ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

1 de julho de 2015 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Ambiente — Política da União Europeia no domínio da água — Diretiva 2000/60/CE — Artigo 4.o, n.o 1 — Objetivos ambientais relativos às águas de superfície — Deterioração do estado de uma massa de águas de superfície — Projeto de ampliação de uma via navegável — Obrigação dos Estados‑Membros de não autorizar um projeto suscetível de provocar uma deterioração do estado de uma massa de águas de superfície — Critérios determinantes para apreciar a existência de uma deterioração do estado de uma massa de águas»

No processo C‑461/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesverwaltungsgericht (Alemanha), por decisão de 11 de julho de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de agosto de 2013, no processo

Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland eV

contra

Bundesrepublik Deutschland,

sendo interveniente:

Freie Hansestadt Bremen,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice‑presidente, A. Tizzano, R. Silva de Lapuerta, M. Ilešič, A. Ó Caoimh, C. Vajda e S. Rodin, presidentes de secção, A. Borg Barthet, J. Malenovský, E. Levits, M. Berger (relatora), C. G. Fernlund, J. L. da Cruz Vilaça e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 8 de julho de 2014,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland eV, por R. Nebelsieck, Rechtsanwalt,

em representação da Bundesrepublik Deutschland, por W. Ewer, Rechtsanwalt,

em representação da Freie Hansestadt Bremen, por P. Schütte, Rechtsanwalt,

em representação do Governo checo, por M. Smolek, na qualidade de agente,

em representação do Governo francês, por S. Menez, na qualidade de agente,

em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman, B. Koopman e J. Langer, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação do Governo do Reino Unido, por J. Beeko, na qualidade de agente, assistida por G. Facenna, barrister,

em representação da Comissão Europeia, por E. Manhaeve e G. Wilms, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 23 de outubro de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i) a iii), da Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2000, que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água (JO L 327, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland eV (Federação alemã para o ambiente e proteção da natureza) à Bundesrepublik Deutschland a propósito de um projeto de aprofundamento de diferentes partes do rio Weser, no Norte da Alemanha, a fim de permitir a passagem de porta‑contentores de maiores dimensões nos portos de Bremerhaven, de Brake e de Bremen, situados na Alemanha.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 16, 25 e 32 da Diretiva 2000/60 enunciam:

«(16)

É necessário continuar a integrar a proteção e a gestão sustentável da água noutras políticas comunitárias, como as políticas energética, de transportes, agrícola, das pescas, regional e turística. [...]

[...]

(25)

Devem‑se estabelecer definições comuns do estado das águas em termos de qualidade e, quando pertinente para efeitos de proteção ambiental, de quantidade. Devem‑se definir objetivos ambientais para garantir o bom estado das águas de superfície e subterrâneas em todo o território da Comunidade e para evitar a deterioração do estado das águas.

[...]

(32)

Podem existir motivos que justifiquem isenções à obrigação de prevenir uma maior deterioração ou de alcançar um bom estado das águas, sob condições específicas, isto é, se o incumprimento resultar de circunstâncias imprevistas ou excecionais, designadamente inundações ou secas, ou se, por razões de perentório interesse público, derivar de alterações recentes das características físicas de uma massa de águas de superfície ou de alterações do nível de massas de águas subterrâneas, desde que sejam tomadas todas as medidas viáveis para atenuar o impacto adverso no estado da massa de água.»

4

O artigo 1.o da Diretiva 2000/60, sob a epígrafe «Objeto», prevê:

«O objetivo da presente diretiva é estabelecer um enquadramento para a proteção das águas de superfície interiores, das águas de transição, das águas costeiras e das águas subterrâneas que:

a)

Evite a continuação da degradação e proteja e melhore o estado dos ecossistemas aquáticos, e também dos ecossistemas terrestres e zonas húmidas diretamente dependentes dos ecossistemas aquáticos, no que respeita às suas necessidades em água;

[...]»

5

O artigo 2.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Definições», enuncia nos seus n.os 9, 17 e 21 a 23:

«Para efeitos da presente diretiva, são aplicáveis as seguintes definições:

[...]

9)

‘Massa de água fortemente modificada’: uma massa de água que, em resultado de alterações físicas derivadas da atividade humana, adquiriu um caráter substancialmente diferente, e que é designada pelo Estado‑Membro nos termos do anexo II;

[...]

17)

‘Estado das águas de superfície’: a expressão global do estado em que se encontra uma determinada massa de águas de superfície, definido em função do pior dos dois estados, ecológico ou químico, dessas águas.

[...]

21)

‘Estado ecológico’: a expressão da qualidade estrutural e funcional dos ecossistemas aquáticos associados às águas de superfície, classificada nos termos do anexo V.

22)

‘Bom estado ecológico’: o estado alcançado por uma massa de águas de superfície, classificado como bom nos termos do anexo V.

23)

‘Bom potencial ecológico’: o estado alcançado por uma massa de água fortemente modificada ou por uma massa de água artificial, classificado como bom nos termos das disposições aplicáveis do anexo V.

[...]»

6

O artigo 3.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Coordenação das disposições administrativas a aplicar nas regiões hidrográficas», prevê no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros identificarão as bacias hidrográficas que se encontram no seu território e, para efeitos da presente diretiva, incluirão cada uma delas numa região hidrográfica. As bacias hidrográficas de pequena dimensão podem ser combinadas com bacias de maior dimensão ou, quando aplicável, associadas a outras bacias de pequena dimensão para formar uma única região hidrográfica. Nos casos em que uma massa de águas subterrâneas não corresponda rigorosamente a uma determinada bacia hidrográfica, essas águas subterrâneas serão identificadas e incluídas na região hidrográfica mais próxima ou mais indicada. As águas costeiras serão identificadas e incluídas na região ou regiões hidrográficas mais próximas ou mais indicadas.»

7

O artigo 4.o da Diretiva 2000/60, sob a epígrafe «Objetivos ambientais» dispõe nos seus n.os 1, alínea a), 2 e 6:

«1.   Ao garantir a operacionalidade dos programas de medidas especificados nos planos de gestão de bacias hidrográficas:

a)

Para as águas de superfície

i)

Os Estados‑Membros aplicarão as medidas necessárias para evitar a deterioração do estado de todas as massas de águas de superfície, em aplicação dos n.os 6 e 7 e sem prejuízo do disposto no n.o 8;

ii)

Os Estados‑Membros protegerão, melhorarão e recuperarão todas as massas de águas de superfície, sob reserva de aplicação da alínea iii) para as massas de água artificiais e fortemente modificadas, com o objetivo de alcançar um bom estado das águas de superfície 15 anos, o mais tardar, a partir da entrada em vigor da presente diretiva nos termos do anexo V, sob reserva da aplicação das prorrogações determinadas nos termos do n.o 4 e da aplicação dos n.os 5, 6 e 7 e sem prejuízo do disposto no n.o 8;

iii)

Os Estados‑Membros protegerão e melhorarão o estado de todas as massas de água artificiais e fortemente modificadas, a fim de alcançar um bom potencial ecológico e um bom estado químico das águas de superfície 15 anos, o mais tardar, a partir da entrada em vigor da presente diretiva, nos termos do disposto no anexo V, sem prejuízo da aplicação das prorrogações determinadas nos termos do n.o 4 e da aplicação dos n.os 5, 6 e 7, bem como do n.o 8;

[...]

2.   Sempre que mais que um dos objetivos previstos no n.o 1 se refiram a uma mesma massa de água, serão aplicados os mais estritos.

[...]

6.   A deterioração temporária do estado das massas de água não será considerada uma violação dos requisitos da presente diretiva se resultar de circunstâncias imprevistas ou excecionais, de causas naturais ou de força maior que sejam excecionais ou não pudessem razoavelmente ter sido previstas, particularmente inundações extremas e secas prolongadas, ou de circunstâncias devidas a acidentes que não pudessem razoavelmente ter sido previstos, desde que se verifiquem todas as seguintes condições:

a)

Sejam tomadas todas as medidas para evitar uma maior deterioração do estado das águas e para não comprometer o cumprimento dos objetivos da presente diretiva noutras massas de água não afetadas por essas circunstâncias;

b)

Se encontrem indicadas no plano de gestão de bacia hidrográfica as condições em que podem ser declaradas as referidas circunstâncias imprevistas ou excecionais, incluindo a adoção dos indicadores apropriados;

c)

As medidas a tomar nessas circunstâncias excecionais estejam incluídas no programa de medidas e não comprometam a recuperação da qualidade da massa de água quando essas circunstâncias deixarem de se verificar;

d)

Os efeitos das circunstâncias excecionais ou que não poderiam razoavelmente ter sido previstas sejam analisados anualmente e, sob reserva dos motivos previstos na alínea a) do n.o 4, sejam tomadas todas as medidas para restabelecer a massa de água no estado em que se encontrava antes de sofrer os efeitos dessas circunstâncias, tão cedo quanto for razoavelmente viável; e

e)

Seja incluída na atualização seguinte do plano de gestão de bacia hidrográfica uma breve descrição dos efeitos dessas circunstâncias e das medidas tomadas ou a tomar nos termos das alíneas a) e d).»

8

O artigo 4.o, n.o 7, da referida diretiva prevê:

«Não se considerará que os Estados‑Membros tenham violado o disposto na presente diretiva quando:

o facto de não se restabelecer o bom estado das águas subterrâneas, o bom estado ecológico ou, quando aplicável, o bom potencial ecológico, ou de não se conseguir evitar a deterioração do estado de uma massa de águas de superfície ou subterrâneas, resultar de alterações recentes das características físicas de uma massa de águas de superfície ou de alterações do nível de massas de águas subterrâneas, ou

o facto de não se evitar a deterioração do estado de uma massa de água de excelente para bom resultar de novas atividades humanas de desenvolvimento sustentável,

e se encontrarem preenchidas todas as seguintes condições:

a)

Sejam tomadas todas as medidas exequíveis para mitigar o impacto negativo sobre o estado da massa de água;

b)

As razões que explicam as alterações estejam especificamente definidas e justificadas no plano de gestão de bacia hidrográfica exigido nos termos do artigo 13.o e os objetivos sejam revistos de seis em seis anos;

c)

As razões de tais modificações ou alterações sejam de superior interesse público e/ou os benefícios para o ambiente e para a sociedade decorrentes da realização dos objetivos definidos no n.o 1 sejam superados pelos benefícios das novas modificações ou alterações para a saúde humana, para a manutenção da segurança humana ou para o desenvolvimento sustentável; e

d)

Os objetivos benéficos decorrentes dessas modificações ou alterações da massa de água não possam, por motivos de exequibilidade técnica ou de custos desproporcionados, ser alcançados por outros meios que constituam uma opção ambiental significativamente melhor.»

9

O artigo 11.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Programas de medidas», dispõe no seu n.o 1:

«Cada Estado‑Membro assegurará, para cada região hidrográfica ou para a parte de qualquer região hidrográfica internacional que pertença ao seu território, o estabelecimento de um programa de medidas, tendo em conta os resultados das análises exigidas nos termos do artigo 5.o, com o objetivo da prossecução dos objetivos definidos no artigo 4.o Estes programas de medidas podem remeter para as medidas que decorrem da legislação adotada a nível nacional e que abranja todo o território de um Estado‑Membro. Sempre que necessário, os Estados‑Membros podem adotar medidas aplicáveis a todas as regiões hidrográficas e/ou às partes das regiões hidrográficas internacionais situadas no seu território.»

10

O artigo 13.o da Diretiva 2000/60, sob a epígrafe «Planos de gestão de bacia hidrográfica», prevê no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros garantirão a elaboração de um plano de gestão de bacia hidrográfica, para cada região hidrográfica inteiramente situada no seu território.»

11

O artigo 14.o da Diretiva 2000/60, sob a epígrafe «Informação e consulta do público», prevê no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros incentivarão a participação ativa de todas as partes interessadas na execução da presente diretiva, especialmente na elaboração, revisão e atualização dos planos de gestão de bacia hidrográfica. [...]»

Direito alemão

12

O § 27 da Lei federal sobre o regime das águas (Wasserhaushaltsgesetz), de 31 de julho de 2009 (BGBl. 2009 I, p. 2585), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «WHG»), sob a epígrafe «Objetivos de gestão no que respeita às águas de superfície», prevê:

«1)   Na medida em que não sejam qualificadas de artificiais ou fortemente modificadas em conformidade com o § 28, as águas de superfície são geridas de modo

1.

a evitar a deterioração do seu estado ecológico e do seu estado químico e

2.

a preservar ou alcançar um bom estado ecológico e um bom estado químico.

2)   As águas de superfície que sejam qualificadas de artificiais ou fortemente modificadas em conformidade com o § 28 são geridas de modo

1.

a evitar a deterioração do seu potencial ecológico e do seu estado químico e

2.

a preservar ou alcançar um bom potencial ecológico e um bom estado químico.»

13

O § 31, n.o 2, primeiro período, da WHG dispõe:

«A não obtenção de um bom estado ecológico das águas de superfície ou a deterioração do estado das mesmas não é contrária aos objetivos de gestão enunciados nos §§ 27 e 30 se

1.   tal resultar de uma nova modificação das características físicas das águas ou do nível piezométrico das águas subterrâneas,

2.   essa modificação der resposta a um interesse geral superior ou se os seus benefícios para a saúde, para a segurança das pessoas ou para o desenvolvimento durável forem superiores aos benefícios para o ambiente e para a coletividade relacionados com a realização dos objetivos de gestão,

3.   os objetivos prosseguidos pela modificação das águas não puderem ser atingidos através de outras medidas adequadas cuja incidência negativa no ambiente seja sensivelmente menor, que sejam tecnicamente exequíveis e cujo custo não seja desproporcionado e

4.   todas as medidas adequadas sejam, na prática, adotadas para reduzir as consequências negativas no estado das águas.

[…]»

14

O § 12, n.o 7, terceiro período, da Lei federal relativa às águas navegáveis (Bundeswasserstraßengesetz), de 2 de abril de 1968 (BGBl. 1968 II, p. 173), na sua versão aplicável aos factos no processo principal, prevê:

«As medidas de transformação têm em consideração os objetivos de gestão aplicáveis por força dos §§ 27 a 31 da [WHG].»

15

O § 14, n.o 1, segundo período, da referida lei prevê:

«No quadro da aplicação do plano, importa tomar em consideração todos os interesses públicos e privados em causa no projeto, incluindo o seu impacto no ambiente.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

Através da decisão de aprovação de 15 de julho de 2011 (a seguir «decisão de aprovação»), a Direção das Águas e da Navegação do Noroeste (Wasser‑ und Schifffahrtsdirectkion Nordwest), uma autoridade administrativa federal, aprovou três projetos relativos à ampliação do rio Weser, uma via navegável com estatuto federal. O responsável por todos estes projetos, que podem ser realizados independentemente uns dos outros, é a Administração Federal das Águas e Vias Navegáveis (Wasser‑ und Schifffahrtsverwaltung des Bundes).

17

O primeiro projeto visa a ampliação do Weser exterior entre o mar alto e Bremerhaven. Prevê‑se, a este respeito, um aprofundamento do canal navegável do Weser exterior de 1,16 metro, no máximo, de forma a permitir que os grandes porta‑contentores com um calado máximo de 13,5 metros possam aceder ao porto de Bremerhaven independentemente das marés. O projeto prevê o aprofundamento da zona de viragem do porto de Bremerhaven, pelo qual a Freie Hansestadt Bremen, que é interveniente no processo principal, é responsável.

18

O segundo projeto diz respeito à ampliação do Weser inferior a montante de Bremerhaven até Brake, através de um aprofundamento do canal navegável de um metro no máximo, para que os navios com um calado máximo de 12,8 metros possam aceder a este porto com maré favorável.

19

O terceiro projeto visa a ampliação do Weser inferior a montante de Brake até Bremen. Neste troço do rio, prevê‑se um aprofundamento do canal navegável para permitir o acesso ao porto de Bremen, consoante a maré, de navios com um calado máximo de 11,1 metros. Atualmente, o porto de Bremen só permite o acesso com maré favorável a navios com um calado máximo de 10,7 metros.

20

A realização dos projetos em questão implica a dragagem do leito do rio nos canais navegáveis. Após o aprofundamento inicial até à profundidade desejada no âmbito da ampliação, serão necessárias dragagens periódicas de manutenção. Prevê‑se que a maior parte dos resíduos de dragagem resultantes da ampliação e da manutenção sejam descarregados em zonas do Weser exterior e do Weser inferior que já eram anteriormente utilizadas para este efeito.

21

Além das repercussões diretas das dragagens e das descargas, os projetos têm, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, outras consequências hidrológicas e morfológicas para os troços do rio afetados. Assim, nomeadamente, a velocidade da corrente será mais forte tanto na maré vazante como na enchente, os níveis da preia‑mar serão mais elevados, os níveis da baixa‑mar serão mais baixos, a salinidade aumentará em certas partes do Weser inferior e o limite das águas salobras do Weser inferior será deslocado para montante e, por último, o assoreamento do leito do rio aumentará fora do canal navegável.

22

De entre as massas de águas afetadas, as águas de transição do rio Weser e a zona de marés acima de Brake foram classificadas como fortemente modificadas, na aceção do artigo 2.o, n.o 9, da Diretiva 2000/60. A região do Weser exterior é definida como uma massa de águas natural na medida em que faz parte das águas costeiras. Além disso, são também afetadas diversas massas de águas na zona dos afluentes, algumas das quais estão classificadas como naturais e outras como fortemente modificadas.

23

Com este fundamento, a Direção das Águas e da Navegação do Noroeste analisou, na decisão de aprovação, a compatibilidade dos projetos em causa com o objetivo de prevenir a deterioração do estado das massas de águas previsto na Diretiva 2000/60. Esta autoridade concluiu que, no que respeita às águas costeiras, não era de esperar uma deterioração na aceção da mesma diretiva.

24

Em contrapartida, considerou que o estado atual de certas massas de água do Weser tenderá a sofrer uma alteração negativa em virtude dos efeitos do projeto de ampliação em causa, sem que se verifique uma alteração da classe definidora do estado segundo o anexo V da Diretiva 2000/60. Segundo a Direção das Águas e da Navegação do Noroeste, uma deterioração deste tipo dentro de uma classe definidora do estado não deve ser considerada uma deterioração do potencial ecológico nem do estado da massa de águas em causa.

25

A título subsidiário, a referida autoridade examinou se estavam preenchidos os requisitos de uma derrogação à proibição de deterioração do estado das massas de águas, fixados no § 31, n.o 2, da WHG e no artigo 4.o, n.o 7, da Diretiva 2000/60, e conclui que tal era o caso.

26

A Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland eV contesta a decisão de aprovação e invoca, a este respeito, além de violações da legislação relativa à aprovação dos planos de ordenamento, da Lei relativa à avaliação do impacto ambiental (Gesetz über die Umweltverträglichkeitsprüfung) e da legislação relativa à proteção do ambiente, em particular, a legislação relativa à fauna, à flora e ao habitat, bem como à proteção das aves, violações das disposições relativas à proteção das águas baseadas na Diretiva 2000/60.

27

O órgão jurisdicional de reenvio considera que a solução do litígio no processo principal depende da interpretação de várias disposições da referida diretiva.

28

Nestas circunstâncias, o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i), da Diretiva 2000/60 ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros — sob reserva da concessão de uma derrogação — são obrigados a recusar a aprovação de um projeto quando este seja suscetível de causar uma deterioração do estado de uma massa de [águas] de superfície ou esta disposição estabelece um mero objetivo a cumprir pelo plano de gestão?

2)

Deve o conceito de ‘deterioração do estado’ constante do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i), da Diretiva 2000/60 ser interpretado no sentido de que apenas abrange alterações prejudiciais que impliquem uma classificação numa classe inferior nos termos do anexo V da [mesma] diretiva?

3)

Em caso de resposta negativa à segunda questão: em que circunstâncias se verifica uma ‘deterioração do estado’ na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i), da Diretiva 2000/60?

4)

Deve o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), ii) e iii), da Diretiva 2000/60 ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros — sob reserva da concessão de uma derrogação — são obrigados a recusar a aprovação de um projeto quando este ponha em risco o objetivo de alcançar um bom estado de uma água de superfície ou um bom potencial ecológico e um bom estado químico de uma água de superfície na data pertinente nos termos da Diretiva 2000/60 ou esta disposição estabelece um mero objetivo a cumprir pelo plano de gestão?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira e quarta questões

29

Com a primeira e quarta questões, que importa tratar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i) a iii), da Diretiva 2000/60 deve ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros são obrigados — sob reserva de concessão de uma derrogação — a recusar a aprovação de um projeto quando este seja suscetível de provocar uma deterioração do estado de uma massa de águas de superfície ou quando comprometa a obtenção de um bom estado das águas de superfície ou de um bom potencial ecológico e de um bom estado químico das águas de superfície na data prevista por esta diretiva.

30

O alcance destas disposições deve ser determinado, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, tendo em conta quer os termos dessas disposições quer o seu contexto, quer ainda os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que estão integradas (v., designadamente, acórdãos Lundberg, C‑317/12, EU:C:2013:631, n.o 19; SFIR e o., C‑187/12 a C‑189/12, EU:C:2013:737, n.o 24; e Bouman, C‑114/13, EU:C:2015:81, n.o 31) e, neste caso, a génese dessa regulamentação.

31

Há que observar que a redação do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i), da Diretiva 2000/60, contrariamente ao que alegaram a Bundesrepublik Deutschland e o Governo neerlandês, confirma o caráter vinculativo desta disposição que enuncia que «[o]s Estados‑Membros aplicarão as medidas necessárias para evitar a deterioração do estado de todas as massas de águas de superfície». O termo «aplicarão» comporta uma obrigação para os Estados‑Membros de agirem nesse sentido.

32

À semelhança do órgão jurisdicional de reenvio, há que considerar que a autorização de um projeto concreto constitui a referida aplicação.

33

Por outro lado, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/60, é «[ao] garantir a operacionalidade dos programas de medidas especificados nos planos de gestão» que os Estados‑Membros adotam as medidas necessárias para realizar os objetivos de prevenção da deterioração, de preservação e de melhoria do estado das massas de águas de superfície. A utilização dos termos «garantir a operacionalidade» confirma uma interpretação desta disposição no sentido de que inclui obrigações que devem ser respeitadas pelas autoridades competentes no momento da aprovação de projetos particulares no âmbito do regime jurídico de proteção das águas.

34

Importa igualmente recordar que a Diretiva 2000/60 é uma diretiva‑quadro adotada com fundamento no artigo 175.o, n.o 1, CE (atual artigo 192.o, n.o 1, TFUE). A mesma diretiva estabelece princípios comuns e um quadro global de ação para a proteção das águas e assegura a coordenação, a integração assim como, a mais longo prazo, o desenvolvimento dos princípios gerais e das estruturas que permitam a proteção e uma utilização ecologicamente viável da água na União Europeia. Os princípios comuns e o quadro global de ação por ela estabelecidos devem ser posteriormente desenvolvidos pelos Estados‑Membros através da adoção de uma série de medidas particulares em conformidade com os prazos previstos por esta diretiva. Esta última não tem, porém, por objetivo a harmonização completa da legislação dos Estados‑Membros no domínio da água (acórdãos Comissão/Luxemburgo, C‑32/05, EU:C:2006:749, n.o 41, e Comissão/Alemanha, C‑525/12, EU:C:2014:2202, n.o 50).

35

O considerando 25 desta diretiva confirma que se devem definir os objetivos ambientais para garantir o bom estado das águas de superfície e subterrâneas em todo o território da União e para evitar a deterioração do estado das águas ao nível da União.

36

Segundo o artigo 1.o, alínea a), da Diretiva 2000/60, esta tem por objetivo estabelecer um enquadramento para a proteção das águas de superfície interiores, das águas de transição, das águas costeiras e das águas subterrâneas que evite a continuação da degradação e proteja e melhore o estado dos ecossistemas aquáticos, e também dos ecossistemas terrestres diretamente dependentes dos ecossistemas aquáticos.

37

Por conseguinte, o objetivo último da Diretiva 2000/60 consiste em atingir, através de uma ação coordenada, o «bom estado» de todas as águas de superfície da União até 2015.

38

Os objetivos ambientais que os Estados‑Membros são obrigados a alcançar são precisados no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/60.

39

A referida disposição impõe dois objetivos distintos, embora intrinsecamente associados. Por um lado, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i), da Diretiva 2000/60, os Estados‑Membros aplicarão as medidas necessárias para evitar a deterioração do estado de todas as massas de águas de superfície (obrigação de evitar a deterioração). Por outro lado, em aplicação deste artigo 4.o, n.o 1, alínea a), ii) e iii), os Estados‑Membros protegerão, melhorarão e recuperarão todas as massas de águas de superfície a fim de alcançar um bom estado das mesmas, o mais tardar no fim de 2015 (obrigação de melhoria).

40

A origem destes dois objetivos decorre dos trabalhos preparatórios da Diretiva 2000/60. No que respeita, em particular, à obrigação de prevenir a deterioração do estado das águas de superfície, as disposições em causa, na sua primeira versão, podiam significar que, uma vez adotada a Diretiva 2000/60, as massas de águas classificadas numa categoria superior à de «bom estado» podiam degradar‑se até se inserirem nesta última categoria. Consequentemente, o Parlamento Europeu propôs uma alteração que permitia distinguir entre a obrigação de alcançar um «bom estado» e a de evitar qualquer deterioração introduzindo, no artigo 4.o, n.o 1, desta diretiva, um novo travessão que impunha distintamente esta última obrigação.

41

Quer a obrigação de melhoria quer a obrigação de evitar a deterioração do estado das massas de águas visam realizar os objetivos qualitativos que o legislador da União procura alcançar, concretamente a preservação ou a recuperação de um bom estado, de um bom potencial ecológico e de um bom estado químico das águas de superfície.

42

Para garantir a realização, por parte dos Estados‑Membros, dos objetivos ambientais acima referidos, a Diretiva 2000/60 prevê uma série de disposições, nomeadamente as dos artigos 3.°, 5.°, 8.°, 11.° e 13.° desta diretiva, e do anexo V da mesma, que estabelecem, como observou o advogado‑geral nos n.os 43 a 52 das suas conclusões, um processo complexo e composto por várias etapas detalhadamente regulamentadas, para permitir que os Estados‑Membros executem as medidas necessárias, em função das especificidades e características das massas de águas identificadas nos seus territórios.

43

Estes elementos confirmam a interpretação segundo a qual o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/60 não se limita a enunciar, através de uma formulação programática, simples objetivos de planeamento de gestão, mas tem efeitos vinculativos, uma vez determinado o estado ecológico da massa de águas em causa em cada etapa do procedimento descrito pela mesma diretiva.

44

O regime das derrogações previsto no artigo 4.o, n.o 7, da Diretiva 2000/60, cujos requisitos de aplicação foram analisados pela recorrida no processo principal, mas que não foram objeto das questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, constitui, igualmente, um elemento que confirma a interpretação segundo a qual a prevenção da deterioração do estado das massas de águas tem caráter vinculativo.

45

A este respeito, importa observar que o referido regime comporta várias categorias. Em particular, nos termos do referido artigo 4.o, n.o 7, «[n]ão se considerará que os Estados‑Membros viola[ram] o disposto na presente diretiva quando [...] o facto de […] não se conseguir evitar a deterioração do estado de uma massa de águas de superfície ou subterrâneas[…] resultar de alterações recentes das características físicas de uma massa de águas de superfície ou de alterações do nível de massas de águas subterrâneas».

46

Esta derrogação só se aplica, todavia, desde que tenham sido tomadas todas as medidas exequíveis para mitigar o impacto negativo no estado da massa de águas e que os programas de medidas e os planos de gestão tenham sido adotados em conformidade.

47

A este respeito, importa sublinhar que a estrutura das categorias de derrogação previstas no artigo 4.o, n.o 7, da Diretiva 2000/60 permite considerar que o artigo 4.o desta diretiva não contém apenas obrigações programáticas, mas diz também respeito a projetos concretos. Com efeito, como realçou o advogado‑geral no n.o 78 das suas conclusões, os motivos de derrogação aplicam‑se nomeadamente quando a inobservância dos objetivos resulta de alterações recentes das propriedades físicas da massa de águas de superfície e quando daí advêm consequências negativas. Ora, tal pode produzir‑se na sequência de autorizações novas de projetos. Com efeito, é impossível considerar separadamente um projeto e a execução de planos de gestão.

48

Por conseguinte, estes projetos são abrangidos pela obrigação de prevenir a deterioração do estado das massas de águas enunciada no artigo 4.o da Diretiva 2000/60. Os referidos projetos são, todavia, suscetíveis de autorização em aplicação do sistema de derrogações previsto no referido artigo 4.o

49

A Comissão Europeia alega, nas suas observações escritas, que a proibição de deterioração do estado das massas de águas é um objetivo que se integra no dever de melhoria deste. A este respeito, importa constatar que a obrigação de prevenir a deterioração do estado das massas de águas recebeu do legislador da União um estatuto autónomo, não se limitando a um instrumento colocado ao serviço da obrigação de melhoria do estado das massas de águas.

50

Daqui decorre que, sob reserva da concessão de uma derrogação, deve ser evitada qualquer deterioração do estado de uma massa de águas, independentemente dos planos a mais longo termo previstos pelos planos de gestão e pelos programas de medidas. A obrigação de prevenir a deterioração do estado das águas de superfície continua a ser vinculativa em cada fase de execução da Diretiva 2000/60 e é aplicável a qualquer tipo e estado de massa de águas de superfície para o qual tenha sido ou devia ter sido adotado um plano de gestão. O Estado‑Membro em causa é, por conseguinte, obrigado a recusar a autorização de um projeto quando este último for suscetível de deteriorar o estado da massa de águas em causa ou de comprometer a obtenção de um bom estado das massas de águas de superfície, com exceção dos casos em que se considere que o referido projeto é abrangido por uma derrogação ao abrigo do artigo 4.o, n.o 7, desta diretiva.

51

Atendendo às considerações precedentes, importa responder à primeira e quarta questões que o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i) a iii), da Diretiva 2000/60 deve ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros são obrigados — sob reserva de concessão de uma derrogação — a recusar a aprovação de um projeto concreto quando este seja suscetível de provocar uma deterioração do estado de uma massa de águas de superfície ou quando comprometa a obtenção de um bom estado das águas de superfície ou de um bom potencial ecológico e de um bom estado químico das águas de superfície na data prevista por esta diretiva.

Quanto à segunda e terceira questões

52

Com a segunda e terceira questões, que há que tratar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o conceito de «deterioração do estado» de uma massa de águas de superfície, que figura no artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i), da Diretiva 2000/60, deve ser interpretado no sentido de que apenas abrange alterações que impliquem uma classificação dessa massa de águas numa classe inferior na aceção do anexo V desta diretiva (teoria das classes de estado). Em caso de resposta negativa, ou seja, se este conceito visar qualquer alteração da massa de águas em causa (teoria do status quo), o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber quais são os critérios que permitem concluir que ocorreu uma deterioração do estado da massa de águas de superfície.

53

Importa constatar que o conceito de «deterioração do estado» de uma massa de águas de superfície não é definido na Diretiva 2000/60.

54

A este respeito, importa recordar que, na falta dessa definição no direito da União, a determinação do significado e do alcance do referido conceito deve ser efetuada, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, tendo em conta quer os termos da disposição de direito da União em questão quer o contexto desta (v., designadamente, acórdãos Lundberg, C‑317/12, EU:C:2013:631, n.o 19; SFIR e o., C‑187/12 a C‑189/12, EU:C:2013:737, n.o 24; e Bouman, C‑114/13, EU:C:2015:81, n.o 31).

55

A letra do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i), da Diretiva 2000/60 confirma uma interpretação nos termos da qual o conceito de «deterioração do estado» de uma massa de águas de superfície também visa as deteriorações que não conduzam a uma classificação desta massa de águas numa classe inferior. Esta disposição indica expressamente que há que prevenir a deterioração do estado de todas as massas de águas de superfície. De acordo com a definição do artigo 2.o, n.o 17, da referida diretiva, o estado das águas de superfície é a expressão geral do estado em que se encontra uma massa de águas de superfície, definido em função do pior dos dois estados, ecológico ou químico, dessas águas. Assim, o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i), da Diretiva 2000/60 prevê de modo geral a obrigação de prevenir a deterioração do estado das massas de águas de superfície, sem mencionar uma eventual alteração de classe, e apenas o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), ii) e iii), desta diretiva remete para o anexo V da referida diretiva no que respeita à obrigação de melhoria do estado das massas de águas de superfície.

56

Antes de verificar se esta interpretação literal é corroborada pelo contexto em que se inscreve o conceito de «deterioração do estado» de uma massa de águas de superfície e pelos objetivos da Diretiva 2000/60, importa recordar que a avaliação do estado das águas de superfície assenta numa análise do estado ecológico que abrange cinco classes, como observou o advogado‑geral nos n.os 91 a 97 das suas conclusões.

57

É na fase de elaboração dos rácios de qualidade ecológica que os Estados‑Membros repartem os rácios de qualidade ecológica de cada categoria de água de superfície em cinco classes através de um valor‑limite dos elementos de qualidade biológica que indica a fronteira entre estas diferentes classes, concretamente, excelente, bom, razoável, medíocre e mau. Os valores‑limite devem ser estabelecidos através de um exercício de intercalibração que consiste em comparar os resultados de classificação dos sistemas de monitorização nacionais para cada elemento biológico e para cada um dos tipos comuns de massas de águas de superfície nos Estados‑Membros que façam parte do mesmo grupo de intercalibração geográfica, e em avaliar a coerência dos resultados com as definições normativas constantes do ponto 1.2 do anexo V desta diretiva.

58

Contudo, como resulta do ponto 1.4.1, iii), do anexo V da Diretiva 2000/60, o exercício de intercalibração só serve para delimitar os estados nas classes «excelente», «bom» e «razoável». Os valores‑limite dos Estados‑Membros figuram na Decisão 2013/480/UE da Comissão, de 20 de setembro de 2013, que estabelece, nos termos da Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, os valores para a atribuição de classificações com base nos sistemas de monitorização dos Estados‑Membros, no seguimento do exercício de intercalibração, e revoga a Decisão 2008/915/CE (JO L 266, p. 1).

59

Por último, em conformidade com o ponto 1.4.2, i), do anexo V da Diretiva 2000/60, para as categorias de águas de superfície, uma massa de águas é classificada na classe imediatamente inferior desde que o rácio de um dos elementos de qualidade se encontre abaixo do nível correspondente à classe atual. Esta regra dita «one out all out» está associada à definição do «estado das águas de superfície» constante do artigo 2.o, n.o 17, desta diretiva, que deve ser determinado pelo pior valor do seu estado ecológico ou do seu estado químico.

60

Ao abrigo do artigo 2.o, n.o 21, da Diretiva 2000/60, o estado ecológico é a expressão da qualidade estrutural e funcional dos ecossistemas aquáticos associados às águas de superfície, classificada nos termos do anexo V desta diretiva, a qual qualifica estas classificações de estado ecológico de «definições normativas».

61

No entanto, como observou o advogado‑geral no n.o 99 das suas conclusões, a determinação dos valores‑limite entre as classes traduz‑se numa adoção de intervalos extremamente amplos. Por conseguinte, as classes são apenas um instrumento que limita a margem de apreciação dos Estados‑Membros na determinação dos elementos de qualidade que reflitam um estado real de uma dada massa de águas. É, nomeadamente, por esta razão que o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i), da Diretiva 2000/60 não remete para o seu anexo V, dado que o conceito de «deterioração do estado» é um conceito de alcance global.

62

Em contrapartida, outra interpretação deste conceito desencorajaria os Estados‑Membros a prevenir as deteriorações de uma massa de águas dentro de uma classe de estado. Com efeito, na medida em que a classificação de uma massa de águas de superfície depende do valor do pior dos parâmetros aplicáveis, todos os outros valores poderiam ser diminuídos sem consequências jurídicas.

63

A aplicação da regra «one out all out» relacionada com a teoria das classes de estado também conduziria à exclusão das águas da classe mais baixa do âmbito de aplicação da obrigação de prevenir a deterioração do seu estado. Com efeito, depois de uma massa de águas ter sido classificada nessa classe de estado, deixaria de ser juridicamente possível uma nova degradação do estado dessa massa. Ora, atendendo ao objetivo da Diretiva 2000/60, este tipo de massa de águas merece uma atenção particular no âmbito da gestão das águas.

64

Esta interpretação é corroborada pelo artigo 4.o, n.o 5, alínea c), da Diretiva 2000/60, que prevê expressamente, no que diz respeito às massas de águas de superfície fortemente modificadas, relativamente às quais os Estados‑Membros podem procurar alcançar objetivos ambientais menos estritos, uma proibição de verificação de novas deteriorações.

65

Por outro lado, a aplicação da teoria das classes de estado conduziria ao enfraquecimento da proteção das águas incluídas nas classes mais elevadas. Dado que a classificação de uma massa de águas de superfície depende do valor do pior dos parâmetros aplicáveis, a deterioração do valor líquido de outros elementos em nada alteraria a classificação da massa de águas em causa, desde que dela não decorresse uma classificação numa classe inferior.

66

Em contrapartida, como observou o advogado‑geral no n.o 105 das suas conclusões, se o conceito de «deterioração» for interpretado com referência a um elemento de qualidade ou a uma substância, a obrigação de prevenir a deterioração do estado de uma massa de águas mantém todo o seu efeito útil, na medida em que abrange qualquer alteração suscetível de comprometer a realização do objetivo principal da Diretiva 2000/60.

67

No que respeita aos critérios que permitem concluir no sentido de uma deterioração do estado de uma massa de águas, importa recordar que decorre da economia do artigo 4.o da Diretiva 2000/60, e nomeadamente dos n.os 6 e 7 deste, que as deteriorações do estado de uma massa de águas, ainda que transitórias, só são admitidas em condições muito exigentes. Daqui decorre que o limite a partir do qual se verifica a violação da obrigação de prevenir a deterioração do estado de uma massa de águas deve ser muito baixo.

68

Contrariamente ao que alega a Bundesrepublik Deutschland, não pode deduzir‑se da letra do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i), da Diretiva 2000/60 uma interpretação segundo a qual apenas os «atentados graves» constituem uma deterioração do estado de uma massa de águas, interpretação que, no essencial, se baseia na ponderação das consequências negativas para as águas, por um lado, e dos interesses económicos relacionados com a água, por outro. Além disso, importa constatar que, como observa a recorrente no processo principal, essa interpretação não respeita a diferença que esta diretiva estabelece entre a obrigação de prevenir a deterioração do estado de uma massa de águas e os motivos de derrogação previstos no artigo 4.o, n.o 7, da referida diretiva, na medida em que apenas estes últimos incluem elementos de ponderação de interesses.

69

Assim sendo, à semelhança da Comissão, importa considerar que há «deterioração do estado» de uma massa de águas de superfície, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i), da Diretiva 2000/60, a partir do momento em que o estado de, pelo menos, um dos elementos de qualidade, na aceção do anexo V desta diretiva, se degradar uma classe, mesmo que essa degradação não se traduza numa degradação da classificação da massa de águas de superfície no seu conjunto. No entanto, caso o elemento de qualidade em causa, na aceção deste anexo, já se encontre na classe mais baixa, qualquer degradação deste elemento constitui uma «deterioração do estado» de uma massa de águas de superfície, na aceção deste artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i).

70

Atendendo às considerações precedentes, importa responder à segunda e terceira questões submetidas que o conceito de «deterioração do estado» de uma massa de águas de superfície, que figura no artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i), da Diretiva 2000/60, deve ser interpretado no sentido de que há deterioração a partir do momento em que o estado de, pelo menos, um dos elementos de qualidade, na aceção do anexo V desta diretiva, se degradar uma classe, mesmo que essa degradação não se traduza numa degradação da classificação da massa de águas de superfície no seu conjunto. No entanto, caso o elemento de qualidade em causa, na aceção deste anexo, já se encontre na classe mais baixa, qualquer degradação deste elemento constitui uma «deterioração do estado» de uma massa de águas de superfície, na aceção deste artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i).

Quanto às despesas

71

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i) a iii), da Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2000, que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água, deve ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros são obrigados — sob reserva de concessão de uma derrogação — a recusar a aprovação de um projeto concreto quando este seja suscetível de provocar uma deterioração do estado de uma massa de águas de superfície ou quando comprometa a obtenção de um bom estado das águas de superfície ou de um bom potencial ecológico e de um bom estado químico das águas de superfície na data prevista por esta diretiva.

 

2)

O conceito de «deterioração do estado» de uma massa de águas de superfície, que figura no artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i), da Diretiva 2000/60, deve ser interpretado no sentido de que há deterioração a partir do momento em que o estado de, pelo menos, um dos elementos de qualidade, na aceção do anexo V desta diretiva, se degradar uma classe, mesmo que essa degradação não se traduza numa degradação da classificação da massa de águas de superfície no seu conjunto. No entanto, caso o elemento de qualidade em causa, na aceção deste anexo, já se encontre na classe mais baixa, qualquer degradação deste elemento constitui uma «deterioração do estado» de uma massa de águas de superfície, na aceção deste artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i).

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.