CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NILS WAHL

apresentadas em 11 de setembro de 2014 ( 1 )

Processo C‑413/13

FNV Kunsten Informatie en Media

contra

Staat der Nederlanden

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Gerechtshof‘s‑Gravenhage (Países Baixos)]

«Convenção coletiva de trabalho — Contratos de prestação de serviços — Remunerações mínimas — Concorrência — Artigo 101.o TFUE — Prevenção do dumping social — ‘Exceção Albany’»

1. 

Numa linha jurisprudencial constante que remonta ao acórdão Albany ( 2 ), o Tribunal de Justiça declarou, no essencial, que os acordos celebrados no âmbito de negociações coletivas entre os parceiros sociais, destinados a melhorar as condições de emprego e de trabalho, estão excluídos do âmbito de aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

2. 

A questão fundamental suscitada no presente processo consiste em saber se a referida exceção abrange as disposições de convenções coletivas que regulam aspetos da relação profissional entre trabalhadores independentes e os seus clientes, e, em caso afirmativo, em que condições.

I – Disposições legislativas neerlandesas relevantes

3.

O artigo 1.o da Wet op de collectieve arbeidsovereenkomst (Lei relativa às convenções coletivas de trabalho, a seguir «WCAO») define o termo «convenção coletiva de trabalho» para efeitos do direito nacional e dispõe o seguinte:

«1.   Entende‑se por ‘convenção coletiva de trabalho’ o acordo celebrado entre um ou vários empregadores ou uma ou várias associações de empregadores com capacidade jurídica plena e uma ou várias associações de trabalhadores com capacidade jurídica plena, que regula principal ou exclusivamente as condições de trabalho que devem ser respeitadas no âmbito dos contratos de trabalho.

2.   A convenção coletiva de trabalho também pode dizer respeito a contratos de prestação de serviços. As disposições da presente lei relativas aos contratos de trabalho, aos empregadores e aos trabalhadores são aplicáveis, mutatis mutandis, a essas situações.

[…]»

4.

O artigo 6.o, n.o 1, da Mededingingswet (Lei da concorrência, a seguir «Mw») proíbe «os acordos entre empresas, as decisões de associações de empresas e as práticas concertadas entre empresas que tenham como objetivo ou como efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado dos Países Baixos ou em parte dele».

5.

O artigo 16.o, alínea a), da Mw exclui do âmbito de aplicação desta lei as convenções coletivas de trabalho na aceção do artigo 1.o, n.o 1, da WCAO.

II – Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

6.

Em 2006 e 2007, a FNV Kunsten Informatie en Media (a seguir «FNV») e a Nederlandse toonkunstenaarsbond (associação neerlandesa dos artistas de espetáculo, a seguir «Ntb»), duas associações que representam trabalhadores por conta de outrem e trabalhadores independentes, por um lado, e a Vereniging van Stichtingen Remplaçanten Nederlandse Orkesten (a seguir «VSR»), uma associação de empregadores, celebraram uma convenção coletiva de trabalho relativa aos músicos substitutos em orquestras neerlandesas (CAO Remplaçanten Nederlandse Orkesten, a seguir «CCT em causa»). Um dos aspetos regulados por aquela convenção prende‑se com as remunerações mínimas dos músicos que substituem os membros de uma orquestra (a seguir «substitutos») e que, para o efeito, celebram um contrato de trabalho ou de prestação de serviços com essa orquestra. A CCT em causa continha igualmente disposições relativas aos «substitutos independentes».

7.

Porém, num parecer publicado em dezembro de 2007 ( 3 ), a Nederlandse Mededinginsautoriteit (autoridade neerlandesa da concorrência, a seguir «NMa») adotou a posição geral de que as disposições de uma convenção coletiva de trabalho relativas às remunerações mínimas dos trabalhadores independentes não estão isentas da proibição estabelecida no artigo 6.o da Mw.

8.

Na sequência da posição adotada pela NMA, a VSR e a Ntb denunciaram a CCT em causa e recusaram‑se a celebrar com a FNV uma nova CCT que contivesse disposições relativas aos substitutos independentes.

9.

Face a esta situação, a FNV instaurou uma ação no Rechtbank’s Gravenhage (tribunal de primeira instância) em que, no essencial, pedia a esse tribunal que: i) declarasse que o direito da concorrência não se opunha a uma disposição contida numa convenção coletiva de trabalho que obrigue o empregador a respeitar determinadas remunerações mínimas para os trabalhadores independentes sem pessoal, e que a publicação do parecer era ilegal em relação à FNV, e ii) ordenasse ao Estado neerlandês que retificasse a posição adotada no parecer.

10.

Uma vez que o Rechtbank negou provimento aos pedidos da FNV, esta interpôs recurso para o Gerechtshof‘s‑Gravenhage (tribunal de segunda instância da Haia).

11.

O recurso tem por objeto a interpretação do artigo 6.o da Mw. No entanto, o Gerechtshof‘s‑Gravenhage chamou a atenção para o facto de o artigo 6.o da Mw ter sido inspirado, em grande parte, pelo artigo 101.o TFUE e de o legislador nacional ter decidido que estas duas disposições deveriam ser aplicadas de maneira uniforme.

12.

Por este motivo, como tem dúvidas quanto à correta interpretação do artigo 101.o TFUE, o Gerechtshof‘s‑Gravenhage decidiu suspender a instância e pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie, a título prejudicial, sobre as seguintes questões:

«1)

[D]evem as regras de concorrência da União Europeia ser interpretadas no sentido de que uma disposição contida numa convenção coletiva de trabalho celebrada entre associações de empregadores e associações de trabalhadores segundo a qual os trabalhadores independentes que prestam a um empregador, com base num contrato de prestação de serviços, o mesmo trabalho que os trabalhadores por conta de outrem abrangidos por essa convenção devem receber uma determinada [remuneração] mínima, não está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 101.o TFUE pelo mero facto de essa disposição constar de uma convenção coletiva de trabalho[?]

(2)

[E]m caso de resposta negativa à primeira questão, essa disposição está excluída do âmbito de aplicação do artigo 101.o TFUE caso se destine [,nomeadamente,] a melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores por conta de outrem abrangidos pela convenção, e, neste contexto, é relevante saber se aquelas condições de trabalho são direta ou apenas indiretamente melhoradas[?]»

13.

No presente processo, apresentaram observações escritas a FNV, os Governos neerlandês e checo e a Comissão, tendo todos eles, à exceção do Governo checo, apresentado observações orais na audiência de 18 de junho de 2014.

III – Análise

14.

Com as suas duas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se as disposições de uma convenção coletiva de trabalho celebrada entre uma associação de empregadores, por um lado, e sindicatos que representam trabalhadores por conta de outrem ( 4 ) e trabalhadores independentes, por outro, segundo as quais os trabalhadores independentes que prestam a um empregador, com base num contrato de prestação de serviços, o mesmo trabalho que os trabalhadores por conta de outrem abrangidos por essa convenção devem receber uma determinada remuneração mínima (a seguir «disposições em causa»), não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 101.o TFUE.

15.

Antes de mais, gostaria de abordar brevemente a questão da admissibilidade. No meu entender, não existe qualquer dúvida de que o presente pedido de decisão é admissível, mesmo admitindo que o caso em apreço não esteja abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 101.o TFUE. Com efeito, é jurisprudência assente que o Tribunal de Justiça tem competência para se pronunciar, a título prejudicial, sobre questões relativas ao direito da UE em situações nas quais os factos no processo principal saiam do âmbito de aplicação direto do direito da UE, mas nas quais as referidas disposições tenham passado a ser aplicáveis por força da legislação nacional, a qual é conforme, nas soluções dadas a situações puramente internas, às soluções do direito da UE ( 5 ).

16.

Quanto ao mérito do presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, essencialmente, obter orientações sobre a aplicabilidade da «exceção Albany» ( 6 ) a uma convenção coletiva de trabalho como a CCT em causa.

17.

Nas suas observações, os Governos checo e neerlandês alegam, tal como a Comissão, que o Tribunal de Justiça deve dar uma resposta negativa a esta questão, ao passo que a FNV sustenta que essa resposta deve ser afirmativa.

18.

Procurarei seguidamente explicar por que razão não subscrevo plenamente nenhuma destas posições. Na verdade, entendo que a resposta à questão colocada pelo órgão jurisdicional nacional não é tão simples nem tão clara como as que são propostas.

19.

Conforme mencionei no n.o 1 supra, é jurisprudência assente que os acordos celebrados no âmbito de negociações coletivas entre parceiros sociais, destinados a melhorar as condições de emprego e de trabalho devem ser considerados, em razão da sua natureza e do seu objeto, excluídos do âmbito de aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE ( 7 ).

20.

Por conseguinte, é necessário analisar a natureza e o objeto da CCT em causa (e, mais concretamente, a natureza e o objeto das disposições em questão) para determinar se a sua total exclusão do âmbito de aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE é ou não justificada ( 8 ).

21.

Neste contexto, por uma questão de clareza, examinarei a questão sob duas perspetivas complementares. Uma vez que o direito neerlandês permite que os sindicatos representem tanto trabalhadores assalariados como trabalhadores independentes, importa distinguir duas situações jurídicas diferentes. Por um lado, analisarei a possibilidade de a exceção Albany abranger disposições negociadas e incluídas numa convenção coletiva em nome e no interesse de trabalhadores independentes. Por outro lado, procurarei determinar se essa exceção é aplicável quando, não obstante regularem as condições de trabalho de trabalhadores independentes, as disposições em questão tenham sido negociadas e incluídas numa convenção coletiva em nome e no interesse de trabalhadores assalariados. Esta análise sistemática segue, em linhas gerais, a estrutura das duas questões prejudiciais, tal como formuladas pelo Gerechtshof‘s‑Gravenhage.

A – Disposições negociadas e incluídas numa convenção coletiva em nome e no interesse de trabalhadores independentes

22.

Um dos argumentos avançados pela FNV é que um contrato como a CCT em causa está totalmente abrangido pela exceção Albany — e, consequentemente, está excluído do âmbito de aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE — pelo mero facto de ter sido celebrado sob a forma de convenção coletiva. O facto de algumas disposições daquela convenção regularem as condições de trabalho dos trabalhadores independentes é, para aquele efeito, irrelevante.

23.

Não subscrevo este entendimento.

1. A exceção Albany não abrange as disposições contratuais estabelecidas em nome e no interesse dos trabalhadores independentes.

24.

Na linha jurisprudencial Albany, o Tribunal de Justiça concluiu que as convenções coletivas não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 101.o TFUE se estiverem preenchidas duas condições cumulativas: i) terem sido celebradas no âmbito de negociações coletivas entre parceiros sociais (a seguir «primeira condição) e ii) contribuírem diretamente para melhorar as condições de trabalho e de emprego dos trabalhadores (a seguir «segunda condição»).

25.

Tal como o Governo neerlandês e a Comissão, tenho sérias dúvidas de que a primeira condição esteja preenchida quando uma convenção, não obstante resultar de um processo de negociação coletiva, tenha sido (total ou parcialmente) negociada e celebrada em nome de trabalhadores independentes.

26.

Na verdade, quando os sindicatos atuam em representação de trabalhadores independentes e não de trabalhadores assalariados, dificilmente poderão ser considerados «associações de trabalhadores». Naqueles casos, atuam, efetivamente, noutra qualidade: a de uma organização profissional ou de uma associação de empresas ( 9 ). Consequentemente, seria difícil considerar que os referidos sindicatos representam trabalhadores na aceção do acórdão Albany ( 10 ).

27.

Em qualquer caso, é desnecessário explorar mais aprofundadamente esta questão, dado que, na minha opinião, é manifesto que a segunda condição não está preenchida. A jurisprudência do Tribunal de Justiça faz sempre referência às condições de trabalho e de emprego dos trabalhadores por conta de outrem. Até à data, o Tribunal de Justiça nunca alargou — implícita ou explicitamente — as suas conclusões às disposições contratuais que visam melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores independentes.

28.

Mais importante ainda, não tenho qualquer dúvida de que as referidas disposições contratuais não estão abrangidas pela exceção Albany.

29.

Esta exclusão deve‑se, essencialmente, a dois fatores.

30.

Em primeiro lugar, para efeitos das regras da UE em matéria de concorrência, o estatuto dos trabalhadores independentes é fundamentalmente diferente do estatuto dos trabalhadores assalariados e, ipso facto, não podem ser equiparados.

31.

Os trabalhadores assalariados não são empresas na aceção das regras da UE sobre concorrência ( 11 ) e o artigo 101.o TFUE não foi formulado com o intuito de regular as relações de trabalho.

32.

Em contrapartida, para efeitos das regras da UE sobre concorrência, os trabalhadores independentes são empresas ( 12 ). Por este motivo, conforme foi já mencionado, um sindicato que represente trabalhadores independentes deve ser considerado uma «associação de empresas» na aceção do artigo 101.o TFUE ( 13 ).

33.

Existem inquestionavelmente boas razões socioeconómicas para restringir, ou até mesmo eliminar, a concorrência salarial entre os trabalhadores assalariados através da negociação coletiva ( 14 ). Porém, a situação é diferente no caso dos acordos que têm por objeto ou efeito restringir ou eliminar a concorrência entre empresas.

34.

É esse exatamente o tipo de acordo visado pelo artigo 101.o TFUE.

35.

Além disso, ainda que as eventuais restrições da concorrência resultantes de convenções coletivas que regulam as condições de emprego dos trabalhadores assalariados sejam geralmente fortuitas e tenham um efeito limitado ( 15 ), o mesmo não será necessariamente verdade em relação aos acordos que regulam as condições de trabalho dos trabalhadores independentes, especialmente aqueles que regulam a concorrência entre eles em matéria de preços.

36.

A fixação do preço constitui um dos aspetos mais importantes, se não mesmo o mais importante, da concorrência entre empresas. É por este motivo que a alínea a) da «lista negra» estabelecida no artigo 101.o, n.o 1, TFUE menciona os acordos que tenham por objetivo «[f]ixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições de transação». Consequentemente, o Tribunal de Justiça tem entendido sistematicamente que os acordos que fixam os preços mínimos de determinados bens ou serviços constituem uma restrição significativa da concorrência ( 16 ).

37.

Assim, segundo uma interpretação do artigo 101.o TFUE baseada na jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, as disposições negociadas e incluídas num acordo em nome e no interesse de trabalhadores independentes não podem a priori estar isentas de um exame à luz das regras da UE em matéria de concorrência.

38.

Em segundo lugar, conforme salientou o Governo neerlandês na audiência, o estatuto dos trabalhadores independentes é claramente diferente do estatuto dos trabalhadores assalariados, não só nos termos das regras da UE sobre concorrência, mas também, de um modo mais geral, nos termos do regime dos Tratados da UE. Assim sendo, as considerações de política social que justificam a exceção Albany para os trabalhadores assalariados não podem ser consideradas válidas para os trabalhadores independentes.

39.

No essencial, a linha jurisprudencial Albany estabelece que não seria possível interpretar os Tratados da UE num sentido favorável negociação coletiva entre parceiros sociais tendo em vista a prossecução de finalidades sociais e, simultaneamente, sujeitar as convenções coletivas dela resultantes a uma proibição geral.

40.

No entanto, as finalidades sociais mencionadas pelo Tribunal de Justiça no acórdão Albany dizem respeito aos trabalhadores por conta de outrem. As disposições do TFUE sobre «emprego» (artigos 145.° a 150.° TFUE) e «política social» (artigos 151.° a 161.° TFUE) articulam‑se em redor conceito de «trabalhadores».

41.

Por seu lado, o desenvolvimento das atividades económicas exercidas pelos trabalhadores independentes enquadra‑se nas competências da União Europeia no domínio da política industrial, conforme previsto no artigo 173.o TFUE.

42.

Existem duas grandes diferenças entre o artigo 173.o TFUE e as disposições sobre emprego e política social supramencionadas. Em primeiro lugar, o artigo 173.o TFUE (ou, na verdade, qualquer outra disposição do Tratado) — ao contrário do que acontece com os artigos 151.° e 155.° TFUE — não incentiva os trabalhadores independentes a celebrarem convenções coletivas com vista a melhorar as suas condições de trabalho ( 17 ). Em segundo lugar, o artigo 173.o TFUE deixa bem claro que é aplicável sem prejuízo das regras sobre concorrência. Com efeito, de acordo com o artigo 173.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE, a União Europeia e os Estados‑Membros devem intervir no domínio industrial «no âmbito de um sistema de mercados abertos e concorrenciais». Seguidamente, o TFUE precisa, no artigo 173.o, n.o 3, segundo parágrafo, que as disposições em matéria de indústria (título XVII) não constituem uma base jurídica para, designadamente, «introduzir quaisquer medidas que possam conduzir a distorções da concorrência». As disposições do TFUE em matéria de emprego ou de política social não refletem estas preocupações.

43.

A razão pela qual os autores dos Tratados traçaram uma distinção entre trabalhadores assalariados e trabalhadores independentes é bem simples: em regra, existem diferenças profundas no modo de organização e exercício das atividades profissionais destes dois grupos.

44.

Uma das principais características de qualquer relação de trabalho é a subordinação do trabalhador ao empregador ( 18 ). Para além de poder dar instruções e dirigir as atividades dos seus trabalhadores, o empregador também possui certos poderes disciplinares e de supervisão. Um trabalhador independente segue as instruções dos seus clientes, mas, em regra, estes não possuem amplos poderes de supervisão sobre ele. Devido à inexistência de uma relação de subordinação, o trabalhador independente tem maior liberdade na escolha do tipo de trabalho e tarefas a executar, do modo como esse trabalho ou essas tarefas devem ser executados, do seu horário e local de trabalho e do seu pessoal ( 19 ).

45.

Além disso, um trabalhador independente tem de assumir os riscos comerciais e financeiros inerentes à sua atividade, enquanto um trabalhador assalariado não suporta normalmente esses riscos, tendo direito a ser remunerado pelo trabalho prestado independentemente do desempenho da empresa ( 20 ). É o empregador quem, em princípio, responde perante terceiros pelas atividades realizadas pelos seus trabalhadores no âmbito da respetiva relação de trabalho. O facto de os trabalhadores independentes assumirem maiores riscos e responsabilidades é, por seu turno, supostamente compensado pela possibilidade de conservarem todos os lucros gerados pela sua atividade.

46.

Por último, é evidente que, enquanto os trabalhadores independentes oferecem bens ou serviços no mercado, os trabalhadores assalariados oferecem apenas o seu trabalho a um (ou, raramente, mais do que um) empregador.

47.

Assim, uma das características inerentes ao estatuto de trabalhador independente, pelo menos em comparação com os trabalhadores assalariados, é o facto de os primeiros gozarem de mais independência e flexibilidade. Em contrapartida, porém, têm inevitavelmente de suportar mais riscos económicos e, muitas vezes, as suas relações de trabalho caracterizam‑se por uma maior instabilidade e insegurança. Todos estes aspetos parecem estar intimamente relacionados entre si.

48.

Por conseguinte, as razões jurídicas e económicas que justificam a exceção Albany não são válidas no caso dos trabalhadores independentes ( 21 ). É por este motivo que considero inconcebível excluir, totalmente e a priori, do âmbito de aplicação do artigo 101.o TFUE as convenções coletivas negociadas em nome e no interesse dos trabalhadores independentes.

49.

Dito isto, a FNV apresentou outro argumento que importa analisar.

2. Os trabalhadores assalariados e os trabalhadores independentes não são iguais, apesar de as diferenças tradicionais se terem esbatido ao longo do tempo

50.

Nas suas observações escritas, a FNV sublinhou que os únicos trabalhadores independentes cujas remunerações são reguladas pela CCT em causa são os que não têm pessoal e que, em termos de poder de negociação, se encontram numa posição relativamente semelhante à dos trabalhadores por conta de outrem.

51.

Reconheço que, na atual economia, nem sempre é fácil distinguir entre as tradicionais categorias de trabalhadores assalariados e os trabalhadores independentes. Na verdade, o Tribunal de Justiça já foi chamado a apreciar diversos casos em que, dadas as suas características peculiares, a relação de trabalho entre duas pessoas singulares (ou uma pessoa singular e uma pessoa coletiva) não se enquadrava claramente em nenhuma das categorias, apresentando características de próprias de cada uma delas ( 22 ).

52.

Também estou ciente de que existem alguns trabalhadores independentes que, em termos da sua relação profissional com potenciais ou atuais clientes, estão numa posição bastante semelhante à que se verifica, em regra, entre um trabalhador e o respetivo empregador. Em especial, alguns trabalhadores independentes gozam de muito pouca independência em termos do momento, do local e do modo de execução das tarefas que lhes são confiadas. Podem também ocupar uma posição bastante frágil na mesa de negociações, especialmente em matéria de remuneração e de condições de trabalho. É o que acontece sobretudo com os «falsos trabalhadores independentes»: trabalhadores assalariados «disfarçados» de trabalhadores independentes para evitar a aplicação de determinada legislação (por exemplo, leis do trabalho ou leis fiscais) que o empregador considera desfavorável. Outro exemplo é o caso dos trabalhadores independentes que dependem economicamente de um único (ou principal) cliente ( 23 ) .

53.

Porém, deixando de lado os casos em que o objetivo é contornar ou evitar a legislação laboral ou fiscal, cuja regulação compete ao legislador nacional de cada Estado‑Membro, não vejo qualquer razão válida para tratar sempre do mesmo modo os trabalhadores assalariados e os trabalhadores independentes.

54.

As convenções coletivas visam estabelecer certas normas que, como tal, são aplicáveis a todas as situações abrangidas pelo seu âmbito de aplicação. Consequentemente, pretendem abranger toda uma categoria de profissionais, independentemente da situação concreta de determinada pessoa ou das circunstâncias especiais em que uma pessoa pode aproveitar certas oportunidades de emprego.

55.

Contudo, os trabalhadores independentes são um grupo reconhecidamente vasto e heterogéneo. Alguns podem ter deliberadamente optado por oferecer os seus serviços no quadro deste regime jurídico específico, ao passo que outros poderão ter sido forçados a fazê‑lo na falta de uma oportunidade de emprego mais estável. O seu poder de negociação perante os clientes depende, por um lado, das suas qualificações, competências, experiência e reputação, e, por outro, das circunstâncias do caso concreto (tais como a dimensão e o poder económico do cliente, a urgência e/ou complexidade do serviço a prestar, o número de profissionais disponíveis, etc.). A situação dos trabalhadores assalariados é diametralmente oposta, considerando‑se tradicionalmente que se encontram numa posição mais frágil para efeitos da negociação das condições de trabalho com os empregadores, dado que a oferta de mão‑de‑obra é superior à procura em todas as sociedades ocidentais modernas.

56.

Importa igualmente referir que os trabalhadores independentes podem reagir de forma radicalmente diferente perante a perspetiva de ficarem sujeitos a disposições que os vinculem como grupo. Por exemplo, no caso em apreço, enquanto alguns músicos independentes podem acolher com agrado a fixação de remunerações mínimas, outros não. Na verdade, tais disposições podem privar profissionais os mais jovens ou menos conhecidos da possibilidade de competirem efetivamente com colegas mais experientes ou mais conhecidos, oferecendo os seus serviços a preços mais vantajosos. Sem a possibilidade de competirem com base no preço, alguns trabalhadores independentes teriam muito menos oportunidades de angariar clientes e correriam o risco de ser totalmente marginalizados do mercado de trabalho.

57.

Neste contexto, considero também que existe um potencial problema de legitimidade nos casos em que um sindicato que representa apenas um número limitado de trabalhadores independentes celebra convenções coletivas que vinculam os empregadores perante todos os trabalhadores independentes.

58.

Consequentemente, o simples facto de alguns trabalhadores independentes se encontrarem numa posição que, em termos económicos, apresenta certas semelhanças com a dos trabalhadores assalariados não justifica uma equiparação total a priori das duas categorias de agentes económicos.

59.

Face a este cenário, poder‑se‑ia talvez argumentar que as disposições de uma convenção coletiva celebrada em nome e no interesse de trabalhadores independentes deveriam estar abrangidas pela exceção Albany quando aplicadas a trabalhadores independentes que se encontrem numa situação comparável à dos trabalhadores assalariados, mas não quando aplicadas a situações onde tais semelhanças não existem.

60.

Creio, porém, que esta não é uma solução defensável.

61.

Tal como referiu o Governo neerlandês, a CCT em causa não diz respeito a «falsos trabalhadores independentes». Com efeito, é consensual entre as partes que esses trabalhadores se enquadram na definição de «trabalhador assalariado» na aceção do direito da UE e, consequentemente, qualquer convenção coletiva que regule a sua situação pode, em princípio, beneficiar da exceção Albany.

62.

A CCT em causa diz respeito a verdadeiros trabalhadores independentes. Consequentemente, a exclusão geral destes trabalhadores do âmbito de aplicação do artigo 101.o TFUE não só — pelas razões anteriormente mencionadas — violaria as disposições do Tratado relativas ao direito da concorrência e à política social como introduziria também um elemento de incerteza e imprevisibilidade num sistema que necessita particularmente de estabilidade, clareza e transparência, a saber, o sistema das relações laborais.

63.

Com efeito, entendo que as pessoas e as empresas, já para não falar dos órgãos administrativos e jurisdicionais, necessitam de uma regra cujo sentido não seja ambíguo e cuja aplicação seja previsível. A distinção entre trabalhadores assalariados e trabalhadores independentes é, em geral, relativamente simples e, como tal, permite que qualquer autoridade chamada a intervir determine, com um grau razoável de certeza, se um acordo celebrado por um grupo de profissionais está ou não excluído do âmbito de aplicação do artigo 101.o TFUE.

64.

Não vejo como poderia ser do interesse dos parceiros sociais negociar e celebrar convenções coletivas cuja validade, numa série de casos específicos, seria, na melhor das hipóteses, questionável e, como tal, fonte de litígios, pelo que não serviriam o objetivo de estabelecer normas de trabalho no setor abrangido.

65.

Atendendo às considerações expostas, entendo que as convenções coletivas que contêm disposições negociadas em nome e no interesse de trabalhadores independentes não estão, nem deveriam estar, abrangidas pela exceção Albany. Com efeito, considero que essas disposições contratuais não podem ser automaticamente excluídas do âmbito de aplicação das regras da UE em matéria de concorrência.

B – Disposições negociadas e incluídas numa convenção coletiva em nome e no interesse de trabalhadores assalariados

66.

Conforme mencionado no n.o 21 supra, é ainda necessário examinar se as condições da exceção Albany podem estar preenchidas nos casos em que as disposições em questão tenham sido negociadas e incluídas na convenção coletiva em nome e no interesse de trabalhadores assalariados.

67.

Com efeito, a FNV alega que o objetivo das disposições em questão era melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores assalariados visados. As referidas disposições destinavam‑se, em especial, a evitar o dumping social. A FNV sustenta que, ao estabelecerem uma contrapartida aos custos potencialmente menores que representa, para os empregadores, a substituição de trabalhadores assalariados por trabalhadores independentes, as disposições em questão pretendem evitar que os empregadores percam os incentivos para celebrar contratos de trabalho.

68.

Os Governos checo e neerlandês, assim como a Comissão, salientam que apenas estão abrangidas pela exceção Albany as disposições destinadas a contribuir diretamente para melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores assalariados. Entendem, porém, que as disposições contratuais em questão não satisfazem este pré‑requisito. Na melhor das hipóteses, essas disposições contribuiriam apenas indiretamente para melhorar as referidas condições através da criação de mais oportunidades de emprego para os trabalhadores assalariados.

69.

Antes de mais, devo sublinhar que, quando os sindicatos negoceiam disposições contratuais em nome e no interesse de trabalhadores assalariados no âmbito da negociação coletiva, a primeira condição da exceção Albany está manifestamente preenchida.

70.

Relativamente à segunda condição, subscrevo o entendimento dos Governos checo e neerlandês e da Comissão de que a jurisprudência do Tribunal de Justiça abrange apenas as disposições contratuais que contribuem diretamente para a melhoria das condições de trabalho e de emprego.

71.

O Tribunal de Justiça insistiu nesta exigência nos acórdãos Albany ( 24 ), Brentjens ( 25 ) e Drijvende Bokken ( 26 ). É certo que o Tribunal de Justiça não utilizou o termo «diretamente» nos acórdãos Van der Woude e AG2R Prévoyance proferidos posteriormente. Contudo, tal não era necessário na medida em que, em ambos os casos, não existia qualquer dúvida de que as medidas em questão — respetivamente, um seguro de doença e um regime de reembolso complementar de despesas de saúde — proporcionariam um benefício claro e imediato aos trabalhadores.

72.

Conforme mencionado anteriormente, a linha jurisprudencial Albany não tem por objetivo desincentivar ou prejudicar a negociação coletiva entre os parceiros sociais. É por este motivo que o Tribunal de Justiça faz referência a disposições que melhoram diretamente as condições de trabalho ou de emprego dos trabalhadores por conta de outrem. Matérias como a remuneração, o horário de trabalho, as férias, as pensões, os seguros e os cuidados de saúde estão no cerne das negociações coletivas. Privar os trabalhadores da possibilidade de negociarem livremente estas matérias seria esvaziar da sua essência o seu direito de negociação coletiva ( 27 ).

73.

Em contrapartida, não existe qualquer razão válida para conceder uma proteção jurídica tão ampla (ou seja, imunidade total às leis antitrust) quando a negociação entre trabalhadores e empregadores incide sobre matéria que afeta apenas indiretamente as suas condições de trabalho e de emprego. Os trabalhadores (e os empregadores) mantêm o interesse na negociação coletiva mesmo que aquilo que for acordado sobre matérias que não produzem um efeito imediato e significativo sobre as suas condições de trabalho ou de emprego esteja potencialmente sujeito a fiscalização à luz das leis antitrust.

74.

Posto isto, devo dizer que concordo com a FNV quando alega que a proteção das oportunidades atuais e futuras de emprego dos trabalhadores é uma matéria suscetível de ser considerada uma melhoria direta das suas condições de trabalho e de emprego. Considero que o risco de dumping social pode afetar clara e imediatamente essas condições por duas razões.

75.

Em primeiro lugar, a segurança e a estabilidade no emprego são inquestionavelmente mais importantes para os trabalhadores do que a melhoria, por exemplo, do seu horário de trabalho ou do seu direito a férias. Se fosse mais conveniente para os empregadores, de um ponto de vista económico, substituir os trabalhadores assalariados por trabalhadores independentes, existiria o risco de muitos trabalhadores assalariados perderem imediatamente o seu emprego ou serem gradualmente marginalizados ao longo do tempo.

76.

A eliminação da concorrência salarial entre trabalhadores — que é a própria razão de ser da negociação coletiva — significa que um empregador não pode, seja em que circunstâncias for, contratar outros trabalhadores por um salário inferior ao fixado na convenção coletiva. Assim, da perspetiva do trabalhador, é indiferente que seja substituído por um trabalhador assalariado ou por um trabalhador independente que aceite um salário mais baixo.

77.

Em segundo lugar, a possibilidade de os empregadores substituírem os trabalhadores por outras pessoas relativamente às quais não tenham de aplicar as condições de trabalho estabelecidas na convenção coletiva relevante pode enfraquecer significativamente a capacidade de negociação dos trabalhadores. Por exemplo, com que credibilidade poderiam os trabalhadores pedir um aumento salarial sabendo que poderiam ser fácil e rapidamente substituídos por trabalhadores independentes que desempenhariam provavelmente as mesmas funções por uma remuneração mais baixa?

78.

Por conseguinte, a menos que os trabalhadores beneficiem de um certo de nível de proteção contra o dumping social, a sua capacidade e o seu incentivo para encetarem negociações coletivas com os empregadores estarão seriamente comprometidos. Desta perspetiva, a possibilidade de os trabalhadores incluírem, nas convenções coletivas, disposições destinadas a garantir a manutenção de um determinado número de postos de trabalho destinados a trabalhadores por conta de outrem na empresa dos seus empregadores pode ser considerada um pré‑requisito necessário para poderem efetivamente negociar a melhoria de outras condições de trabalho e de emprego.

79.

Por todos estes motivos, entendo que a prevenção do dumping social é um objetivo que pode ser legitimamente prosseguido por uma convenção coletiva que contenha regras que afetem os trabalhadores independentes, podendo igualmente constituir um dos objetos centrais da negociação.

80.

Esta posição é confirmada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça e também encontra expressão, sob a forma de princípio, na legislação da UE. O Tribunal de Justiça tem declarado sistematicamente que o objetivo de prevenção do dumping social pode, em princípio, constituir uma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar uma restrição às liberdades fundamentais. Esta afirmação é válida tanto para as restrições introduzidas por um ato de um Estado‑Membro ( 28 ) como para as restrições resultantes de uma ação coletiva dos trabalhadores ( 29 ).

81.

Além disso, considero significativo que, em diversos instrumentos jurídicos, o legislador da UE tenha exigido que os Estados‑Membros estabeleçam disposições sobre normas mínimas de trabalho (em especial, sobre remuneração mínima) — nomeadamente através de convenções coletivas — exatamente com o intuito de prevenir o dumping social.

82.

Por exemplo, a diretiva relativa ao trabalho temporário ( 30 ) estabelece o princípio segundo o qual as condições fundamentais de trabalho e de emprego aplicáveis aos trabalhadores temporários devem ser, no mínimo, as que seriam aplicáveis a esses trabalhadores se tivessem sido recrutados pelo utilizador para ocupar uma função idêntica ( 31 ). Neste contexto, os Estados‑Membros podem autorizar os parceiros sociais a, por um lado, definirem as condições de trabalho e de emprego aplicáveis e, por outro, estabelecerem certas derrogações ao princípio da igualdade de tratamento, ao abrigo de convenções coletivas celebradas pelos parceiros sociais ( 32 ).

83.

Assim sendo, concluo que as disposições destinadas a prevenir o dumping social, negociadas e incluídas numa convenção coletiva em nome e no interesse de trabalhadores assalariados, devem, em princípio, ser consideradas disposições que melhoram diretamente as suas condições de trabalho e de emprego, na aceção da linha jurisprudencial Albany.

C – Análise do caso concreto

84.

Em princípio, o preenchimento das duas condições de aplicação da exceção Albany num determinado caso concreto deve ser apreciado pelas autoridades da concorrência e os órgãos jurisdicionais nacionais competentes. Evidentemente, é uma apreciação que só pode ser feita caso a caso, tendo em conta as disposições específicas de uma convenção coletiva e todas as características do mercado relevante.

85.

Por conseguinte, compete ao Gerechtshof‘s‑Gravenhage determinar, com base em todas as informações e provas que lhe foram submetidas pelas partes no processo principal, se a exceção Albany é ou não aplicável relativamente às disposições em questão.

86.

Dito isto, importa sublinhar que, contrariamente ao que acontecia nos processos em que o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de se pronunciar, o processo principal diz respeito — conforme sublinhado anteriormente — a uma convenção coletiva celebrada por sindicatos que representam simultaneamente trabalhadores por conta de outrem e trabalhadores independentes. Além disso, as disposições da convenção em análise no processo principal não regulam nenhum dos aspetos tradicionais da relação de trabalho entre o empregador e o trabalhador (como a remuneração, o horário de trabalho e as férias), mas sim a relação entre o empregador e outra categoria de profissionais: os trabalhadores independentes.

87.

Em virtude destas peculiaridades, a análise jurídica a efetuar pelo órgão jurisdicional de reenvio é inquestionavelmente mais complexa, na medida em que o preenchimento das condições Albany — em especial, da segunda condição — não é tão óbvio como em outros casos. Consequentemente, a fim de auxiliar o órgão jurisdicional de reenvio na sua análise, passarei a abordar agora alguns pontos adicionais relativos a elementos que, no meu entender, aquele órgão deveria tomar em consideração para decidir quem são os verdadeiros beneficiários da CCT em causa.

88.

Fundamentalmente, dada a natureza mista da CCT em causa, o órgão jurisdicional de reenvio tem de decidir se a convenção foi celebrada em benefício dos músicos que trabalham para as orquestras representadas pela VSR — e, como tal, suscetível, em princípio, de melhorar diretamente as condições de trabalho ou de emprego — ou se, pelo contrário, a CCT em causa visa, antes de mais, restringir a concorrência entre trabalhadores independentes e, consequentemente, está excluída do âmbito de aplicação da exceção Albany. Esta determinação não pode ter lugar em abstrato, apenas com base nas alegações das partes que assinaram a convenção, sendo necessária uma apreciação em concreto. Na sua apreciação, creio que seria particularmente útil que o órgão jurisdicional nacional examinasse dois aspetos.

89.

Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional nacional deveria apurar se existe um risco real e grave de dumping social e, em caso afirmativo, se as disposições em questão são necessárias para prevenir esse dumping. Deve existir uma possibilidade real de, sem as disposições em questão, um número considerável de trabalhadores assalariados ser substituído por trabalhadores independentes a custos mais baixos. Este fenómeno pode traduzir‑se no despedimento imediato dos trabalhadores e em economias graduais mediante a não substituição dos trabalhadores no final dos seus contratos.

90.

Com efeito, se o risco de dumping social não for real e grave, as possíveis melhorias do estatuto dos trabalhadores por conta de outrem, ao invés de diretas, serão incertas e puramente especulativas. A questão de saber se esse risco é ou não suficientemente real num determinado caso depende sobretudo, no meu entender, do setor da economia e do tipo de indústria a que a convenção coletiva é aplicável.

91.

No processo principal, a questão crucial consiste em saber se as orquestras membros da VSR estariam, de um modo geral, inclinadas a substituir, imediata ou progressivamente, um número não insignificante de músicos «assalariados» por músicos independentes caso a CCT em causa não fixasse uma remuneração mínima para estes últimos.

92.

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional nacional deve analisar o alcance e a ideia matriz das disposições em questão, ou seja, determinar se estas vão além do que é necessário para alcançar o objetivo de prevenção do dumping social. Não se pode considerar que disposições contratuais que ultrapassam o objetivo nelas declarado beneficiam genuína e efetivamente os trabalhadores. Não se pode considerar que algumas destas disposições — a saber, as que são excessivas ou injustificadas — melhoram diretamente as condições de trabalho e de emprego dos trabalhadores.

93.

Um exemplo de disposições que, no meu entender, ultrapassam o que é necessário são as disposições contratuais que conferem aos trabalhadores assalariados um maior nível de proteção perante os trabalhadores independentes do que perante os outros trabalhadores assalariados. Por outras palavras, considero que as disposições que fixam remunerações mínimas para os trabalhadores independentes de valor significativamente superior ao do salário mínimo dos trabalhadores assalariados indicam que a intenção subjacente às disposições em questão não era a proteção contra o dumping social.

94.

Atendendo às considerações precedentes, entendo que disposições como as que constam da CCT em causa devem ser incondicionalmente aceites, não obstante os seus efeitos anticoncorrenciais, se se provar que são realmente necessárias para prevenir o dumping social. Caso contrário, as disposições em questão prejudicariam a concorrência entre trabalhadores independentes (e, potencialmente, entre empregadores), com poucos ou nenhuns benefícios para os trabalhadores assalariados.

95.

Não deixa de ter interesse o facto de a interpretação do artigo 101.o TFUE que proponho ao Tribunal de Justiça ser, em termos gerais, conforme com uma série de decisões da Supreme Court dos Estados Unidos sobre a aplicabilidade do Sherman Act no contexto de litígios laborais, a que a FNV faz referência nas suas observações escritas.

96.

Antes de abordar esses processos, porém, importa salientar que, por muito semelhantes que sejam os regimes jurídicos da UE e dos EUA nesta matéria, não são iguais. Em especial, o ordenamento jurídico da UE não contém qualquer disposição expressa equivalente às disposições do Clayton Act ( 33 ) ou do Norris‑La Guardia Act ( 34 ), nos termos dos quais os sindicatos beneficiam de uma exceção explícita à regras antitrust, desde que atuem em interesse próprio e não se associem a grupos que não representam os trabalhadores. Apesar desta diferença, creio que é possível, ainda assim, estabelecer certos paralelismos ( 35 ).

97.

No processo AFM c. Carroll ( 36 ), a Supreme Court dos Estados Unidos confirmou a validade de um conjunto de preços mínimos (a seguir «tabela de preços») que um sindicato (representativo de músicos e diretores de orquestra) ( 37 ) obrigava estes últimos a aplicar aquando da celebração de contratos de prestação de serviços musicais. Enquanto a Federal Court of Appeal tinha considerado que a tabela de preços era uma violação per se do Sherman Act, na medida em que dizia respeito a preços e não a salários (dado que os diretores de orquestra eram trabalhadores independentes), a Supreme Court dos Estados Unidos rejeitou este entendimento na medida em que não tomava em consideração «a necessidade de efetuar uma apreciação para além da forma». A Supreme Court dos Estados Unidos entendeu que, naquele processo, a questão crucial não era saber se a tabela de preços dizia respeito a preços ou a salários, mas sim se protegia os salários dos músicos contratados pelo diretor de orquestra. Tendo concluído por esta última hipótese, a Supreme Court dos Estados Unidos decidiu que a tabela de preços estava abrangida pela isenção estabelecida no Sherman Act a favor dos sindicatos ( 38 ).

98.

No processo Allen Bradley Co. c. Local Union no. 3, contudo, a Supreme Court dos Estados Unidos salientou que o Sherman Act não permite que os sindicatos «ajudem grupos de não trabalhadores a criarem monopólios comerciais e a controlarem a comercialização de bens e serviços» ( 39 ). Além disso, no processo United Mine Workers c. Pennington, a Supreme Court entendeu igualmente que «um sindicato renuncia à isenção das leis antitrust quando for manifesto que acordou com um grupo de empregadores a imposição de determinada grelha salarial a outras unidades de negociação coletiva. […] É esse o caso mesmo que, ao fazê‑lo, o sindicato vise assegurar os mesmos salários, horário de trabalho ou outras condições de emprego para os restantes trabalhadores da indústria ( 40 ).

99.

Segundo a minha leitura, estas decisões, elas corroboram a tese de que o conceito de melhoria direta das condições de trabalho e de emprego não pode ser objeto de uma interpretação demasiado estrita. O facto de uma disposição contratual de uma convenção coletiva estabelecer remunerações mínimas para trabalhadores independentes que estão em concorrência com trabalhadores assalariados para o desempenho das mesmas funções não é, por si só, suficiente para que essa disposição esteja abrangida pelas regras antitrust. Essas disposições contratuais têm de prosseguir genuinamente o objetivo nelas enunciado, não podendo ter por finalidade ajudar as empresas a restringir a concorrência entre elas. Além disso, as decisões supramencionadas aconselham uma certa prudência na análise, à luz das regras da concorrência, da conduta de sindicatos que procuram impor as condições de trabalho por eles negociadas a outras categorias de profissionais que não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação das suas convenções coletivas.

100.

Por conseguinte, concluo que compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se as disposições relevantes da CCT em causa preenchem as condições de aplicação da exceção Albany. Para tal, o órgão jurisdicional de reenvio deve, em especial, apurar se as referidas disposições melhoram diretamente as condições de trabalho e de emprego dos trabalhadores por conta de outrem, prevenindo genuína e efetivamente o dumping social, e se não ultrapassam o que é necessário para alcançar este objetivo.

IV – Conclusão

101.

À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Gerechtshof‘s‑Gravenhage nos seguintes termos:

«As disposições de uma convenção coletiva de trabalho celebrada entre uma associação de empregadores, por um lado, e sindicatos que representam trabalhadores por conta de outrem e trabalhadores independentes, por outro, segundo as quais os trabalhadores independentes que prestam a um empregador, com base num contrato de prestação de serviços, o mesmo trabalho que os trabalhadores por conta de outrem abrangidos por essa convenção devem receber uma determinada remuneração mínima:

estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 101.o TFUE se tiverem sido estabelecidas no interesse e em nome dos trabalhadores independentes;

não estão abrangidas pelo artigo 101.o TFUE se tiverem sido estabelecidas no interesse e em nome dos trabalhadores por conta de outrem cujas condições de trabalho e de emprego melhoram diretamente. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se as disposições em causa melhoram diretamente as condições de trabalho e de emprego dos trabalhadores por conta de outrem, prevenindo genuína e efetivamente o dumping social, e se não ultrapassam o que é necessário para alcançar este objetivo.»


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) C‑67/96, EU:C:1999:430. V. também acórdãos Brentjens’, C‑115/97 a C‑117/97, EU:C:1999:434; Drijvende Bokken, C‑219/97, EU:C:1999:437; Pavlov e o., C‑180/98 a C‑184/98, EU:C:2000:428; Van der Woude, C‑222/98, EU:C:2000:475; e AG2R Prévoyance, C‑437/09, EU:C:2011:112.

( 3 ) Parecer de 5 de dezembro de 2007.

( 4 ) Nas presentes conclusões, são utilizados indistintamente os termos «trabalhador por conta de outrem», «trabalhador assalariado» ou simplesmente «trabalhador».

( 5 ) V., em especial, acórdão Allianz Hungária Biztosító e o., C‑32/11, EU:C:2013:160, n.os 17 a 23 e jurisprudência aí referida. V. também minhas conclusões no processo Venturini, C‑159/12 a C‑161/12, EU:C:2013:529, n.os 46 a 52.

( 6 ) Relativamente a esta expressão, v. conclusões do advogado‑geral N. Fennelly no processo Van der Woude (C‑222/98, EU:C:2000:226, n.o 30), com referência implícita ao acórdão Albany (EU:C:1999:430, n.os 59 e 60).

( 7 ) Acórdãos Albany, EU:C:1999:430, n.o 60; Brentjens’, EU:C:1999:434, n.o 57; Drijvende Bokken, EU:C:1999:437, n.o 47; Pavlov e o., EU:C:2000:428, n.o 67; Van der Woude, EU:C:2000:475, n.o 22; e AG2R Prévoyance, EU:C:2011:112, n.o 29.

( 8 ) V., neste sentido, acórdão AG2R Prévoyance, EU:C:2011:112, n.o 30.

( 9 ) Retomarei esta questão no n.o 32.

( 10 ) V., em especial, EU:C:1999:430, n.os 56 a 60.

( 11 ) V., entre muitos outros, acórdão Becu e o., C‑22/98, EU:C:1999:419, n.o 26.

( 12 ) V., neste sentido, acórdãos Pavlov e o., EU:C:2000:428, n.os 73 a 77, e Wouters e o., C‑309/99, EU:C:2002:98, n.o 49.

( 13 ) V., por analogia, acórdão Pavlov e o., EU:C:2000:428, n.os 84 a 89.

( 14 ) Com efeito, é pacífico que a negociação coletiva não só ajuda os parceiros sociais a chegarem a um acordo equilibrado e mutuamente aceitável como também produz efeitos positivos para a sociedade no seu todo. Conforme salientou o advogado‑geral F. G. Jacobs nas suas conclusões no processo Albany, admite‑se geralmente que «a negociação coletiva entre parceiros sociais permite evitar conflitos laborais onerosos, reduz os custos inerentes aos compromissos graças a um processo de negociação coletiva regido por determinadas regras e aumenta a previsibilidade e transparência» (C‑67/96, EU:C:1999:28, n.os 181 e 232). Considero também que a promoção da paz social e a criação de um sistema de proteção social equitativo para todos os cidadãos são objetivos de suma importância em qualquer sociedade moderna.

( 15 ) V., neste sentido, conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Albany, EU:C:1999:28, n.o 182.

( 16 ) V., entre muitos outros, acórdãos Clair, 123/83, EU:C:1985:33, n.o 22; Verband der Sachversicherer/Comissão, 45/85, EU:C:1987:34, n.os 39 a 42; e Binon, 243/83, EU:C:1985:284, n.o 44.

( 17 ) V. acórdão Pavlov e o., EU:C:2000:428, n.o 69.

( 18 ) V., em especial, acórdão Jany e o., C‑268/99, EU:C:2001:616, n.o 34 e jurisprudência aí referida.

( 19 ) V. acórdão Comissão/Itália, C‑596/12, EU:C:2014:77, n.os 16 e segs. V. também, neste sentido, acórdãos Agegate, C‑3/87, EU:C:1989:650, n.o 36; Asscher, C‑107/94, EU:C:1996:251, n.os 25 e 26; e minhas conclusões no processo Haralambidis, C‑270/13, EU:C:2014:1358, n.o 32.

( 20 ) V., neste sentido, acórdão Comissão/Itália, C‑35/96, EU:C:1998:303, n.o 37.

( 21 ) V., no mesmo sentido, conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Pavlov e o., EU:C:2000:151, n.o 99, e conclusões do advogado‑geral N. Fennelly no processo van der Woude, EU:C:2000:226, n.o 30.

( 22 ) A título de exemplo, v. acórdãos Allonby, C‑256/01, EU:C:2004:18, e Haralambidis, C‑270/13, EU:C:2014:2185.

( 23 ) Sobre esta questão, v. Comissão Europeia, Livro Verde — Modernizar o direito do trabalho para enfrentar os desafios do século XXI, COM(2006) 708 final, pp. 10 a 12. V. também Barnard, C., EU Employment Law, Oxford University Press, Oxford: 2012 (4.a ed.), pp. 144 a 154.

( 24 ) EU:C:1999:430, n.o 63.

( 25 ) EU:C:1999:434, n.o 60.

( 26 ) EU:C:1999:437, n.o 50.

( 27 ) V. acórdão Comissão/Alemanha, C‑271/08, EU:C:2010:426, n.o 49.

( 28 ) V., neste sentido, acórdãos Comissão/Bélgica, C‑577/10, EU:C:2012:814, n.o 45, e Wolff & Müller, C‑60/03, EU:C:2004:610, n.o 41.

( 29 ) V. acórdão Laval un Partneri, C‑341/05, EU:C:2007:809, n.o 103 e jurisprudência aí referida.

( 30 ) Diretiva 2008/104/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa ao trabalho temporário (JO 2008, L 327, p. 9).

( 31 ) Considerando 14 da Diretiva 2008/104.

( 32 ) V., neste sentido, ibidem, considerandos 16 e 17.

( 33 ) Clayton Antitrust Act, 15 U. S. C. §§ 12 a 27.

( 34 ) Norris‑La Guardia Act, 29 U. S. C. §§ 101 a 115.

( 35 ) Uma vez que, nas suas conclusões no processo Albany (EU:C:1999:28, n.os 96 a 107), o advogado‑geral F. G. Jacobs realizou uma análise exaustiva do quadro jurídico norte‑americano neste domínio, remeto para essas conclusões para uma descrição mais geral do mesmo quadro. Aqui, mencionarei apenas algumas decisões da Supreme Court dos EUA expressamente referidas pela FNV.

( 36 ) 391 U. S. 99 (1968).

( 37 ) Os diretores de orquestra eram os músicos encarregados de negociar com os adquirentes dos serviços musicais da orquestra.

( 38 ) Sherman Antitrust Act, 15 U. S. C. §§ 1 a 7.

( 39 ) 325 U. S. 797 (1945).

( 40 ) 381 U. S. 657 (1965).