ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

10 de outubro de 2013 ( *1 )

«Cidadania da União — Artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE — Diretiva 2004/38/CE — Direito de residência de um nacional de país terceiro ascendente direto de cidadãos da União de tenra idade — Cidadãos da União nascidos num Estado‑Membro diferente do da sua nacionalidade e que não exerceram o seu direito de livre circulação — Direitos fundamentais»

No processo C‑86/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pela Cour administrative (Luxemburgo), por decisão de 16 de fevereiro de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 20 de fevereiro de 2012, no processo

Adzo Domenyo Alokpa,

Jarel Moudoulou,

Eja Moudoulou

contra

Ministre du Travail, de l’Emploi et de l’Immigration,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta (relatora), presidente de secção, J. L. da Cruz Vilaça, G. Arestis, J.‑C. Bonichot e A. Arabadjiev, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 17 de janeiro de 2013,

vistas as observações apresentadas:

em representação de A. Alokpa e dos seus filhos Jarel e Eja Moudoulou, por A. Fatholahzadeh e S. Freyermuth, avocats,

em representação do Governo luxemburguês, por P. Frantzen e C. Schiltz, na qualidade de agentes, assistidos por L. Maniewski, avocate,

em representação do Governo belga, por T. Materne e C. Pochet, na qualidade de agentes,

em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por T. Henze, N. Graf Vitzthum e A. Wiedmann, na qualidade de agentes,

em representação do Governo grego, por T. Papadopoulou, na qualidade de agente,

em representação do Governo lituano, por D. Kriaučiūnas e V. Balčiūnaitė, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman e C. Wissels, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna e M. Szpunar, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por D. Maidani e C. Tufvesson, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 21 de março de 2013,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação das disposições dos artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE, bem como da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77, e retificações no JO L 229, p. 35, e JO 2005, L 197, p. 34).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe A. Alokpa e os seus filhos Jarel e Eja Moudoulou ao ministre du Travail, de l’Emploi et de l’Immigration (Ministro do Trabalho, do Emprego e da Imigração, a seguir «Ministro»), a respeito da decisão deste último que recusou a A. Alokpa um direito de residência no Luxemburgo e que ordenou que esta abandonasse o território deste Estado‑Membro.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretivas 2003/86/CE e 2003/109/CE

3

Nos termos do artigo 1.o da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO L 251, p. 12), e do artigo 1.o, alínea a), da Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2004, L 16, p. 44), estas diretivas têm por objetivo estabelecer, respetivamente, as condições em que o direito ao reagrupamento familiar pode ser exercido por nacionais de países terceiros que residam legalmente no território dos Estados‑Membros e as condições de concessão e perda de estatuto de residente de longa duração conferido por um Estado‑Membro a nacionais de países terceiros legalmente residentes no seu território, bem como os direitos correspondentes.

Diretiva 2004/38

4

Sob a epígrafe «Definições», o artigo 2.o da Diretiva 2004/38 enuncia:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)

‘Cidadão da União’: qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro;

2)

‘Membro da família’:

[...]

d)

Os ascendentes diretos que estejam a cargo, assim como os do cônjuge ou do parceiro na aceção da alínea b);

3)

‘Estado‑Membro de acolhimento’: o Estado‑Membro para onde se desloca o cidadão da União a fim de aí exercer o seu direito de livre circulação e residência.»

5

O artigo 3.o da Diretiva 2004/38, sob a epígrafe «Titulares», estabelece, no seu n.o 1:

«A presente diretiva aplica‑se a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como aos membros das suas famílias, na aceção do ponto 2) do artigo 2.o, que os acompanhem ou que a eles se reúnam.»

6

O artigo 7.o desta diretiva, sob a epígrafe «Direito de residência por mais de três meses», tem a seguinte redação:

«1.   Qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses, desde que:

a)

Exerça uma atividade assalariada ou não assalariada no Estado‑Membro de acolhimento; ou

b)

Disponha de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, e de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento; ou

c)

[E]steja inscrito num estabelecimento de ensino público ou privado, reconhecido ou financiado por um Estado‑Membro de acolhimento com base na sua legislação ou prática administrativa, com o objetivo principal de frequentar um curso, inclusive de formação profissional e

disponha de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento, e garanta à autoridade nacional competente, por meio de declaração ou outros meios à sua escolha, que dispõe de recursos financeiros suficientes para si próprio e para os membros da sua família a fim de evitar tornar‑se uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência; ou

d)

Seja membro da família que acompanha ou se reúne a um cidadão da União que preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c).

2.   O direito de residência disposto no n.o 1 é extensivo aos membros da família de um cidadão da União que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro, quando acompanhem ou se reúnam ao cidadão da União no Estado‑Membro de acolhimento, desde que este preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c) do n.o 1.

[...]»

Direito luxemburguês

7

A Lei de 29 de agosto de 2008 relativa à livre circulação das pessoas e à imigração (loi du 29 août 2008 portant sur la libre circulation des personnes et l’immigration) (a seguir «lei relativa à livre circulação») (Mémorial A 2008, p. 2024) visa transpor as Diretivas 2003/86 e 2004/38 para a ordem jurídica luxemburguesa.

8

Nos termos do artigo 6.o desta lei:

«(1)   O cidadão da União tem direito de residir no território por um período superior a três meses, se preencher um dos seguintes requisitos:

1.

exercer enquanto trabalhador uma atividade assalariada ou independente;

2.

dispor, para si próprio e para os membros da sua família, conforme referidos no artigo 12.o, de recursos suficientes a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social, bem como de um seguro de doença;

3.

estar inscrito num estabelecimento de ensino público ou privado reconhecido no Grão‑Ducado do Luxemburgo nos termos das disposições legislativas e regulamentares em vigor, com o objetivo principal de seguir os seus estudos ou, neste âmbito, uma formação profissional, garantindo simultaneamente que dispõe de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de evitar tornar‑se uma sobrecarga para o regime de segurança social, e de um seguro de doença.

(2)   Um regulamento grão‑ducal especificará os recursos exigidos nos pontos 2 e 3 do anterior n.o 1 e as modalidades de acordo com as quais deverá ser feita a prova.

[...]»

9

O artigo 12.o da referida lei dispõe:

«(1)   São considerados membros da família:

[...]

d)

os ascendentes diretos que estejam a cargo do cidadão da União e os ascendentes diretos que estejam a cargo do cônjuge ou do parceiro referido na alínea b).

(2)   O Ministro pode autorizar qualquer outro membro da família, independentemente da sua nacionalidade, que não esteja abrangido pela definição constante do n.o 1 a residir no seu território, desde que preencha um dos seguintes requisitos:

1.

no país de origem, tenha estado a cargo ou tenha vivido em comunhão de habitação com o cidadão da União beneficiário do direito de residência a título principal;

2.

o cidadão da União tenha de cuidar imperativamente e pessoalmente do membro da sua família em causa, por motivos de saúde graves.

O pedido de entrada e de residência dos membros da família referidos no ponto anterior é sujeito a uma análise aprofundada que toma em consideração as suas circunstâncias pessoais.

[...]»

10

Nos termos do artigo 103.o da mesma lei:

«Antes de tomar uma decisão de recusa de residência, de retirada ou de não renovação do título de residência ou uma decisão de afastamento do território contra o nacional de país terceiro, o Ministro toma em consideração, nomeadamente, a duração da residência da pessoa em causa no território luxemburguês, a sua idade, o seu estado de saúde, a sua situação familiar e económica, a sua integração social e cultural no país e a intensidade dos seus laços com o seu país de origem, exceto se a sua presença constituir uma ameaça para a ordem pública ou para a segurança pública.

Nenhuma decisão de afastamento do território, com exceção das que se basearem em motivos graves de segurança pública, poderá ser tomada contra um menor não acompanhado de um representante legal, a não ser que o afastamento seja considerado necessário no interesse do menor.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

11

A. Alokpa, nacional togolesa, apresentou em 21 de novembro de 2006 às autoridades luxemburguesas um pedido de proteção internacional, ao abrigo da Lei de 5 de maio de 2006 relativa ao direito de asilo e às formas complementares de proteção (loi du 5 mai 2006 relative au droit d’asile et à des formes complémentaires de protection) (Mémorial A 2006, p. 1402). Contudo, este pedido foi indeferido por aquelas autoridades e a decisão destas últimas foi confirmada pelos órgãos jurisdicionais luxemburgueses.

12

Em seguida, A. Alokpa apresentou às referidas autoridades um pedido para que lhe fosse atribuído o statut de tolérance (estatuto de tolerância). Embora este pedido tenha inicialmente sido objeto de uma decisão de indeferimento, foi reapreciado e o referido estatuto foi atribuído a A. Alokpa até 31 de dezembro de 2008, uma vez que a interessada tinha dado à luz duas crianças gémeas em 17 de agosto de 2008, na cidade do Luxemburgo, e que, atendendo ao caráter prematuro do seu nascimento, estas deviam beneficiar de cuidados.

13

Os filhos de A. Alokpa foram reconhecidos por J. Moudoulou, nacional francês, no momento em que foram lavrados os assentos de nascimento. Têm nacionalidade francesa e foram emitidos a seu favor passaporte e bilhete de identidade francês, respetivamente, em 15 de maio e 4 de junho de 2009.

14

Entretanto, as autoridades luxemburguesas indeferiram um pedido de prorrogação do statut de tolérance apresentado por A. Alokpa, tendo‑lhe contudo sido atribuído um sursis à l’éloignement (suspensão do afastamento) válido até 5 de junho de 2010, o qual não foi posteriormente prorrogado.

15

Em 6 de maio de 2010, A. Alokpa apresentou um pedido de autorização de residência, nos termos da lei relativa à livre circulação. Em resposta a um pedido de informações complementares do Ministro, A. Alokpa indicou que não se podia instalar com os seus filhos em território francês, onde reside o pai das crianças, uma vez que não mantinha nenhuma relação com este último e que as referidas crianças necessitavam de acompanhamento médico no Luxemburgo devido ao seu nascimento prematuro. Por decisão de 14 de outubro de 2010, o Ministro indeferiu esse pedido.

16

Segundo esta decisão, por um lado, uma vez que o direito de residência dos membros da família de um cidadão da União é limitado aos ascendentes diretos que estejam a cargo deste, A. Alokpa não preenchia este requisito. Por outro lado, os filhos de A. Alokpa também não preenchiam os requisitos previstos no artigo 6.o, n.o 1, da lei relativa à livre circulação. Além disso, a referida decisão salientou que o acompanhamento médico destas crianças podia ser perfeitamente assegurado em França e que A. Alokpa também não preenchia os requisitos exigidos para poder ser abrangida pelas outras categorias de autorização de residência previstas na referida lei.

17

A. Alokpa interpôs, em seu próprio nome e em nome dos seus dois filhos, recurso da decisão do Ministro no tribunal administratif (tribunal administrativo) (Luxemburgo). Por decisão de 21 de setembro de 2011, esse órgão jurisdicional julgou o recurso improcedente. Por petição apresentada em 31 de outubro de 2011, A. Alokpa recorreu do referido acórdão para o órgão jurisdicional de reenvio.

18

Este último órgão jurisdicional salienta que é facto assente que nunca houve vida familiar entre os filhos de A. Alokpa e o pai daqueles, o qual se limitou a declarar o nascimento dos filhos e a tornar possível a emissão dos respetivos documentos de identificação franceses. O mesmo órgão jurisdicional verifica igualmente que A. Alokpa e os seus filhos vivem, de facto, a sua vida familiar em comum num lar de acolhimento desde que estas crianças tiveram alta após o internamento prolongado na maternidade, e que não se pode dizer de forma rigorosa que estas últimas crianças exerceram o seu direito de livre circulação.

19

Neste contexto, a Cour administrative decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 20.o TFUE, se necessário em conjugação com os artigos 20.°, 21.°, 24.°, 33.° e 34.° da Carta dos Direitos Fundamentais [da União Europeia], ou algum ou alguns deles, considerados de forma separada ou combinada, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro, por um lado, recuse a um nacional de um Estado terceiro, que tem exclusivamente a seu cargo os seus filhos de tenra idade, cidadãos da União, a residência no Estado‑Membro de residência destes últimos onde vive com eles desde que nasceram[,] sem terem a nacionalidade desse Estado[,] e, por outro, recuse ao referido nacional de um Estado terceiro uma autorização de residência ou até mesmo uma autorização de trabalho?

Essas decisões devem ser consideradas suscetíveis de privar as referidas crianças, no seu país de residência no qual vivem desde que nasceram, do gozo efetivo do essencial dos direitos associados ao estatuto de cidadão da União também na circunstância de o seu outro ascendente direto, com o qual nunca tiveram uma vida familiar comum, residir noutro Estado‑Membro da União, de que é nacional?»

Quanto à questão prejudicial

20

A título preliminar, importa salientar que, mesmo que o órgão jurisdicional de reenvio tenha limitado as suas questões à interpretação do artigo 20.o TFUE, tal circunstância não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação do direito da União que podem ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, independentemente de esse órgão jurisdicional se ter ou não referido a esses elementos no enunciado das suas questões (v., neste sentido, acórdão de 5 de maio de 2011, McCarthy, C-434/09, Colet., p. I-3375, n.o 24 e jurisprudência referida).

21

Assim, a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio deve ser entendida no sentido de que visa saber, no essencial, se, numa situação como a que está em causa no processo principal, os artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que um Estado‑Membro recuse a um nacional de um país terceiro um direito de residência no seu território, quando esse nacional tenha exclusivamente a seu cargo crianças de tenra idade que são cidadãos da União que residem consigo nesse Estado‑Membro desde que nasceram, que não têm a nacionalidade do referido Estado‑Membro e que não exerceram o seu direito de livre circulação.

22

A este respeito, importa recordar que os eventuais direitos atribuídos aos nacionais de países terceiros pelas disposições do direito da União respeitantes à cidadania da União não são direitos próprios dos referidos nacionais, mas direitos derivados do exercício da liberdade de circulação por parte de um cidadão da União. A finalidade e a justificação dos referidos direitos derivados, designadamente dos direitos de entrada e de residência dos membros da família de um cidadão da União, têm por base a constatação de que não os reconhecer pode afetar a liberdade de circulação do referido cidadão, dissuadindo‑o de exercer os seus direitos de entrada e de residência no Estado‑Membro de acolhimento (v., neste sentido, acórdão de 8 de maio de 2013, Ymeraga e Ymeraga‑Tafarshiku, C‑87/12, n.o 35 e jurisprudência referida).

23

Do mesmo modo, importa sublinhar que há situações que, ainda que regidas por regulamentações que a priori são da competência dos Estados‑Membros, a saber, regulamentações relativas ao direito de entrada e de residência dos nacionais de países terceiros que ficam de fora do âmbito de aplicação das disposições do direito derivado que, em certas condições, preveem a atribuição desse direito, são, contudo, caracterizadas pelo facto de terem uma relação intrínseca com a liberdade de circulação de um cidadão da União que se opõe a que o referido direito de entrada e de residência seja recusado aos referidos nacionais no Estado‑Membro em que esse cidadão reside, para que a sua liberdade de circulação não seja afetada (v. acórdão Ymeraga e Ymeraga‑Tafarshiku, já referido, n.o 37).

24

No presente caso, há que salientar, em primeiro lugar, que não se pode considerar que A. Alokpa beneficia da qualidade de titular da Diretiva 2004/38, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, desta última.

25

Com efeito, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a qualidade de membro da família «a cargo» do cidadão da União titular do direito de residência resulta de uma situação de facto caracterizada pela circunstância de o sustento material do membro da família ser assegurado pelo titular do direito de residência, de modo que, quando se apresente a situação inversa, concretamente, quando seja o titular do direito de residência que está a cargo de um nacional de um país terceiro, este último não pode invocar em seu benefício a qualidade de ascendente «a cargo» do referido titular, na aceção da Diretiva 2004/38, para beneficiar de um direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento (acórdão de 8 de novembro de 2012, Iida, C‑40/11, n.o 55).

26

No presente caso, são os titulares do direito de residência, a saber, os dois filhos de A. Alokpa, que estão efetivamente a cargo desta, pelo que a interessada não pode invocar em seu benefício a qualidade de ascendente a cargo daqueles, na aceção da Diretiva 2004/38.

27

Todavia, no âmbito de uma situação semelhante à do processo principal, em que um cidadão da União tinha nascido no Estado‑Membro de acolhimento e não tinha exercido o direito de livre circulação, o Tribunal de Justiça declarou que a expressão «disponha» de recursos suficientes, que constava de uma disposição análoga à do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, devia ser interpretada no sentido de que basta que os cidadãos da União disponham desses recursos, sem que esta disposição contenha a menor exigência quanto à sua proveniência, podendo estes recursos ser fornecidos, designadamente, pelo nacional de um Estado terceiro, progenitor dos cidadãos de tenra idade em questão (v., neste sentido, relativamente a instrumentos de direito da União anteriores a esta diretiva, acórdão de 19 de outubro de 2004, Zhu e Chen, C-200/02, Colet., p. I-9925, n.os 28 e 30).

28

Consequentemente, foi declarado que o facto de não permitir que o progenitor, nacional de um Estado‑Membro ou de um Estado terceiro, que tem efetivamente a guarda de um cidadão da União que é menor, resida com esse cidadão no Estado‑Membro de acolhimento privaria de efeito útil o direito de residência deste último, dado que o gozo do direito de residência por um criança de tenra idade implica necessariamente que essa criança tenha direito de ser acompanhada pela pessoa que efetivamente a tem a seu cargo e, desse modo, que essa pessoa esteja em condições de residir com a criança no Estado‑Membro de acolhimento durante esse período de residência (v. acórdãos, já referidos, Zhu e Chen, n.o 45, e Iida, n.o 69).

29

Assim, se o artigo 21.o TFUE e a Diretiva 2004/38 conferem um direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento a um nacional, menor, de tenra idade, de outro Estado‑Membro que preenche os requisitos fixados no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva, estas mesmas disposições permitem que o progenitor que efetivamente tem esse nacional a seu cargo resida com este no Estado‑Membro de acolhimento (v., neste sentido, acórdão, já referido, Zhu e Chen, n.os 46 e 47).

30

No presente caso, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se os filhos de A. Alokpa preenchem os requisitos fixados no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 e, como tal, se são titulares de um direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento ao abrigo do artigo 21.o TFUE. Em particular, aquele órgão jurisdicional deve verificar se as referidas crianças dispõem, por elas próprias ou por intermédio da sua mãe, de recursos suficientes e de uma cobertura extensa de seguro de doença, na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38.

31

Caso os requisitos fixados no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 não se encontrem preenchidos, o artigo 21.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que seja recusado a A. Alokpa um direito de residência no território luxemburguês.

32

Em segundo lugar, no que respeita ao artigo 20.o TFUE, o Tribunal de Justiça constatou que existem situações muito específicas nas quais, não obstante o direito secundário relativo ao direito de residência dos nacionais de países terceiros não ser aplicável e o cidadão da União em causa não ter utilizado a sua liberdade de circulação, um direito de residência não pode, a título excecional, ser recusado a um nacional de um país terceiro, membro da família do referido cidadão, sob pena de se ignorar o efeito útil da cidadania da União de que goza, se, como consequência de tal recusa, esse cidadão viesse, na prática, a ser obrigado a abandonar o território da União considerado no seu todo, privando‑o desse modo do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo estatuto de cidadão da União (v. acórdãos, já referidos, Iida, n.o 71, e Ymeraga e Ymeraga‑Tafarshiku, n.o 36).

33

Assim, se o órgão jurisdicional de reenvio constatar que o artigo 21.o TFUE não se opõe a que seja recusado a A. Alokpa um direito de residência no território luxemburguês, esse órgão jurisdicional deve ainda verificar se esse direito de residência poderá, contudo, ser‑lhe concedido, a título excecional, sob pena de se ignorar o efeito útil da cidadania da União de que gozam os filhos da interessada, na medida em que em consequência dessa recusa, na prática, estes seriam obrigados a abandonar o território da União considerado no seu todo, privando‑os desse modo do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo referido estatuto.

34

A este respeito, conforme salientou o advogado‑geral nos n.os 55 e 56 das suas conclusões, A. Alokpa, na qualidade de mãe de Jarel e de Eja Moudoulou e na qualidade de pessoa que exerce sozinha a guarda efetiva destes últimos desde que nasceram, poderia beneficiar de um direito derivado de os acompanhar e de com eles residir no território francês.

35

Daqui decorre que, em princípio, a recusa das autoridades luxemburguesas em atribuir a A. Alokpa um direito de residência não pode ter como consequência obrigar os seus filhos a abandonarem o território da União considerado no seu todo. Contudo, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, atendendo às circunstâncias do litígio no processo principal, esse é efetivamente o caso.

36

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à questão submetida que, numa situação como a que está em causa no processo principal, os artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que um Estado‑Membro recuse a um nacional de um país terceiro o direito de residência no seu território, quando esse nacional tenha exclusivamente a seu cargo crianças de tenra idade, cidadãos da União, que com ele residam nesse Estado‑Membro desde que nasceram, sem terem a nacionalidade desse mesmo Estado e sem terem exercido o seu direito de livre circulação, na medida em que esses cidadãos da União não preencham os requisitos fixados na Diretiva 2004/38 ou em que essa recusa não prive os referidos cidadãos do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo estatuto de cidadão da União, facto que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto às despesas

37

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

Numa situação como a que está em causa no processo principal, os artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que um Estado‑Membro recuse a um nacional de um país terceiro o direito de residir no seu território, quando esse nacional tenha exclusivamente a seu cargo crianças de tenra idade, cidadãos da União, que com ele residam nesse Estado‑Membro desde que nasceram, sem terem a nacionalidade desse mesmo Estado e sem terem exercido o seu direito de livre circulação, na medida em que esses cidadãos da União não preencham os requisitos fixados na Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, ou em que essa recusa não prive os referidos cidadãos do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo estatuto de cidadão da União, facto que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.