ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

9 de setembro de 2015 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Responsabilidade das transportadoras aéreas em caso de acidente — Ação de indemnização — Convenção de Montreal — Regulamento (CE) n.o 2027/97 — Voo efetuado a título gratuito pelo proprietário de um bem imóvel com o objetivo de mostrar esse imóvel a um eventual comprador — Regulamento (CE) n.o 864/2007 — Ação direta prevista no direito nacional contra a seguradora de responsabilidade civil»

No processo C‑240/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Landesgericht Korneuburg (Áustria), por decisão de 12 de maio de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de maio de 2014, no processo

Eleonore Prüller‑Frey

contra

Norbert Brodnig,

Axa Versicherung AG,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, S. Rodin (relator), A. Borg Barthet, E. Levits e M. Berger, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 4 de março de 2015,

vistas as observações apresentadas:

em representação de E. Prüller‑Frey, por A. Weinzierl, Rechtsanwalt,

em representação de N. Brodnig e da Axa Versicherung AG, por F. Hörlsberger, Rechtsanwalt,

em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

em representação do Governo francês, por M. Hours, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por G. Braun, M. Wilderspin, F. Wilman e K.‑P. Wojcik, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de maio de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 1.°, n.o 1, 17.°, 29.° e 33.° da Convenção para a unificação de certas regras relativas ao Transporte Aéreo Internacional, celebrada em Montreal, em 28 de maio de 1999, e aprovada em nome da União Europeia pela Decisão 2001/539/CE do Conselho, de 5 de abril de 2001 (JO L 194, p. 38, a seguir «Convenção de Montreal»), do artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e c), do Regulamento (CE) n.o 2027/97 do Conselho, de 9 de outubro de 1997, relativo à responsabilidade das transportadoras aéreas no transporte de passageiros e respetiva bagagem (JO L 285, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 889/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de maio de 2002 (JO L 140, p. 2, a seguir «Regulamento n.o 2027/97»), do artigo 3.o, alíneas c) e g), do Regulamento (CE) n.o 785/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativo aos requisitos de seguro para transportadoras aéreas e operadores de aeronaves (JO L 138, p. 1), do artigo 67.o do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), do artigo 18.o do Regulamento (CE) n.o 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II») (JO L 199, p. 40), bem como do artigo 7.o, n.o 1, alínea f), da Segunda Diretiva 88/357/CEE do Conselho, de 22 de junho de 1988, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao seguro direto não vida, que fixa disposições destinadas a facilitar o exercício da livre prestação de serviços e que altera a Diretiva 73/239/CEE (JO L 172, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 92/49/CEE do Conselho, de 18 de junho de 1992 (JO L 228, p. 1, a seguir «Diretiva 88/357»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe E. Prüller‑Frey a N. Brodnig e à Axa Versicherung AG (a seguir «Axa»), sociedade de seguros alemã, a respeito da indemnização dos danos atuais e futuros sofridos por E. Prüller‑Frey decorrentes de um acidente aéreo.

Quadro jurídico

Direito internacional

3

O artigo 1.o, n.o 1, da Convenção de Montreal tem a seguinte redação:

«A presente Convenção aplica‑se a todas as operações de transporte internacional de pessoas, bagagens ou mercadorias em aeronave efetuadas a título oneroso. A presente Convenção aplica‑se igualmente às operações gratuitas de transporte em aeronave efetuadas por uma empresa de transportes aéreos.»

Direito da União

4

Nos termos do artigo 1.o do Regulamento n.o 2027/97:

«O presente regulamento transpõe as disposições pertinentes da Convenção de Montreal respeitantes ao transporte aéreo de passageiros e da sua bagagem e estabelece certas disposições complementares. O presente regulamento também torna o âmbito de aplicação dessas disposições extensivo ao transporte aéreo dentro de um Estado‑Membro.»

5

O artigo 2.o, n.o 1, do referido regulamento dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

a)

‘Transportadora aérea’: uma empresa de transporte aéreo titular de uma licença de exploração válida;

b)

‘Transportadora aérea comunitária’: uma transportadora aérea titular de uma licença de exploração válida emitida para um Estado‑Membro nos termos do Regulamento (CEE) n.o 2407/92 [do Conselho, de 23 de julho de 1992, relativo à concessão de licenças às transportadoras aéreas (JO L 240, p. 1)];

c)

‘Pessoa com direito a indemnização’: um passageiro ou qualquer pessoa com direito à indemnização relativa a esse passageiro, nos termos da legislação aplicável;

[…]»

6

O Regulamento (CE) n.o 1008/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de setembro de 2008, relativo a regras comuns de exploração dos serviços aéreos na Comunidade (reformulação) (JO L 293, p. 3), revogou, com efeitos a partir de 1 de novembro de 2008, o Regulamento n.o 2407/92.

7

O artigo 2.o do Regulamento n.o 1008/2008 tem a seguinte redação:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

4.

‘Serviço aéreo’: um voo ou uma série de voos que transportem passageiros, carga e/ou correio mediante remuneração e/ou em execução de um contrato de fretamento.

5.

‘Voo’: qualquer partida de um determinado aeroporto para um determinado aeroporto de destino.

6.

‘Voo local’: um voo que não implique transporte de passageiros, correio e/ou carga entre diferentes aeroportos ou outros pontos de aterragem autorizados.

[…]»

8

O artigo 3.o do referido regulamento dispõe:

«1.   Só estão autorizadas a efetuar o transporte aéreo de passageiros, de correio e/ou de carga mediante remuneração e/ou em execução de um contrato de fretamento as empresas estabelecidas na Comunidade que sejam titulares de uma licença de exploração adequada.

As empresas que satisfaçam as condições estabelecidas no presente capítulo têm direito à licença de exploração.

[…]

3.   Sem prejuízo de outras disposições do direito comunitário, nacional ou internacional aplicáveis, as seguintes categorias de serviços aéreos não estão sujeitas à exigência de titularidade de uma licença de exploração válida:

a)

Serviços aéreos efetuados por aeronaves sem motor e/ou aeronaves ultraleves com motor; e

b)

Voos locais.»

9

O artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento n.o 785/2004 enuncia:

«O presente regulamento não se aplica a:

[…]

g)

Aeronaves, incluindo os planadores, com um peso máximo à descolagem (MTOM) inferior a 500 kg, bem como os ultraleves, que:

sejam utilizados para fins não comerciais, ou que

sejam utilizados em operações de instrução de voo a nível local que não envolvam o cruzamento de fronteiras internacionais,

no que diz respeito às obrigações em matéria de seguros decorrentes do presente regulamento e relacionadas com os riscos de guerra e de terrorismo.»

10

O artigo 4.o do Regulamento n.o 864/2007 prevê:

«1.   Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável às obrigações extracontratuais decorrentes da responsabilidade fundada em ato lícito, ilícito ou no risco é a lei do país onde ocorre o dano, independentemente do país onde tenha ocorrido o facto que deu origem ao dano e independentemente do país ou países onde ocorram as consequências indiretas desse facto.

2.   Todavia, sempre que a pessoa cuja responsabilidade é invocada e o lesado tenham a sua residência habitual no mesmo país no momento em que ocorre o dano, é aplicável a lei desse país.

3.   Se resultar claramente do conjunto das circunstâncias que a responsabilidade fundada em ato lícito, ilícito ou no risco tem uma conexão manifestamente mais estreita com um país diferente do indicado nos n.os 1 ou 2, é aplicável a lei desse outro país. Uma conexão manifestamente mais estreita com um outro país poderá ter por base, nomeadamente, uma relação preexistente entre as partes, tal como um contrato, que tenha uma ligação estreita com a responsabilidade fundada no ato lícito, ilícito ou no risco em causa.»

11

O artigo 18.o do referido regulamento dispõe:

«O lesado pode demandar diretamente o segurador do responsável pela reparação, se a lei aplicável à obrigação extracontratual ou a lei aplicável ao contrato de seguro assim o previr.»

12

Nos termos do artigo 1.o da Primeira Diretiva 73/239/CEE do Conselho, de 24 de julho de 1973, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao acesso à atividade de seguro direto não vida e ao seu exercício (JO L 228, p. 3; EE 06 F1 p. 143), conforme alterada pela Diretiva 88/357 (a seguir «Diretiva 73/239»):

«1.   A presente diretiva diz respeito ao acesso à atividade não assalariada do seguro direto, incluindo a atividade de assistência referida no n.o 2, praticada pelas empresas estabelecidas no território de um Estado‑Membro ou que aí pretendam estabelecer‑se, bem como ao exercício dessa mesma atividade.

[…]

3.   A classificação por ramo de atividades referida neste artigo consta do anexo à presente diretiva.»

13

O artigo 5.o da Diretiva 73/239 prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

d)

Grandes riscos:

i)

os riscos classificados nas subdivisões 4, 5, 6, 7, 11 e 12 do ponto A do anexo,

[…]»

14

O anexo da referida diretiva especifica:

«A. Classificação dos riscos por ramos de seguros

[…]

5. Cascos de aeronaves

Qualquer dano sofrido por aeronaves.

[…]

11. Responsabilidade civil por aeronaves

A responsabilidade resultante da utilização de aeronaves (incluindo a responsabilidade do transportador).

[…]»

15

O artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 88/357 enuncia:

«A lei aplicável aos contratos de seguro abrangidos pela presente diretiva e que cubram riscos situados nos Estados‑Membros será determinada de acordo com as seguintes disposições:

[…]

f)

Relativamente aos riscos referidos na alínea d) do artigo 5.o da Diretiva 73/239/CEE, as partes no contrato podem escolher livremente a lei aplicável;

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

Em 30 de agosto de 2010, E. Prüller‑Frey, à época domiciliada e residente a título habitual na Áustria, sobrevoou, a bordo de um autogiro, modelo «Calidus», com um peso máximo à descolagem (PMD) de 450 quilogramas, pilotado por F. Preiss, uma plantação de aloés vera, com vista a uma eventual aquisição dessa plantação.

17

Antes desse voo, F. Preiss, que era proprietário desse autogiro, tinha solicitado a assistência de N. Brodnig para que este o ajudasse a celebrar um contrato de seguro que tivesse um preço atrativo. Tendo em conta que N. Brodnig tinha efetuado um número de horas de voo mais significativo do que F. Preiss e que o montante do prémio de seguro é calculado em função do número de horas de voo, N. Brodnig, que declarou simultaneamente que tinha residência em Espanha, onde vivia desde 2007, e que era residente na Áustria, aceitou celebrar, em 6 de maio de 2009, na qualidade de detentor do autogiro em causa no processo principal, um contrato de seguro com a Axa, o qual tinha por objeto a cobertura multirrisco da responsabilidade civil do detentor desse autogiro e dos passageiros do mesmo.

18

Esta apólice de seguro definia da seguinte forma a utilização do autogiro em causa no processo principal: «voos de negócios, voos privados, voos de demonstração com vista a uma venda». A redação da referida apólice de seguro especificava que esta era regida pelo direito alemão e que as jurisdições competentes para conhecerem das ações resultantes dessa apólice eram «as jurisdições da República Federal da Alemanha». No entanto, esta mesma apólice não excluía, conforme a sua redação especificava igualmente, «a competência obrigatória de outras jurisdições nos termos previstos no direito alemão».

19

O autogiro em causa no processo principal descolou de Medina Sidonia (Espanha) e esteve envolvido num acidente que ocorreu perto de Jerez de la Frontera (Espanha).

20

E. Prüller‑Frey, que sofreu lesões corporais nesse acidente, intentou uma ação no Landesgericht Korneuburg (Tribunal Regional de Korneuburgo), na qual pediu a condenação dos demandados no pagamento da quantia de 142946,40 euros, acrescida de juros à taxa de 4% a partir de 2 de outubro de 2012, bem como que fosse reconhecida a responsabilidade solidária destes últimos relativamente a todos os danos futuros que tenham um nexo causal com o referido acidente, devendo contudo as responsabilidades limitar‑se, no que respeita a N. Brodnig, ao limite legal da responsabilidade e, no que respeita à Axa, ao montante segurado pelo contrato de seguro em causa no processo principal.

21

No âmbito do processo que correu no Landesgericht Korneuburg, os demandados questionaram a competência dos órgãos jurisdicionais austríacos para conhecerem do litígio no processo principal e acrescentaram que é o direito espanhol, e não o direito austríaco, que é aplicável ao litígio. Consideram que a possibilidade de E. Prüller‑Frey intentar uma ação direta contra a Axa depende da apólice de seguro em causa no processo principal. Ora, atendendo a que esta está sujeita ao direito alemão, o qual proíbe a propositura de semelhante ação, e a que a situação no processo principal é regulada pelo direito espanhol, que não prevê a existência das ações diretas, a ação intentada por E. Prüller‑Frey deve ser julgada improcedente. No entanto, as partes no processo principal estão de acordo quanto ao facto de que o seguro em causa é obrigatório e que a Convenção de Montreal não é aplicável aos factos no processo principal.

22

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas no que respeita à inaplicabilidade da Convenção de Montreal aos factos no processo principal, devido à extensão da sua aplicação aos voos internos nos termos do Regulamento n.o 2027/97. A este respeito, aquele órgão jurisdicional procura determinar o regime de responsabilidade ao qual estes factos devem ser sujeitos, bem como, na hipótese de esta Convenção não ser aplicável, se o artigo 18.o do Regulamento n.o 864/2007 deve ser interpretado no sentido de que autoriza E. Prüller‑Frey a intentar uma ação direta contra a Axa nos termos da lei aplicável às obrigações extracontratuais, independentemente da lei aplicável ao contrato de seguro em causa no processo principal que foi escolhida por N. Brodnig e pela Axa.

23

Nestas condições, o Landesgericht Korneuburg decidiu, atendendo às dúvidas que tem no que respeita à interpretação do direito da União, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem o artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e c), do Regulamento [n.o 2027/97], o artigo 3.o, alíneas c) e g), do Regulamento [n.o 785/2004] e o artigo 1.o, n.o 1, da Convenção [de Montreal] ser interpretados no sentido de que o pedido de indemnização de uma [pessoa] lesada:

passageira de uma aeronave, [que tinha como local de descolagem e de aterragem a] mesma localidade de um Estado‑Membro,

transportada a título gratuito pelo piloto,

[num] voo [que tinha por objetivo] a visualização aérea de uma propriedade[,] em relação à qual estava prevista uma transação [imobiliária] com o piloto, e

que sofreu [lesões] corporais na sequência da queda da aeronave,

deve ser apreciado exclusivamente à luz do artigo 17.o da Convenção [de Montreal] e no sentido de que não é aplicável o direito nacional?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão: devem o artigo 33.o da Convenção [de Montreal] e o artigo 67.o do Regulamento [n.o 44/2001] ser interpretados no sentido de que a competência para conhecer e decidir do pedido de indemnização referido na primeira questão deve ser apreciada exclusivamente à luz do artigo 33.o da Convenção [de Montreal]?

3)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão: devem o artigo 29.o da Convenção [de Montreal] e o artigo 18.o do Regulamento [n.o 864/2007] ser interpretados no sentido de que se opõem a disposições nacionais que preveem a propositura de uma ação [direta], pela [pessoa] lesada referida na primeira questão, contra a seguradora do responsável pelos danos?

4)

Em caso de resposta negativa à primeira questão: devem o artigo 7.o, n.o 1, alínea f), da Diretiva [88/357] e o artigo 18.o do Regulamento [n.o 864/2007] ser interpretados no sentido de que os pressupostos para a ação a propor diretamente pela [pessoa] lesada referida na primeira questão contra a seguradora do responsável pelos danos devem ser apreciados à luz do direito de um Estado terceiro, quando:

o ordenamento jurídico competente por força das normas de conflitos aplicáveis em matéria de responsabilidade civil extracontratual prevê a ação direta na sua lei sobre o contrato de seguro;

as partes no contrato de seguro optam por atribuir a jurisdição ao ordenamento jurídico de um [Estado terceiro];

pelo que é aplicável o direito do Estado onde a seguradora tem a sua sede, e

também nesse Estado está prevista a ação direta na sua lei sobre o contrato de seguro?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

24

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e c), do Regulamento n.o 2027/97 e o artigo 1.o, n.o 1, da Convenção de Montreal devem ser interpretados no sentido de que um pedido de indemnização apresentado por uma pessoa que, quando se encontrava a bordo de uma aeronave que tinha como local de descolagem e de aterragem a mesma localidade num Estado‑Membro, e que foi transportada a título gratuito para um voo de observação aérea de um bem imóvel no âmbito de um projeto de transação imobiliária a realizar com o piloto dessa aeronave, sofreu lesões corporais na sequência da queda da referida aeronave deve ser apreciado exclusivamente à luz do artigo 17.o da Convenção de Montreal, ficando assim excluída a aplicação do direito nacional.

25

Para responder a esta questão, há que determinar, a título preliminar, se a Convenção de Montreal é aplicável ao processo principal.

26

A este respeito, importa sublinhar que, nos termos do artigo 1.o do Regulamento n.o 2027/97, este transpõe as disposições pertinentes da Convenção de Montreal respeitantes ao transporte aéreo de passageiros e da sua bagagem e estabelece certas disposições complementares.

27

Por conseguinte, para determinar se a Convenção de Montreal é aplicável ao processo principal, há que verificar se esta é abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 2027/97.

28

Para o efeito, há que recordar que o artigo 1.o deste regulamento alarga a aplicação da referida Convenção ao transporte aéreo dentro de um Estado‑Membro.

29

No entanto, o referido regulamento só se aplica às «transportadoras aéreas», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do mesmo regulamento, ou seja, às empresas de transporte aéreo que sejam titulares de uma licença de exploração válida, e às «transportadoras aéreas comunitárias», na aceção do seu artigo 2.o, n.o 1, alínea b), ou seja, às transportadoras aéreas titulares de uma licença de exploração válida emitida para um Estado‑Membro nos termos do Regulamento n.o 2407/92.

30

A este respeito, resulta da decisão de reenvio que os demandados não são abrangidos pelo conceito de «transportadora aérea» na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2027/97, uma vez que não são empresas de transporte aéreo titulares de uma licença de exploração válida.

31

Além disso, os demandados em causa no processo principal também não são abrangidos pelo conceito de «transportadora aérea comunitária» na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 2027/97, na medida em que não são transportadoras aéreas titulares de uma licença de exploração válida emitida para um Estado‑Membro nos termos do Regulamento n.o 2407/92.

32

Por outro lado, esta constatação é corroborada pelo facto de que o voo em causa no processo principal, que realizado a título gratuito num Estado‑Membro, tinha por objetivo a eventual celebração de uma transação imobiliária e não implicava o transporte de passageiros entre aeroportos diferentes ou outros locais de aterragem autorizados, constituía um «voo local» na aceção do artigo 2.o, n.o 1, ponto 6, do Regulamento n.o 1008/2008 e que, nos termos do artigo 3.o, n.o 3, alínea b), deste regulamento, um voo desta natureza não está sujeito à obrigação de possuir uma licença de exploração.

33

Nestas condições, atendendo a que os demandados no processo principal não podem ser considerados «transportadoras aéreas» nem, a fortiori, «transportadoras aéreas comunitárias», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 2027/97, o processo principal não é abrangido pelo âmbito de aplicação deste regulamento.

34

Por conseguinte, a Convenção de Montreal, que só se aplica aos voos realizados num Estado‑Membro desde que estes sejam abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 2027/97, não é aplicável ao processo principal.

35

Resulta do exposto que o artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e c), do Regulamento n.o 2027/97 e o artigo 1.o, n.o 1, da Convenção de Montreal devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que seja analisado à luz do artigo 17.o desta Convenção o pedido de indemnização apresentado por uma pessoa que, quando se encontrava a bordo de uma aeronave que tinha como local de descolagem e de aterragem a mesma localidade num Estado‑Membro, e que foi transportada a título gratuito para um voo de observação aérea de um bem imóvel no âmbito de um projeto de transação imobiliária a realizar com o piloto dessa aeronave, sofreu lesões corporais na sequência da queda da referida aeronave.

36

Atendendo à resposta negativa dada à primeira questão, não há que responder à segunda e terceira questões.

Quanto à quarta questão

37

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 18.o do Regulamento n.o 864/2007 deve ser interpretado no sentido de que permite que, numa situação como a que está em causa no processo principal, a pessoa lesada proponha uma ação direta contra o segurador do responsável pela reparação, quando tal tipo de ação se encontrar previsto na lei aplicável à obrigação extracontratual que serve de fundamento ao pedido de indemnização, independentemente do que se encontrar previsto na lei aplicável ao contrato de seguro que foi escolhida pelos contraentes.

38

Para responder a esta questão, há que recordar que não se pode excluir que, em determinadas circunstâncias, a responsabilidade pelo dano causado pela queda de uma aeronave se inclui na categoria das obrigações extracontratuais na aceção do artigo 2.o do Regulamento n.o 864/2007.

39

Em tal caso, uma pessoa lesada pode demandar o segurador do responsável pela reparação quando, conforme resulta da redação do artigo 18.o do Regulamento n.o 864/2007, a lei aplicável às obrigações extracontratuais ou a lei aplicável ao contrato de seguro assim o previr.

40

Como sublinhou o advogado‑geral no n.o 75 das suas conclusões, o artigo 18.o do Regulamento n.o 864/2007 não constitui uma regra de conflito de leis relativamente ao direito material aplicável à determinação da obrigação que incumbe ao segurador ou ao segurado por força de um contrato de seguro.

41

Este artigo limita‑se a permitir que seja proposta uma ação direta nos casos em que uma das leis enumeradas no mesmo artigo autorize tal possibilidade.

42

Ora, o direito de a pessoa lesada demandar diretamente o segurador do responsável pela reparação não tem incidência nas obrigações contratuais dos contraentes do contrato de seguro em causa. Do mesmo modo, a escolha, efetuada por esses contraentes, da lei aplicável a esse contrato também não tem incidência no direito de essa pessoa lesada intentar uma ação direta ao abrigo da lei aplicável às obrigações extracontratuais.

43

Por conseguinte, para determinar se, no presente caso, E. Prüller‑Frey pode demandar diretamente a Axa, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio analisar se a lei aplicável à obrigação extracontratual em causa no processo principal, determinada em conformidade com o disposto no artigo 4.o do Regulamento n.o 864/2007, ou a lei aplicável ao contrato de seguro celebrado entre a Axa e N. Brodnig permitem que tal ação seja proposta.

44

A este respeito, a lei aplicável ao contrato de seguro em causa não impede que seja proposta uma ação direta, se for caso disso, ao abrigo da lei aplicável às obrigações extracontratuais.

45

Resulta do exposto que o artigo 18.o do Regulamento n.o 864/2007 deve ser interpretado no sentido de que permite, numa situação como a que está em causa no processo principal, que uma pessoa lesada proponha uma ação direta contra o segurador do responsável pela reparação, nas situações em que tal ação se encontrar prevista na lei aplicável às obrigações extracontratuais, independentemente do que se encontre previsto na lei aplicável ao contrato de seguro que foi escolhida pelos contraentes.

Quanto às despesas

46

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

O artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e c), do Regulamento (CE) n.o 2027/97 do Conselho, de 9 de outubro de 1997, relativo à responsabilidade das transportadoras aéreas no transporte de passageiros e respetiva bagagem, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 889/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de maio de 2002, e o artigo 1.o, n.o 1, da Convenção para a unificação de certas regras relativas ao Transporte Aéreo Internacional, celebrada em Montreal, em 28 de maio de 1999, e aprovada em nome da União Europeia pela Decisão 2001/539/CE do Conselho, de 5 de abril de 2001, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que seja analisado à luz do artigo 17.o desta Convenção o pedido de indemnização apresentado por uma pessoa que, quando se encontrava a bordo de uma aeronave que tinha como local de descolagem e de aterragem a mesma localidade num Estado‑Membro, e que foi transportada a título gratuito para um voo de observação aérea de um bem imóvel no âmbito de um projeto de transação imobiliária a realizar com o piloto dessa aeronave, sofreu lesões corporais na sequência da queda da referida aeronave.

 

2)

O artigo 18.o do Regulamento (CE) n.o 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II»), deve ser interpretado no sentido de que permite, numa situação como a que está em causa no processo principal, que uma pessoa lesada proponha uma ação direta contra o segurador do responsável pela reparação, nas situações em que tal ação se encontrar prevista na lei aplicável às obrigações extracontratuais, independentemente do que se encontre previsto na lei aplicável ao contrato de seguro que foi escolhida pelos contraentes.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.