ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

13 de fevereiro de 2014 ( *1 )

«Fiscalidade — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado — Diretiva 2006/112/CE — Dedução do imposto pago a montante — Serviços prestados — Controlo — Fornecedor que não dispõe dos meios necessários — Conceito de fraude fiscal — Dever de declarar oficiosamente a fraude fiscal — Exigência de prestação efetiva do serviço — Obrigação de manter uma contabilidade suficientemente pormenorizada — Contencioso — Proibição de o juiz qualificar penalmente a fraude e agravar a situação do recorrente»

No processo C‑18/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Administrativen sad Sofia‑grad (Bulgária), por decisão de 11 de dezembro de 2012, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de janeiro de 2013, no processo

Maks Pen EOOD

contra

Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno‑osiguritelna praktika» Sofia, anteriormente Direktor na Direktsia «Obzhalvane i upravlenie na izpalnenieto» Sofia,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, G. Arestis e J.‑C. Bonichot (relator), juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno‑osiguritelna praktika» Sofia, anteriormente Direktor na Direktsia «Obzhalvane i upravlenie na izpalnenieto» Sofia, por A. Georgiev, na qualidade de agente,

em representação do Governo búlgaro, por E. Petranova e D. Drambozova, na qualidade de agentes,

em representação do Governo grego, por K. Paraskevopoulou e M. Vergou, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por C. Soulay e D. Roussanov, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 63.°, 178.°, n.o 1, alínea a), 226.°, proémio, ponto 6, 242.° e 273.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Maks Pen EOOD (a seguir «Maks Pen») ao Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno‑osiguritelna praktika» Sofia, anteriormente Direktor na Direktsia «Obzhalvane i upravlenie na izpalnenieto» Sofia (diretor da Direção «Impugnações e gestão das execuções», da cidade de Sófia, junto da Administração Central da Agência Nacional das Receitas Públicas), a propósito de uma recusa de dedução, sob a forma de um crédito de imposto, do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») relativo a faturas emitidas por certos fornecedores da Maks Pen.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Nos termos do artigo 62.o da Diretiva 2006/112:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)

‘Facto gerador do imposto’, o facto mediante o qual são preenchidas as condições legais necessárias à exigibilidade do imposto;

2)

‘Exigibilidade do imposto’, o direito que o fisco pode fazer valer nos termos da lei, a partir de um determinado momento, face ao devedor, relativamente ao pagamento do imposto, ainda que o pagamento possa ser diferido.»

4

O artigo 63.o desta diretiva dispõe:

«O facto gerador do imposto ocorre e o imposto torna‑se exigível no momento em que é efetuada a entrega de bens ou a prestação de serviços.»

5

O artigo 167.o da referida diretiva enuncia:

«O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.»

6

O artigo 168.o da mesma diretiva prevê:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado‑Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

а)

O IVA devido ou pago nesse Estado‑Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

[...]»

7

Nos termos do artigo 178.o da Diretiva 2006/112:

«Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições:

а)

Relativamente à dedução referida na alínea a) do artigo 168.o, no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços, possuir uma fatura emitida em conformidade com os artigos 220.° a 236.°, 238.°, 239.° e 240.°;

[...]»

8

O artigo 220.o, ponto 1, da Diretiva 2006/112, que figura no capítulo 3, intitulado «Faturação», do título XI desta diretiva, prevê que os sujeitos passivos devem assegurar que seja emitida uma fatura, por eles próprios, pelos adquirentes ou destinatários ou, em seu nome e por sua conta, por terceiros, relativamente às entregas de bens ou às prestações de serviços que efetuem a outros sujeitos passivos ou a pessoas coletivas que não sejam sujeitos passivos.

9

O artigo 226.o da Diretiva 2006/112 enumera as únicas menções que, sem prejuízo das disposições específicas previstas na mesma diretiva, devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em aplicação do disposto nos seus artigos 220.° e 221.°

10

O artigo 242.o da referida diretiva tem a seguinte redação:

«Os sujeitos passivos devem manter uma contabilidade suficientemente pormenorizada que permita a aplicação do IVA e o seu controlo pela administração fiscal.»

11

O artigo 273.o da mesma diretiva enuncia:

«Os Estados‑Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados‑Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados‑Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.

A faculdade prevista no primeiro parágrafo não pode ser utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às fixadas no Capítulo 3.»

Direito búlgaro

12

Em conformidade com o artigo 70.o, n.o 5, da Lei do imposto sobre o valor acrescentado (Zakon za danak varhu dobavenata stoynost, a seguir «lei do IVA»), o IVA indevidamente faturado não pode ser deduzido.

13

O artigo 12.o do Regulamento de execução da lei do IVA, sob a epígrafe «Data do facto gerador em caso de entrega de bens ou prestação de serviços», na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, dispõe, no seu n.o 1:

«[...] o serviço considera‑se prestado, na aceção da lei, na data em que se verificaram os pressupostos para a contabilização das receitas dessa prestação de serviços, em conformidade com a legislação sobre contabilidade e as normas de contabilidade aplicáveis.»

14

Nos termos do artigo 160.o, n.os 1, 2 e 5, do Código do Processo Tributário e da Segurança Social (Danachno‑osiguritelen protsesualen kodeks):

«1.   O órgão jurisdicional decide sobre o mérito do processo e pode anular completa ou parcialmente o aviso retificativo, modificá‑lo ou negar provimento ao recurso.

2.   O órgão jurisdicional aprecia a conformidade com a lei e a validade do aviso retificativo, verificando se este foi emitido por um serviço competente e com a forma exigida, no respeito pelas disposições processuais e substantivas.

[...]

5.   Um aviso retificativo não pode ser modificado em prejuízo do recorrente por decisão judicial.»

15

O artigo 17.o, n.o 1, do Código de Processo Civil (Grazhdanskiya protsesualen kodeks) dispõe:

«O juiz decide sobre todas as questões pertinentes para a resolução do litígio, exceto quanto à questão de saber se foi cometida uma infração.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

A Maks Pen é uma sociedade de direito búlgaro que tem como atividade o comércio por grosso de equipamentos de escritório e de material publicitário.

17

A inspeção tributária de que foi objeto relativamente ao período fiscal compreendido entre 1 de janeiro de 2007 e 30 de abril de 2009 levou a Administração Fiscal a questionar‑se sobre a validade da dedução do IVA realizada a título do imposto mencionado nas faturas de sete dos seus fornecedores.

18

Relativamente a alguns dos fornecedores ou aos seus subcontratados, os esclarecimentos que lhes foram pedidos no decurso dessa inspeção tributária não permitiram provar que dispunham dos meios necessários para assegurar as prestações faturadas. Considerando quer que a veracidade da execução das operações por alguns subcontratados não tinha sido provada quer que estas não tinham sido realizadas pelos prestadores mencionados nas faturas, a Administração Fiscal emitiu um aviso retificativo de liquidação que punha em causa a dedutibilidade do IVA que constava das faturas dessas sete empresas.

19

A Maks Pen impugnou esse aviso retificativo perante o Direktor na Direktsia «Obzhalvane i upravlenie na izpalnenieto» Sofia e, em seguida, perante o órgão jurisdicional de reenvio, alegando que estava na posse de faturas e de documentos contratuais regulares, que essas faturas tinham sido pagas por transferência bancária, que estavam registadas na contabilidade dos fornecedores, que estes tinham declarado o IVA referente a essas faturas, que, portanto, a realidade das prestações em questão estava provada e que, além disso, não se contestava que ela própria tinha realizado as entregas subsequentes a essas prestações.

20

A Administração Fiscal alegou que a posse de faturas regularmente emitidas não bastava para fundamentar o direito a dedução, uma vez que, designadamente, os documentos de natureza privada apresentados pelos fornecedores em causa em apoio das faturas não tinham data credível e eram destituídos de força probatória e os subcontratados não tinham declarado os trabalhadores a que tinham recorrido nem as prestações de serviços executadas. A Administração Fiscal apresentou novos elementos no órgão jurisdicional de reenvio, que, por um lado, punham em causa a validade da assinatura dos representantes de dois dos fornecedores e, por outro, sublinhavam que um deles não tinha registado na sua contabilidade nem incluído nas suas declarações fiscais as faturas de um dos subcontratados a que recorrera. Embora a Administração Fiscal tenha reconhecido que os serviços faturados foram prestados à Maks Pen, não o foram, contudo, pelos prestadores que constam dessas faturas.

21

Nestas condições, o Administrativen sad Sofia‑grad decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Por força do direito da União, para efeitos da dedução do [IVA] pago a montante, devem ser tratadas como estando ligadas a uma ‘fraude fiscal’ as circunstâncias de facto em que o [fornecedor] mencionado na fatura, ou o seu subcontratado, não dispõe do pessoal, nem do equipamento, nem dos ativos necessários à prestação do serviço, não documenta os custos da efetiva prestação do serviço nem lança esses custos na sua contabilidade, e também os documentos — falsos no que toca à qualidade de emitente das pessoas que os assinaram em nome do [fornecedor] —, designadamente um contrato e um protocolo de receção e de transferência, que foram apresentados como prova das prestações sinalagmáticas devidas e da prestação de um serviço pelo qual foi emitida uma fatura com IVA e relativamente ao qual foi exercido o direito de dedução do imposto pago a montante?

2)

Do dever do tribunal, decorrente do direito da União e da jurisprudência do Tribunal de Justiça [...], de recusar o direito [a] dedução do imposto pago a montante em caso de fraude fiscal, resulta também o dever de o tribunal nacional, nas circunstâncias do caso concreto, averiguar oficiosamente a existência de uma fraude fiscal quando aprecia novos factos, que nele foram invocados pela primeira vez e aprecia todas as provas, incluindo provas que se referem a atos simulados, documentos falsos e documentos com conteúdo incorreto, atendendo a que esse tribunal é obrigado, por força do direito nacional, a proferir decisão sobre a causa e a observar a proibição de colocar a demandante numa posição mais desfavorável, os princípios da [proteção] jurisdicional efetiva e da segurança jurídica e o dever de aplicar oficiosamente as normas legais relevantes?

3)

Face ao dever do tribunal de recusar o direito [a] dedução do [IVA] pago a montante em caso de fraude fiscal, decorre do artigo 178.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2006/112[...] que, para que possa ser exercido o direito [a] dedução do imposto pago a montante é necessário que os serviços tenham efetivamente sido prestados pelo [fornecedor mencionado] na fatura ou pelo seu subcontratado?

4)

O requisito do artigo 242.o da Diretiva [2006/112], de manutenção de uma contabilidade pormenorizada para efeitos da fiscalização do exercício do direito [a] dedução do imposto pago a montante, significa que também deve ser cumprida a correspondente legislação nacional sobre contabilidade, que prevê a harmonização com as normas internacionais de contabilidade do direito da União […], ou significa que apenas devem ser elaborados e conservados os documentos para contabilização do [IVA] previstos nessa diretiva, a saber, faturas, declarações de imposto sobre o valor acrescentado e mapas recapitulativos?

Se a resposta for a segunda alternativa, é necessário responder também à seguinte questão:

Do requisito do artigo 226.o, proémio e ponto 6, da Diretiva 2006/112[...], de que nas faturas deve obrigatoriamente figurar ‘[a] quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados’, decorre que as faturas, ou os documentos emitidos em conexão com estas, devem conter, nos casos de prestações de serviços, dados sobre a efetiva prestação dos serviços — circunstâncias objetivas que possam ser analisadas enquanto provas quer de que o serviço foi efetivamente prestado, quer enquanto provas de que o serviço foi prestado pelo [fornecedor mencionado] na fatura?

5)

Deve o artigo 242.o da Diretiva 2006/112[...], que estabelece o requisito da manutenção de contabilidade pormenorizada para efeitos da fiscalização do exercício do direito [a] dedução do imposto pago a montante, conjugado com os artigos 63.° e 273.° dessa diretiva, ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma disposição nacional segundo a qual se considera que o serviço foi prestado na data em que se verificaram os pressupostos para a contabilização das receitas dessa prestação de serviços, estabelecidos pelas normas aplicáveis da legislação nacional sobre contabilidade, que prevê a harmonização com as normas internacionais de contabilidade do direito da União […] e com os princípios da prova contabilística, da prevalência do conteúdo sobre a forma e do equilíbrio entre receitas e despesas?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira e terceira questões

22

Com a primeira e terceira questões, que há que analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que um sujeito passivo proceda à dedução do IVA que consta das faturas emitidas por um fornecedor quando, embora o serviço tenha sido prestado, se verifique que não o foi efetivamente por esse fornecedor ou pelo seu subcontratado, designadamente porque estes não dispunham do pessoal, do equipamento nem dos ativos necessários, não documentaram os custos da sua prestação na respetiva contabilidade e a identidade das pessoas que assinaram determinados documentos na qualidade de fornecedores se revelou falsa.

23

Cumpre recordar que, segundo jurisprudência constante, o direito dos sujeitos passivos a deduzir do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago sobre os bens adquiridos e os serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União (v. acórdão de 6 de dezembro de 2012, Bonik, C‑285/11, n.o 25 e jurisprudência referida).

24

A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que o direito a dedução previsto nos artigos 167.° e seguintes da Diretiva 2006/112 faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Em especial, esse direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efetuadas a montante (v. acórdão Bonik, já referido, n.o 26 e jurisprudência referida).

25

Por outro lado, resulta da redação do artigo 168.o, alínea a), da Diretiva 2006/112 que, para poder beneficiar do direito a dedução, é necessário, por um lado, que o interessado seja um sujeito passivo na aceção desta diretiva e, por outro, que os bens ou os serviços invocados que estão na base desse direito sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas operações tributadas e que, a montante, esses bens ou serviços sejam prestados por outro sujeito passivo (v. acórdão Bonik, já referido, n.o 29 e jurisprudência referida). Se estes requisitos estiverem preenchidos, o benefício da dedução não pode, em princípio, ser recusado.

26

Assim sendo, cumpre recordar que a luta contra a fraude, a evasão fiscal e os eventuais abusos é um objetivo reconhecido e incentivado pela Diretiva 2006/112. A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que os sujeitos passivos não podem fraudulenta ou abusivamente invocar as normas do direito da União. Assim, compete às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais recusar o direito a dedução se se demonstrar, à luz de elementos objetivos, que este direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (v. acórdão Bonik, já referido, n.os 35 a 37 e jurisprudência referida).

27

Embora tal seja o que acontece quando o próprio sujeito passivo comete uma fraude fiscal, é também o que acontece quando um sujeito passivo sabia ou deveria saber que, com a sua aquisição, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA. Neste caso, esse sujeito passivo deve, para efeitos da Diretiva 2006/112, ser considerado participante nessa fraude, independentemente da questão de saber se retira ou não benefícios da revenda dos bens ou da utilização dos serviços no quadro das operações tributadas que efetuou a jusante (v. acórdão Bonik, já referido, n.os 38, 39 e jurisprudência referida).

28

Assim, o direito a dedução só pode ser recusado a um sujeito passivo se, à luz de elementos objetivos, se demonstrar que este sujeito passivo, ao qual foram fornecidos os bens ou prestados os serviços que estão na base do direito a dedução, sabia ou deveria saber que, ao adquirir estes bens ou estes serviços, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA cometida pelo fornecedor ou por outro operador a montante ou a jusante na cadeia destes fornecimentos ou destas prestações (v. acórdão Bonik, já referido, n.o 40 e jurisprudência referida).

29

Uma vez que a recusa do direito a dedução é uma exceção à aplicação do princípio fundamental que constitui este direito, incumbe às autoridades fiscais competentes fazer prova bastante de que os elementos objetivos a que se refere o número anterior do presente acórdão estão reunidos. Em seguida, compete aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar se as autoridades fiscais em causa provaram a existência desses elementos objetivos (v., neste sentido, acórdão Bonik, já referido, n.os 43 e 44).

30

Recorde‑se, a este respeito, que, no âmbito do processo intentado nos termos do artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça não é competente para verificar nem para apreciar as circunstâncias de facto relativas ao processo principal. No processo principal, compete, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, em conformidade com as regras do direito nacional em matéria de prova, uma apreciação global de todos os elementos e circunstâncias de facto deste processo para determinar se, à luz dos elementos objetivos fornecidos pelas autoridades fiscais, a Maks Pen sabia ou devia saber que a operação invocada para fundamentar o direito a dedução estava envolvida numa fraude cometida pelos seus fornecedores.

31

A este respeito, a mera circunstância de, no processo principal, o serviço prestado à Maks Pen não ter sido efetivamente realizado pelo fornecedor mencionado nas faturas ou pelo seu subcontratado, designadamente porque estes não dispunham do pessoal, do equipamento nem dos ativos necessários, não documentaram os custos da sua prestação na respetiva contabilidade ou a identidade das pessoas que assinaram determinados documentos na qualidade de fornecedores se revelou falsa, não basta, por si só, para excluir o direito a dedução que a Maks Pen invocou.

32

Nestas circunstâncias, deve responder‑se à primeira e terceira questões que a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que um sujeito passivo proceda à dedução do IVA que consta das faturas emitidas por um fornecedor quando, embora o serviço tenha sido prestado, se verifique que não o foi efetivamente por esse fornecedor ou pelo seu subcontratado, designadamente porque estes não dispunham do pessoal, do equipamento nem dos ativos necessários, não documentaram os custos da sua prestação na respetiva contabilidade ou porque a identidade das pessoas que assinaram determinados documentos na qualidade de fornecedores se revelou falsa, na dupla condição de que esses factos sejam constitutivos de um comportamento fraudulento e que se prove que, atendendo aos elementos objetivos apresentados pelas autoridades fiscais, o sujeito passivo sabia ou devia saber que a operação invocada para fundamentar o direito a dedução fazia parte dessa fraude, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto à segunda questão

33

Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o direito da União exige que averigue oficiosamente a existência de uma fraude fiscal em circunstâncias como as do processo principal, com base em factos novos, que nele foram invocados pela primeira vez pelas autoridades fiscais, e em todos os elementos de prova, mesmo que, ao proceder a esse exame, viole as obrigações que lhe incumbem nos termos da legislação nacional aplicável.

34

Conforme se recordou no n.o 26 do presente acórdão, o direito da União exige que as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais recusem o benefício do direito a dedução se se demonstrar, à luz de elementos objetivos, que este direito é invocado fraudulenta ou abusivamente. Por outro lado, ainda que as partes não invoquem o direito da União, os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a conhecer oficiosamente dos fundamentos de direito que decorrem de uma norma do direito da União vinculativa quando, por força do direito nacional, estes têm a obrigação ou a faculdade de o fazer em relação a uma norma vinculativa de direito nacional (v., neste sentido, acórdão de 12 de fevereiro de 2008, Kempter, C-2/06, Colet., p. I-411, n.o 45 e jurisprudência referida).

35

Por conseguinte, embora, como o próprio órgão jurisdicional de reenvio precisa no n.o 72 do seu pedido de decisão prejudicial, resulte do artigo 160.o, n.o 2, do Código do Processo Tributário e da Segurança Social que está obrigado a declarar se existe fraude fiscal quando examina oficiosamente a conformidade, com o direito nacional, do aviso retificativo de liquidação que põe em causa a dedução do IVA realizada por um sujeito passivo, deve também conhecer oficiosamente da exigência do direito da União recordada no número anterior do presente acórdão, em conformidade com o objetivo da Diretiva 2006/112 de luta contra a fraude, a evasão fiscal e eventuais abusos.

36

Recorde‑se, a este respeito, que cabe ao órgão jurisdicional nacional interpretar o direito nacional, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva em causa para atingir o resultado por ela visado, o que exige que faça tudo o que for da sua competência, tomando em consideração todo o direito interno e mediante a aplicação dos métodos de interpretação por este reconhecidos (v., neste sentido, acórdão de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C-212/04, Colet., p. I-6057, n.o 111). Por conseguinte, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se as regras de direito nacional que invoca e que, em seu entender, são suscetíveis de se opor às exigências do direito da União podem ser interpretadas em conformidade com o objetivo da luta contra a fraude fiscal em que essas exigências se baseiam.

37

A este respeito, é certo que o direito da União não pode obrigar o tribunal nacional a aplicar oficiosamente uma disposição do direito da União, quando essa aplicação conduz a afastar o princípio, inscrito no seu direito processual nacional, da proibição da reformatio in pejus (acórdão de 25 de novembro de 2008, Heemskerk e Schaap, C-455/06, Colet., p. I-8763, n.o 46). Todavia, não se afigura, em todo o caso, que, num litígio como o que está em causa no processo principal que tem origem no direito a dedução do IVA que consta de algumas faturas concretas, essa proibição se possa aplicar à apresentação pela Administração Fiscal, durante o processo jurisdicional, de elementos novos que, relativamente a essas mesmas faturas, não podem ser considerados como agravantes da situação do sujeito passivo que invocou esse direito a dedução.

38

Por outro lado, mesmo que uma regra de direito nacional qualifique a fraude fiscal de infração penal e que essa qualificação caiba unicamente ao juiz penal, não se afigura que essa regra se oponha a que o juiz encarregado de apreciar a legalidade de um aviso retificativo de liquidação, que põe em causa a dedução do IVA realizada por um sujeito passivo, possa basear‑se nos elementos objetivos apresentados pela Administração Fiscal para provar a existência, no caso vertente, de uma fraude, quando, segundo outra disposição de direito nacional, como o artigo 70.o, n.o 5, da lei do IVA, o IVA «indevidamente faturado» não pode ser deduzido.

39

Nestas circunstâncias, há que responder à segunda questão que, quando os órgãos jurisdicionais nacionais têm a obrigação ou a faculdade de conhecer oficiosamente dos fundamentos de direito que decorrem de uma norma vinculativa do direito nacional, devem fazê‑lo com referência a uma regra vinculativa do direito da União como a que exige às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais que recusem o benefício do direito a dedução do IVA, se se demonstrar, à luz de elementos objetivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente. Cabe a esses órgãos jurisdicionais, na apreciação do caráter fraudulento ou abusivo da invocação desse direito a dedução, interpretar o direito nacional, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da Diretiva 2006/112, para atingir o resultado por esta visado, o que exige que façam tudo o que for da sua competência, tomando em consideração todo o direito interno e mediante a aplicação dos métodos de interpretação por este reconhecidos.

Quanto à quarta e quinta questões

40

Com a quarta e quinta questões, que há que analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a Diretiva 2006/112, ao exigir em particular, segundo o seu artigo 242.o, que os sujeitos passivos mantenham uma contabilidade suficientemente pormenorizada que permita a aplicação do IVA e o seu controlo pela Administração Fiscal, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que o Estado‑Membro em questão exija que os sujeitos passivos respeitem, nesta matéria, todas as regras nacionais de contabilidade conformes com as normas internacionais de contabilidade, incluindo uma disposição nacional segundo a qual se considera que o serviço foi prestado na data em que se verificaram os pressupostos para a contabilização da receita proveniente da prestação de serviços em causa.

41

Recorde‑se que, no âmbito do sistema comum do IVA, os Estados‑Membros são obrigados a garantir o respeito das obrigações que incumbem aos sujeitos passivos e beneficiam, a este respeito, de uma certa margem de discricionariedade, designadamente quanto à maneira de utilizar os meios à sua disposição. Entre essas obrigações, o artigo 242.o da Diretiva 2006/112 prevê, nomeadamente, que os sujeitos passivos devem possuir uma contabilidade suficientemente pormenorizada, de modo a permitir a aplicação do IVA e a sua fiscalização pela Administração Fiscal (v., neste sentido, acórdão de 29 de julho de 2010, Profaktor Kulesza, Frankowski, Jóźwiak, Orłowski, C-188/09, Colet., p. I-7639, n.os 22 e 23).

42

Por outro lado, por força do artigo 273.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112, os Estados‑Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a exata cobrança do IVA e evitar a fraude. Esta faculdade, que só pode ser exercida sem prejuízo de não afetar as trocas comerciais entre Estados‑Membros, também não pode, conforme determina o segundo parágrafo desse mesmo artigo, ser utilizada para impor obrigações suplementares às fixadas na referida diretiva.

43

Além disso, a referida faculdade não pode autorizar os Estados‑Membros a adotarem medidas que vão além do que é necessário para alcançar os objetivos destinados a garantir a exata cobrança do imposto e a evitar a fraude (acórdão Profaktor Kulesza, Frankowski, Jóźwiak, Orłowski, já referido, n.o 26).

44

Sob condição do respeito destes limites, o direito da União não se opõe a regras nacionais de contabilidade suplementares estabelecidas com referência às normas internacionais de contabilidade aplicáveis na União, nas condições previstas no Regulamento (CE) n.o 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho de 2002, relativo à aplicação das normas internacionais de contabilidade (JO L 243, p. 1).

45

Quanto à questão de saber se essas regras nacionais de contabilidade podem prever que o serviço se considera prestado na data em que se verificaram os pressupostos para a contabilização da receita proveniente da prestação de serviços em causa, há que concluir que esta regra teria por efeito que o IVA relativo a essa prestação só se tornaria exigível a partir do momento em que os custos suportados pelo fornecedor ou pelo seu subcontratado fossem inscritos na sua contabilidade.

46

Ora, recorde‑se que, segundo o artigo 167.o da Diretiva 2006/112, o direito a dedução surge no momento em que o imposto se torna exigível e que, segundo o artigo 63.o desta diretiva, o IVA torna‑se exigível no momento em que é efetuada a prestação de serviços. Consequentemente, e sem prejuízo das situações especiais previstas nos artigos 64.° e 65.° da referida diretiva, que não estão em causa no processo principal, o momento em que o imposto se torna exigível, e, como tal, dedutível pelo sujeito passivo, não pode ser determinado, de forma geral, pelo cumprimento de formalidades como a inscrição, na contabilidade dos fornecedores, dos custos suportados com a prestação dos seus serviços.

47

Além disso, um eventual incumprimento pelo prestador de serviços de certas exigências contabilísticas não pode pôr em causa o direito a dedução de que beneficia o destinatário dos serviços prestados no que diz respeito ao IVA pago por estes, desde que as faturas relativas aos serviços prestados contenham todas as informações exigidas pelo artigo 226.o da Diretiva 2006/112 (v., neste sentido, acórdão de 6 de setembro de 2012, Tóth, C‑324/11, n.o 32).

48

Atendendo às considerações precedentes, deve responder‑se à quarta e quinta questões que a Diretiva 2006/112, ao exigir em particular, segundo o seu artigo 242.o, que os sujeitos passivos mantenham uma contabilidade suficientemente pormenorizada que permita a aplicação do IVA e o seu controlo pela Administração Fiscal, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que o Estado‑Membro em questão, nos limites previstos no artigo 273.o desta diretiva, exija que os sujeitos passivos respeitem, nesta matéria, todas as regras nacionais de contabilidade conformes com as normas internacionais de contabilidade, desde que as medidas adotadas nesse sentido não vão além do que é necessário para alcançar os objetivos destinados a garantir a exata cobrança do imposto e a evitar a fraude. A este respeito, a Diretiva 2006/112 opõe‑se a uma disposição nacional segundo a qual se considera que o serviço foi prestado na data em que se verificaram os pressupostos para a contabilização da receita proveniente da prestação de serviços em causa.

Quanto às despesas

49

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

 

1)

A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que um sujeito passivo proceda à dedução do imposto sobre o valor acrescentado que consta das faturas emitidas por um fornecedor quando, embora o serviço tenha sido prestado, se verifique que não o foi efetivamente por esse fornecedor ou pelo seu subcontratado, designadamente porque estes não dispunham do pessoal, do equipamento nem dos ativos necessários, não documentaram os custos da sua prestação na respetiva contabilidade ou porque a identidade das pessoas que assinaram determinados documentos na qualidade de fornecedores se revelou falsa, na dupla condição de que esses factos sejam constitutivos de um comportamento fraudulento e que se prove que, atendendo aos elementos objetivos apresentados pelas autoridades fiscais, o sujeito passivo sabia ou devia saber que a operação invocada para fundamentar o direito a dedução fazia parte dessa fraude, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

2)

Quando os órgãos jurisdicionais nacionais têm a obrigação ou a faculdade de conhecer oficiosamente dos fundamentos de direito que decorrem de uma norma vinculativa do direito nacional, devem fazê‑lo com referência a uma regra vinculativa do direito da União como a que exige às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais que recusem o benefício do direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado, se se demonstrar, à luz de elementos objetivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente. Cabe a esses órgãos jurisdicionais, na apreciação do caráter fraudulento ou abusivo da invocação desse direito a dedução, interpretar o direito nacional, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da Diretiva 2006/112, para atingir o resultado por esta visado, o que exige que façam tudo o que for da sua competência, tomando em consideração todo o direito interno e mediante a aplicação dos métodos de interpretação por este reconhecidos.

 

3)

A Diretiva 2006/112, ao exigir em particular, segundo o seu artigo 242.o, que os sujeitos passivos mantenham uma contabilidade suficientemente pormenorizada que permita a aplicação do imposto sobre o valor acrescentado e o seu controlo pela Administração Fiscal, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que o Estado‑Membro em questão, nos limites previstos no artigo 273.o da mesma diretiva, exija que os sujeitos passivos respeitem, nesta matéria, todas as regras nacionais de contabilidade conformes com as normas internacionais de contabilidade, desde que as medidas adotadas nesse sentido não vão além do que é necessário para alcançar os objetivos destinados a garantir a exata cobrança do imposto e a evitar a fraude. A este respeito, a Diretiva 2006/112 opõe‑se a uma disposição nacional segundo a qual se considera que o serviço foi prestado na data em que se verificaram os pressupostos para a contabilização da receita proveniente da prestação de serviços em causa.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: búlgaro.