ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

19 de junho de 2014 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Cláusula compromissória — Contrato de subvenção relativo a uma ação de desenvolvimento local — Devolução de parte dos adiantamentos efetuados — Assunção de dívida — Competência do Tribunal Geral — Prescrição — Responsabilidade da Comissão»

No processo C‑531/12 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 19 de novembro de 2012,

Commune de Millau,

Société d’économie mixte d’équipement de l’Aveyron (SEMEA), com sede em Millau (França),

representadas por L. Hincker e F. Bleykasten, avocats,

recorrentes,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por S. Lejeune e D. Calciu, na qualidade de agentes, assistidas por E. Bouttier, avocat, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, E. Levits, M. Berger, S. Rodin e F. Biltgen (relator), juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 27 de fevereiro de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

Com o seu recurso, a commune de Millau e a Société d’économie mixte d’équipement de l’Aveyron (SEMEA) pedem a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, Comissão/SEMEA e commune de Millau (T‑168/10 e T‑572/10, EU:T:2012:435, a seguir «acórdão recorrido»), através do qual aquele Tribunal condenou solidariamente a SEMA e a commune de Millau no pagamento à Comissão Europeia, a título principal, do montante de 41012 euros pagos por esta última a título da garantia que a commune de Milau prestou no âmbito dos financiamentos concedidos à SEMEA, acrescido dos juros de mora, bem como dos juros vencidos pela capitalização dos juros nos prazos fixados.

Antecedentes do litígio

2

Os antecedentes do litígio foram expostos nos n.os 1 a 31 do acórdão recorrido, nos seguintes termos:

«1

Em 6 de julho de 1990, a Comunidade Económica Europeia, representada pela Comissão das Comunidades Europeias, celebrou um contrato de subvenção com a [SEMEA], cujo capital era detido em 50% pela [c]ommune de Millau (França).

2

Este contrato tinha por objeto uma ação de desenvolvimento local que consistia na execução de trabalhos de preparação e de lançamento de um Centre [e]uropéen d’[e]ntreprise [l]ocale, em Millau (a seguir ‘contrato’).

3

O artigo 2.o do contrato dispunha:

‘O prazo de execução dos trabalhos é de 18 meses, a contar da data de assinatura do presente contrato.’

4

Nos termos do artigo 4.o do contrato, a SEMEA comprometia‑se a executar diversos serviços e a informar a Comissão sobre eles, através do envio de relatórios periódicos, comprometendo‑se, por seu lado, a Comissão, a contribuir financeiramente para a execução dos trabalhos num montante máximo de 135000 [e]cus, até ao limite de 50% do custo justificado dos trabalhos.

5

O artigo 6.o do contrato previa:

‘O presente contrato rege‑se pela lei francesa.’

6

O artigo 10.o do contrato tinha a seguinte redação:

‘Em caso de indisponibilidade ou de disponibilidade insuficiente de créditos para executar o presente contrato, a Comissão reserva‑se o direito de o rescindir, sem que haja lugar a qualquer ação judicial, ou de o adaptar à nova disponibilidade orçamental.’

7

O artigo 9.o, n.o 1, das condições gerais do contrato dispunha:

‘Em caso de não execução, pelo contratante, de uma das obrigações resultantes do contrato, e independentemente das consequências previstas pela lei aplicável ao mesmo, este pode ser legitimamente resolvido ou rescindido pela Comissão, sem que seja necessário proceder a qualquer formalidade judiciária, após notificação ao contratante por carta registada que não seja seguida de execução no prazo de um mês.’

8

O artigo 10.o das condições gerais do contrato previa:

‘Caso não seja possível obter um acordo, só o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias é competente para se pronunciar sobre quaisquer litígios relativos ao contrato que ocorram entre as partes contratantes.’

9

Por carta de 16 de maio de 1991, a SEMEA solicitou à Comissão autorização para o contrato ser executado por outra estrutura, o Centre européen d’entreprise et d’innovation (a seguir ‘associação CEI 12’), o que a Comissão aceitou, por carta de 2 de julho de 1991, especificando que este acordo não exonerava a SEMEA das suas obrigações. Por carta de 22 de outubro de 1991, a SEMEA confirmou que se constituía garante da boa execução das prestações previstas no contrato.

10

Durante os meses de junho e julho de 1992, os serviços da Comissão procederam a uma inspeção ao estado de adiantamento dos trabalhos, no seguimento do qual se verificou que o valor total das despesas elegíveis ascendia a 187 977 ecus e que, consequentemente, a contribuição da Comissão devia ser fixada em 50% deste montante, ou seja, em 93988 ecus.

11

Dado que a SEMEA já tinha recebido 135000 ecus ao abrigo do contrato, a Comissão exigiu‑lhe o reembolso de 41012 ecus (a seguir ‘crédito controvertido’), por carta de 27 de abril de 1993. A SEMEA não deu seguimento a este pedido.

12

Em 17 de fevereiro de 1997, a assembleia‑geral extraordinária dos acionistas da SEMEA deliberou proceder à dissolução antecipada extrajudicial da SEMEA a partir de 31 de março de 1997 e à designação de um liquidatário.

13

Por carta registada com aviso de receção de 18 de novembro de 2005, a Comissão requereu, de novo, à SEMEA o pagamento do crédito controvertido.

14

Em 11 de janeiro de 2006, a Comissão remeteu à SEMEA uma nota de débito num montante de 41012 euros.

15

Por carta de 31 de janeiro de 2006, o liquidatário da SEMEA indicou que as suas contas não permitiam o pagamento dessa quantia, que se via na obrigação de apresentar o pedido de declaração de insolvência e que o crédito controvertido devia ser considerado como prescrito de acordo com o direito francês, dado que este não permitia a cobrança de quantias não reclamadas há mais de quatro anos e que a última reclamação da Comissão era de 27 de abril de 1993, ou seja, de há mais de doze anos.

16

Por carta registada com aviso de receção de 16 de fevereiro de 2006, a Comissão requereu formalmente que o crédito controvertido fosse tido em consideração nas operações de liquidação, e fosse admitido ao passivo.

17

Por carta de 20 de setembro de 2006, a SEMEA informou a Comissão de que a assembleia‑geral extraordinária da sociedade tinha decidido suspender o pedido de declaração de insolvência tendo feito referência a uma ata da associação CEI 12 que indicava que a Comissão tinha acabado por renunciar a procurar obter o pagamento do crédito controvertido.

18

Por carta de 29 de novembro de 2006, a Comissão, através do seu advogado, fez chegar à SEMEA uma intimação para o reembolso do crédito controvertido. Nesta carta, a Comissão especificava que nunca pretendera renunciar a este crédito.

19

Por carta de 30 de janeiro de 2007, o advogado da Comissão enviou uma nova intimação para o reembolso do crédito controvertido tendo deduzido da inatividade da SEMEA que esta última se encontrava em situação de insolvência.

20

Por carta de 5 de fevereiro de 2007, a SEMEA indicou que não se encontrava em situação de insolvência.

21

Por carta de 5 de fevereiro de 2007, a SEMEA enviou a cópia da deliberação da associação CEI 12, indicando que a Comissão renunciou a requerer o pagamento do crédito controvertido.

22

Em 26 de outubro de 2007, a Comissão, através de oficial de justiça, enviou uma intimação para pagamento ao domicílio do liquidatário da SEMEA.

23

Em 10 de dezembro de 2007, a Comissão enviou uma intimação para pagamento à sede da liquidação da sociedade, através de oficial de justiça.

24

Por carta de 14 de dezembro de 2007, dirigida ao oficial de justiça que entregou a intimação para pagamento, o liquidatário da SEMEA renovou o seu pedido de informação sobre a decisão da Comissão de renunciar ao pagamento do crédito controvertido. Na carta, alegava que os novos acionistas e o liquidatário não estavam informados acerca dos compromissos existentes entre a SEMEA e a associação CEI 12.

25

Por carta de 7 de janeiro de 2008, o advogado da Comissão contestou as alegações do liquidatário da SEMEA, intimou‑o novamente a pagar o crédito controvertido e remeteu cópia desta carta ao [p]rocurador da República, para apreciação da atuação do liquidatário da SEMEA, designadamente quanto a crime de burla.

26

Em resposta a esta última intimação, o liquidatário da SEMEA alegou que o crédito controvertido podia estar prescrito. Nesta carta, recordou que, no início de 2007, numa reunião com o advogado da Comissão, se tinha comprometido a reembolsar o crédito controvertido, a partir do momento em que obtivesse resposta quanto às questões relativas à admissibilidade do mesmo.

27

Por carta de 21 de fevereiro de 2008, o advogado da Comissão fez chegar à SEMEA uma última intimação para pagamento do crédito controvertido.

28

Em 21 de novembro de 2008, a assembleia‑geral extraordinária da SEMEA tomou conhecimento da decisão da [c]ommune de Millau, que era o seu principal acionista, de assumir o ativo e o passivo desta e decidiu entregar um montante de 82719,76 euros, que representavam a tesouraria disponível da SEMEA, à [c]ommune de Millau. Segundo o relatório de liquidação apresentado pelo liquidatário, do qual constava o crédito controvertido, todas as operações contratadas eram consideradas liquidadas.

29

Em 9 de dezembro de 2008, o liquidatário da SEMEA terminou as operações de liquidação e procedeu ao cancelamento da SEMEA no registo do comércio e das sociedades.

30

Em 18 de dezembro de 2008, o [c]onselho municipal da [c]ommune de Millau consignou em ata a assunção do património da SEMEA. No passivo da mesma, figurava explicitamente o litígio que a opunha à Comissão Europeia.

31

Na sequência do pedido da Comissão, o Tribunal de Comércio de Rodez, em 12 de fevereiro de 2010, designou um mandatário ad hoc para representar a SEMEA.»

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

3

Por petição apresentada em 15 de abril de 2010 na Secretaria do Tribunal Geral, a Comissão propôs uma ação em que pediu, nomeadamente, a condenação da SEMEA no pagamento de um montante de 41012 euros a título de devolução de garantia, acrescido dos juros capitalizados, bem como de um montante de 5000 euros a título de prejuízo alegadamente sofrido.

4

Uma vez que a commune de Millau assumiu o ativo e o passivo da SEMA, a Comissão, por petição apresentada em 21 de dezembro de 2010 na Secretaria do Tribunal Geral, intentou também uma ação contra aquela, fazendo, no essencial, os mesmos pedidos.

5

Dado que são conexos, os dois processos foram apensados.

6

Na primeira parte do acórdão recorrido, o Tribunal Geral apreciou a ação proposta pela Comissão contra a SEMEA.

7

Quanto à admissibilidade dessa ação, o Tribunal Geral, nos n.os 47 a 49 do acórdão recorrido, declarou‑se competente para decidir sobre o pedido da Comissão, em aplicação dos artigos 272.° TFUE e 256.°, n.o 1, primeiro parágrafo, TFUE, lidos em conjugação com o artigo 10.o das condições gerais do contrato. Não considerou procedente a exceção de inadmissibilidade suscitada pela SEMA baseada no facto de, em virtude do cancelamento do registo da sociedade do Registo Comercial, esta sociedade não ter, na data em que a ação foi intentada, capacidade jurídica nem capacidade judiciária.

8

No que respeita ao mérito do recurso, o Tribunal Geral, em primeiro lugar, nos n.os 61 a 68 do acórdão recorrido, qualificou o contrato em causa como sendo de natureza administrativa.

9

Em seguida, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 69 a 74 do referido acórdão, que, com base na repetição do indevido do direito francês, a SEMEA era obrigada a devolver à União Europeia o montante indevidamente recebido de 41012 euros.

10

Nos n.os 75 a 88 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou improcedente as objeções da SEMEA baseadas, em primeiro lugar, na renúncia da Comissão em reclamar o reembolso do montante devido, em segundo lugar, no facto de a SEMEA ter sido exonerada da sua dívida na sequência da assunção da mesma pela commune de Millau, em terceiro lugar, na prescrição do crédito controvertido e, em quarto, na extinção desse crédito.

11

Além disso, o Tribunal Geral condenou a SEMEA no pagamento de juros de mora à taxa legal aplicada em França a partir de 27 de abril de 1993, sendo os referidos juros capitalizados e vencendo juros a partir de 15 de abril de 2010 e no termo de cada período de um ano a partir desta data.

12

Por último, o Tribunal Geral julgou improcedente o pedido de pagamento de um montante de indemnização formulado pela Comissão.

13

No que respeita ao pedido reconvencional apresentado pela SEMEA, o Tribunal Geral considerou‑o improcedente depois de, nos n.os 108 e 109 do acórdão recorrido, verificar a inexistência de um nexo de causalidade direto entre a atuação da Comissão e o prejuízo invocado pelas recorrentes.

14

Na segunda parte do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou o recurso da Comissão contra a commune de Millau. Segundo esta última, a ação devia ser julgada improcedente, na medida em que foi intentada num tribunal incompetente para a decidir.

15

Quanto à questão de saber se a competência do Tribunal Geral podia ter como fundamento a cláusula compromissória celebrada pela SEMEA, o Tribunal Geral recordou, nos n.os 114 a 119 do acórdão recorrido, que o artigo 272.o TFUE deve ser interpretado restritivamente e que a sua competência para conhecer de um litígio relativo a um contrato ao abrigo de uma cláusula compromissória é apreciada, em princípio, apenas à luz do disposto no artigo 272.o TFUE e das disposições da própria cláusula compromissória.

16

Depois de julgar improcedente a tese da Comissão segundo a qual a cláusula compromissória celebrada pela SEMEA foi transferida para a commune de Millau como elemento acessório da dívida controvertida, o Tribunal Geral investigou, nos n.os 132 a 149 desse acórdão, se a commune de Millau podia estar sujeita à cláusula compromissória como resultado de um contrato a favor de terceiro celebrado com a SEMEA.

17

A este respeito, o Tribunal Geral declarou, antes de mais, no n.o 134 do referido acórdão, que a existência de uma cláusula compromissória deve ser analisada tomando em consideração os princípios gerais do direito dos contratos provenientes das ordens jurídicas dos Estados‑Membros. Com efeito, foi precisado que, «mesmo que um destes princípios estipule que um contrato vincula apenas as suas partes, o mesmo não se opõe a que duas partes, através de um contrato a favor de terceiro, confiram um direito a um terceiro».

18

Em seguida, o Tribunal Geral declarou, no n.o 135 do acórdão recorrido, que a cláusula compromissória prevista no artigo 10.o das condições gerais do contrato pode resultar do contrato celebrado entre a SEMEA e a commune de Millau. Com efeito, por um lado, o artigo 272.o TFUE enuncia que uma cláusula compromissória deve constar de um contrato celebrado pela União ou por sua conta. Ora, a commune de Millau e a Comissão não celebraram nenhum contrato e, por conseguinte, nenhuma cláusula compromissória. Para concluir que a Comissão podia prevalecer‑se desta cláusula compromissória contra a commune de Millau, o Tribunal Geral considerou que a estipulação a favor de terceiro entre a SEMEA e a commune de Millau podia ser considerada como estipulação por conta da União. Por outro lado, considerou que a competência do Tribunal Geral para litígios relativos a um contrato não pode ser fundada contra a vontade da União, o que não seria o caso de uma cláusula compromissória estipulada unicamente a favor da União.

19

Por último, o Tribunal Geral declarou ainda, no n.o 136 do acórdão recorrido, que a natureza processual de uma cláusula compromissória não se opõe a que essa cláusula seja estipulada a favor de terceiro.

20

Depois de ter precisado, no n.o 138 desse acórdão, que a estipulação a favor de terceiro pode resultar de uma convenção expressa entre o promissário e o promitente, com o objetivo de conferir um direito a um terceiro, mas podia igualmente deduzir‑se do objeto do contrato ou das circunstâncias do caso em apreço, o Tribunal Geral afirmou, nos n.os 139 a 141 do referido acórdão, que decorria designadamente dos elementos de facto e de direito provados pela ata do conselho municipal da commune de Millau, de 18 de dezembro de 2010, que as recorrentes pretendiam criar um crédito da União contra a commune de Millau e que esta tinha a vontade de se submeter a uma cláusula compromissória como a constante do artigo 10.o das condições gerais do contrato.

21

Assim, o Tribunal Geral, no n.o 142 do acórdão recorrido, considerou improcedente o argumento alegado pelas recorrentes segundo o qual a transmissão da dívida da SEMEA para a commune de Millau teve efeito liberatório para a SEMEA, ao mesmo tempo que essa transmissão de dívida não podia ocorrer sem o consentimento da União, em falta no caso em apreço.

22

Além disso, no n.o 148 desse acórdão, o Tribunal Geral precisou que, ainda que existisse um conflito entre estas disposições do direito francês, nomeadamente o artigo 2060.o do Código Civil e o artigo 48.o do Código de Processo Civil, e o artigo 272.o TFUE, este último deve ter prioridade sobre todas as disposições nacionais contrárias.

23

Daqui o Tribunal Geral concluiu, no n.o 149 do referido acórdão, que, em virtude da cláusula compromissória, era competente para se pronunciar sobre o pedido deduzido pela Comissão contra a commune de Millau.

24

Quando ao mérito do recurso, o Tribunal Geral considerou fundados relativamente à commune de Millau tanto o pedido de devolução da quantia de 41012 como o pedido de pagamento de juros, capitalizados a partir de 15 de abril de 2010, data do primeiro vencimento anual.

25

Uma vez que a Comissão apenas tem direito a receber tudo num só pagamento, o Tribunal Geral condenou solidária e conjuntamente a SEMEA e a commune de Millau.

26

Em contrapartida, negou provimento ao pedido de pagamento de um montante de indemnização apresentado pela Comissão e o pedido reconvencional da commune de Millau.

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

27

Com o presente recurso, as recorrentes pedem ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular o acórdão recorrido;

declarar o Tribunal Geral incompetente para decidir o recurso interposto contra a commune de Millau e declarar inadmissível o recurso contra a SEMEA;

a título subsidiário, negar provimento ao pedido da Comissão;

condenar a Comissão a pagar à commune de Millau e à SEMEA o montante de 41012 euros, acrescido de juros; e

condenar a Comissão nas despesas.

28

A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao presente recurso e condene as recorrentes nas despesas.

Quanto ao presente recurso

Quanto à regularidade formal do presente recurso

29

Como recordou a advogada‑geral no n.o 32 das suas conclusões, o presente recurso coloca a questão de saber se o mesmo foi validamente interposto em nome da SEMEA.

30

Resulta dos documentos contidos no processo enviado ao Tribunal de Justiça que, à data da interposição do presente recurso, 19 de novembro de 2012, os advogados que representavam a commune de Millau não tinham apresentado, contrariamente ao previsto nos artigos 119.°, n.o 2, e 168.°, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a prova do seu mandato regulamente estabelecido por um representante qualificado da SEMEA.

31

Com efeito, embora numa carta de 12 de novembro de 2012 dirigida a F. Bleykasten, J.‑F. Blanc, na sua qualidade de mandatário ad hoc da SEMEA, tivesse considerado oportuno que essa sociedade se juntasse ao recurso interposto pela commune de Millau, precisou ainda assim que a sua missão de mandatário ad hoc da SEMEA tinha terminado em 12 de agosto de 2012.

32

Em conformidade com os artigos 119.°, n.o 4, e 168.°, n.o 4, do Regulamento de Processo, a Secretaria do Tribunal de Justiça pediu, durante o mês de outubro de 2013, aos advogados da SEMEA para apresentarem o mandato que indica que estavam autorizados a agir em nome da SEMEA. Por carta de 25 de novembro de 2013, estes apresentaram na Secretaria do Tribunal de Justiça um despacho do tribunal do comércio competente, datada de 5 de novembro de 2013, em que é feita a nomeação, com vista ao processo de recurso pendente no Tribunal de Justiça, de J.‑F. Blanc na sua qualidade de mandatário ad hoc dessa sociedade.

33

Como salientou a advogada‑geral nos n.os 40 a 44 das suas conclusões, há que interpretar os artigos 119.°, n.o 4, e 168.°, n.o 4, do Regulamento de Processo no sentido de que é possível sanar a falta de procuração através da apresentação posterior de qualquer documento que confirme a existência desse mandato.

34

Por conseguinte, mesmo que os advogados da SEMEA não dispusessem, à data da interposição do presente recurso, de mandato por parte desta sociedade, não deixa de ser verdade que, após a nomeação do mandatário ad hoc na pessoa de J.‑F. Blanc, este pode confirmar validamente a sua intenção de juntar a SEMEA ao recurso interposto pela commune de Millau (v., neste sentido, acórdão Maurissen e Union syndicale/Tribunal de Contas, 193/87 e 194/87, EU:C:1989:185, n.o 33).

35

Resulta do exposto que o presente recurso foi regularmente interposto em nome da SEMEA.

Quanto ao mérito

36

Em apoio do seu recurso, as recorrentes invocam quatro fundamentos.

Quanto ao primeiro fundamento

– Argumentos das partes

37

Com o seu primeiro fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral, ao declarar‑se competente para conhecer do pedido apresentado contra a commune de Millau, cometeu um erro de direito. O Tribunal Geral considerou, sem razão, que, com a estipulação a favor de terceiro entre a SEMEA e a commune de Millau, esta se sujeitou à cláusula compromissória prevista no artigo 10.o das condições gerais do contrato celebrado entre a SEMEA e a Comissão.

38

As recorrentes alegam, em primeiro lugar, que o direito nacional aplicável, no caso em apreço o artigo 2060.o do Código Civil, proíbe às pessoas coletivas de direito público que sujeitem um litígio a um tribunal arbitral. As recorrentes consideram que uma pessoa coletiva de direito público que não pode celebrar uma cláusula compromissória não pode, a fortiori, estipular uma cláusula desse tipo a favor de um terceiro, tanto mais que o artigo 272.o TFUE não prevê a possibilidade dessa estipulação.

39

A este respeito, as recorrentes alegam também que a referência feita pelo Tribunal Geral, no n.o 136 do acórdão recorrido, ao acórdão Gerling Konzern Speziale Kreditversicherung e o. (201/82, EU:C:1983:217, n.os 10 a 20) não é pertinente para o caso em apreço, dado que esse acórdão foi proferido num contexto particular de um contrato de seguros. Além disso, baseando‑se no princípio da autonomia da vontade, as recorrentes afirmam que, na medida em que a Comissão nunca consentiu expressamente na transferência do crédito que tem com a SEMEA para o património da commune de Millau, não existe transmissão desse crédito nem transmissão da cláusula compromissória.

40

Em segundo lugar, as recorrentes criticam mais particularmente os n.os 137 a 140 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral afirma que a obrigação de pagamento a cargo da commune de Millau se baseia na convenção que esta celebrou com a SEMEA, podendo uma estipulação a favor de terceiro, a saber, por conta da União, ser deduzida dessa convenção. Ora, as recorrentes contestam que essa convenção tenha sido celebrada tendo como objeto a alegada dívida a favor da Comissão, por a decisão da commune de Millau relativa à cobertura do passivo da SEMEA constituir uma decisão unilateral dessa commune.

41

Em terceiro lugar, as recorrentes consideram que o Tribunal Geral, no n.o 140 do acórdão recorrido, procedeu a uma leitura inexata da deliberação de 18 de dezembro de 2010, ao considerar que a commune de Millau tinha tido a vontade de assumir «com pleno conhecimento de causa» uma dívida cujo regime e o conteúdo correspondiam aos da dívida da SEMEA. Ora, a decisão do conselho municipal da commune de Millau relativa à assunção do ativo e do passivo da SEMEA «conforme acima descrito» contém uma descrição detalhada que não faz nenhuma referência à existência de uma cláusula compromissória.

42

A Comissão alega, antes de mais, que o artigo 10.o das condições gerais do contrato deve ser qualificado, no direito francês, de cláusula atributiva de competência e não de cláusula compromissória. Ora, só a cláusula compromissória é objeto da proibição prevista no artigo 2060.o do Código Civil.

43

Em seguida, a Comissão entende que o Tribunal Geral considerou, com razão, que, no caso em apreço, estavam reunidos os elementos que caracterizam uma estipulação. A Comissão acrescenta que o âmbito do acórdão Gerling Konzern Speziale Kreditversicherung e o. (EU:C:1983:217) não se limita apenas aos contratos de seguros.

44

A Comissão considera, por último, que o argumento relativo à deliberação de 18 de dezembro de 2010 deve ser considerado inadmissível, dado que trata de uma questão de puro facto.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

45

Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, as recorrentes pretendem criticar o próprio facto de uma cláusula compromissória, na aceção do artigo 272.o TFUE, poder ser objeto de estipulação a favor de terceiro. A este respeito, recordam os argumentos que apresentaram em primeira instância baseados no facto de as pessoas coletivas de direito público francês estarem proibidas de celebrar uma cláusula compromissória, alegando que essa proibição deve valer, a fortiori, para a estipulação dessa cláusula a favor de um terceiro.

46

Resulta do exposto que as recorrentes se limitam a desenvolver uma argumentação já invocada no Tribunal Geral, sem contudo tomar posição sobre a fundamentação apresentada por este último para a considerar improcedente.

47

Ora, resulta dos artigos 256.° TFUE e 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, bem como do artigo 112.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento de Processo, que o recurso de uma decisão do Tribunal Geral deve indicar de modo preciso os elementos contestados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos em que se apoia especificamente esse pedido (v., designadamente, acórdãos Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, EU:C:2000:361, n.o 34; Interporc/Comissão, C‑41/00 P, EU:C:2003:125, n.o 15; e Reynolds Tobacco e o./Comissão, C‑131/03 P, EU:C:2006:541, n.o 49).

48

Assim, não respeita as exigências de fundamentação resultantes dessas disposições um recurso que se limita a repetir ou a reproduzir textualmente os fundamentos e os argumentos já apresentados no Tribunal Geral, incluindo os que eram fundados em factos expressamente rejeitados por esse órgão jurisdicional (v., designadamente, acórdão Interporc/Comissão, EU:C:2003:125, n.o 16). Com efeito, tal recurso constitui, na realidade, um pedido que visa obter um simples reexame da petição apresentada perante o Tribunal Geral, o que está fora da competência do Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdão Reynolds Tobacco e o./Comissão, EU:C:2006:541, n.o 50).

49

Por conseguinte, esse argumento deve ser julgado inadmissível.

50

No que respeita à referência feita ao acórdão Gerling Konzern Speziale Kreditversicherung e o. (EU:C:1983:217), no n.o 136 do acórdão recorrido, há que salientar que o Tribunal Geral citou esse acórdão para sublinhar que «a natureza processual de uma cláusula compromissória não se opõe a que essa cláusula seja outorgada a favor de terceiro».

51

Ora, é suficiente constatar que o n.o 136 do acórdão recorrido contém um fundamento superabundante que apoia a conclusão a que chega o Tribunal Geral nos n.os 134 e 135 desse mesmo acórdão, ou seja, que uma cláusula atributiva de jurisdição pode ser objeto de uma estipulação a favor de terceiro.

52

Na medida em que a argumentação das recorrentes relativa ao acórdão Gerling Konzern Speziale Kreditversicherung e o. (EU:C:1983:217) não é suscetível de pôr em causa esta conclusão do Tribunal Geral, há que rejeitá‑la como inoperante.

53

O argumento baseado no princípio da autonomia da vontade e que consiste em afirmar que, na falta de consentimento expresso da Comissão, não houve transmissão do crédito controvertido nem da cláusula compromissória relativa ao mesmo deve igualmente ser rejeitado. Com efeito, as recorrentes mais não fazem do que reproduzir a sua argumentação desenvolvida em primeira instância, sem precisar o que entendem ser criticável no raciocínio do Tribunal Geral quando decidiu, nos n.os 142 e 143 do acórdão recorrido, que o consentimento expresso da Comissão não era necessário na medida em que a cláusula compromissória foi estipulada a favor da União.

54

Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, basta constatar que as recorrentes, embora recordando certos elementos factuais, criticam, no essencial, a apreciação que o Tribunal Geral, nos n.os 137 a 140 do acórdão recorrido, faz das circunstâncias do caso em apreço com o objetivo de determinar se, do objetivo do contrato em causa, pode ser deduzida a existência de uma estipulação a favor de terceiro.

55

Ora, em conformidade com o disposto nos artigos 256.° TFUE e 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, o recurso de uma decisão do Tribunal Geral é limitado às questões de direito e deve ter por fundamento a incompetência do Tribunal Geral, irregularidades do processo no Tribunal Geral que prejudiquem os interesses do recorrente ou a violação do direito da União pelo Tribunal Geral (v., neste sentido, acórdão Comissão/Brazzelli Lualdi e o., C‑136/92 P, EU:C:1994:211, n.o 47).

56

Assim, só o Tribunal Geral é competente para apurar os factos, salvo no caso de a inexatidão material das suas conclusões resultar dos autos que lhe foram submetidos, e para apreciar os elementos de prova apresentados. O apuramento destes factos e a apreciação destes elementos não constitui, portanto, exceto em caso de desvirtuação, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, designadamente, acórdãos BEI/Hautem, C‑449/99 P, EU:C:2001:502, n.o 44, e Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, C‑105/04 P, EU:C:2006:592, n.os 69 e 70).

57

A apreciação dos factos efetuada pelo Tribunal Geral, que conduziu à conclusão de que não existia uma obrigação de pagamento a cargo da commune de Millau, não constitui, portanto, uma questão de direito sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça, sem prejuízo do caso da sua desvirtuação que não pode, contudo, ser alegada pelas recorrentes.

58

Por conseguinte, esta segunda parte do primeiro fundamento deve ser declarada inadmissível.

59

Quanto à terceira parte do primeiro fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral, no n.o 141 do acórdão recorrido, fez uma leitura errada da deliberação de 18 de dezembro de 2010 para determinar o alcance da assunção, pela commune de Millau, da dívida da SEMEA para com a Comissão.

60

Ora, há que constatar que as recorrentes se limitam a criticar a apreciação, enquanto tal, feita pelo Tribunal Geral sobre o alcance do passivo da SEMEA assumido pela commune de Millau. Assim, na sua alegação, não se referem à inexatidão material das constatações feitas pelo Tribunal nem a uma desvirtuação dos elementos de prova que a este foram apresentados.

61

Em conformidade com a jurisprudência referida nos n.os 55 e 56 do presente acórdão, há também que declarar inadmissível esta terceira parte do primeiro fundamento.

62

Resulta do exposto que o primeiro fundamento deve ser julgado parcialmente inoperante e parcialmente inadmissível.

Quanto ao segundo fundamento

– Argumentos das partes

63

Com o seu segundo fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral, ao julgar admissível o recurso interposto pela Comissão contra a SEMEA, cometeu um erro de direito. O Tribunal Geral considerou sem razão que, por um lado, os direitos e obrigações de caráter social da SEMEA não estavam liquidados e, por outro, que a SEMEA não se exonerou das suas dívidas para com a Comissão na sequência da transmissão do seu património para a commune de Millau, por a Comissão não ter consentido na assunção do crédito controvertido por este município.

64

Segundo as recorrentes, uma vez que a commune de Millau se substituiu na totalidade à SEMEA, esta deve encerrar as suas operações de liquidação. A SEMEA foi validamente liberada das suas obrigações para com a Comissão, sem que o acordo desta fosse necessário, uma vez que a substituição por uma pessoa coletiva solvente lhe era favorável.

65

A Comissão alega que o fundamento é inadmissível por não ser claro. A título subsidiário, a Comissão considera que o fundamento deve ser julgado manifestamente improcedente.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

66

Há que salientar que, com o seu segundo fundamento, as recorrentes alegam que a commune de Millau tomou o lugar da SEMEA. Com isto, aprovam, na realidade, os fundamentos do Tribunal Geral que figuram nos n.os 138 a 140 do acórdão recorrido, segundo os quais resulta das circunstâncias do caso em apreço que, por meio da estipulação a favor de terceiro, os credores reais ou potenciais da SEMEA, entre os quais figura a Comissão, passaram a lidar com um novo devedor na pessoa da commune de Millau.

67

Ora, há que reter que as alegações formuladas pelas recorrentes relativamente ao acórdão recorrido se limitam à apreciação factual efetuada pelo Tribunal Geral, sem indicar de maneira precisa os erros de direito alegadamente cometidos pelo Tribunal Geral a esse respeito nem os argumentos jurídicos invocados em apoio deste segundo fundamento. Aplicando a jurisprudência referida nos n.os 47 e 48 do presente acórdão, este segundo fundamento deve ser declarado inadmissível.

68

Além disso, há que constatar que este segundo fundamento retoma, no essencial, os desenvolvimentos das recorrentes no âmbito do seu primeiro fundamento, que negava a existência de qualquer convenção celebrada entre a SEMEA e a commune de Millau acerca da alegada dívida para com a Comissão.

69

Por conseguinte, e na medida em que as recorrentes contradizem assim a sua própria argumentação jurídica, este segundo fundamento só pode ser julgado inadmissível (v., neste sentido, despacho Nijs/Tribunal de Contas, C‑495/06 P, EU:C:2007:644, n.os 52 a 56).

Quanto ao terceiro fundamento

– Argumentos das partes

70

Com o seu terceiro fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao julgar que a prescrição de trinta anos do direito comum era aplicável e que o crédito controvertido não estava prescrito.

71

As recorrentes recordam, por um lado, que a commune de Millau, tendo assumido o património da SEMEA, tem base legal para invocar contra a Comissão os mesmos argumentos jurídicos que a SEMEA poderia alegar, incluindo o argumento relativo à prescrição de dez anos das obrigações que resulta do Código Comercial na sua versão em vigor no momento do litígio (a seguir «Código Comercial»). Por outro lado, sendo a SEMEA uma sociedade anónima de capitais mistos com caráter comercial, o crédito controvertido resultou de uma relação comercial entre a SEMEA, comerciante, e a Comissão, não comerciante.

72

Em primeiro lugar, as recorrentes alegam que a prescrição das dívidas não depende do caráter administrativo do contrato. Com efeito, na inexistência de normas particulares do direito administrativo, há que aplicar as regras de prescrição do direito comum. Dado que a prescrição de dez anos prevista pelo Código Comercial constitui uma lei especial que se sobrepõe às regras do direito civil, haveria que a aplicar à relação comercial em causa.

73

Quanto ao acórdão do Conseil d’État de 31 de julho de 1992 (n.o 69661), as recorrentes salientam que o juiz administrativo não afastou a aplicação da prescrição de dez anos prevista pelo Código Comercial não porque a mesma se não aplica entre uma pessoa de direito público e um comerciante, mas porque, no caso em apreço, as obrigações controvertidas não resultam do comércio entre as pessoas em causa. Por conseguinte, a natureza do contrato em causa não é suscetível de criar obstáculos à aplicação da prescrição de dez anos prevista pelo Código Comercial.

74

Em segundo lugar, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter apreciado de maneira inexata as disposições do contrato e as circunstâncias do caso, ao declarar que o crédito controvertido não podia ser considerado como tendo origem na relação comercial entre a SEMEA e a Comissão.

75

A este respeito, sublinham que o acórdão do Conseil d’État de 31 de julho de 1992 foi proferido num contexto totalmente diferente de restituições agrícolas executadas no quadro da política agrícola comum e não é transponível para o caso em apreço. Com efeito, tendo em vista as estipulações contratuais, a Comissão estava diretamente implicada no projeto em causa e dispunha de um poder sobre a obra, pelo que houve que concluir pela existência de uma relação comercial entre a SEMEA e a Comissão.

76

A Comissão alega que a primeira parte do terceiro fundamento deve ser julgada inadmissível ou, pelo menos, infundada, na medida em que resulta de uma leitura errada do acórdão recorrido. Em seu entender, o Tribunal Geral não baseou o seu raciocínio relativo à prescrição do crédito controvertido no caráter administrativo do contrato em causa.

77

Quanto à segunda parte deste fundamento, a Comissão sustenta que foi corretamente que o Tribunal Geral se referiu ao acórdão do Conseil d’État de 31 de julho de 1992 para ilustrar o princípio segundo o qual um contrato relativo ao pagamento de uma ajuda financeira pública, sem lucro nem contrapartida, não pode ser qualificado de ato de comércio e não se lhe pode, por conseguinte, aplicar a prescrição de dez anos prevista no artigo 110.o‑4 do Código Comercial.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

78

Em primeiro lugar, no que respeita ao argumento apresentado pelas recorrentes segundo o qual o caráter administrativo do contrato não é pertinente para determinar a prescrição aplicável ao crédito controvertido, há que salientar que o Tribunal Geral analisou, nos n.os 61 a 68 do acórdão recorrido, o regime jurídico aplicável ao referido contrato e concluiu pelo caráter administrativo deste.

79

Ora, o Tribunal Geral, no âmbito da sua análise da prescrição aplicável ao crédito controvertido, nos n.os 82 a 88 do acórdão recorrido, não faz nenhuma referência ao caráter administrativo do contrato em causa.

80

Na medida em que o caráter administrativo deste contrato não é pertinente para determinar a prescrição aplicável ao crédito controvertido, o argumento que lhe diz respeito deve ser julgado inoperante.

81

Em segundo lugar, quanto à crítica de que o Tribunal Geral efetuou uma apreciação inexata das disposições do referido contrato e das circunstâncias do caso em apreço, há que constatar que o Tribunal Geral recordou, no n.o 83 do acórdão recorrido, que o contrato em causa tinha por objeto o pagamento de uma subvenção, pela Comissão, para efeitos da execução de um contrato celebrado a título da política regional da União.

82

Daqui deduziu, baseando‑se no acórdão do Conseil d’État de 31 de julho de 1992, que «as obrigações dele resultantes, entre as quais figura o crédito controvertido, não podem ser vistas como tendo origem na relação comercial entre a Comissão e a SEMEA».

83

Ao invés do que é alegado pelas recorrentes, decorre do que precede que, para afastar a aplicação da prescrição prevista pelo Código Comercial, o Tribunal Geral não se baseou no facto de o contrato vincular uma pessoa de direito público a um comerciante, mas no facto de que o contrato em causa tinha por objeto o pagamento de uma subvenção, pela Comissão, para efeitos da execução de um contrato celebrado a título da política regional da União.

84

Além disso, o argumento das recorrentes que consiste em afirmar que o contexto do caso em apreço era totalmente diferente do que estava em causa no acórdão do Conseil d’État de 31 de julho de 1992 não pode ser acolhido. Com efeito, o pedido de reembolso controvertido tem por objeto montantes que a Comissão pagou no âmbito de uma política regional e que não podem ser considerados como resultantes de obrigações estabelecidas entre as recorrentes e a Comissão por ocasião da sua relação comercial.

85

Resulta do exposto que o terceiro fundamento deve ser julgado parcialmente inoperante e parcialmente improcedente.

Quanto ao quarto fundamento

– Argumentos das partes

86

Com o seu quarto fundamento, as recorrentes criticam o Tribunal Geral de ter considerado improcedente o seu pedido reconvencional por considerar que não existe nexo de causalidade direto entre a atuação da Comissão e o prejuízo que alegam.

87

Recordam que, entre 27 de abril de 1993 e 18 de novembro de 2005, a Comissão nada tentou para recuperar os montantes que eram devidos. Ora, se a Comissão se tivesse manifestado mais cedo junto da SEMEA, esta teria procedido a verificações e daria, se necessário, uma sequência útil ao pedido de devolução.

88

Alegam que a inação da Comissão durante doze anos terá conduzido a SEMEA a considerar que a Comissão tinha renunciado à devolução dos montantes pagos.

89

Segundo as recorrentes, essa inação da Comissão constitui uma violação do seu dever de boa administração, na aceção do artigo 41.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que devia ter sido sancionada pelo Tribunal Geral.

90

A Comissão alega que o quarto fundamento é inadmissível, na medida em que visa pôr em causa a apreciação dos factos realizada pelo Tribunal Geral.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

91

Quanto ao argumento alegado pelas recorrentes relativo à alegada renúncia da Comissão à devolução dos montantes pagos, há que recordar que o Tribunal Geral afirmou, no n.o 77 do acórdão recorrido, que os elementos dos autos não permitem constatar a existência dessa renúncia.

92

Assim, com este argumento, as recorrentes criticam na realidade a apreciação dos elementos dos autos feita pelo Tribunal Geral. Por isso, em conformidade com a jurisprudência referida nos n.os 55 e 56 do presente acórdão, há que julgar o argumento improcedente por ser inadmissível.

93

Na medida em que as recorrentes acusam a comissão de violar o seu dever de boa administração, não se contesta que, embora a Comissão tenha reclamado a devolução do crédito controvertido por carta de 27 de abril de 1993, pedido ao qual a SEMEA não deu nenhum seguimento, essa instituição só se manifestou de novo junto da SEMEA através de carta registada de 18 de novembro de 2005, e o envio da nota de débito teve lugar apenas por carta de 11 de janeiro de 2006.

94

Esta circunstância não é, porém, suscetível de colocar em causa as apreciações feitas nos n.os 108 e 109 do acórdão recorrido, segundo as quais não existe um nexo de causalidade direto entre a atuação da Comissão e o prejuízo invocado pelas recorrentes no que se refere ao montante de 41012 euros.

95

Assim, foi acertadamente que o Tribunal Geral declarou que o pedido de pagamento do crédito de 41012 euros se destinava à repetição do indevido e que, uma vez que esse crédito não estava prescrito, a SEMEA se mantinha, em qualquer caso, obrigada ao seu pagamento. Com efeito, na medida em que as duas ações se baseiam em fundamentos jurídicos distintos, o montante do crédito controvertido era devido, mesmo admitindo que exista responsabilidade extracontratual da Comissão pela violação do seu dever de boa administração.

96

Em contrapartida, no que respeita aos juros de mora, há que recordar que, em conformidade com jurisprudência constante, a existência de responsabilidade extracontratual da União e a execução do direito à reparação do prejuízo sofrido, nos termos do artigo 340.o TFUE, dependem da reunião de um conjunto de requisitos relativos à ilegalidade da atuação de que são acusadas as instituições, à realidade do dano e à existência de um nexo de causalidade entre esse comportamento e o prejuízo invocado (v., designadamente, acórdãos Oleifici Mediterranei/CEE, 26/81, EU:C:1982:318, n.o 16; Birra Wührer e o./Conselho e Comissão, 256/80, 257/80, 265/80, 267/80, 5/81, 51/81 e 282/82, EU:C:1984:341, n.o 9; e Inalca e Cremonini/Comissão, C‑460/09 P, EU:C:2013:111, n.o 46).

97

Quanto à atuação ilegal de que é acusada a instituição em causa, há que recordar que, em conformidade com o princípio geral da boa administração, que figura entre as garantias conferidas pela ordem jurídica da União nos procedimentos administrativos e que se encontra atualmente consagrado no artigo 41.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, compete às instituições da União conduzir com diligência o procedimento de recuperação e agir de modo a que cada ato diligenciado seja praticado dentro de um prazo razoável em relação ao ato que o precede.

98

Ora, é pacífico que, após ter reclamado, por carta de 27 de abril de 1993, a devolução do crédito controvertido, a Comissão se manteve inativa durante mais de doze anos, manifestando‑se apenas por carta registada de 18 de novembro de 2005.

99

Além disso, essa inação não pode ser justificada pela complexidade do litígio nem por outra circunstância particular suscetível de justificar o atraso constatado.

100

Nestas condições, o Tribunal Geral não teve razão quando considerou, no n.o 108 do acórdão recorrido, que não existe nexo de causalidade direto entre a atuação da Comissão e o prejuízo alegado.

101

Quanto à existência do prejuízo, é verdade que os juros começaram a contar pelo facto de a SEMEA não ter dado seguimento imediato ao pedido de devolução da Comissão de 27 de abril de 1993.

102

Ora, a inação da Comissão durante mais de doze anos teve como consequência, como resulta do n.o 89 das conclusões da advogada‑geral, que os juros de mora reclamados excedem, nesta altura, o montante do crédito controvertido.

103

Em conformidade com o n.o 90 dessas mesmas conclusões, há que concluir que o montante dos juros de mora vencidos durante o período de inação da Comissão de mais de doze anos é diretamente imputável à atuação dessa instituição.

104

Decorre do exposto que o acórdão recorrido deve ser anulado na medida em que declarou, no âmbito da análise do pedido reconvencional apresentado pelas recorrentes, não existir nexo de causalidade direto entre a atuação da Comissão e o prejuízo alegadamente sofrido pela condenação no pagamento de juros de mora.

Quanto ao recurso no Tribunal Geral

105

Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, quando este Tribunal anula a decisão do Tribunal Geral, pode decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado. No caso em apreço, foi isso que se verificou.

106

No caso em apreço, tendo em conta as características do processo, há que decidir quanto ao pedido reconvencional apresentado pelas recorrentes respeitante à condenação no pagamento de juros de mora.

107

Resulta dos n.os 97 a 104 do presente acórdão que o prejuízo constituído pelos juros de mora vencidos durante o período de inação da Comissão de mais de doze anos é diretamente imputável à omissão ilegal dessa instituição.

108

Assim sendo, há que considerar que o crédito de 41012 euros que a SEMEA devia ter restituído à Comissão não estava prescrito em 18 de novembro de 2005, isto é, à data em que essa instituição pediu a devolução do mesmo.

109

Por conseguinte, há que dar provimento parcial ao pedido reconvencional das recorrentes e condenar a Comissão a suportar três quartos do montante correspondente aos juros de mora à taxa legal anual aplicada em França vencidos entre 27 de abril de 1993 e 18 de novembro de 2005.

Quanto às despesas

110

Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do seu Regulamento de Processo, se for dado provimento ao recurso e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

111

Por força do disposto no artigo 138.o, n.o 2, n.o 1, do referido regulamento, aplicável ao processo de recurso de decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 184.o, n.o 1, deste regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. O artigo 138.o, n.o 3, do referido regulamento precisa que, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. Todavia, nos termos da mesma disposição, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal de Justiça pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

112

No caso vertente, o Tribunal de Justiça considera que há que condenar a Comissão a suportar, além das suas próprias despesas nas duas instâncias, um quarto das despesas da commune de Millau e da SEMEA nas referidas instâncias. Estas últimas suportam três quartos das suas próprias despesas relativas às duas instâncias.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

 

1)

O acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, Comissão/SEMEA e commune de Millau (T‑168/10 e T‑572/10), é anulado na medida em que declarou, no que respeita ao pedido reconvencional da commune de Millau e da Société d’économie mixte d’équipement de l’Aveyron (SEMEA), não existir nexo de causalidade direto entre a atuação da Comissão Europeia e o prejuízo alegadamente sofrido pela condenação no pagamento de juros de mora.

 

2)

O pedido reconvencional da commune de Millau e da Société d’économie mixte d’équipement de l’Aveyron (SEMEA) obtém provimento parcial e a Comissão Europeia é condenada a suportar três quartos do montante correspondente aos juros de mora à taxa legal anual aplicada em França, vencidos entre 27 de abril de 1993 e 18 de novembro de 2005.

 

3)

É negado provimento ao presente recurso quanto ao restante.

 

4)

A Comissão Europeia é condenada a suportar, além das suas próprias despesas relativas tanto ao processo em primeira instância como ao recurso, um quarto das despesas efetuadas pela commune de Millau e pela Société d’économie mixte d’équipement de l’Aveyron (SEMEA) nas duas instâncias.

 

5)

A commune de Millau e a Société d’économie mixte d’équipement de l’Aveyron (SEMEA) suportam três quartos das suas próprias despesas relativas ao processo em primeira instância e ao recurso.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.