ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

18 de março de 2014 ( *1 )

«Recurso de anulação — Escolha da base jurídica — Artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE — Ato delegado e ato de execução — Regulamento (UE) n.o 528/2012 — Artigo 80.o, n.o 1 — Produtos biocidas — Agência Europeia dos Produtos Químicos — Estabelecimento de taxas pela Comissão»

No processo C‑427/12,

que tem por objeto um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE, interposto em 19 de setembro de 2012,

Comissão Europeia, representada por B. Smulders, C. Zadra e E. Manhaeve, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Parlamento Europeu, representado por L. Visaggio e A. Troupiotis, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

Conselho da União Europeia, representado por M. Moore e I. Šulce, na qualidade de agentes,

recorridos,

apoiados por:

República Checa, representada por M. Smolek, E. Ruffer e D. Hadroušek, na qualidade de agentes,

Reino da Dinamarca, representado por V. Pasternak Jørgensen e C. Thorning, na qualidade de agentes,

República Francesa, representada por G. de Bergues, D. Colas e N. Rouam, na qualidade de agentes,

Reino dos Países Baixos, representado por M. Bulterman e M. Noort, na qualidade de agentes,

República da Finlândia, representada por H. Leppo e J. Leppo, na qualidade de agentes,

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por C. Murrell e M. Holt, na qualidade de agentes, assistidos por B. Kennelly, barrister,

intervenientes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts (relator), vice‑presidente, A. Tizzano, R. Silva de Lapuerta, T. von Danwitz, E. Juhász e M. Safjan, presidentes de secção, A. Rosas, E. Levits, A. Ó Caoimh, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, C. Toader, D. Šváby e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 1 de outubro de 2013,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 19 de dezembro de 2013,

profere o presente

Acórdão

1

Na sua petição, a Comissão Europeia pede a anulação do artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 528/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativo à disponibilização no mercado e à utilização de produtos biocidas (JO L 167, p. 1), na medida em que esta disposição prevê a adoção de medidas que estabelecem taxas devidas à Agência Europeia dos Produtos Químicos (a seguir «Agência») por um ato baseado no artigo 291.o, n.o 2, TFUE (a seguir «ato de execução») e não por um ato adotado com base no artigo 290.o, n.o 1, TFUE (a seguir «ato delegado»).

Quadro jurídico

Regulamento n.o 528/2012

2

O Regulamento n.o 528/2012, que harmoniza certas regras quanto à colocação no mercado e à utilização de produtos biocidas, atribui à Agência, conforme decorre do considerando 17 deste regulamento, «tarefas específicas no que se refere à avaliação de substâncias ativas e à autorização na União de determinadas categorias de produtos biocidas […]».

3

O considerando 64 do referido regulamento enuncia:

«Os custos dos procedimentos associados à aplicação do presente regulamento devem ser suportados pelos que disponibilizem ou pretendam disponibilizar produtos biocidas no mercado e pelos que solicitam a aprovação de substâncias ativas. Para promover o bom funcionamento do mercado interno, é conveniente estabelecer certos princípios comuns aplicáveis às taxas devidas à Agência e às autoridades competentes dos Estados‑Membros, incluindo a necessidade de tomar em consideração, conforme adequado, as necessidades específicas das [pequenas e médias empresas (PME)].»

4

Nos termos dos artigos 7.°, n.o 2, primeiro parágrafo, 13.°, n.o 3, segundo parágrafo, 43.°, n.o 2, primeiro parágrafo, 45.°, n.os 1 e 3, 50.°, n.o 2, segundo parágrafo, 54.°, n.os 1 e 3, e 80.°, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012, é devida uma taxa à Agência pela sua intervenção nos procedimentos, respetivamente, de aprovação de uma substância ativa, ou de alteração subsequente das condições de aprovação de uma substância ativa, de renovação dessa aprovação, de autorização pela União de produtos biocidas, de renovação e de alteração dessa autorização bem como do estabelecimento de uma equivalência técnica de substâncias ativas. Nos termos do artigo 77.o, n.o 1, terceiro parágrafo, do mesmo regulamento, «[o] recorrente pode ter de pagar uma taxa [do recurso interposto das decisões adotadas pela Agência]».

5

A respeito dos prazos para o pagamento das taxas devidas à Agência, os artigos 7.°, n.o 2, primeiro parágrafo, 13.°, n.o 3, segundo parágrafo, 43.°, n.o 2, primeiro parágrafo, 45.°, n.o 3, segundo parágrafo, e 54.°, n.o 3, do referido regulamento dispõem que «[a] Agência informa o requerente das taxas devidas por força do artigo 80.o, n.o 1, e indefere o pedido se o requerente não pagar as taxas no prazo de 30 dias».

6

O artigo 78.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012, relativo ao orçamento da Agência, dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, as receitas da Agência consistem em:

a)

Uma subvenção da União, inscrita no orçamento geral da União Europeia (Secção Comissão);

b)

Taxas pagas à Agência nos termos do presente regulamento;

c)

Emolumentos pagos à Agência por serviços prestados ao abrigo do presente regulamento;

d)

Contribuições voluntárias dos Estados‑Membros.»

7

O artigo 80.o do Regulamento n.o 528/2012, sob a epígrafe «Taxas e emolumentos», prevê:

«1.   A Comissão adota, com base nos princípios estabelecidos no n.o 3, um regulamento de execução que especifica:

a)

As taxas devidas à Agência, incluindo uma taxa anual, relativas aos produtos aos quais tenha sido concedida uma autorização da União, nos termos do Capítulo VIII, e uma taxa relativa a pedidos de reconhecimento mútuo, nos termos do Capítulo VII;

b)

As regras que determinam as condições de aplicação de taxas reduzidas, a isenção de taxas e de reembolso do membro do Comité dos Produtos Biocidas que atua como relator; e

c)

As condições de pagamento.

O referido ato de execução é adotado pelo procedimento de exame a que se refere o artigo 82.o, n.o 3. Aplica‑se exclusivamente às taxas pagas à Agência.

A Agência pode cobrar emolumentos por outros serviços prestados.

As taxas devidas à Agência devem ser fixadas a um nível que assegure que as receitas resultantes da cobrança de taxas, em combinação com outras fontes de receitas da Agência ao abrigo do presente regulamento, sejam suficientes para cobrir o custo dos serviços prestados. A Agência procede à publicação das taxas devidas.

2.   Os Estados‑Membros cobram diretamente aos requerentes taxas pelos serviços que prestem no que diz respeito aos procedimentos previstos no presente regulamento, incluindo os serviços efetuados pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros que agem na qualidade de autoridade competente de avaliação.

Com base nos princípios estabelecidos no n.o 3, a Comissão emite orientações relativas a uma estrutura de taxas harmonizada.

Os Estados‑Membros podem cobrar taxas anuais em relação aos produtos biocidas disponibilizados nos respetivos mercados.

Os Estados‑Membros podem cobrar emolumentos por outros serviços que prestem.

Os Estados‑Membros estabelecem e publicam o montante das taxas devidas às respetivas autoridades competentes.

3.   Tanto o regulamento de execução a que se refere o n.o 1 como as regras dos próprios Estados‑Membros em matéria de taxas devem obedecer aos seguintes princípios:

a)

As taxas devem ser fixadas a um nível que assegure que as receitas resultantes da cobrança de taxas sejam, em princípio, suficientes para cobrir o custo dos serviços prestados, sem excederem o necessário para cobrir esse custo;

b)

Se o requerente não apresentar as informações solicitadas no prazo fixado, a taxa deve ser parcialmente reembolsada;

c)

As necessidades específicas das pequenas e médias empresas devem ser tidas em conta de forma adequada, incluindo a possibilidade de repartir os pagamentos por várias prestações e fases;

d)

A estrutura e o montante das taxas devem ter em conta o facto de a informação ter sido apresentada conjunta ou separadamente;

e)

Em circunstâncias devidamente justificadas e quando aceite pela Agência ou pela autoridade competente, pode ser concedida a isenção total ou parcial da taxa; e

f)

Os prazos para o pagamento de taxas devem ser estabelecidos tendo em devida conta os prazos dos procedimentos previstos no presente regulamento.»

8

Nos termos do artigo 97.o, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 528/2012, este é aplicável a partir de 1 de setembro de 2013.

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

9

Por decisões do presidente do Tribunal de Justiça, respetivamente, de 15 de janeiro e 5 de fevereiro de 2013, foi admitida a intervenção da República Checa, da República Francesa, do Reino dos Países Baixos, da República da Finlândia e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte em apoio dos pedidos do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia. Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 5 de fevereiro de 2013, foi admitida a intervenção do Reino da Dinamarca em apoio dos pedidos do Conselho.

10

A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular o artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012, na medida em que esta disposição prevê a adoção de medidas que estabelecem taxas devidas à Agência Europeia dos Produtos Químicos por um ato de execução nos termos do artigo 291.o TFUE e não por um ato delegado com base no artigo 290.o TFUE;

manter os efeitos da disposição anulada, bem como de qualquer ato que seja adotado com base na mesma, até à entrada em vigor, num prazo razoável, de uma nova disposição destinada a substituí‑la; e

condenar o Parlamento e o Conselho nas despesas.

11

A título subsidiário, na hipótese de o Tribunal de Justiça considerar inadmissível este pedido de anulação parcial do referido regulamento, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que anule o mesmo na sua totalidade e que mantenha os seus efeitos no tempo.

12

O Parlamento e o Conselho pedem ao Tribunal de Justiça que se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a Comissão nas despesas;

13

Por outro lado, o Parlamento pede que, caso seja concedido provimento ao recurso, se mantenham os efeitos do artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012 e de todos os atos adotados com base na mesma disposição até à entrada em vigor, num prazo razoável, de uma nova disposição destinada a substituir a disposição anulada.

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

14

O Conselho, apoiado pelo Reino dos Países Baixos e pelo Reino Unido, alega que o pedido de anulação parcial do Regulamento n.o 528/2012 é inadmissível na medida em que o artigo 80.o, n.o 1, deste regulamento, cuja anulação é pedida pela Comissão, não é autónomo relativamente às outras disposições do mesmo. Em apoio deste pedido, o Conselho e aqueles Estados‑Membros referem‑se ao facto de o pagamento da taxas condicionar a intervenção da Agência ao longo do procedimento de aprovação de um produto biocida.

15

Em contrapartida, o Parlamento, a Comissão e a República da Finlândia consideram que a anulação apenas do artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012 não afeta a essência deste. Por conseguinte, o pedido de anulação parcial é admissível.

Apreciação do Tribunal

16

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a anulação parcial de um ato da União só é possível se os elementos cuja anulação é pedida forem destacáveis do resto do ato (v., designadamente, acórdãos Comissão/Conselho, C‑29/99, EU:C:2002:734, n.o 45, e Alemanha/Comissão, C‑239/01, EU:C:2003:514, n.o 33). De igual modo, o Tribunal de Justiça decidiu reiteradamente que esta exigência de possibilidade de autonomização não será cumprida se a anulação parcial de um ato tiver por efeito alterar a substância deste (acórdão Comissão/Polónia, C‑504/09 P, EU:C:2012:178, n.o 98 e jurisprudência referida).

17

No caso em apreço, importa recordar que o Regulamento n.o 528/2012 harmoniza certas regras quanto à colocação no mercado e à utilização de produtos biocidas. No âmbito deste regulamento, a Agência realiza tarefas relativas à avaliação de substâncias ativas e à autorização, pela União, de determinadas categorias de produtos biocidas.

18

Como salientou o advogado‑geral no n.o 19 das suas conclusões, o artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012 limita‑se a conferir à Comissão a competência necessária para adotar um regulamento de execução que especifique as taxas exigíveis pela Agência pelas tarefas realizadas no âmbito da execução deste regulamento, bem como as suas condições de pagamento.

19

Daqui resulta que o artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012 diz respeito a um aspeto autónomo do quadro regulamentar estabelecido pelo mesmo e, consequentemente, a sua eventual anulação não afetaria a essência deste regulamento.

20

Por conseguinte, o recurso da Comissão no sentido da anulação parcial do Regulamento n.o 528/2012 é admissível.

Quanto ao mérito

Argumentos das partes

21

A Comissão apresenta um fundamento único de recurso, baseado na violação do Tratado FUE e, nomeadamente, do sistema de atribuição de poderes de regulamentação que o legislador da União pode atribuir à Comissão, nos termos dos artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE.

22

Quanto aos âmbitos de aplicação respetivos dos referidos artigos, a Comissão alega, em primeiro lugar, que o poder que lhe é conferido ao abrigo do artigo 291.o TFUE tem natureza puramente executiva, ao passo que os de que dispõe ao abrigo do artigo 290.o TFUE são de natureza quase legislativa.

23

Em segundo lugar, a escolha operada pelo legislador da União de atribuir à Comissão o poder de adotar um ato delegado ou um ato de execução devia ser baseada em elementos objetivos e claros suscetíveis de serem objeto de uma fiscalização jurisdicional. A este propósito, a Comissão sublinha, por um lado, que os âmbitos de aplicação respetivos dos artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE são diferentes e mutuamente exclusivos. Por outro lado, tendo em conta a própria redação destes artigos, o único critério decisivo que permite estabelecer a distinção entre um ato delegado e um ato de execução diz respeito à natureza e ao objeto dos poderes conferidos à Comissão. Se este poderes visam a adoção de normas de alcance geral, não essenciais, com a função jurídica de integrar o quadro normativo do ato legislativo em causa, essas normas integrariam o ato legislativo em conformidade com o artigo 290.o, n.o 1, primeiro parágrafo, TFUE. Em contrapartida, se essas normas têm unicamente por objeto tornar efetivas as regras já previstas no ato de base, garantindo condições uniformes de aplicação na União, estariam abrangidas pelo artigo 291.o TFUE. O exercício de poderes executivos nos termos deste último artigo não pode de maneira nenhuma afetar o conteúdo do ato legislativo.

24

Nem a circunstância de a disposição legislativa que atribui o poder à Comissão ser muito pormenorizada, nem a margem de apreciação que daí resulta para a mesma instituição, nem mesmo a questão de saber se o ato a adotar por esta última estabelece novos direitos e obrigações podem ser consideradas, isoladamente, como elementos determinantes para efetuar uma distinção entre atos delegados e atos de execução. Teriam de ser a natureza e o objeto do poder conferido à Comissão a determinar se o mesmo resulta de uma delegação legislativa ou de uma competência de execução.

25

Quanto à legalidade do artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012, a Comissão alega que, com esta disposição, o legislador da União lhe conferiu erradamente um poder de execução na aceção do artigo 291.o TFUE. Um exame da natureza e do objeto dos poderes que assim lhe são atribuídos demonstraria, com efeito, que seria levada a adotar um ato que completa certos elementos não essenciais do ato legislativo, na aceção do artigo 290.o TFUE.

26

Em primeiro lugar, a Comissão sublinha que, segundo o artigo 78.o do Regulamento n.o 528/2012, as receitas da Agência provêm não só das taxas que lhe são pagas mas também de uma subvenção da União, dos emolumentos pagos à Agência por serviços prestados, bem como de contribuições voluntárias dos Estados‑Membros. No entanto, o artigo 80.o deste regulamento não estabelece critérios que visem assegurar a coordenação e a coerência entre as diferentes modalidades de financiamento da Agência.

27

Em segundo lugar, resulta de uma leitura conjugada dos n.os 1 e 3 do artigo 80.o do Regulamento n.o 528/2012 que, segundo os «princípios» em matéria de taxas estabelecidos por estas disposições, a Comissão não tem apenas a tarefa de determinar, para cada procedimento de autorização, o montante da taxa a que se reporta. Com efeito, os n.os 1, alínea a), e 3, alínea a), deste artigo preveem, por um lado, que, «em princípio», as taxas devem ser proporcionais aos serviços fornecidos e suficientes para cobrir o seu custo. Assim, competiria à Comissão definir as exceções ao princípio com base em critérios específicos e, como tal, completar o dispositivo legislativo. Por outro lado, tratando‑se de regras que fixam as condições em matéria de taxas reduzidas, isenção de taxas e reembolso, às quais se refere o próprio artigo 80.o, n.os 1, alínea b), e 3, alínea e), o legislador da União não especificou as circunstâncias que justificam que a taxa, ou parte dela, não seja exigível. As referidas disposições atribuem assim à Comissão o poder de completar a legislação na matéria em causa, acrescentando‑lhe elementos não essenciais à mesma.

28

O mesmo se aplica às «condições de pagamento» previstas no artigo 80.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 528/2012, conceito cujo alcance não está especificado e que pode, como tal, abranger tanto simples modalidades de pagamento, cuja violação não tem nenhum impacto no procedimento de autorização como requisitos cuja violação pode eventualmente provocar o indeferimento de um pedido de autorização.

29

A Comissão invoca igualmente o facto de o artigo 80.o, n.o 3, alínea c), do Regulamento n.o 528/2012 enunciar que a mesma deve ter em conta as necessidades específicas das pequenas e médias empresas (PME) «de forma adequada», o que lhe deixa não só a escolha quanto às modalidades de «execução» mas também quanto ao poder de completar o quadro legislativo estabelecendo critérios gerais aplicáveis às reduções de taxas de que as PME poderiam beneficiar.

30

Por último, o facto de o artigo 80.o, n.o 3, do Regulamento n.o 528/2012 especificar igualmente os princípios que devem respeitar as regras estabelecidas pelos Estados‑Membros em matéria de taxas não tem nenhuma incidência na questão de saber se os poderes conferidos à Comissão decorrem de atos delegados nos termos do artigo 290.o TFUE ou de atos de execução adotados com base no artigo 291.o TFUE.

31

O Parlamento e o Conselho, bem como todos os Estados‑Membros intervenientes no presente litígio, alegam que o artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012 confere, corretamente, à Comissão um poder de execução na aceção do artigo 291.o TFUE. Com efeito, o regime de taxas estabelecido neste artigo 80.o é suficientemente detalhado e definido a nível legislativo, de modo que os poderes conferidos à Comissão apenas têm caráter executório na aceção do artigo 291.o TFUE.

Apreciação do Tribunal

32

O artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012 atribui à Comissão a competência para adotar um regulamento de execução, em aplicação do artigo 291.o, n.o 2, TFUE, relativo às taxas devidas à Agência ligadas às diferentes intervenções desta no âmbito da execução deste regulamento.

33

Importa constatar que o artigo 291.o TFUE não dá nenhuma definição do conceito de ato de execução, antes se limita a referir, no seu n.o 2, a necessidade de adoção desse ato pela Comissão ou, em certos casos específicos, pelo Conselho, para assegurar que um ato juridicamente vinculativo da União é aí executado em condições uniformes.

34

Por outro lado, resulta do artigo 291.o, n.o 2, TFUE que, apenas «[q]uando sejam necessárias condições uniformes de execução dos atos juridicamente vinculativos da União, estes conferirão competências de execução à Comissão ou, em casos específicos devidamente justificados e nos casos previstos nos artigos 24.° [TUE] e 26.° [TUE], ao Conselho».

35

Por último, o conceito de ato de execução na aceção do artigo 291.o TFUE deve ser apreciado à luz do conceito de ato delegado, conforme resulta do artigo 290.o TFUE.

36

Com efeito, antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a expressão «competências de execução», constante do artigo 202.o, terceiro travessão, CE, abrangia a competência para executar, ao nível da União, um ato legislativo desta ou algumas das suas disposições, por um lado, bem como, em certas circunstâncias, a competência para adotar atos normativos para completar ou alterar elementos não essenciais de um ato legislativo, por outro. A Convenção Europeia propôs uma distinção entre estes dois tipos de competência, que surge nos artigos I‑35 e I‑36 do Projeto de Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa. Esta alteração foi, por último, retomada no Tratado de Lisboa nos artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE.

37

Nos termos do artigo 290.o, n.o 1, primeiro parágrafo, TFUE, «[u]m ato legislativo pode delegar na Comissão o poder de adotar atos não legislativos de alcance geral que integrem ou alterem certos elementos não essenciais do ato legislativo».

38

Quando o legislador da União confere à Comissão, num ato legislativo, um poder delegado por força do artigo 290.o, n.o 1, TFUE, esta é chamada a adotar regras para completar ou alterar elementos não essenciais desse ato. Em conformidade com o segundo parágrafo desta disposição, os objetivos, o conteúdo, o alcance e a duração da delegação de poderes devem ser explicitamente delimitados pelo ato legislativo que faz a delegação. Esta exigência implica que a atribuição de um poder delegado visa a adoção de regras que se inserem no âmbito regulamentar conforme definido pelo ato legislativo de base.

39

Em contrapartida, quando o mesmo legislador confere um poder de execução à Comissão com base no artigo 291.o, n.o 2, TFUE, esta é chamada a especificar o conteúdo de um ato legislativo, a fim de assegurar a sua execução em condições uniformes em todos os Estados‑Membros.

40

Importa sublinhar que o legislador da União dispõe de um poder de apreciação quando decide atribuir à Comissão um poder delegado nos termos do artigo 290.o, n.o 1, TFUE ou um poder de execução nos termos do artigo 291.o, n.o 2, TFUE. Assim, a fiscalização jurisdicional limita‑se aos erros manifestos de apreciação quanto à questão de saber se o legislador podia razoavelmente considerar, por um lado, que o quadro jurídico que estabeleceu para o regime de taxas estabelecido no artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012 só carece, tendo em vista a sua execução, de ser especificado, não tendo de ser alterado nem completado com elementos não essenciais e, por outro, que as disposições do Regulamento n.o 528/2012 relativas a esse regime exigem condições uniformes de execução.

41

Em primeiro lugar, o artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012 atribui à Comissão o poder de «especificar» as taxas devidas à Agência, respetivas condições de pagamento assim como certas regras respeitantes a reduções, isenções e reembolsos de taxas, «com base nos princípios estabelecidos no n.o 3 [do referido artigo]».

42

A este respeito, importa constatar, em primeiro lugar, que o considerando 64 do Regulamento n.o 528/2012 estabelece o próprio princípio do pagamento de taxas à Agência e, em segundo lugar, que o referido regulamento enuncia no seu artigo 80.o, n.o 1, último parágrafo, que as referidas taxas «devem ser fixadas a um nível que assegure que as receitas resultantes da cobrança de taxas, em combinação com outras fontes de receitas da Agência ao abrigo do presente regulamento, sejam suficientes para cobrir o custo dos serviços prestados».

43

Assim, o princípio diretor do regime de taxas previsto no artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012 foi estabelecido pelo próprio legislador ao decidir que as taxas só servirão para cobrir os custos do serviço, não podendo ser destinadas à satisfação de quaisquer outros fins nem ser fixadas a um nível que exceda os custos do serviço prestado pela Agência.

44

Contrariamente ao que pretende a Comissão, a circunstância de o Regulamento n.o 528/2012 não estabelecer critérios de coordenação entre as diferentes fontes de financiamento da Agência mencionadas no artigo 78.o, n.o 1, deste regulamento e o facto de, em conformidade com o artigo 80.o, n.o 3, alínea a), do mesmo, as taxas a receber deverem «em princípio» cobrir os custos não militam, de forma nenhuma, a favor da atribuição de um poder delegado à Comissão.

45

Importa sublinhar, a este respeito, que a fixação do montante de taxas pagas à Agência a um nível suficiente para cobrir os custos dos serviços prestados por esta última é por natureza um exercício previsional sujeitos a certas variáveis, tais como, nomeadamente, o número de pedidos submetidos à Agência. Como salientam o Parlamento e o Conselho, a expressão «em princípio» exprime, assim, essencialmente a dificuldade em garantir em qualquer circunstância que as taxas recebidas pela agência serão suficientes para cobrir os custos dos serviços a que correspondem. De resto, é esta a razão pela qual o artigo 78.o, n.o 1, do referido regulamento prevê igualmente outras fontes de financiamento da Agência, as quais, juntamente com as taxas, permitem assegurar essa cobertura.

46

Importa, por outro lado, constatar que o exercício por parte da Comissão do poder que lhe é atribuído pelo artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012 está sujeito a outras condições e critérios, que foram fixados pelo próprio legislador da União nesse ato legislativo. A este respeito, o n.o 3 do mesmo artigo dispõe que a taxa deve ser parcialmente reembolsada se o requerente não apresentar as informações solicitadas no prazo fixado [n.o 3, alínea b)]; as necessidades específicas das pequenas e médias empresas devem ser tidas em conta de forma adequada, incluindo a possibilidade de repartir os pagamentos por várias prestações e fases [n.o 3, alínea c)]; a estrutura e o montante das taxas devem ter em conta o facto de a informação ter sido apresentada conjunta ou separadamente [n.o 3, alínea d)]; em circunstâncias devidamente justificadas e quando aceite pela Agência ou pela autoridade competente, pode ser concedida a isenção total ou parcial da taxa [n.o 3, alínea e)]; e, por último, os prazos para o pagamento de taxas devem ser estabelecidos tendo em devida conta os prazos dos procedimentos previstos no presente regulamento [n.o 3, alínea f)].

47

A Comissão alega, todavia, no que respeita às regras que estabelecem as condições em matéria de reduções, isenções e reembolsos de taxas, a que se refere o artigo 80.o, n.os 1, alínea b), e 3, alínea e), do Regulamento n.o 528/2012, que o legislador da União não especificou as circunstâncias que justificam que a taxa não seja totalmente exigível e conferiu assim, implicitamente, à Comissão o poder de completar o ato legislativo. Do mesmo modo, o artigo 80.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 528/2012 viola o artigo 291.o TFUE ao atribuir à Comissão o poder de determinar as «condições de pagamento» das taxas devidas à Agência.

48

Esta argumentação não pode ser acolhida. Com efeito, o legislador da União pôde razoavelmente considerar que o Regulamento n.o 580/2012 estabelece um quadro jurídico completo na aceção do n.o 40 do presente acórdão em matéria de reduções, isenções e reembolsos das taxas devidas à Agência, ao prever, nos artigos 7.°, n.o 4, 43.°, n.o 4, e 80.°, n.o 3, alínea b), deste regulamento, as diferentes situações em que o reembolso parcial das taxas deve ser autorizado, ao afirmar no referido artigo 80.o, n.o 3, alínea c), que «as necessidades específicas das pequenas e médias empresas devem ser tidas em conta» e ao estabelecer no mesmo n.o 3, alínea e), que pode haver isenção da totalidade ou de uma parte da taxa «em circunstâncias devidamente justificadas e quando aceite pela Agência».

49

O mesmo se verifica no que diz respeito ao poder de fixar as «condições de pagamento» que é conferido à Comissão pelo artigo 80.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 528/2012. Com efeito, os artigos 7.°, n.o 2, primeiro parágrafo, 13.°, n.o 3, segundo parágrafo, 43.°, n.o 2, primeiro parágrafo, 45.°, n.o 3, segundo parágrafo, e 54.°, n.o 3, deste regulamento fixam, eles próprios, um prazo de 30 dias para o pagamento da taxa devida à Agência para as diferentes intervenções desta. Nos termos do artigo 80.o, n.o 3, alínea f), os prazos para o pagamento de taxas «devem ser estabelecidos tendo em devida conta os prazos dos procedimentos previstos [pelo mesmo] regulamento». No que respeita a outras condições de pagamento, o artigo 80.o, n.o 3, alínea c), refere «a possibilidade de repartir os pagamentos por várias prestações e fases» para ter em conta a necessidades específicas das PME. O exercício pela Comissão do poder que lhe é conferido pelo artigo 80.o, n.o 1, alínea c), inscreve‑se assim num quadro normativo estabelecido pelo próprio ato legislativo que o ato de execução não pode alterar nem completar em elementos não essenciais.

50

Por último, a Comissão invoca em apoio do seu recurso o facto de o artigo 80.o, n.o 3, alínea c), do Regulamento n.o 528/2012 enunciar que a mesma deve ter em conta as necessidades específicas das PME «de forma adequada», o que, em seu entender, lhe confere não só a escolha quanto às modalidades de «execução» mas também o poder de estabelecer critérios gerais para determinar se e em que medida as PME podem beneficiar de taxas reduzidas.

51

Esta argumentação também não pode ser acolhida. A utilização dos termos «de forma adequada» indica que o regulamento de execução da Comissão não deve prever, em todos os casos, uma taxa reduzida para as PME. Essa redução impõe‑se unicamente quando as especificidades destas empresas o exigem. Assim, a obrigação de a Comissão ter em conta as necessidades particulares das PME «de forma adequada» corrobora o facto de o legislador da União ter considerado necessário estabelecer ele próprio um quadro jurídico completo, na aceção do n.o 40 do presente acórdão, relativo ao regime de taxas previsto no artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012. Assim, em conformidade com o n.o 3, alíneas a) e c), deste artigo, as taxas devem ser fixadas a um nível que não só permita, em princípio, cobrir os custos dos serviços fornecidos pela Agência mas que, no que diz respeito às PME, tenha igualmente em conta as especificidades destas empresas. Quanto às condições de pagamento, esse mesmo n.o 3, alínea c), refere a possibilidade de prever, para as PME, a repartição dos pagamentos por várias prestações e fases.

52

Resulta do exposto que o legislador da União pôde razoavelmente considerar que o artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012 confere à Comissão não o poder de completar elementos não essenciais deste ato legislativo, mas o de especificar o conteúdo normativo do mesmo, em conformidade com o artigo 291.o, n.o 2, TFUE.

53

Em segundo lugar, uma vez que o regime de taxas estabelecido no artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012 se refere às taxas devidas a uma agência da União, a atribuição de um poder de execução à Comissão ao abrigo do artigo 291.o, n.o 2, TFUE pode ser considerado razoável para os fins de garantir condições uniformes de execução desse regime na União.

54

Resulta do exposto que o fundamento único de recurso invocado pela Comissão é infundado e que, consequentemente, deve ser negado provimento ao recuso.

Quanto às despesas

55

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Parlamento e o Conselho pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas. A República Checa, o Reino da Dinamarca, a República Francesa, o Reino dos Países Baixos, a República da Finlândia e o Reino Unido, que intervieram em apoio dos pedidos do Parlamento e do Conselho, suportam, em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do referido regulamento, as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

 

3)

A República Checa, o Reino da Dinamarca, a República Francesa, o Reino dos Países Baixos, a República da Finlândia e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte suportam as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.