ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

18 de dezembro de 2014 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 98/44/CE — Artigo 6.o, n.o 2, alínea c) — Proteção jurídica das invenções biotecnológicas — Ativação por via de partenogénese de oócitos — Produção de células estaminais embrionárias humanas — Patenteabilidade — Exclusão das ‘utilizações de embriões humanos para fins industriais ou comerciais’ — Conceitos de ‘embrião humano’ e de ‘organismo suscetível de despoletar o processo de desenvolvimento de um ser humano’»

No processo C‑364/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Patents Court) (Reino Unido), por decisão de 17 de abril de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de junho de 2013, no processo

International Stem Cell Corporation

contra

Comptroller General of Patents, Designs and Trade Marks,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice‑presidente, A. Tizzano, R. Silva de Lapuerta, M. Ilešič e C. Vajda, presidentes de secção, A. Rosas, A. Borg Barthet, J. Malenovský, C. Toader, M. Safjan (relator), D. Šváby e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 29 de abril de 2014,

vistas as observações apresentadas:

em representação da International Stem Cell Corporation, por P. Acland, QC, e A. Cooke, solicitor,

em representação do Governo do Reino Unido, por S. Brighouse, na qualidade de agente, assistida por T. Mitcheson, barrister,

em representação do Governo francês, por D. Colas e F.‑X. Bréchot, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e R. Solnado Cruz, na qualidade de agentes,

em representação do Governo sueco, por A. Falk, L. Swedenborg e C. Meyer‑Seitz, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por F. W. Bulst, J. Samnadda e T. van Rijn, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 17 de julho de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 6.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 98/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de julho de 1998, relativa à proteção jurídica das invenções biotecnológicas (JO L 213, p. 13).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a International Stem Cell Corporation (a seguir «ISCO») ao Comptroller General of Patents, Designs and Trade Marks (a seguir «Comptroller») relativamente à recusa do registo de patentes nacionais por os pedidos de registo, relativos à ativação de oócitos por via de partenogénese, se referirem à utilização de «embriões humanos», na aceção da Diretiva 98/44.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 1 a 3, 16, 37 a 39, 42 e 43 da Diretiva 98/44 estão redigidos como segue:

«(1)

Considerando que a biotecnologia e a engenharia genética desempenham um papel cada vez mais importante num número considerável de atividades industriais e que a proteção das invenções biotecnológicas terá certamente uma importância fundamental para o desenvolvimento industrial da Comunidade;

(2)

Considerando que, nomeadamente, no domínio da engenharia genética, a investigação e o desenvolvimento exigem investimentos de alto risco num montante considerável, cuja rentabilização só será possível através de proteção jurídica adequada;

(3)

Considerando que é essencial uma proteção eficaz e harmonizada no conjunto dos Estados‑Membros para preservar e incentivar os investimentos no domínio da biotecnologia;

[…]

(16)

Considerando que o direito de patentes deverá ser aplicado no respeito dos princípios fundamentais que garantem a dignidade e a integridade da pessoa humana; que importa reafirmar o princípio segundo o qual o corpo humano, em todas as fases da sua constituição e do seu desenvolvimento, incluindo as células germinais, bem como a simples descoberta de um dos seus elementos ou de um dos seus produtos, incluindo a sequência ou a sequência parcial de um gene humano, não são patenteáveis; que esses princípios estão em conformidade com os critérios de patenteabilidade previstos pelo direito das patentes, segundo os quais uma simples descoberta não pode ser objeto de uma patente;

[…]

(37)

Considerando que, na presente diretiva, importa salientar o princípio segundo o qual devem ser excluídas da patenteabilidade as invenções cuja exploração comercial atente contra a ordem pública ou contra os bons costumes;

(38)

Considerando que importa também incluir no articulado da presente diretiva uma lista indicativa das invenções excluídas da patenteabilidade, a fim de fornecer aos juízes e aos serviços nacionais de patentes orientações gerais para a interpretação da referência à ordem pública ou aos bons costumes; que esta lista não pode, evidentemente, ser considerada exaustiva; que os processos que atentem contra a dignidade do ser humano, nomeadamente aqueles que se destinam à produção de seres híbridos, obtidos de células germinais ou de células totipotentes humanas e animais, também deverão obviamente ser excluídos da patenteabilidade;

(39)

Considerando que a ordem pública e os bons costumes correspondem, nomeadamente, a princípios éticos ou morais reconhecidos num Estado‑Membro, cujo respeito se impõe muito especialmente em matéria de biotecnologia, devido ao alcance potencial das invenções neste domínio e à sua ligação inerente com a matéria viva; que esses princípios éticos ou morais complementam as apreciações jurídicas normais do direito de patentes, qualquer que seja o domínio técnico da invenção;

[…]

(42)

Considerando que, além disso, devem ser igualmente excluídas da patenteabilidade as utilizações de embriões humanos para fins industriais ou comerciais; que, em todo o caso, essa exclusão não diz respeito às invenções que tenham um objetivo terapêutico ou de diagnóstico que se aplicam ao embrião humano e lhe são úteis;

(43)

Considerando que o n.o 2 do artigo F do Tratado da União Europeia prevê que a União respeitará os direitos fundamentais, tal como os garante a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário […]»

4

O artigo 1.o desta diretiva dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros devem proteger as invenções biotecnológicas através do direito nacional de patentes. Se necessário, os Estados‑Membros adotarão o seu direito nacional de patentes de modo a ter em conta o disposto na presente diretiva.

2.   A presente diretiva não prejudica as obrigações que decorrem, para os Estados‑Membros, das convenções internacionais, nomeadamente do Acordo TRIP [sobre os aspetos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio] e da Convenção sobre a Diversidade Biológica.»

5

O artigo 3.o da referida diretiva prevê:

«1.   Para efeitos da presente diretiva, são patenteáveis as invenções novas que impliquem uma atividade inventiva e sejam suscetíveis de aplicação industrial, mesmo quando incidam sobre um produto composto de matéria biológica ou que contenha matéria biológica ou sobre um processo que permita produzir, tratar ou utilizar matéria biológica.

2.   Uma matéria biológica isolada do seu ambiente natural ou produzida com base num processo técnico pode ser objeto de uma invenção, mesmo que preexista no estado natural.»

6

Nos termos do artigo 5.o, n.os 1 e 2, da mesma diretiva:

«1.   O corpo humano, nos vários estádios da sua constituição e do seu desenvolvimento, bem como a simples descoberta de um dos seus elementos, incluindo a sequência ou a sequência parcial de um gene, não podem constituir invenções patenteáveis.

2.   Qualquer elemento isolado do corpo humano ou produzido de outra forma por um processo técnico, incluindo a sequência ou a sequência parcial de um gene, pode constituir uma invenção patenteável, mesmo que a estrutura desse elemento seja idêntica à de um elemento natural.»

7

O artigo 6.o da Diretiva 98/44 tem a seguinte redação:

«1.   As invenções cuja exploração comercial seja contrária à ordem pública ou aos bons costumes são excluídas da patenteabilidade, não podendo a exploração ser considerada como tal pelo simples facto de ser proibida por disposição legal ou regulamentar.

2.   Nos termos do disposto no n.o 1, consideram‑se não patenteáveis, nomeadamente:

[…]

c)

As utilizações de embriões humanos para fins industriais ou comerciais;

[…]»

Direito do Reino Unido

8

O n.o 3, alínea d), do anexo A2 da Lei do Reino Unido sobre Patentes, de 1977 (UK Patents Act 1977), que transpõe o artigo 6.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 98/44, dispõe:

«Não são patenteáveis as seguintes invenções:

[...]

d)

utilizações de embriões humanos para fins industriais ou comerciais».

Litígio no processo principal e questão prejudicial

9

Resulta da decisão de reenvio que a ISCO apresentou dois pedidos de registo de patentes nacionais (a seguir «pedidos de registo») ao United Kingdom Intellectual Property Office (Instituto da Propriedade Intelectual do Reino Unido).

10

Estes pedidos de registo eram os seguintes:

o pedido de patente GB0621068.6, intitulado «Ativação partenogenética de oócitos para a produção de células estaminais embrionárias humanas», relativo a métodos de produção de linhagens de células estaminais humanas pluripotentes a partir de oócitos ativados por via de partenogénese e linhagens de células estaminais produzidas de acordo com os métodos reivindicados, e

o pedido de patente GB0621069.4, intitulado «Córnea sintética a partir de células estaminais da retina», relativo a métodos de produção de córnea sintética ou de tecidos córneos, que envolvem o isolamento de células estaminais pluripotentes a partir de oócitos ativados por via de partenogénese, e inclui reivindicações caracterizadas pelo processo de obtenção de córnea sintética ou de tecido córneo produzidos por aqueles métodos.

11

Por decisão de 16 de agosto de 2012, o Hearing Officer (auditor), agente do United Kingdom Intellectual Property Office, agindo pelo Comptroller, recusou o registo dos referidos pedidos.

12

O Hearing Officer considerou que as invenções descritas nos pedidos de registo diziam respeito a óvulos humanos não fecundados, que foram estimulados para efeitos de divisão e desenvolvimento por via de partenogénese, «suscetíveis de despoletar o processo de desenvolvimento de um ser humano como o embrião criado pela fecundação de um óvulo», na aceção do n.o 36 do acórdão Brüstle (C‑34/10, EU:C:2011:669).

13

Assim, segundo o Hearing Officer, essas invenções constituíam «utilizações de embriões humanos para fins industriais ou comerciais», na aceção do n.o 3, alínea d), do anexo A2 da Lei do Reino Unido sobre Patentes, de 1977, que aplica o artigo 6.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 98/44, e, por isso, estavam excluídas da patenteabilidade.

14

A ISCO interpôs recurso dessa decisão do Hearing Officer para a High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Patents Court).

15

No âmbito deste recurso, a ISCO afirma que, no acórdão Brüstle (EU:C:2011:669), o Tribunal de Justiça tinha pretendido excluir da patenteabilidade apenas os organismos suscetíveis de despoletar o processo de desenvolvimento que dá origem a um ser humano. Ora, organismos como os que são objeto dos pedidos de registo não poderiam ser sujeitos a tal processo de desenvolvimento. Por conseguinte, deveriam poder ser objeto de uma patente com base na Diretiva 98/44.

16

Por seu turno, o Comptroller salienta que a questão essencial é a de saber o que entendeu o Tribunal de Justiça, no acórdão Brüstle (EU:C:2011:669), por «organismo suscetível de despoletar o processo de desenvolvimento de um ser humano como o embrião criado pela fecundação de um óvulo». Salienta que as observações escritas apresentadas ao Tribunal neste processo puderam expor de forma incorreta o quadro científico e técnico relativo à partenogénese.

17

O órgão jurisdicional de reenvio explica que a partenogénese consiste na ativação de um oócito, na ausência de espermatozoides, através de um conjunto de técnicas químicas e elétricas. Este oócito, denominado «partenote», pode dividir‑se e desenvolver‑se. No entanto, segundo os conhecimentos científicos atuais, os partenotes de mamíferos nunca se podem desenvolver completamente, devido ao facto de, diferentemente de um óvulo fecundado, não conterem ADN paterno, que é necessário para o desenvolvimento do tecido extraembrionário. Quanto aos partenotes humanos, foi demonstrado que se desenvolvem apenas até à fase blastocitária, decorridos cerca de cinco dias.

18

O órgão jurisdicional de reenvio precisa que, no Hearing Officer, a ISCO alterou os seus pedidos de registo para excluir a eventualidade da utilização de qualquer método que permitisse, através de intervenções genéticas adicionais, obviar ao facto de o partenote não se poder desenvolver até dar origem a um ser humano.

19

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, excluir os partenotes da patenteabilidade não garante de forma alguma um equilíbrio entre, por um lado, a investigação no domínio da biotecnologia que deve ser encorajada através do direito das patentes e, por outro, o respeito dos princípios fundamentais que garantem a dignidade e a integridade da pessoa humana, objetivos enunciados nomeadamente nos considerandos 2 e 16 da Diretiva 98/44.

20

Nestas condições, a High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Patents Court), decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Os óvulos humanos não fecundados, que foram estimulados para efeitos de divisão e desenvolvimento por via de partenogénese, e que, ao contrário dos óvulos fecundados, só contêm células pluripotentes e não são capazes de dar origem a seres humanos, estão incluídos na expressão ‘embriões humanos’ prevista no artigo 6.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 98/44[…]?»

Quanto à questão prejudicial

21

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 98/44 deve ser interpretado no sentido de que um óvulo humano não fecundado que, por via de partenogénese, foi estimulado para efeitos de divisão e desenvolvimento até uma determinada fase constitui um «embrião humano» na aceção desta disposição.

22

A título liminar, importa recordar que a Diretiva 98/44 não tem por objeto regulamentar a utilização dos embriões humanos no âmbito de investigações científicas e que o seu objeto se limita à patenteabilidade das invenções biotecnológicas (v. acórdão Brüstle, EU:C:2011:669, n.o 40).

23

Por outro lado, deve considerar‑se que «embrião humano», na aceção do artigo 6.o, n.o 2, alínea c), desta diretiva, designa um conceito autónomo do direito da União, que deve ser interpretado de maneira uniforme no território desta (v. acórdão Brüstle, EU:C:2011:669, n.o 26).

24

Quanto a esta interpretação, o Tribunal salientou, no n.o 34 do acórdão Brüstle (EU:C:2011:669), que, como resulta do contexto e da finalidade da Diretiva 98/44, o legislador da União pretendeu excluir qualquer possibilidade de patenteabilidade sempre que o respeito devido à dignidade do ser humano puder ser afetado e que daqui resulta que o conceito de «embrião humano» na aceção do artigo 6.o, n.o 2, alínea c), da mesma diretiva deve ser entendido em sentido lato.

25

No n.o 35 desse acórdão, o Tribunal indicou que, neste sentido, todo o óvulo humano deve, desde a fase da fecundação, ser considerado um «embrião humano» na aceção e para aplicação do artigo 6.o, n.o 2, alínea c), da mesma diretiva, quando essa fecundação for suscetível de despoletar o processo de desenvolvimento de um ser humano.

26

O Tribunal precisou, no n.o 36 do mesmo acórdão, que também devem ser assim qualificados o óvulo humano não fecundado, no qual foi implantado o núcleo de uma célula humana amadurecida, e o óvulo não fecundado que foi estimulado para efeitos de divisão e desenvolvimento por via de partenogénese. O Tribunal acrescentou que, ainda que estes organismos não tenham propriamente sido objeto de uma fecundação, são, como decorre das observações escritas apresentadas no Tribunal no processo que deu origem ao referido acórdão Brüstle (EU:C:2011:669), por força da técnica utilizada para os obter, suscetíveis de despoletar o processo de desenvolvimento de um ser humano como o embrião criado pela fecundação de um óvulo.

27

Resulta assim do acórdão Brüstle (EU:C:2011:669) que um óvulo humano não fecundado deve ser qualificado de «embrião humano», na aceção do artigo 6.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 98/44, na medida em que este organismo seja «suscetível de despoletar o processo de desenvolvimento de um ser humano».

28

Como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 73 das suas conclusões no presente processo, esta expressão deve ser entendida no sentido de que, para poder ser qualificado de «embrião humano», um óvulo humano não fecundado deve necessariamente dispor da capacidade intrínseca para dar origem a um ser humano.

29

Por conseguinte, na hipótese de um óvulo humano não fecundado não preencher esta condição, o simples facto de este organismo iniciar um processo de desenvolvimento não é suficiente para ser considerado um «embrião humano», na aceção e para efeitos da aplicação da Diretiva 98/44.

30

Em contrapartida, na hipótese de esse óvulo dispor da capacidade intrínseca para dar origem a um ser humano, deve, à luz do artigo 6.o, n.o 2, alínea c), dessa diretiva, ser tratado do mesmo modo que um óvulo humano fecundado, em todas as fases do seu desenvolvimento.

31

No processo que culminou no acórdão Brüstle (EU:C:2011:669), resultava das observações escritas apresentadas no Tribunal que um óvulo humano não fecundado que, por via de partenogénese, foi estimulado para efeitos de divisão e desenvolvimento dispunha da capacidade para dar origem a um ser humano.

32

Foi precisamente a razão pela qual, com base nessas observações, o Tribunal considerou, no referido acórdão, que, para definir o conceito de «embrião humano», na aceção do artigo 6.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 98/44, um óvulo humano não fecundado que, por via de partenogénese, foi estimulado para efeitos de divisão e desenvolvimento devia ser equiparado a um óvulo fecundado e, por conseguinte, qualificado de «embrião».

33

No entanto, no presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio, como resulta do n.o 17 do presente acórdão, salientou em substância que, segundo os conhecimentos científicos de que dispõe, um partenote humano, por efeito da técnica utilizada para o obter, não é suscetível, enquanto tal, de despoletar o processo de desenvolvimento que dá origem a um ser humano. Esta apreciação é partilhada por todos os interessados que apresentaram observações escritas no Tribunal.

34

Por outro lado, como foi salientado no n.o 18 do presente acórdão, no processo principal, a ISCO alterou os seus pedidos de registo para excluir a eventualidade da utilização de intervenções genéticas adicionais.

35

Nestas condições, o processo principal tem unicamente por objeto a qualificação, à luz do artigo 6.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 98/44, de um partenote humano enquanto tal, e não um partenote objeto de intervenções adicionais resultantes da engenharia genética.

36

Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, à luz dos conhecimentos suficientemente testados e validados pela ciência médica internacional (v., por analogia, acórdão Smits e Peerbooms, C‑157/99, EU:C:2001:404, n.o 94), partenotes humanos, como os que são objeto dos pedidos de registo no processo principal, dispõem ou não da capacidade intrínseca para dar origem a um ser humano.

37

Na hipótese de o órgão jurisdicional de reenvio concluir que esses partenotes não dispõem dessa capacidade, deve concluir que não constituem «embriões humanos», na aceção do artigo 6.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 98/44.

38

Em face do exposto, há que responder à questão submetida que o artigo 6.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 98/44 deve ser interpretado no sentido de que um óvulo humano não fecundado que, por via de partenogénese, foi estimulado para efeitos de divisão e desenvolvimento não constitui um «embrião humano», na aceção desta disposição, se, à luz dos conhecimentos atuais da ciência, não dispuser, enquanto tal, da capacidade intrínseca para dar origem a um ser humano, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto às despesas

39

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

O artigo 6.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 98/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de julho de 1998, relativa à proteção jurídica das invenções biotecnológicas, deve ser interpretado no sentido de que um óvulo humano não fecundado que, por via de partenogénese, foi estimulado para efeitos de divisão e desenvolvimento não constitui um «embrião humano», na aceção desta disposição, se, à luz dos conhecimentos atuais da ciência, não dispuser, enquanto tal, da capacidade intrínseca para dar origem a um ser humano, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.