lei aplicável a esse ato ( lex causae ) em matéria de insolvência, também as disposições e os princípios gerais desta lei.

 

4)

O artigo 13.o do Regulamento n.o 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que o demandado numa ação de nulidade, de anulação ou de impugnação de um ato deve demonstrar que a lei aplicável a esse ato ( lex causae ), globalmente considerada, não permite impugnar o referido ato. O órgão jurisdicional nacional que conhece dessa ação apenas pode considerar que cabe ao demandante fazer a prova da existência de uma disposição ou de um princípio da referida lei por força dos quais esse ato pode ser impugnado quando esse órgão jurisdicional considerar que o demandado, num primeiro momento, demonstrou efetivamente, à luz das regras habitualmente aplicáveis do seu direito processual nacional, que o ato em causa, por força da mesma lei, não pode ser impugnado.

 

Assinaturas


( * )   Língua do processo: finlandês.