ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

22 de janeiro de 2015 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Propriedade intelectual — Direito de autor e direitos conexos — Diretiva 2001/29/CE — Artigo 4.o — Direito de distribuição — Regra do esgotamento — Conceito de ‘objeto’ — Transferência da imagem de uma obra protegida de um poster em papel para uma tela de pintura — Substituição do suporte — Incidência sobre o esgotamento»

No processo C‑419/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), por decisão de 12 de julho de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de julho de 2013, no processo

Art & Allposters International BV

contra

Stichting Pictoright,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, K. Lenaerts, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quarta Secção, K. Jürimäe (relatora), M. Safjan e A. Prechal, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 22 de maio de 2014,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Art & Allposters International BV, por T. Cohen Jehoram e P. N. A. M. Claassen, advocaten,

em representação da Stichting Pictoright, por M. van Heezik, A. M. van Aerde e E. J. Hengeveld, advocaten,

em representação do Governo francês, por D. Colas e F.‑X. Bréchot, na qualidade de agentes,

em representação do Governo do Reino Unido, por V. Kaye, na qualidade de agente, assistida por N. Saunders, barrister,

em representação da Comissão Europeia, por J. Samnadda e F. Wilman, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 11 de setembro de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO L 167, p. 10).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Art & Allposters International BV (a seguir «Allposters») à Stichting Pictoright (a seguir «Pictoright»), a respeito de uma eventual violação, por parte da Allposters, de direitos de autor explorados pela Pictoright, resultante da transferência de imagens de obras protegidas de um poster em papel para uma tela de pintura e da venda dessas imagens neste novo suporte.

Quadro jurídico

Direito internacional

Tratado da OMPI sobre o direito de autor

3

A Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) adotou em Genebra, em 20 de dezembro de 1996, o Tratado da OMPI sobre o direito de autor (a seguir «Tratado da OMPI sobre o direito de autor»). Este tratado foi aprovado, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2000/278/CE do Conselho, de 16 de março de 2000 (JO L 89, p. 6).

4

O referido tratado prevê, no seu artigo 1.o, n.o 4, que as partes contratantes devem observar o disposto nos artigos 1.° a 21.° e no anexo da Convenção para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, assinada em Berna, em 9 de setembro de 1886 (Ato de Paris de 24 de julho de 1971), na sua versão resultante da alteração de 28 de setembro de 1979 (a seguir «Convenção de Berna»).

5

O artigo 6.o do Tratado da OMPI sobre o direito de autor, sob a epígrafe «Direito de distribuição», dispõe:

«1)   Os autores de obras literárias e artísticas gozam do direito exclusivo de autorizar a colocação à disposição do público do original e de cópias das suas obras, por meio da venda ou por outra forma de transferência de propriedade.

2)   Nenhuma das disposições do presente Tratado afeta a liberdade das partes contratantes para determinar as eventuais condições em que o direito previsto no n.o 1 se esgota após a primeira venda do original ou de uma cópia da obra, ou outra forma de transferência de propriedade, realizada com o consentimento do autor.»

Convenção de Berna

6

O artigo 12.o da Convenção de Berna, sob a epígrafe «Direito de adaptação, arranjo e outras transformações», dispõe:

«Os autores de obras literárias ou artísticas gozam do direito exclusivo de autorizar as adaptações, arranjos e outras transformações das suas obras.»

Direito da União

7

Os considerandos 9, 10, 28 e 31 da Diretiva 2001/29 enunciam:

«(9)

Qualquer harmonização do direito de autor e direitos conexos deve basear‑se num elevado nível de proteção, uma vez que tais direitos são fundamentais para a criação intelectual. [...]

(10)

Os autores e os intérpretes ou executantes devem receber uma remuneração adequada pela utilização do seu trabalho, para poderem prosseguir o seu trabalho criativo e artístico [...]

[...]

(28)

A proteção do direito de autor nos termos da presente diretiva inclui o direito exclusivo de controlar a distribuição de uma obra incorporada num produto tangível. A primeira venda na Comunidade do original de uma obra ou das suas cópias pelo titular do direito, ou com o seu consentimento, esgota o direito de controlar a revenda de tal objeto na Comunidade. Tal direito não se esgota em relação ao original ou cópias vendidas pelo titular do direito, ou com o seu consentimento, fora da Comunidade. [...]

[...]

(31)

Deve ser salvaguardado um justo equilíbrio de direitos e interesses entre as diferentes categorias de titulares de direitos, bem como entre as diferentes categorias de titulares de direitos e utilizadores de material protegido. As exceções ou limitações existentes aos direitos estabelecidas a nível dos Estados‑Membros devem ser reapreciadas à luz do novo ambiente eletrónico. As diferenças existentes em termos de exceções e limitações a certos atos sujeitos a restrição têm efeitos negativos diretos no funcionamento do mercado interno do direito de autor e dos direitos conexos. Tais diferenças podem vir a acentuar‑se tendo em conta o desenvolvimento da exploração das obras através das fronteiras e das atividades transfronteiras. No sentido de assegurar o bom funcionamento do mercado interno, tais exceções e limitações devem ser definidas de uma forma mais harmonizada. O grau desta harmonização deve depender do seu impacto no bom funcionamento do mercado interno.»

8

Nos termos do artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Direito de reprodução»:

«Os Estados‑Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de reproduções, diretas ou indiretas, temporárias ou permanentes, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, cabe:

a)

Aos autores, para as suas obras;

[...]»

9

O artigo 4.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Direito de distribuição», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores, em relação ao original das suas obras ou respetivas cópias, o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer forma de distribuição ao público através de venda ou de qualquer outro meio.

2.   O direito de distribuição não se esgota, na Comunidade, relativamente ao original ou às cópias de uma obra, exceto quando a primeira venda ou qualquer outra forma de primeira transferência da propriedade desse objeto, na Comunidade, seja realizada pelo titular do direito ou com o seu consentimento.»

Direito neerlandês

10

O artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 foi transposto para o direito nacional pelos artigos 1.° e 12.°, n.o 1, ponto 1°, da Lei dos direitos de autor (Auteurswet), de 23 de setembro de 1912 (a seguir «lei dos direitos de autor»).

11

O artigo 1.o da referida lei dispõe:

«O direito de autor é o direito exclusivo do autor de uma obra literária, científica ou artística, ou dos titulares do direito sobre a mesma, de a divulgar e de a reproduzir, sem prejuízo das limitações previstas na lei.»

12

Nos termos do artigo 12.o, n.o 1, da mesma lei:

«Entende‑se por divulgação de uma obra literária, científica ou artística, nomeadamente:

a divulgação, total ou parcial, de uma reprodução da obra [...]»

13

O artigo 12.o b da lei dos direitos de autor, que transpõe o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2001/29 para o direito nacional, tem a seguinte redação:

«Se um exemplar de uma obra literária, científica ou artística tiver sido posto em circulação por transferência de propriedade, pela primeira vez, num Estado‑Membro da União Europeia ou num Estado parte do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu [(EEE)] pelo seu autor ou por um titular do direito sobre a mesma, ou com o seu consentimento, a colocação em circulação desse exemplar de outra forma, excetuando o aluguer ou o comodato, não constitui uma violação do direito de autor.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14

A Pictoright é uma sociedade neerlandesa de gestão coletiva de direitos de autor que defende os interesses dos titulares de direitos de autor seus associados. Defende também, nos Países Baixos, os interesses de artistas estrangeiros e dos seus herdeiros, por força de acordos com entidades estrangeiras congéneres. A Pictoright está mandatada para explorar os direitos de autor em nome dos seus titulares, designadamente através da concessão de licenças e da atuação contra a violação desses direitos.

15

A Allposters comercializa, através dos seus sítios Internet, posters e outros tipos de reproduções de obras de pintores célebres, sobre as quais incidem os direitos de autor explorados pela Pictoright. A Allposters disponibiliza aos seus clientes, designadamente, reproduções sob a forma de posters, posters emoldurados, posters em madeira ou telas de pintura. Para a realização deste último produto, começa por ser aplicada uma camada de um material sintético (laminado) sobre um poster em papel com a representação da obra escolhida. Em seguida, a imagem que consta do poster é transferida do papel para uma tela de pintura através de um processo químico. Por último, esta tela é esticada sobre uma moldura de madeira. No final deste processo, a imagem da obra desapareceu do suporte em papel. A Allposters qualifica este procedimento e o seu resultado de «transferência sobre tela».

16

A Pictoright opôs‑se à venda das transferências sobre tela que reproduzem obras protegidas por direitos de autor sem o consentimento dos seus clientes, titulares desses direitos de autor, e requereu à Allposters que cessasse essa atividade, sob pena de agir judicialmente.

17

Não tendo a Allposters acedido a esse pedido, a Pictoright intentou uma ação no Rechtbank Roermond (tribunal de Roermond), em que pediu a cessação de qualquer violação, direta ou indireta, dos direitos de autor e dos direitos morais dos titulares desses direitos.

18

Por sentença de 22 de setembro de 2010, o Rechtbank Roermond julgou a ação improcedente. A Pictoright recorreu então desta sentença para o Gerechtshof te 's‑Hertogenbosch (Tribunal de segunda instância de Hertogenbosch) que, por acórdão de 3 de janeiro de 2012, anulou a referida sentença e julgou procedente grande parte dos pedidos da Pictoright.

19

Segundo este último órgão jurisdicional, a venda de um poster ou de uma tela que reproduz uma obra artística constitui uma divulgação na aceção do direito neerlandês. Com efeito, decorre do acórdão do Hoge Raad der Nederlanden, de 19 de janeiro de 1979 (NJ 1979/412, Poortvliet), que há uma nova divulgação, na aceção do artigo 12.o da lei dos direitos de autor, quando o exemplar de uma obra introduzido no mercado pelo titular do direito é colocado à disposição do público sob uma outra forma, na medida em que quem comercializa esta nova forma desse exemplar dispõe de novas possibilidades de exploração (a seguir «jurisprudência Poortvliet»). Uma vez que o poster em papel, comercializado com o consentimento do titular do direito de autor, sofreu uma modificação profunda, que gera novas possibilidades de exploração para a Allposters, na medida em que essa modificação lhe permite praticar preços mais elevados e alcançar um público‑alvo diferente, o Gerechtshof te 's‑Hertogenbosch considerou que a comercialização de transferências sobre tela constitui uma divulgação proibida nos termos do direito nacional, e julgou improcedente o fundamento invocado pela Allposters relativo ao esgotamento do direito de distribuição.

20

A Allposters interpôs recurso de cassação no órgão jurisdicional de reenvio. Contesta designadamente a pertinência da jurisprudência Poortvliet e a interpretação dos conceitos de «esgotamento» e de «divulgação», que, em seu entender, estão harmonizados ao nível da União. A Allposters considera que o esgotamento do direito de distribuição, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2001/29, ocorre com a distribuição de uma obra incorporada num objeto tangível, quando este seja introduzido no mercado pelo titular do direito de autor ou com o seu consentimento. Uma eventual modificação posterior desse objeto não tem nenhuma consequência sobre o esgotamento do direito de distribuição. Em contrapartida, a Pictoright alega que, não tendo o direito de adaptação sido harmonizado no direito da União em matéria de direitos de autor, a jurisprudência Poortvliet permanece válida ou pelo menos conforme ao direito da União.

21

Nestas condições, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 4.o da Diretiva [2001/29] regula a resposta à questão de saber se o direito de distribuição dos titulares de direitos de autor pode ser exercido em relação a uma reprodução de uma obra, protegida em termos de direitos de autor, que tenha sido vendida e entregue no [EEE] pelo titular dos direitos ou com o seu consentimento, caso essa reprodução tenha posteriormente sofrido uma modificação quanto à sua forma e seja novamente colocada no mercado sob essa forma?

2)

a) Em caso de resposta afirmativa à questão 1, a circunstância de se verificar a modificação a que se refere a questão 1 é relevante para responder à questão de saber se é impedido ou interrompido o esgotamento a que se refere o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva [2001/29]?

b)

Em caso de resposta afirmativa à questão 2(a), quais serão os critérios para determinar se se verifica uma modificação, quanto à forma da reprodução, que possa impedir ou interromper o esgotamento a que se refere o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva [2001/29]?

c)

Estes critérios permitem a manutenção do critério desenvolvido nos Países Baixos, segundo o qual deixa de se verificar o esgotamento unicamente porque o revendedor deu uma nova forma às reproduções e as divulgou ao público sob essa forma (acórdão do Hoge Raad de 19 de janeiro de 1979, NJ 1979/412, Poortvliet)?»

Quanto às questões prejudiciais

22

A competência do Tribunal de Justiça, no âmbito do processo previsto no artigo 267.o TFUE, limita‑se exclusivamente à análise das disposições de direito da União, não sendo o Tribunal de Justiça chamado a decidir sobre a compatibilidade do direito nacional, incluindo a jurisprudência dos Estados‑Membros, com o direito da União (v., neste sentido, acórdãos Triveneta Zuccheri e o./Comissão, C‑347/87, EU:C:1990:129, n.o 16, e Schwarz, C‑321/07, EU:C:2009:104, n.o 48).

23

Nestas condições, as questões submetidas, que devem ser apreciadas conjuntamente, devem ser entendidas no sentido de que o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a regra do esgotamento do direito de distribuição prevista no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2001/29 se aplica numa situação em que uma reprodução de uma obra protegida, após ter sido comercializada na União com o consentimento do titular do direito de autor, sofreu uma modificação do seu suporte, como a transferência sobre uma tela dessa reprodução que consta de um poster em papel, e é novamente colocada no mercado sob a sua nova forma.

24

A título preliminar, cabe observar que a Pictoright considera que, devido às modificações substanciais a que os posters são sujeitos durante o processo de transferência sobre tela das reproduções das obras protegidas, essas telas são adaptações dessas obras, às quais não é aplicável o direito de distribuição. Alega que o direito de adaptação em matéria de direito de autor não está harmonizado no direito da União, sendo regulado pelo artigo 12.o da Convenção de Berna.

25

Como tal, importa verificar se as circunstâncias em causa no processo principal são abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2001/29.

26

Relativamente ao direito de adaptação, é certo que o artigo 12.o da Convenção de Berna confere aos autores de obras literárias ou artísticas um direito exclusivo de autorizar as adaptações, arranjos e outras transformações das suas obras e que não existe nenhuma disposição equivalente na referida diretiva.

27

Todavia, sem que seja necessário interpretar o conceito de «adaptação» na aceção do referido artigo 12.o, basta constatar que, quer o poster em papel, quer a transferência sobre tela contêm a imagem de uma obra artística protegida e, portanto, são abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 enquanto cópias de uma obra protegida comercializadas na União. Ora, esta disposição consagra o direito exclusivo de os autores autorizarem ou proibirem qualquer forma de distribuição ao público, através de venda ou de qualquer outro meio, do original das suas obras ou de cópias das mesmas.

28

Há, pois, que constatar que as circunstâncias em causa no processo principal são abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 4.o da referida diretiva.

29

Quanto aos requisitos de aplicação da regra do esgotamento, decorre do artigo 4.o, n.o 2, da mesma diretiva que o direito de distribuição do original ou das cópias de uma obra só se esgota quando a primeira venda ou qualquer outra forma de primeira transferência da propriedade desse objeto na União, seja realizada pelo titular do direito ou com o seu consentimento.

30

Além disso, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o referido artigo 4.o, n.o 2, não permite que os Estados‑Membros prevejam uma regra de esgotamento diferente da prevista nessa disposição, na medida em que, conforme decorre do considerando 31 da Diretiva 2001/29, a divergência das legislações nacionais em matéria de esgotamento do direito de distribuição é suscetível de afetar diretamente o bom funcionamento do mercado interno (v., neste sentido, acórdão Laserdisken, C‑479/04, EU:C:2006:549, n.os 24 e 56).

31

Baseando‑se na redação do referido artigo 4.o, n.o 2, o Tribunal de Justiça declarou que o esgotamento do direito de distribuição depende da verificação de um duplo requisito, ou seja, por um lado, que o original de uma obra ou as respetivas cópias tenham sido comercializados pelo titular do direito ou com o seu consentimento e, por outro, que essa comercialização tenha ocorrido na União (v. acórdão Laserdisken, EU:C:2006:549, n.o 21).

32

No processo principal, não se contesta que os posters que reproduzem obras de pintores célebres, sobre as quais incidem os direitos de autor cujos titulares são representados pela Pictoright, foram colocados no mercado no EEE com o consentimento dos referidos titulares.

33

As partes no processo principal discordam, contudo, por um lado, quanto à questão de saber se o esgotamento do direito de distribuição abrange o objeto tangível em que uma obra ou a sua cópia está incorporada ou a criação intelectual do próprio autor, e, por outro, quanto à questão de saber se a modificação do suporte, como a que foi efetuada pela Allposters, tem incidência sobre o esgotamento do direito exclusivo de distribuição.

34

No que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto do direito de distribuição, o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2001/29 refere‑se à primeira venda ou outra forma de primeira transmissão da propriedade desse «objeto».

35

Além disso, segundo o considerando 28 dessa diretiva, a «proteção do direito de autor nos termos da [referida] diretiva inclui o direito exclusivo de controlar a distribuição de uma obra incorporada num produto tangível». Nos termos do mesmo considerando, a «primeira venda na [União] do original de uma obra ou das suas cópias pelo titular do direito, ou com o seu consentimento, esgota o direito de controlar a revenda de tal objeto na [União]».

36

De igual modo, decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as obras literárias e artísticas podem ser objeto de exploração comercial, quer pela via de representações públicas quer pela via da reprodução e da colocação em circulação dos suportes materiais dessa reprodução (acórdão FDV, C‑61/97, EU:C:1998:422, n.o 14 e jurisprudência referida).

37

Decorre das considerações precedentes que o legislador da União, ao utilizar as expressões «produto tangível» e «tal objeto», pretendeu conceder aos autores o controlo da primeira colocação no mercado da União de cada objeto tangível que incorpora a sua criação intelectual.

38

Conforme refere corretamente a Comissão Europeia, esta conclusão é corroborada pelo direito internacional, designadamente pelo Tratado da OMPI sobre o direito de autor, à luz do qual a Diretiva 2001/29 deve ser, na medida do possível, interpretada (v., neste sentido, acórdãos Laserdisken, EU:C:2006:549, n.os 39 e 40; Peek & Cloppenburg, C‑456/06, EU:C:2008:232, n.os 30 e 31; Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.o 189; e Donner, C‑5/11, EU:C:2012:370, n.o 23).

39

Com efeito, o artigo 6.o, n.o 1, do referido tratado dispõe que os autores de obras literárias e artísticas gozam do direito exclusivo de autorizar a colocação à disposição do público do original e de cópias das suas obras, por meio da venda ou por outra forma de transferência de propriedade. A este respeito, o significado da expressão «cópia» foi esclarecido pelas partes contratantes através de uma declaração comum relativa aos artigos 6.° e 7.° do mesmo tratado, adotada na conferência diplomática de 20 de dezembro de 1996, na qual foi aprovado o referido tratado. Nos termos dessa declaração, «as expressões ‘cópias’ e ‘original e cópias’ utilizadas nestes artigos para designar o objeto do direito de distribuição e do direito de aluguer neles previstos referem‑se exclusivamente a cópias fixadas que possam ser postas em circulação enquanto objetos materiais».

40

Há, pois, que constatar que o esgotamento do direito de distribuição se aplica ao objeto tangível em que uma obra protegida ou a sua cópia está incorporada se este tiver sido colocado no mercado com o consentimento do titular do direito de autor.

41

Em segundo lugar, há que verificar se o facto de o objeto, que foi comercializado com o consentimento do titular do direito de autor, ter sofrido em seguida modificações do seu suporte material tem incidência sobre o esgotamento do direito de distribuição na aceção do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2001/29.

42

No processo principal, a modificação efetuada consiste numa transferência sobre uma tela de pintura da imagem de uma obra artística que figura num poster em papel, através do método descrito no n.o 15 do presente acórdão, que leva à substituição do suporte em papel por uma tela. Decorre das observações das partes no processo principal que esta técnica permite aumentar a durabilidade da reprodução, melhorar a qualidade da imagem relativamente ao poster e tornar o resultado mais próximo do original da obra.

43

A este respeito, há que constatar, conforme refere corretamente o Governo francês, que uma substituição do suporte, como a efetuada no processo principal, tem como consequência a criação de um novo objeto que incorpora a imagem da obra protegida, ao passo que o poster, enquanto tal, deixa de existir. Tal modificação da cópia da obra protegida, que torna o resultado mais próximo do original, é suscetível de poder constituir, na realidade, uma nova reprodução dessa obra, na aceção do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2001/29, que é abrangida pelo direito exclusivo do autor e necessita da sua autorização.

44

Todavia, a Allposters alega que a transferência sobre tela não pode ser qualificada de reprodução por não haver multiplicação das cópias da obra protegida, na medida em que a imagem é transferida e deixa de figurar no poster em papel. Explica que a tinta que reproduz a obra não é alterada e que a própria obra não é afetada.

45

Esta argumentação não pode ser acolhida. Com efeito, o facto de a tinta ser preservada na operação de transferência não é suscetível de afetar a constatação de que o suporte da imagem mudou. O que importa é saber se o objeto modificado, considerado no seu todo, é, por si só, em termos materiais, o objeto que foi colocado no mercado com o consentimento do titular do direito. Não parece ser o que sucede no processo principal.

46

Consequentemente, o consentimento do titular do direito de autor não abrange a distribuição de um objeto que incorpora a sua obra se esse objeto tiver sido modificado após a sua primeira comercialização de modo a constituir uma nova reprodução dessa obra. Nesse caso, o direito de distribuição desse objeto só se esgota após a primeira venda ou a primeira transferência da propriedade desse novo objeto com o consentimento do titular desse direito.

47

Esta interpretação é confirmada pelo objetivo principal da Diretiva 2001/29, que, como resulta dos seus considerandos 9 e 10, é instituir um elevado nível de proteção dos autores, entre outros, que lhes permita receber uma remuneração adequada pela utilização do seu trabalho (v. acórdãos SGAE, C‑306/05, EU:C:2006:764, n.o 36; Peek & Cloppenburg, EU:C:2008:232, n.o 37; e Football Association Premier League e o., EU:C:2011:631, n.o 186).

48

Ora, decorre dos argumentos apresentados pelas partes ao Tribunal de Justiça que os titulares dos direitos de autor não consentiram, pelo menos expressamente, a distribuição das transferências sobre tela. Consequentemente, aplicar a regra do esgotamento do direito de distribuição privaria esses titulares da possibilidade de proibirem a distribuição desses objetos ou, em caso de distribuição, exigirem uma remuneração adequada pela exploração comercial das suas obras. A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que, para ser adequada, essa remuneração deve ter uma relação razoável com o valor económico da exploração do objeto protegido (v., por analogia, acórdão Football Association Premier League e o., EU:C:2011:631, n.os 107 a 109). Quanto às transferências sobre tela, as partes no processo principal admitem que o seu valor económico ultrapassa de forma significativa o dos posters.

49

Atendendo às considerações precedentes, cabe responder às questões submetidas que o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que a regra do esgotamento do direito de distribuição não se aplica numa situação em que uma reprodução de uma obra protegida, após ter sido comercializada na União com o consentimento do titular do direito de autor, sofreu uma substituição do seu suporte, como a transferência sobre uma tela dessa reprodução que consta de um poster em papel, e é novamente colocada no mercado sob a sua nova forma.

Quanto às despesas

50

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, deve ser interpretado no sentido de que a regra do esgotamento do direito de distribuição não se aplica numa situação em que uma reprodução de uma obra protegida, após ter sido comercializada na União Europeia com o consentimento do titular do direito de autor, sofreu uma substituição do seu suporte, como a transferência sobre uma tela dessa reprodução que consta de um poster em papel, e é novamente colocada no mercado sob a sua nova forma.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.