CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NILS WAHL

apresentadas em 20 de março de 2014 ( 1 )

Processo C‑255/13

I

contra

Health Service Executive

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo High Court (Irlanda)]

«Coordenação dos sistemas de segurança social — Artigos 19.° e 20.° do Regulamento (CE) n.o 883/2004 — Conceitos de «estada» e «residência» — Artigo 11.o do Regulamento (CE) n.o 987/2009 — Cidadão residente num Estado‑Membro acometido de doença grave quando se encontrava num segundo Estado‑Membro em gozo de férias — Estada no segundo Estado‑Membro por mais de onze anos em razão dessa doença e da indisponibilidade do tratamento no primeiro Estado‑Membro»

1. 

Podem surgir problemas de saúde subitamente no decurso de umas férias noutro Estado‑Membro. Em tais casos, a coordenação da segurança social ao nível da União — instituída pelo Regulamento (CEE) n.o 1408/71 ( 2 ) e, presentemente, regida pelo Regulamento (CE) n.o 883/2004 ( 3 ) — possibilita que se receba tratamento médico no Estado‑Membro de estada, sendo os respetivos custos reembolsados pelo Estado‑Membro de residência. Contudo, quando o tratamento no estrangeiro é particularmente prolongado, tem o Estado‑Membro de residência direito de fazer cessar unilateralmente a cobertura devido a essa duração prolongada? Por outras palavras, pode o próprio exercício do direito conferido por estes regulamentos acabar por conduzir à sua perda?

2. 

Para I, uma viagem de férias com a companheira para fora do seu lar na Irlanda veio a revelar‑se uma experiência que só posso descrever como infeliz. Por diversas razões, vive agora no lugar onde adoeceu — a Alemanha — para aí receber tratamento. De certo modo, é como que um «refugiado médico». Contudo, após permanecer mais de onze anos na Alemanha, o Health Service Executive irlandês (a seguir «HSE») e o Governo irlandês alegam que deixou de ser exequível considerar I residente na Irlanda. O HSE anunciou, assim, que iria deixar de suportar os custos do tratamento de I, decisão que deu origem ao processo pendente no órgão jurisdicional de reenvio.

I – Quadro jurídico

A – Regulamento n.o 883/2004

3.

Os artigos 19.° e 20.° do Regulamento n.o 883/2004 substituíram, em substância, o artigo 22.o do Regulamento n.o 1408/71. ( 4 )

4.

O artigo 19.o («Estada fora do Estado‑Membro competente») dispõe que:

«1.   Salvo disposição em contrário no n.o 2, uma pessoa segurada e os seus familiares em situação de estada num Estado‑Membro que não seja o Estado‑Membro competente têm direito às prestações em espécie que se tornem clinicamente necessárias durante a sua estada, em função da natureza das prestações e da duração prevista da estada. Essas prestações são concedidas, a cargo da instituição competente, pela instituição do lugar de estada, de acordo com a legislação por ela aplicada, como se os interessados estivessem segurados de acordo com essa legislação.

5.

O artigo 20.o («Viagem com o objetivo de receber prestações em espécie — Autorização para receber tratamento adequado fora do Estado‑Membro de residência») estatui o seguinte:

«1.   Salvo disposição em contrário no presente regulamento, uma pessoa segurada que viaje para outro Estado‑Membro com o objetivo de receber prestações em espécie durante a estada deve pedir autorização à instituição competente.

2.   A pessoa segurada autorizada pela instituição competente a deslocar‑se a outro Estado‑Membro para aí receber o tratamento adequado ao seu estado beneficia das prestações em espécie concedidas, a cargo da instituição competente, pela instituição do lugar de estada, de acordo com as disposições da legislação por ela aplicada, como se fosse segurada de acordo com essa legislação. A autorização deve ser concedida sempre que o tratamento em questão figure entre as prestações previstas pela legislação do Estado‑Membro onde o interessado reside e onde esse tratamento não possa ser prestado dentro de um prazo clinicamente seguro, tendo em conta o seu estado de saúde atual e a evolução provável da doença. […]»

B – Regulamento n.o 987/2009

6.

O artigo 11.o («Elementos para a determinação da residência») do Regulamento (CE) n.o 987/2009 ( 5 ) dispõe que:

«1.   Em caso de divergência entre as instituições de dois ou mais Estados‑Membros quanto à determinação da residência de uma pessoa à qual é aplicável o [Regulamento n.o 883/2004], estas instituições estabelecem de comum acordo o centro de interesses da pessoa interessada, com base numa avaliação global de todos os elementos disponíveis relacionados com factos relevantes, que podem incluir, conforme o caso:

a)

A duração e a continuidade da presença no território dos Estados‑Membros em causa;

b)

a situação pessoal do interessado, incluindo:

i)

a natureza e as caraterísticas específicas de qualquer atividade exercida, em especial o local em que a atividade é habitualmente exercida, a natureza estável da atividade e a duração de qualquer contrato de trabalho;

ii)

a sua situação familiar e os laços familiares;

iii)

o exercício de qualquer atividade não remunerada;

iv)

no caso dos estudantes, a fonte de rendimentos;

v)

a situação relativa à habitação, em especial a sua natureza permanente;

vi)

o Estado‑Membro em que a pessoa é considerada residente para efeitos fiscais.

2.   Quando a consideração dos diferentes critérios, baseados em factos relevantes enunciados no n.o 1, não permitir às instituições em causa chegar a acordo, a vontade da pessoa, tal como se revela a partir de tais factos e circunstâncias, em especial os motivos que a levaram a mudar‑se, é considerada determinante para estabelecer o seu local efetivo de residência.»

II – Factos, processo e questão submetida

7.

I é cidadão irlandês. Trabalhou quer na Irlanda quer no Reino Unido. No verão de 2002, quando tinha 45 anos de idade, encontrava‑se de férias no estrangeiro com a sua companheira, B, cidadã romena.

8.

Durante as férias, I deu entrada no serviço de urgência da Universitätsklinikum Düsseldorf (a seguir «Uni Klinik») (Alemanha). Inicialmente foi‑lhe diagnosticado tétano, mas depois veio a saber‑se que sofria de enfarte bilateral do tronco cerebral, uma doença rara. Aparentemente, foi a dificuldade em estabelecer o diagnóstico, somada ao impacto do enfarte, que esteve na origem da quadriplegia grave com perda das funções motoras que o atingiu. Pouco tempo depois de maio de 2003, foi‑lhe detetada uma mutação genética que afeta a sua composição do sangue, um fator que exige acompanhamento e tratamento constantes. Além disso, desde o início do processo no High Court, foi‑lhe ainda diagnosticado um cancro, pelo qual está também a receber tratamento ( 6 ).

9.

Assim, desde agosto de 2002, I encontra‑se gravemente doente, necessitando de tratamento e cuidado constantes dos especialistas da Uni Klinik. De momento encontra‑se inteiramente confinado à cadeira‑de‑rodas e tem um uso muito limitado dos braços e das mãos. Desde que recebeu alta hospitalar em 2003 mora com B, que tem cuidado dele. Habitam um apartamento arrendado em Düsseldorf, que se adapta a utilização de cadeira‑de‑rodas.

10.

I recebe um subsídio por invalidez da Irlanda ( 7 ) e uma pequena pensão complementar de reforma do Reino Unido. Não aufere nenhum subsídio ou prestação da Alemanha. I alega que é forçado a viver na Alemanha — Estado‑Membro ao qual tem uma ligação meramente reduzida —, devido ao seu estado de saúde e à necessidade de tratamento continuado, mas que o seu desejo é regressar à Irlanda. Mais concretamente, I alegou que não tem conta alguma em bancos alemães nem qualquer propriedade na Alemanha, ao passo que é titular de uma conta num banco irlandês e mantém contato regular com os seus dois filhos na Irlanda (nascidos em 1991 e 1994, respetivamente). Não fala alemão nem fez qualquer esforço para se integrar na sociedade alemã.

11.

Segundo a decisão de reenvio, I pouco trabalhou depois de adoecer. Em várias ocasiões entre 2004 e 2007, proferiu conferências remuneradas na Universidade de Düsseldorf com o auxílio de B. Para efeitos do sistema de segurança social alemão, B declarou esse rendimento como tendo sido auferido por I, pois está inscrita no referido sistema. Além disso, B aceitou ser despedida em 2004 para cuidar de I a tempo inteiro. Recebe prestações por desemprego da Alemanha. Segundo o High Court, foi‑lhe recusada a concessão de um subsídio para prestação de cuidados com fundamento no facto de I ser residente na Irlanda e o regime de segurança social irlandês não prever tal possibilidade.

12.

Desde que adoeceu, I raras vezes viajou para o estrangeiro. Deslocou‑se em 2004 a Lisboa (Portugal) para dar uma conferência e fez algumas viagens à Irlanda, a mais recente das quais em 2009. Contudo, atendendo ao seu estado de saúde, o High Court afirma que é ponto assente entre as partes que I está praticamente impedido de viajar, pelo menos em linhas aéreas regulares.

13.

O custo do tratamento de I na Alemanha foi inicialmente coberto por um formulário E 111 emitido pela Irlanda ( 8 ). Este formulário insere‑se no âmbito do artigo 19.o do Regulamento n.o 883/2004, que estatui que uma pessoa segurada em situação de estada num Estado‑Membro que não seja o Estado‑Membro competente tem direito às prestações em espécie que se tornem clinicamente necessárias durante a sua estada, em função da natureza dos prestações e da duração prevista da estada.

14.

Em março de 2003 o HSE alterou o estatuto de I, emitindo em seu nome a partir dessa data um formulário E 112, que desde essa foi renovado mais de 20 vezes. Esse formulário está ligado ao artigo 20.o do Regulamento n.o 883/2004, que regula a situação da pessoa segurada que é autorizada pela instituição competente a deslocar‑se a outro Estado‑Membro para aí receber o tratamento adequado ao seu estado.

15.

Em 25 de novembro de 2011, o HSE recusou o pedido de renovação do formulário E 112 de I, por entender que, para efeitos da legislação europeia de segurança social, ele era residente na Alemanha. I impugnou essa decisão em recurso interposto no High Court em que pedia que o HSE fosse intimado a continuar a emitir a seu favor um formulário E 112.

16.

Tendo dúvidas a respeito da interpretação dos artigos 19.°, n.o 1, e 20.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 883/2004, o High Court decidiu suspender a instância e remeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão:

«Deve considerar‑se que um cidadão [beneficiário da segurança social] de um Estado‑Membro («primeiro Estado‑Membro»)[,] que está gravemente doente há onze anos[,] em resultado de uma doença grave que se manifestou pela primeira vez quando era residente no primeiro Estado‑Membro mas estava de férias noutro Estado‑Membro («segundo Estado‑Membro») se encontra em situação de «estada» no segundo Estado‑Membro durante esse período[,] para efeitos do artigo 19.o, n.o 1, ou, em alternativa, do artigo 20.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 883/200[4], [se esse cidadão tiver sido] obrigad[o] a permanecer fisicamente no segundo Estado‑Membro durante esse período[,] em razão da sua doença grave e [da] conveniente [proximidade] de cuidados médicos especializados?»

17.

Na decisão de reenvio, o High Court solicitava ao Tribunal de Justiça que submetesse o reenvio prejudicial a tramitação acelerada nos termos do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Sob proposta do juiz‑relator e ouvido o advogado‑geral, o Presidente do Tribunal indeferiu esse pedido por decisão de 18 de julho de 2013.

18.

Apresentaram observações escritas I, o HSE, o Governo irlandês, o Governo grego e o Governo dos Países Baixos, bem como a Comissão. Na audiência de 29 de janeiro de 2014, apresentaram alegações I, o HSE, o Governo irlandês, e a Comissão.

III – Apreciação

A – Observações gerais

19.

Abstraindo por um momento dos contornos trágicos do presente caso, é inegável que ele suscita uma questão interessante e importante.

20.

É pacífico que, anteriormente à viagem de férias à Alemanha, I residia na Irlanda. Assim, com a questão reenviada, o High Court deseja, essencialmente, saber se, à luz das circunstâncias do caso em apreço, não pode continuar a considerar‑se que I se encontra em situação de «estada» na Alemanha para efeitos dos artigos 1.°, alínea k), 19.° e 20.°, do Regulamento n.o 883/2004.

21.

Registei o facto de, quando convidado a tomar posição acerca da necessidade de realização de uma audiência de alegações, o Governo irlandês, na sua resposta, ter manifestado o desejo de que o Tribunal de Justiça centrasse a sua atenção no conceito de «estada», em detrimento do de «residência», o qual não consta da redação da questão reenviada, conforme é sabido. Contudo, como adiante terei ocasião de explicar mais detalhadamente, os dois conceitos estão intrinsecamente ligados. Afigura‑se‑me impossível contornar o conceito de «residência» ao interpretar o de «estada» a que se referem os artigos 19.° e 20.° do Regulamento n.o 883/2004.

22.

Num plano mais vasto, este caso suscita igualmente uma questão que é potencialmente espinhosa do ponto de vista político‑económico, a saber, se um Estado‑Membro pode «exportar» para outros Estados‑Membros o custo da prestação de tratamento médico aos seus residentes. Assim, o Governo grego afirma que as autoridades irlandesas não podem invocar unilateralmente o artigo 11.o do Regulamento n.o 987/2009. Este ponto adquire especial acuidade quando os custos desse tratamento são superiores aos usualmente correspondentes a tratamentos similares no Estado‑Membro de residência. Por outro lado, a história de I, pelo facto de ser tão invulgar, não pode, manifestamente, ser considerada um caso típico.

23.

No presente pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio parece ter estabelecido firmemente determinados parâmetros através dos termos em que formulou a questão. Com efeito, o High Court descreve as circunstâncias particulares deste caso como uma situação em que «a pessoa em causa foi obrigada a permanecer fisicamente no segundo Estado‑Membro durante esse período em razão da sua doença grave e de ser conveniente estar próxima de cuidados médicos especializados».

24.

Além disso, tendo em conta que I está impedido de viajar (pelo menos, em linhas aéreas regulares), o High Court afirma na decisão de reenvio que não se sugere que I possa ou deva regressar à Irlanda para ser submetido a um exame médico a fim de obter autorização prévia para tratamento médico no estrangeiro.

25.

Em qualquer caso, não é inteiramente claro se é, de facto, possível I receber um tratamento comparável na Irlanda. I alega que esse tratamento não está disponível (ou, no mínimo, que o HSE não teve possibilidade de lho facultar e ao mesmo tempo satisfazer juntamente com as suas necessidades de assistência adicionais, como a necessidade de alojamento adequado). O HSE, por seu lado, alega de modo algo paradoxal nas observações escritas que o custo de tratar I na Alemanha é consideravelmente inferior ao de o tratar na Irlanda, caso ele regressasse ( 9 ). Em todo o caso, essa é uma questão de facto que, como tal, é da competência do tribunal nacional.

26.

Em seguida, começarei por tratar o conceito de «residência», um conceito que já foi abordado pelo Tribunal de Justiça em diversas ocasiões. Depois, passarei a analisar o conceito de «estada» à luz das circunstâncias do caso e dos argumentos expendidos pelas partes que apresentaram alegações ao Tribunal.

27.

Por último, são necessárias as seguintes clarificações relativas à aplicabilidade do Regulamento n.o 883/2004 rationae temporis. Embora no momento em que I adoeceu subitamente estivesse em vigor o Regulamento n.o 1408/71, esse regulamento foi entretanto substituído pelo Regulamento n.o 883/2004. Contudo, como referiu a Comissão, o novo regulamento, em termos gerais, não alterou substancialmente o regime jurídico nesta matéria ( 10 ). Em todo o caso, a decisão impugnada do HSE de recusar para o futuro o pagamento dos custos do tratamento de I foi tomada em 25 de novembro de 2011, consequentemente, após a entrada em vigor do Regulamento n.o 883/2004. Assim, basearei a minha análise no regulamento mais recente, em conformidade com a redação da questão submetida.

B – O conceito de «residência» no quadro do Regulamento n.o 883/2004

28.

De acordo com o artigo 1.o, alínea j), do Regulamento n.o 883/2004, «residência» significa o lugar em que a pessoa reside habitualmente.

29.

Esta definição simples baseia‑se na jurisprudência do Tribunal de Justiça, que fornece orientações suplementares relativas a este conceito. Efetivamente, desde cedo, o Tribunal sustentou, a propósito do regime aplicável aos trabalhadores por força do Regulamento n.o 1408/71, que a residência é o lugar onde se encontra o centro habitual dos interesses do trabalhador, e que «quando um trabalhador tem um emprego estável num Estado‑Membro existe uma presunção de que é aí que reside», mesmo que tenha deixado a sua família noutro Estado ( 11 ). Esta última presunção encontra‑se hoje repercutida no artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento n.o 883/2004. Assim, a residência é equiparada ao centro dos interesses de uma pessoa.

30.

Por essa mesma razão, uma pessoa segurada não pode dispor, simultaneamente, de lugares de residência habitual no território de dois ou mais Estados‑Membros ao mesmo tempo ( 12 ).

31.

Quanto aos critérios pertinentes para determinar o centro de interesses de uma pessoa, o Tribunal de Justiça sustentou no acórdão Swaddling que «importa considerar, em particular, a situação familiar, as razões que o levaram a deslocar‑se, a duração e a continuidade da sua residência, o facto de dispor, eventualmente, de um emprego estável e a intenção de trabalhar, tal como resulta de todas as circunstâncias» ( 13 ).

32.

Esses critérios encontram‑se agora repercutidos no artigo 11.o do Regulamento n.o 987/2009, como consignado no considerando 12 do preâmbulo deste regulamento ( 14 ). Conforme foi alegado, no essencial, pelos Governos grego e neerlandês, e pela Comissão, esta disposição, apesar de ter por objeto divergências entre as instituições competentes de dois ou mais Estados‑Membros e não ser, por conseguinte, diretamente aplicável ao caso de que o órgão jurisdicional de reenvio conhece, contém uma lista útil em que se enumeram os critérios pertinentes para efeitos de determinação da residência de uma pessoa segurada. Comungo da opinião de I, do Governo neerlandês e da Comissão de que a lista não é exaustiva ( 15 ), bem como da de I e da Comissão, de que não foi estabelecida nenhuma ordem de preferência para os critérios previstos no artigo 11.o, n.o 1. Na realidade, é de capital importância ter em mente que, no acórdão Swaddling, o Tribunal de Justiça deixou claro que «a duração da residência no Estado‑Membro […] não pode, todavia, ser considerada como representando um elemento constitutivo do conceito de residência» ( 16 ).

33.

Note‑se, além disso, que as alíneas a) a d) do artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento n.o 883/2004 fornecem alguns exemplos específicos de situações que pressupõem vínculos com um Estado‑Membro que habilitam esse Estado‑Membro a impor a sua legislação a uma pessoa segurada. As situações mais comuns são as do exercício de uma atividade por conta de outrem ou por conta própria num Estado‑Membro. Embora tenham precedência sobre o critério mais geral de residência ( 17 ), sem prejuízo das disposições especiais dos artigos 12.° a 16.° do mesmo regulamento, essas formas específicas de conexão podem também ser vistas simplesmente como expressões específicas desse conceito. Dessa forma, servem apenas para sublinhar o facto de que a aplicação da legislação de segurança social de um dado Estado‑Membro, por via de residência ou de outro critério, pressupõe a existência de um vínculo particular com esse Estado‑Membro.

34.

Por último, é talvez aconselhável não esquecer o facto de que muitos dos processos que tratam o conceito de «residência» para fins de coordenação das legislações em matéria de segurança social se prendem com a questão de saber se a pessoa segurada adquiriu o estatuto de residente, na medida em que a mesma pretendia receber uma prestação de um Estado‑Membro reticente ( 18 ). No caso vertente, contudo, parece estar em causa a situação inversa: em que circunstâncias pode uma pessoa segurada perder esse estatuto e as inerentes prestações? ( 19 )

35.

Esboçada uma síntese da regulação do conceito de «residência», tratarei agora de examinar mais de perto o conceito de «estada» à luz das particularidades do caso vertente.

C – O conceito de «estada» no âmbito do Regulamento n.o 883/2004

36.

Tanto quanto sei, até à data o Tribunal de Justiça ainda não aclarou o sentido do conceito de «estada» no âmbito do Regulamento n.o 883/2004. Assim, tecerei os seguintes comentários.

37.

No quadro do artigo 1.o, alínea k), do Regulamento n.o 883/2004, «estada» significa residência temporária.

38.

A definição de «estada» no artigo 1.o, alínea k), da versão em língua inglesa do Regulamento n.o 883/2004 refere‑se, assim, ao conceito de «residência», ainda que com a aposição do qualificativo «temporária». Nessa medida, trata‑se de uma definição circular sem grande préstimo. Não obstante, salienta assim mesmo o facto de, contra o que alega o Governo irlandês, os dois conceitos não poderem ser tratados de modo inteiramente separado.

39.

Quanto à correta interpretação do conceito de «estada», foram aventadas determinadas conceções.

40.

Alertando contra uma interpretação demasiado extensiva dos artigos 19.° e 20.° do Regulamento n.o 883/2004, o Governo irlandês preconiza que ao termo «temporária», contido na definição do conceito de «estada», deve ser atribuído o sentido comum, a saber, «de duração limitada no tempo, não permanente». O Governo irlandês acrescenta ainda que uma «estada» não é habitual nem permanente, e que outras versões linguísticas do Regulamento n.o 883/2004 corroboram a ideia de que uma estada pressupõe uma visita a outro Estado‑Membro (como a versão francesa, em que é utilizado o termo «séjour»). Por seu lado, o HSE alega que um dos sentidos comuns de «ter estada» é morar algures temporariamente como visitante ou hóspede, e que descrever I como alguém que está na Alemanha a título temporário seria violentar esse sentido do termo.

41.

Acerca deste ponto, começo por observar que, como notei no n.o 37 supra,«estada» é definido na versão em língua inglesa do Regulamento n.o 883/2004 como residência temporária. Na medida em que «residência» é, por sua vez, definido como o lugar em que uma pessoa reside habitualmente, «residência temporária» pode facilmente ser interpretado como o lugar em que uma pessoa reside temporariamente. Assim, tendo em conta que o Tribunal de Justiça tem equiparado sistematicamente o lugar de «residência» ao centro habitual dos interesses de uma pessoa, por lugar de «estada» pode entender‑se o centro temporário dos interesses de uma pessoa.

42.

Em segundo lugar, e de acordo com a mesma lógica seguida na linha de argumentação desenvolvida no n.os 30 e 38 supra, a meu ver, existe um elo estrutural entre os conceitos de «estada» e «residência», na medida em que a estada pressupõe ter‑se uma residência noutro lugar. Em consequência, os critérios utilizados para estabelecer que um dado lugar é o lugar de residência de uma pessoa segurada implicam necessariamente o efeito negativo de excluir a possibilidade de o mesmo ser o lugar de estada.

43.

Em terceiro lugar, e mais importante, o conceito de «estada» é qualificado pelo uso do adjetivo «temporária». «Temporária» não significa definitiva, mas sim não permanente. «Temporária» não implica, como tal, uma duração fixa. Assim, comungo da opinião da Comissão de que nem o artigo 19.o nem o artigo 20.o do Regulamento n.o 883/2004 preveem qualquer limitação temporal específica da duração da estada. Por outras palavras, uma estada não envolve necessariamente uma visita de menor duração.

44.

Acresce que, a aceitar‑se, a título meramente especulativo, que o termo do francês «séjour» significa uma visita mais breve, bastaria notar que as diferentes versões linguísticas não apontam inequivocamente no sentido sugerido pelo Governo irlandês e pelo HSE ( 20 ). Pelo contrário, uma interpretação sistemática do Regulamento n.o 883/2004 milita contra os argumentos aduzidos pelo Governo irlandês e pelo HSE, como explicarei nos dois pontos seguintes.

45.

Conforme I bem observou, nos termos da definição constante do artigo 1.o (v‑A), alínea i), do Regulamento n.o 883/2004 (conforme alterado) — disposição que é aplicável ao capítulo 1 do título III, o qual integra os artigos 19.° e 20.° do mesmo regulamento — o conceito de «prestações em espécie», referido quer no artigo 19.o quer no artigo 20.o, n.os 1 e 2, abrange benefícios em espécie de longa duração por prestação de cuidados ( 21 ). Portanto, a própria estrutura do Regulamento n.o 883/2004 assenta no pressuposto de que uma pessoa segurada se pode encontrar em situação de estada e auferir prestações em espécie noutro Estado‑Membro ao longo de um período mais alargado.

46.

Além disso, vale a pena observar que, após a reformulação do Regulamento n.o 1408/71, que continha previamente uma cláusula no artigo 22.o, n.o 1, alínea i), no sentido de que «o período de concessão das prestações [é] regulado pela legislação do Estado competente», tal solução deixou de figurar nos artigos 19.° e 20.° do Regulamento n.o 883/2004. Efetivamente, interpretando‑se estes preceitos à luz da nova definição de «prestações em espécie», constante do artigo 1.o (v‑A), alínea i), do Regulamento n.o 883/2004, não é líquido que os Estados‑Membros possam fixar unilateralmente limites à duração da concessão de prestações em espécie ( 22 ).

47.

Como tal, o Governo irlandês insiste na tese de que uma interpretação teleológica do conceito de «estada» se opõe à conclusão de que I se encontra na Alemanha meramente em situação de «estada». O referido governo alega que nem os Tratados nem o Regulamento n.o 883/2007 outorgam a uma pessoa o direito de eleger o sistema de segurança social no qual se encontra inscrito. Em seu entender, este regulamento constitui um ato de coordenação destinado a assegurar que a uma pessoa determinada seja aplicável um único regime. Segundo o Governo irlandês, no caso de I ter direito a cobertura no quadro do sistema alemão, um direito concorrente a permanecer no sistema irlandês poria em causa toda a razão de ser do regime. A concluir‑se que I se encontra em situação de «estada» na Alemanha, poderá alegar‑se, em consequência, que ele não é coberto pelo sistema de segurança social alemão; na opinião do Governo irlandês, isso é contrário ao propósito global do regulamento.

48.

Antes de abordar em pleno a posição do Governo irlandês de uma interpretação teleológica do conceito de «estada», quero dedicar um pouco mais de atenção ao seu argumento de que I tem o direito de se inscrever no sistema de segurança social alemão.

49.

Na verdade, o Governo irlandês e o HSE afirmam ambos que, não obstante o entendimento do High Court de que «o presente caso se escapa por entre os interstícios [dos artigos 19.° e 20.° do Regulamento n.o 883/2004]», não há risco algum de lacunas na cobertura de I. Por seu lado, o HSE afirma que «as autoridades alemãs cobrirão os custos de saúde [de I] se ele estiver coberto pelo respetivo sistema» e que, «tanto quanto é do seu conhecimento, as autoridades alemãs competentes se mostraram recetivas à hipótese de [I] se transferir para o seu sistema para efeitos do seu tratamento». Face à primeira observação, o Governo irlandês afirma que será permitido a I aceder ao sistema alemão caso ele colabore, apresentando um pedido nesse sentido, e ainda que «[I] tem direito a beneficiar do sistema alemão».

50.

Abstraindo do facto de o Governo alemão não ter confirmado nenhuma destas afirmações, o Governo irlandês e o HSE têm razão em certos aspetos. Como se disse acima, ninguém pode ter várias residências ao mesmo tempo para fins de coordenação em matéria de segurança social. Se I não é residente na Irlanda, então é elegível para ser considerado como residente na Alemanha para efeitos do Regulamento n.o 883/2004. Desde que o seu centro de interesses ali se encontre, é livre de requerer às entidades competentes alemãs o ingresso no sistema de segurança social na Alemanha, em conformidade com o procedimento previsto no artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 ( 23 ).

51.

Contudo, não é esse, obviamente, o desejo de I e as observações do Governo irlandês e do HSE parecem passar deliberadamente ao lado da questão. A orientação pedida ao Tribunal de Justiça respeita, precisamente, ao problema de saber se se pode continuar a considerar que uma pessoa na situação de I se encontra simplesmente em situação de «estada» no Estado‑Membro de tratamento e se, consequentemente, é o Estado‑Membro de residência inicial ou o Estado‑Membro de tratamento que deve pagar o (presumivelmente muito oneroso) tratamento médico continuado de que uma pessoa como I carece.

52.

Além disso, por muita razão que o Governo irlandês possa ter quando frisa que o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 impõe à pessoa segurada o dever de cooperar com a entidade competente a fim de que este possa determinar a legislação aplicável a essa pessoa, tal dever opera também em sentido inverso, nos termos do artigo 3, n.o 4, do mesmo regulamento, em favor da pessoa em causa ( 24 ).

53.

Aliás, quando uma instituição competente deseje limitar ou recusar prestações pagáveis a uma pessoa nos termos da sua legislação pelo facto de essa pessoa ter mudado a sua residência para outro Estado‑Membro, afigura‑se‑me que — de acordo com o artigo 3.o, n.o 4 in fine, do Regulamento n.o 987/2009, em conjunção com o disposto no artigo 11.o, n.o 1, do mesmo e, mais genericamente, de acordo com o artigo 20.o ( 25 ) e com o princípio da cooperação leal consignado no artigo 4.o, n.o 3, TUE — tal dever de cooperação também é válido em relação às instituições dos demais Estados‑Membros envolvidos ( 26 ). Deve ser dada a essas instituições oportunidade de declarar se concordam com a conclusão de que a pessoa em causa mudou a sua residência, uma vez que a mesma é claramente suscetível de ter repercussões financeiras sobre elas. O entendimento contrário privaria o artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 987/2009 do seu efeito, que consiste exatamente em resolver diferenças de opinião entre as instituições de dois ou mais Estados‑Membros acerca da residência de uma pessoa.

54.

A este propósito, não posso deixar de observar que, excetuada alguma correspondência bilateral trocada entre o HSE e a Comissão, a decisão de reenvio não contém qualquer informação relativa a um acordo entre as autoridades irlandesas e alemãs ( 27 ). Assim sendo, não vejo como pode a alegação de que I não cooperou com a(s) entidade(s) competente(s) isentar as autoridades irlandesas do correspondente dever de cooperar com as suas homólogas alemãs ( 28 ).

55.

Portanto, não há que perder mais tempo quanto ao argumento utilizado pelo Governo irlandês e pelo HSE referente à disponibilidade das autoridades alemãs para admitir I no seu sistema de segurança social e arcar com a responsabilidade financeira pelo seu tratamento.

56.

Voltando agora à questão do objetivo do Regulamento n.o 883/2004, tive ocasião de afirmar noutra peça ( 29 ) que esse regulamento coordena os sistemas de segurança social instituídos nos Estados‑Membros. Ele visa alcançar o objetivo consignado no artigo 48.o TFUE, prevenindo os efeitos negativos que o exercício da liberdade de circulação dos trabalhadores poderia produzir no plano da fruição, pelos trabalhadores e suas famílias, de prestações de segurança social ( 30 ). Contudo, em consonância com o enunciado no considerando 4 do respetivo preâmbulo ( 31 ), o Regulamento n.o 883/2004 não cria um regime de segurança social comum, antes admite a subsistência dos diferentes sistemas de segurança social nacionais, tendo como único objetivo assegurar a coordenação desses regimes. Nos termos do artigo 11.o, n.o 1, as pessoas a quem ele se aplica «apenas estão sujeitas à legislação de um Estado‑Membro», determinado em conformidade com as regras previstas no título II ( 32 ). O regulamento permite, portanto, que continuem a existir diferentes regimes, que dão origem a diferentes pretensões contra diferentes instituições contra as quais o requerente possua direitos diretos por via da legislação nacional, quer em exclusivo quer complementada, quando necessário, pela legislação da União. ( 33 )

57.

Assim, com o mecanismo de coordenação definido no Regulamento n.o 883/2004, pretende‑se que um Estado‑Membro seja designado responsável último pelos pedidos das pessoas seguradas. Reciprocamente, o regulamento tem o objetivo derivado de obviar a que pessoas seguradas invoquem a responsabilidade de outros Estados‑Membros quando não haja direitos diretos que a suportem. Do ponto de vista pecuniário, o Regulamento n.o 883/2004 serve também, portanto, ainda que indiretamente, para limitar o princípio da solidariedade financeira entre os Estados‑Membros.

58.

Parece, por conseguinte, que o sistema criado pelo Regulamento n.o 883/2004 constitui uma tentativa de resolver uma tensão intrínseca entre, por um lado, a necessidade de facilitar a concessão de prestações às pessoas seguradas que exerceram o seu direito à livre circulação e, por outro, a necessidade de proteger o erário público dos Estados‑Membros que não são responsáveis por essas pessoas seguradas no quadro da legislação de segurança social, seja a nível nacional seja a nível da União.

59.

Assim sendo, não é inteiramente correto afirmar, como faz o Governo irlandês, que o Regulamento n.o 883/2004 não atribui às pessoas qualquer direito a eleger o sistema de segurança social em que desejam estar inscritas. Com efeito, de acordo com o princípio básico da livre circulação de pessoas que o regulamento em causa visa promover, o lugar em que uma pessoa reside habitualmente é, desde o início, em larga medida fruto de uma opção eminentemente pessoal. Essa opção pode consistir, por exemplo, em viver e trabalhar noutro Estado‑Membro em pé de igualdade com os nacionais desse Estado, ou não.

60.

Pela mesma ordem de ideias, em situações de emergência médica não planeada, não se pode falar verdadeiramente de uma «opção»; como não se pode comparar a situação de alguém que é forçado a submeter‑se a tratamento médico noutro Estado‑Membro com a de quem o faz voluntariamente. Na realidade, à luz da decisão de reenvio — que é o único elemento de referência para o Tribunal de Justiça no que respeita aos factos do caso — não restam dúvidas de que I não tem escolha na matéria. O órgão jurisdicional de reenvio frisa que I está gravemente doente há onze anos em resultado de uma doença grave que se manifestou pela primeira vez quando se encontrava de férias na Alemanha, e hoje é efetivamente obrigado a permanecer fisicamente na Alemanha em razão da sua doença grave e de ser conveniente estar próximo de cuidados médicos especializados.

61.

Por conseguinte, não concordo com a tese do Governo irlandês de que uma interpretação teleológica do Regulamento n.o 883/2004 conduz à conclusão de que uma pessoa na situação de I, de alguma forma, «opta» por permanecer na Alemanha e, portanto, reside habitualmente nesse país. Na verdade, o facto de o HSE ter emitido continuamente formulários E 112 para o seu tratamento fala por si ( 34 ). Como quer que seja, na apreciação da questão de saber se I tem possibilidade de escolher o lugar em que reside tem de ser tido em conta o seu estado clínico presente, que reconhecidamente se deteriorou ao longo dos anos.

62.

O principal argumento em favor da tese de que I já não se encontra meramente em situação de «estada» na Alemanha para efeitos dos artigos 19.° e 20.° do Regulamento n.o 883/2004 é o de que ele vive lá há mais de onze anos. Com efeito, o Governo neerlandês, apoiado neste ponto, essencialmente, pelo Governo irlandês e pelo HSE, alega que uma longa permanência noutro Estado‑Membro se reveste de grande importância para a determinação da residência.

63.

Não estou de acordo. Essa posição é infirmada, no essencial, pelo supramencionado dictum do acórdão Swaddling ( 35 ), bem como por outros acórdãos similares ( 36 ).

64.

Na verdade, em meu entender, o mero facto de uma pessoa segurada ter permanecido noutro Estado‑Membro para receber tratamento médico por um período de tempo passível de ser classificado como longo (ou mesmo muito longo) não basta, por si só, para estabelecer — ou infirmar — a residência habitual. Na realidade, é precisamente por força da vontade de uma pessoa de recuperar da doença e regressar a casa que a grande extensão da estada não tem o efeito de converter automaticamente o seu centro temporário de interesses em centro habitual de interesses ( 37 ).

65.

Este entendimento parece ser corroborado pelo artigo 25‑A, n.o 3, do Regulamento n.o 987/2009 ( 38 ). A lógica subjacente a este preceito parece confirmar que uma pessoa segurada que precise de ser submetida a tratamento médico urgente no decurso de uma permanência noutro Estado‑Membro não deve ser forçada a interromper o referido tratamento para regressar ao seu Estado‑Membro de residência e procurar um tratamento similar, se tal for desaconselhado do ponto de vista clínico. Com efeito, o Tribunal de Justiça tem sustentado que, mesmo no caso de haver a possibilidade de o tratamento requerido pela evolução do estado de saúde da pessoa segurada ao longo de uma estada temporária noutro Estado‑Membro estar ligado a um problema de saúde crónico e, por isso, a uma doença persistente ou prolongada, isso não constitui motivo bastante de recusa do tratamento ( 39 ).

66.

Por essa mesma razão, afigura‑se‑me incongruente que o artigo 11.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 supostamente faça prevalecer os critérios objetivos mencionados no artigo 11.o, n.o 1 sobre a intenção de uma pessoa segurada. Desta última disposição parece resultar que a intenção da pessoa segurada só é pertinente quando a residência não possa ser determinada com base nos critérios objetivos mencionados no artigo 11.o, n.o 1. É certo que o regulamento visa codificar, designadamente, a jurisprudência do Tribunal de Justiça no que toca aos critérios relevantes em sede de determinação da residência habitual. Eu alegaria, porém, que o dictum do Tribunal no acórdão Swaddling ( 40 ) não estabelece hierarquia alguma entre os diferentes critérios a ter em conta e não é suscetível de uma interpretação segundo a qual aquela intenção, mesmo quando corroborada pelas circunstâncias, tem um peso menor que os demais critérios relevantes. Com efeito, a determinação do centro de interesses de uma pessoa deve basear‑se numa avaliação global da totalidade da informação relativa aos factos pertinentes, conforme a Comissão reconhece também nas suas observações escritas.

67.

Seja como for, como se observou no n.o 32 supra, o artigo 11.o do Regulamento n.o 987/2009 não é diretamente aplicável ao caso presente. Consequentemente, a eventualidade de ele poder classificar as intenções como um critério secundário é irrelevante para a determinação do lugar onde se situa o centro de interesses de I.

68.

Quero realçar ainda que o Tribunal tem sustentado que não há nada no Regulamento n.o 1408/71 que sugira que as prestações pecuniárias por invalidez possam ser descontinuadas com fundamento no facto de o beneficiário residir no território de um Estado‑Membro diferente daquele em que se situa a instituição responsável pelo seu pagamento ( 41 ). Não vejo motivo para perfilhar uma posição diferente a respeito da realização de prestações em espécie que assuma a forma de disponibilização de tratamento médico a uma pessoa no estado de saúde de I, em lugar de prestações pecuniárias ( 42 ). Consequentemente, se um Estado‑Membro não tem sequer o direito de suprimir tal prestação quando a pessoa em causa reside efetivamente no estrangeiro, muito mais difícil será de conceber que possa fazê‑lo num caso em que a questão da residência é objeto de controvérsia.

69.

À luz do debate precedente, considero que é impossível estabelecer uma «regra de ouro» que determine o tempo exato que é necessário permanecer noutro Estado‑Membro para que a «estada» se converta em «residência». Contudo, devo acrescentar que um evento jurídico de tamanha relevância não deveria poder ocorrer de modo espontâneo e aleatório. Com efeito, é importante recordar que, como admite o HSE, o objetivo da legislação de saúde da União é garantir que não existam lacunas e que não se não fique privado de financiamento apenas por se encontrar noutro Estado‑Membro.

70.

Por conseguinte, e desenvolvendo as observações feitas nos n.os 52 e 53 supra sobre os deveres das partes envolvidas, uma pessoa segurada não pode, simplesmente, sem aviso prévio, ser excluída do sistema de segurança social no qual esteve inscrita até ao momento. Para tal, é preciso ou que a referida pessoa pratique um ato positivo ligado à transferência de residência no interior da União Europeia (sendo a nova instituição competente informada dessa transferência em conformidade com o preceituado no artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009) ou, no mínimo dos mínimos, um acordo comum entre as entidades relevantes de dois ou mais Estados‑Membros, conforme previsto no artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 987/2009. Um tal acordo proporcionará à pessoa um ensejo de contestar a posição em causa se dela discorda (como é o caso neste processo), de harmonia com o artigo 3.o, n.o 4, do Regulamento n.o 987/2009.

71.

Para concluir, perfilho a opinião de que o conceito de «estada» referido no Regulamento n.o 883/2004 (nos artigos 1.°, alínea k), 19.° e 20.°, por exemplo) deve ser interpretado como o centro temporário dos interesses de uma pessoa. A estada forçada num Estado‑Membro por razões médicas — mesmo que por um período muito longo — não acarreta por si só como consequência a conversão automática do lugar de tratamento, que até à data foi o centro temporário dos interesses da pessoa, em lugar de residência habitual para efeitos desse regulamento.

72.

Conforme concordam todas as partes que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, é ao High Court que compete em todo o caso aplicar a lei aos factos e estabelecer o local de residência de I com base numa avaliação global de todas as circunstâncias relevantes, incluindo a questão de saber se I continua a ser compelido por razões médicas a permanecer na Alemanha para receber o tratamento necessário. Registo que, a despeito de muitas das circunstâncias sugerirem o contrário, na decisão de reenvio o órgão jurisdicional de reenvio manifesta a opinião liminar de que a resposta à questão reenviada deverá ser afirmativa.

IV – Conclusão

73.

Perante o exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma à questão que lhe foi submetida pelo High Court (Irlanda):

«Numa interpretação correta do artigo 1.o, alínea k), do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social, para os efeitos dos artigos 19.° e 20.° do mesmo, uma estada forçada de mais de onze anos de uma pessoa segurada num Estado‑Membro diferente do de residência em consequência de doença grave que se declarou quando essa pessoa se encontrava de férias nesse Estado‑Membro, e sendo essa pessoa obrigada, em razão da gravidade do seu estado e de aí estar próxima de cuidados médicos especializados, a permanecer fisicamente nesse Estado‑Membro durante esse período, não acarreta por si só consequência de que a pessoa em causa não possa continuar a ser considerada como meramente em situação de ‘estada’ no Estado‑Membro de tratamento. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar o lugar de residência dessa pessoa com base numa avaliação global de todas as circunstâncias relevantes, incluindo a questão de saber se essa pessoa continua a ser compelida por razões médicas a permanecer no Estado‑Membro de tratamento para receber o tratamento necessário.»


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Regulamento do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149 de 5.7.1971, p. 2), conforme alterada.

( 3 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004 relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004 L 166, p. 1), com a redação que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.o 988/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009 (JO 2009 L 284, p. 43), pelo Regulamento (UE) n.o 1244/2010 da Comissão, de 9 de dezembro de 2010 (JO 2010 L 338, p. 35), e pelo Regulamento (UE) n.o 465/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012 (JO 2012 L 149, p. 4).

( 4 ) O artigo 90.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004 revoga o Regulamento n.o 1408/71, com efeitos a partir da data de aplicação do Regulamento n.o 883/2004 (1 de maio de 2010).

( 5 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.o 883/2004 relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO L 284 de 30.10.2009, p. 1).

( 6 ) Para sermos exaustivos, é de mencionar ainda que I sofreu um ataque cardíaco em março de 1998.

( 7 ) Conforme indicado pela Comissão, nos termos do artigo 70.o, n.o 4, do Regulamento n.o 883/2004, essa pensão, que consta da lista do Anexo X ao mesmo regulamento, é concedida exclusivamente no Estado‑Membro de residência do interessado de acordo com a legislação, e a cargo da instituição, do lugar de residência.

( 8 ) Aparentemente, contudo, pelo teor da decisão de reenvio, I não era titular de um formulário desse tipo antes de partir de férias no verão de 2002.

( 9 ) Contudo, dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça também ressalta que os representantes do HSE perfilham a opinião de que o tratamento está disponível na Irlanda (v., nomeadamente, uma mensagem de correio eletrónico com data de 19 de setembro de 2011 trocada entre o HSE e I). Este dado foi confirmado na audiência.

( 10 ) V., contudo, o n.o 46 infra, e as notas 39 e 41.

( 11 ) V. acórdão de 17 de fevereiro de 1977, Di Paolo (76/76, Recueil, p. 315, n.os 17 e 19, Colet., p. 131); v. também acórdão de 8 de julho de 1992, Knoch (C-102/91, Colet., p. I-4341, n.os 21 e 22).

( 12 ) V. acórdão de 16 de maio de 2013, Wencel (C‑589/10, Colet., n.os 48 e 51).

( 13 ) Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, Swaddling (C-90/97, Colet., p. I-1075, n.o 29).

( 14 ) O considerando 12 reza o seguinte: «Muitas das medidas e procedimentos previstos pelo presente regulamento destinam‑se a conferir mais transparência relativamente aos critérios que as instituições dos Estados‑Membros deverão aplicar no âmbito do Regulamento (CE) n.o 883/2004. Estas medidas e procedimentos resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, das decisões da Comissão Administrativa, bem como da experiência de mais de trinta anos de aplicação da coordenação dos sistemas de segurança social no quadro das liberdades fundamentais previstas pelo Tratado.» V. também o acórdão Wencel, n.o 50.

( 15 ) Tal resulta da utilização da expressão «[…] que podem incluir, conforme o caso» na formulação do artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 987/2009, bem como da do termo «em particular» pelo Tribunal de Justiça no acórdão Swaddling.

( 16 ) V. acórdão Swaddling, n.o 30.

( 17 ) V. artigo 11.o, n.o 3, alínea e), do Regulamento n.o 883/2004.

( 18 ) O acórdão Swaddling versou sobre o caso de um cidadão do Reino Unido que, depois de trabalhar cerca de treze anos em França, com uma interrupção de seis meses de permanência no Reino Unido, regressou ao seu país e requereu, no mesmo mês, a concessão de um complemento ao rendimento. A intenção do senhor Swaddling de lá residir não foi contestada, tendo‑se a controvérsia centrado na imposição de uma condição de um período apreciável de residência anterior para a concessão de auxílio ao rendimento (v. n.o 27 do referido acórdão). No acórdão Knoch, que versou sobre um caso de recusa de concessão de subsídio de desemprego por parte das autoridades alemãs, a senhora Knoch vivera e, na maioria do tempo, trabalhara no Reino Unido por um período ligeiramente superior a dois anos, interrompido apenas por curtas permanências na Alemanha. O acórdão Stewart, de 21 de julho de 2011 (C-503/09, Colet., p. I-6497) teve por objeto a recusa de uma prestação de incapacidade de curta duração para jovens deficientes a uma cidadã do Reino Unido que sofria de síndrome de Down e que vivera, aproximadamente, onze anos em Espanha, com fundamento, nomeadamente, no facto (que não foi contestado) de ter a sua residência nesse país. Assim, estes casos respeitavam à aquisição, mais do que à conservação, de um benefício.

( 19 ) É certo, por outro lado, que o presente caso suscita igualmente a questão de saber a partir de que ponto uma pessoa segurada deixa de se achar em situação de «estada» noutro Estado‑Membro. No acórdão Keller, de 12 de abril de 2005 (C-145/03, Colet., p. I-2529), citado pelo órgão jurisdicional de reenvio, a estada no estrangeiro durante a qual a senhora Keller recebeu tratamento de emergência ao tumor maligno de que sofria ter‑se‑á prolongado por 8 meses, no máximo.

( 20 ) Com efeito, um relance sobre as diferentes traduções do termo «stay» em algumas das restantes línguas oficiais (DE: «Aufenthalt»; DK: «ophold»; ES: «estancia»; FI: «oleskelulla»; IT: «dimora»; PT: «estada»; NL: «verblijfplaats»; RO: «ședere»; SV: «vistelse») não indicia inequivocamente que ele envolva uma duração menor.

( 21 ) Esse preceito tem a seguinte redação: ‘Prestações em espécie’: […] para efeitos do capítulo 1 do título III (prestações por doença, maternidade e paternidade equiparadas), as prestações em espécie previstas na legislação de um Estado‑Membro destinadas a fornecer, disponibilizar, pagar diretamente ou reembolsar cuidados de saúde, produtos medicinais e respetivos serviços auxiliares, incluindo as prestações em espécie para os cuidados de longa duração» (sublinhado meu). […]» Esta definição foi introduzida pelo Regulamento n.o 988/2009. A razão de ser de tal alteração não transparece, contudo, dos considerandos desse regulamento nem dos respetivos trabalhos preparatórios.

( 22 ) Consequentemente, entendo o dictum do Tribunal no acórdão Keller, n.o 51, segundo o qual os Estados‑Membros continuam a ser livres de estabelecer um limite à validade da autorização emitida pela entidade competente de residência, como sendo referido somente ao período em que uma pessoa segurada pode contar com uma tal autorização para efeitos de receber prestações em espécie de um Estado‑Membro de estada, e não à sua duração efetiva.

( 23 ) Essa disposição estatui que «as pessoas abrangidas pelo [Regulamento n.o 883/2004] devem comunicar à instituição competente as informações, documentos ou comprovativos necessários para a definição da sua situação ou da situação da sua família e respetivos direitos e obrigações, à manutenção destes direitos e obrigações, bem como à determinação da legislação aplicável e das obrigações em relação a esta legislação.»

( 24 ) Ao abrigo dessa disposição, «[n]a medida do necessário à aplicação do [Regulamento n.o 883/2004] e do [Regulamento n.o 987/2009], as instituições competentes transmitem as informações e os documentos às pessoas interessadas o mais rapidamente possível e, em todo o caso, dentro dos prazos fixados pela legislação do Estado‑Membro em causa. A instituição competente notifica a sua decisão, diretamente ou por intermédio do organismo de ligação do Estado‑Membro de residência ou de estada, ao requerente que resida temporária ou permanentemente noutro Estado‑Membro. Ao indeferir as prestações, deve igualmente indicar as razões que fundamentam o indeferimento, as vias e os prazos de recurso. Uma cópia dessa decisão é transmitida às demais instituições interessadas.»

( 25 ) O título dessa disposição é «Cooperação entre instituições».

( 26 ) V., a propósito de uma situação similar à que está em apreço, o acórdão de 25 de fevereiro de 2003 IKA (C-326/00, Colet., p. I-1703, n.os 51 e 52). O processo dizia respeito a um titular de uma pensão residente na Grécia que sofria de uma doença cardíaca crónica. Quando se encontrava na Alemanha, o dito titular, que obtivera previamente um formulário E 111 (cuja validade era limitada a um período de 1,5 meses, aproximadamente), teve de receber tratamento médico. A instituição alemã do lugar de estada pediu à entidade grega que emitisse um formulário E 112, pedido que foi indeferido.

( 27 ) A informação constante dos autos do processo nacional enviados ao Tribunal contém, todavia, alguns indícios de comunicação entre o HSE e a instituição alemã competente. Com efeito, parece que o HSE teve contatos com o Deutsche Verbindungsstelle Krankenversicherung — Ausland (Ponto de Contato Alemão — Seguro de Saúde no Exterior), entre outros, em ou por volta de 14 de setembro de 2011 acerca de uma possível transferência de I do formulário E 112 para o formulário E 106 (hoje formulário S1), mas sem resultado.

( 28 ) Na audiência, o Governo irlandês declarou que o procedimento do artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 987/2009 não fora seguido por não ter havido qualquer «divergência de opiniões» entre o HSE e a instituição alemã competente. Contudo, não vejo em que é que isso afeta o dever de cooperar que impende sobre a instituição competente do Estado‑Membro de residência, quando, não obstante a instituição do outro Estado‑Membro não haver tomado formalmente posição, aquele procede à cessação da cobertura pelo facto de, em seu entender, ter ocorrido uma transferência de residência para esse outro Estado‑Membro. No que toca ao dever de cooperar com o HSE de I, um mandatário do mesmo declarou que ele se prontificara a submeter‑se a um exame médico por um profissional a designar pelo HSE, contanto que o mesmo tivesse lugar na Alemanha, em virtude do seu estado de saúde.

( 29 ) V. as minhas conclusões no acórdão Brey (C‑140/12, n.os 46, e 51 a 53).

( 30 ) V. acórdão do Tribunal de Justiça no acórdão Brey, n.o 51.

( 31 ) No considerando 4 afirma‑se que «[é] necessário respeitar as caraterísticas próprias das legislações nacionais de segurança social e elaborar unicamente um sistema de coordenação».

( 32 ) V. igualmente o considerando 15 no preâmbulo do Regulamento n.o 883/2004, em que se diz que «[é] necessário que as pessoas que se deslocam no interior da [União Europeia] estejam sujeitas ao regime de segurança social de um único Estado‑Membro, de modo a evitar a sobreposição das legislações nacionais aplicáveis e as complicações que daí possam resultar».

( 33 ) V. acórdão Brey, n.o 43.

( 34 ) Como a Comissão afirmou na audiência, o facto de esses formulários poderem ter sido emitidos por compaixão, como pretende o Governo irlandês, não invalida que eles o tenham sido, com todas as suas implicações.

( 35 ) Referido no n.o 31 supra.

( 36 ) V., a este propósito, o acórdão Knoch, n.os 26 e 27, e a jurisprudência citada, em que o Tribunal sustentou a propósito do artigo 71.o, n.o 1, alínea b), ponto ii), do Regulamento n.o 1408/71 (que coordenava o pagamento de prestações por desemprego), em relação ao conceito de residência referido nessa disposição, «que o critério da duração do período de ausência não corresponde a uma definição precisa e não é exclusivo» e que, além disso, «não existe qualquer disposição no Regulamento n.o 1408/71 que fixe um prazo de duração máxima a partir do qual fique necessariamente excluída a possibilidade da aplicação do artigo 71.o, n.o 1, alínea b), ponto ii)».

( 37 ) De acordo com a informação constante dos autos do processo nacional remetidos ao Tribunal de Justiça, I terá tentado ser repatriado para a Irlanda e, para o efeito, terá procurado obter, designadamente, a assistência do HSE, mas em vão. Este dado foi também mencionado na audiência pelo mandatário de I — matéria que não mereceu qualquer comentário ao HSE.

( 38 ) O artigo 25.o‑A, n.o 3, reza o seguinte: «[a]s prestações em espécie mencionadas no artigo 19.o, n.o 1, do [Regulamento n.o 883/2004] visam as prestações em espécie que são concedidas no Estado‑Membro de estada, nos termos da legislação deste, e que são clinicamente necessárias para impedir que a pessoa segurada seja obrigada a regressar, antes do termo da duração prevista para a sua estada, ao Estado‑Membro competente para aí receber o tratamento».

( 39 ) V. acórdão IKA, n.o 41. É certo que este acórdão versou sobre a situação de um titular de uma pensão que era regida, à época do caso, pela disposição especial estabelecida no artigo 31.o do Regulamento n.o 1408/71 e não pelo artigo 22.o Não obstante, parece que, no quadro do Regulamento n.o 883/2004, a estada de titulares de uma pensão num Estado‑Membro que não o de residência foi, genericamente, assimilada às regras aplicáveis a outras pessoas seguradas (v. artigo 27.o, n.os 1, 2 e 3, deste último regulamento). Além disso, o Tribunal tem sustentado que, uma vez emitido um formulário E 112 nos termos do artigo 22.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 1408/71 para recebimento de prestações em espécie no estrangeiro — como no caso de I — essas mesmas prestações cobrem todos os tratamentos considerados eficazes para a doença ou patologia de que a pessoa em causa sofre; v. acórdão Pierik (117/77, Colet., p. 825, n.o 15 (sublinhado meu).

( 40 ) Referido no n.o 31 supra.

( 41 ) V. acórdão de 20 de junho de 1991, NewtonNewton (C-356/89, Colet., p. I-3017, n.o 21. V. também acórdão StewartStewart, n.o 62, em que o Tribunal não fez qualquer distinção entre aquisição e retenção de uma tal prestação. A referida jurisprudência respeita ao artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71 e não ao artigo 10‑A (atual artigo 70.o, n.o 4, do Regulamento n.o 883/2004) referente às prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo, cuja exportabilidade é reconhecidamente limitada.

( 42 ) Posso acrescentar que I recebe uma prestação pecuniária não exportável da Irlanda (subsídio por invalidez), que aparentemente visa o mesmo propósito.