ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

17 de outubro de 2013 ( *1 )

«Regulamento (CE) n.o 44/2001 — Artigo 15.o, n.o 1, alínea c) — Competência em matéria de contratos celebrados pelos consumidores — Limitação eventual desta competência aos contratos celebrados à distância — Nexo de causalidade entre a atividade comercial ou profissional dirigida ao Estado‑Membro do domicílio do consumidor através da Internet e a celebração do contrato»

No processo C‑218/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Landgericht Saarbrücken (Alemanha), por decisão de 27 de abril de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 10 de maio de 2012, no processo

Lokman Emrek

contra

Vlado Sabranovic,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, C. G. Fernlund, A. Ó Caoimh, C. Toader (relatora) e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 25 de abril de 2013,

vistas as observações apresentadas:

em representação de L. Emrek, por M. Kurt, Rechtsanwalt,

em representação de V. Sabranovic, por M. Mauer, Rechtsanwältin,

em representação do Governo belga, por T. Materne e J. C. Halleux, na qualidade de agentes,

em representação do Governo francês, por B. Beaupère‑Manokha, na qualidade de agente,

em representação do Governo luxemburguês, por P. Frantzen e C. Schiltz, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A.‑M. Rouchaud‑Joët e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 18 de julho de 2013,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe L. Emrek a V. Sabranovic e que tem por objeto pedidos em matéria de garantia na sequência da celebração de um contrato de compra e venda de um veículo automóvel usado.

Quadro jurídico

3

Nos termos do considerando 11 do Regulamento n.o 44/2001, «[a]s regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular‑se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, exceto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão. No respeitante às pessoas coletivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar os conflitos de jurisdição».

4

Segundo o considerando 13 do referido regulamento, no respeitante aos contratos de seguro, de consumo e de trabalho, é conveniente proteger a parte mais fraca por meio de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses do que a regra geral.

5

O artigo 2.o, n.o 1, do mesmo regulamento enuncia o princípio segundo o qual as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.

6

Em matéria contratual, o artigo 5.o do Regulamento n.o 44/2001 prevê, no seu n.o 1, alínea a), que o tribunal competente é o do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação que está na base do pedido.

7

O artigo 15.o, n.o 1, do referido regulamento tem a seguinte redação:

«Em matéria de contrato celebrado por uma pessoa para finalidade que possa ser considerada estranha à sua atividade comercial ou profissional, a seguir denominada ‘o consumidor’, a competência será determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 4.o e no n.o 5 do artigo 5.o:

[...]

c)

Em todos os outros casos, quando o contrato tenha sido concluído com uma pessoa que tem atividade comercial ou profissional no Estado‑Membro do domicílio do consumidor ou dirige essa atividade, por quaisquer meios, a esse Estado‑Membro ou a vários Estados incluindo esse Estado‑Membro, e o dito contrato seja abrangido por essa atividade.»

8

O artigo 16.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 44/2001 dispõe:

«1.   O consumidor pode intentar uma ação contra a outra parte no contrato, quer perante os tribunais do Estado‑Membro em cujo território estiver domiciliada essa parte, quer perante o tribunal do lugar onde o consumidor tiver domicílio.

2.   A outra parte no contrato só pode intentar uma ação contra o consumidor perante os tribunais do Estado contratante em cujo território estiver domiciliado o consumidor.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9

Resulta da decisão de reenvio que L. Emrek, com domicilio em Saarbrücken (Alemanha), estava, à data dos factos no processo principal, à procura de um veículo usado.

10

V. Sabranovic explora em Spicheren (França), cidade situada próximo da fronteira alemã, sob a denominação comercial Vlado Automobiles Import‑Export, uma empresa de comercialização de veículos usados. Na referida data, tinha um sítio Internet que continha os dados da sua empresa, incluindo um número de telefone francês e um número de telemóvel alemão, acompanhados dos respetivos indicativos internacionais.

11

Tendo sido informado por conhecidos, e não através do referido sítio Internet, da existência da empresa de V. Sabranovic e da possibilidade de lhe adquirir um veículo, L. Emrek visitou a sede da referida empresa em Spicheren.

12

Assim, em 13 de setembro de 2010, L. Emrek, como consumidor, celebrou com V. Sabranovic, no estabelecimento deste, um contrato de compra e venda, por escrito, relativo a um veículo usado.

13

Por ação intentada posteriormente no Amtsgericht Saarbrücken (Alemanha), L. Emrek apresentou pedidos em matéria de garantia contra V. Sabranovic. Considerou que, por força do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001, esse órgão jurisdicional tinha competência internacional para conhecer da referida ação. Com efeito, decorre da configuração do sítio Internet de V. Sabranovic que a sua atividade comercial também se dirigia à Alemanha.

14

O referido órgão jurisdicional julgou o pedido de L. Emrek inadmissível e improcedente considerando que, no caso vertente, o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001 não é aplicável, uma vez que V. Sabranovic não dirigiu a sua atividade comercial, na aceção desta disposição, à Alemanha.

15

L. Emrek interpôs recurso desta decisão para o órgão jurisdicional de reenvio, alegando que o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001 não exige que seja demonstrada a existência de um nexo de causalidade entre a atividade comercial dirigida ao Estado‑Membro do consumidor e a celebração do contrato. Esta disposição também não exige que o contrato tenha sido celebrado à distância.

16

O Landgericht Saarbrücken considera que, no processo principal, está demonstrado que a atividade comercial de V. Sabranovic se dirigia à Alemanha. Em particular, a menção do indicativo telefónico internacional de França e de um número de telemóvel alemão dá a impressão de que este comerciante procura angariar clientes não estabelecidos em França, nomeadamente os que se encontram na zona limítrofe na Alemanha.

17

Segundo o referido órgão jurisdicional, mesmo que fosse de considerar que a aplicação do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001 não está subordinada à celebração de um contrato à distância, seria, no entanto, necessário, a fim de evitar um alargamento do âmbito de aplicação desta disposição, que o sítio Internet do comerciante estivesse pelo menos na origem da celebração efetiva do contrato com o consumidor. Assim, esse órgão jurisdicional considera que a referida disposição não deve ser aplicável quando um consumidor celebra «fortuitamente» um contrato com um «empresário».

18

Nestas condições, o Landgericht Saarbrücken decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Nos casos em que [o sítio] Internet de um comerciante é dirigid[o] ao Estado‑Membro do consumidor, o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento [n.o 44/2001] exige como requisito adicional não escrito que o consumidor tenha sido incitado [pelo sítio] Internet operad[o] pelo comerciante a celebrar o contrato, de modo que [o sítio] Internet deva ter um nexo de causalidade com a celebração do contrato?

2)

Se for necessário um nexo de causalidade entre a atividade dirigida a um Estado‑Membro e a celebração do contrato: o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001 exige ainda que o contrato seja celebrado à distância?»

Quanto às questões prejudiciais

19

A título preliminar, há que precisar que, no seu acórdão de 6 de setembro de 2012, Mühlleitner (C‑190/11), o Tribunal de Justiça já respondeu à segunda questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio no presente processo, declarando que o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que não exige que o contrato entre o consumidor e o profissional tenha sido celebrado à distância.

20

Consequentemente, importa examinar unicamente a primeira questão, com a qual o referido órgão jurisdicional pergunta, no essencial, se o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que exige a existência de um nexo de causalidade entre o meio empregue para dirigir a atividade comercial ou profissional ao Estado‑Membro do domicílio do consumidor, designadamente um sítio Internet, e a celebração do contrato com o consumidor.

21

A este respeito, importa assinalar, em primeiro lugar, que, por força do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001, a aplicação desta disposição não está expressamente subordinada à existência desse nexo de causalidade.

22

Com efeito, resulta do teor desta disposição que a mesma é aplicável quando estiverem preenchidos dois requisitos específicos. Por um lado, é necessário que o comerciante exerça as suas atividades comerciais ou profissionais no Estado‑Membro do domicílio do consumidor ou que dirija essas atividades, por quaisquer meios, a esse Estado‑Membro ou a vários Estados, incluindo esse Estado‑Membro, e, em segundo lugar, que o contrato controvertido se enquadre nessas atividades.

23

Ora, o Tribunal já declarou que o requisito essencial ao qual está sujeita a aplicação do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001 é o relativo à atividade comercial ou profissional dirigida ao Estado do domicílio do consumidor (acórdão Mühlleitner, já referido, n.o 44) e, no caso vertente, o órgão jurisdicional de reenvio considera que este requisito está preenchido.

24

Em segundo lugar, quanto à interpretação teleológica do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001, há que observar que o aditamento do referido requisito não escrito respeitante à existência de um nexo de causalidade como o mencionado no n.o 20 do presente acórdão seria contrário ao objetivo prosseguido por esta disposição, ou seja, a proteção dos consumidores, que são considerados as partes mais fracas nos contratos celebrados por estes últimos com um profissional.

25

Com efeito, como alegou a Comissão Europeia e como salientou o advogado‑geral no n.o 25 das suas conclusões, importa observar que a exigência de uma consulta prévia de um sítio Internet pelo consumidor seria suscetível de gerar problemas em termos de prova, em particular no caso de o contrato, como no processo principal, não ter sido celebrado à distância por intermédio desse mesmo sítio. Em tal hipótese, as dificuldades ligadas à prova da existência de um nexo de causalidade entre o meio empregue para dirigir a atividade, ou seja, um sítio Internet, e a celebração de um contrato teriam tendência a dissuadir os consumidores de recorrer aos órgãos jurisdicionais nacionais por força dos artigos 15.° e 16.° do Regulamento n.o 44/2001 e enfraqueceria a proteção dos consumidores prosseguida por estas disposições.

26

Todavia, como salientou igualmente o advogado‑geral no n.o 26 das suas conclusões, embora o referido nexo de causalidade não seja um requisito não escrito a que está subordinada a aplicação do referido artigo 15.o, n.o 1, alínea c), não deixa de ser verdade que é suscetível de constituir um indício qualificado, que pode ser tido em consideração pelo juiz nacional no momento de determinar se a atividade se dirige efetivamente ao Estado‑Membro do domicílio do consumidor.

27

A este respeito, importa recordar que, no n.o 93 e no dispositivo do seu acórdão de 7 de dezembro de 2010, Pammer e Hotel Alpenhof (C-585/08 e C-144/09, Colet., p. I-12527), o Tribunal identificou uma lista não exaustiva de indícios suscetíveis de ajudar um órgão jurisdicional nacional a apreciar se o requisito essencial da atividade comercial dirigida ao Estado‑Membro do domicílio do consumidor está preenchido.

28

Por outro lado, no seu acórdão Mühlleitner, já referido, considerando que a aplicação do referido artigo 15.o, n.o 1, alínea c), não está subordinada à celebração de um contrato de consumo à distância, o Tribunal, no n.o 44 do mesmo acórdão, acrescentou à referida lista não exaustiva outros indícios, relativos, nomeadamente, ao «contacto à distância» ou à «celebração de um contrato de consumo à distância», que são suscetíveis de demonstrar que o contrato está ligado a uma atividade dirigida ao Estado‑Membro do domicílio do consumidor.

29

Ora, a fim de evitar um alargamento do âmbito de aplicação do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001, há que reconhecer que o nexo de causalidade objeto da primeira questão prejudicial deve ser considerado um indício de uma «atividade dirigida», do mesmo modo que o contacto à distância que leva a que o consumidor se encontre contratualmente vinculado à distância.

30

Além disso, como salientou o advogado‑geral nos n.os 33 a 38 das suas conclusões, a circunstância de um comerciante, como no processo principal, estar estabelecido num Estado‑Membro num local próximo da fronteira com outro Estado‑Membro, numa conurbação que abrange os dois lados da mesma, e utilizar um número de telefone atribuído pelo outro Estado‑Membro pondo‑o à disposição dos seus potenciais clientes com domicílio neste último Estado a fim de lhes evitar o custo de uma chamada internacional pode igualmente constituir um indicio suscetível de demonstrar que a sua atividade «se dirige a» este outro Estado‑Membro.

31

Em todo o caso, compete ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar uma apreciação global das circunstâncias em que o contrato de consumo em causa no processo principal foi celebrado a fim de decidir se, em função da existência ou da inexistência de indícios que figurem ou não na lista não exaustiva definida pelo Tribunal na jurisprudência pertinente mencionada nos n.os 27 e 28 do presente acórdão, o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001 se aplica.

32

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que não exige a existência de um nexo de causalidade entre o meio empregue para dirigir a atividade comercial ou profissional ao Estado‑Membro do domicílio do consumidor, designadamente um sítio Internet, e a celebração do contrato com esse consumidor. Todavia, a existência desse nexo de causalidade constitui um indício de conexão do contrato a essa atividade.

Quanto às despesas

33

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

O artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que não exige a existência de um nexo de causalidade entre o meio empregue para dirigir a atividade comercial ou profissional ao Estado‑Membro do domicílio do consumidor, designadamente um sítio Internet, e a celebração do contrato com esse consumidor. Todavia, a existência desse nexo de causalidade constitui um indício de conexão do contrato a essa atividade.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.