ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

17 de janeiro de 2013 ( *1 )

«Regulamento (CE) n.o 562/2006 — Código comunitário relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) — Alegada violação do direito ao respeito da dignidade humana — Tutela jurisdicional efetiva — Direito de acesso a um tribunal»

No processo C-23/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Augstākās tiesas Senāts (Letónia), por decisão de 11 de janeiro de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 17 de janeiro de 2012, no processo intentado por

Mohamad Zakaria,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, A. Rosas (relator), E. Juhász, D. Šváby e C. Vajda, juízes,

advogado-geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo letão, por I. Kalniņš e I. Ņesterova, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por G. Wils e A. Sauka, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), bem como dos artigos 6.°, n.o 1, e 13.°, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 562/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, que estabelece o código comunitário relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (JO L 105, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito do exame de um recurso interposto por M. Zakaria do indeferimento de um pedido de indemnização por perdas e danos apresentado pelo interessado em razão do comportamento de uma autoridade administrativa na altura da passagem da fronteira letã.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O considerando 20 do Regulamento n.o 562/2006 tem a seguinte redação:

«O presente regulamento respeita os direitos fundamentais e observa, em especial, os princípios reconhecidos na [Carta]. O regulamento deverá ser aplicado no respeito das obrigações dos Estados-Membros em matéria de proteção internacional e de não repulsão.»

4

O artigo 6.o deste regulamento, intitulado «Realização dos controlos de fronteira», tem a seguinte redação:

«1.   No desempenho das suas funções, os guardas de fronteira respeitam plenamente a dignidade humana.

Todas as medidas tomadas no exercício das suas funções são proporcionais aos objetivos visados por essas medidas.

2.   Ao efetuar os controlos de fronteira, os guardas de fronteira não discriminam as pessoas em razão do sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual.»

5

O artigo 13.o, n.o 3, do referido regulamento prevê:

«As pessoas a quem tenha sido recusada a entrada têm direito de recurso. Os recursos são tramitados em conformidade com o direito nacional. É também facultada ao nacional de país terceiro uma nota escrita indicando os pontos de contacto aptos a fornecer informações sobre os representantes habilitados a atuar em nome do nacional de país terceiro em conformidade com o direito nacional.

A interposição do recurso não tem efeito suspensivo na decisão de recusa de entrada.

Sem prejuízo de uma eventual compensação concedida nos termos do direito nacional, o nacional de país terceiro, no caso de no recurso se concluir que a decisão de recusa de entrada não tem fundamento, tem direito a que o Estado-Membro que lhe recusou a entrada proceda à correção do carimbo de entrada cancelado e de quaisquer outros cancelamentos ou aditamentos eventualmente efetuados.»

Direito letão

6

O artigo 20.o da Lei da imigração (Imigrācijas likums, Latvijas Vēstnesis,2002, n.o 169, p. 2744) dispõe:

«(1)   O estrangeiro tem direito a recorrer para a representação diplomática da decisão de recusa de entrada na República da Letónia no prazo de 30 dias.

(2)   O recurso referido no n.o 1 deste artigo será examinado pelo diretor da Guarda de Fronteiras ou pelo oficial por si autorizado, cuja decisão é irrecorrível.»

7

O artigo 76.o, n.o 2, do Código de Procedimento Administrativo (Administratīvā procesa likums, Latvijas Vēstnesis,2001, n.o 164, p. 2551), na sua versão aplicável à época dos factos, dispõe:

«Os atos administrativos podem ser objeto de reclamação junto da autoridade hierárquica superior. A lei ou os regulamentos do Conselho de Ministros podem designar uma outra autoridade junto da qual a reclamação do ato administrativo em causa pode ser apresentada. Caso assim não aconteça ou caso essa autoridade seja o Conselho de Ministros, o ato administrativo pode ser diretamente objeto de recurso jurisdicional.»

8

O artigo 89.o desse código, intitulado «Conceito de ato de facto de uma autoridade», dispõe:

«(1)   Um ato de facto é um ato que emana de uma autoridade no domínio do direito público, que não se manifesta sob a forma de um ato jurídico e que se destina a produzir efeitos factuais, se uma pessoa singular tiver direito a esse ato ou se este lesou ou corre o risco de lesar os direitos subjetivos e os interesses jurídicos de uma pessoa. São igualmente atos de facto os atos das autoridades que, independentemente da vontade destas, produzam efeitos factuais que causem ou possam causar uma lesão grave para os direitos de uma pessoa. Os atos de processo das autoridades (atos desprovidos de caráter de regulamento definitivo) não são atos de facto.

(2)   Constitui igualmente um ato de facto a falta de ação da autoridade, se esta era ou é obrigada pela lei a executar um ato, bem como um atestado emitido pela autoridade.»

9

O artigo 92.o do referido código, intitulado «Direito a indemnização», dispõe:

«Qualquer pessoa tem direito à indemnização dos danos materiais ou pessoais, incluindo os danos morais, sofridos na sequência de um ato administrativo ou de um ato de facto de uma autoridade.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10

Como resulta da decisão de reenvio, em 28 de novembro de 2010, M. Zakaria apanhou um avião de Beirute (Líbano) para Copenhaga (Dinamarca) via Riga (Letónia). O documento de identidade de que M. Zakaria dispunha era um documento de viagem de refugiado palestiniano emitido pela República Libanesa. O interessado tinha obtido, em 27 de novembro de 2008, uma autorização de residência permanente na Suécia onde, segundo afirmava, vivia há dez anos e tinha encetado um procedimento de aquisição da nacionalidade desse Estado-Membro. Dirigia-se para Copenhaga, pois o seu domicílio, situado em Lund (Suécia) era de mais fácil e rápido acesso a partir de Copenhaga.

11

No aeroporto de Riga, os guardas de fronteira efetuaram um controlo do documento de identidade de M. Zakaria e autorizaram finalmente a entrada do interessado na Letónia e no território dos Estados-Membros partes na Convenção de aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de junho de 1985, entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns (JO 2000, L 239, p. 19), assinada em Schengen, em 19 de junho de 1990. No entanto, segundo M. Zakaria, esse controlo foi efetuado de forma grosseira, provocante e ofensiva para a dignidade humana. Em razão do prazo necessário para o referido controlo, o interessado perdeu o avião com destino a Copenhaga.

12

Pondo em causa os atos dos guardas de fronteira praticados durante o controlo na fronteira e considerando que esses atos lhe tinham causado um dano moral, M. Zakaria reclamou para o diretor dos guardas de fronteira e pediu a reparação dos danos num montante de 7000 LVL.

13

A decisão n.o 25 tomada em 28 de fevereiro de 2011 por esse diretor reconheceu a legalidade dos referidos atos e do ato administrativo adotado na sequência dos mesmos, a saber, a autorização de entrada de M. Zakaria, pessoa em trânsito, no território da República da Letónia, Estado-Membro parte na referida Convenção de aplicação do Acordo de Schengen. Pelo contrário, indeferiu o pedido do interessado na parte relativa à reparação dos danos reclamada.

14

M. Zakaria dirigiu-se ao administratīvā rajona tiesa (Tribunal Administrativo de Distrito) para fazer reconhecer a ilegalidade dos atos de facto dos guardas de fronteira e obter uma indemnização dos seus danos pessoais e morais avaliada num montante de 7000 LVL.

15

Por decisão do administratīvā rajona tiesa de 29 de março de 2011, o pedido de M. Zakaria foi julgado inadmissível à luz do procedimento administrativo. Esta decisão baseava-se nos seguintes argumentos.

16

Segundo o referido órgão jurisdicional, o artigo 20.o da Lei da imigração prevê que os estrangeiros cuja entrada na Letónia seja recusada estão no direito de apresentar junto da representação diplomática uma reclamação contra a decisão de recusa de entrada no prazo de 30 dias após a adoção da decisão de recusa. O diretor dos guardas de fronteira ou o seu delegado examina a reclamação e a sua decisão não é suscetível de recurso.

17

Na falta de recurso para um tribunal contra uma recusa de autorização de entrada na Letónia, o pedido de declaração de um vício de processo cometido na altura de um procedimento de adoção de uma decisão de autorização de entrada nesse Estado-Membro também não poderá ser examinado por um tribunal.

18

Um pedido de indemnização não poderá ser considerado um pedido distinto, pois é indissociável do pedido principal. Por conseguinte, na falta de pedido principal, o pedido de indemnização de um dano pessoal e moral não é admissível e deve ser igualmente rejeitado.

19

M. Zakaria interpôs recurso da decisão do administratīvā rajona tiesa. O Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo Regional) confirmou a fundamentação dessa decisão. Este último órgão jurisdicional admitiu, no entanto, que, se M. Zakaria considerava que os guardas de fronteira tinham lesado a sua honra e a sua dignidade dando origem a um direito a indemnização, podia apresentar um pedido de indemnização perante um tribunal comum.

20

M. Zakaria interpôs recurso da decisão do Administratīvā apgabaltiesa para o Augstākās tiesas Senāts (Senado do Supremo Tribunal). Nos termos desse recurso, não deseja a revisão da decisão de autorização de entrada no território letão, mas visa, sobretudo, os atos de facto dos guardas de fronteira praticados no momento da tomada de decisão, mas não relacionados com esta. Alega igualmente que esses atos de facto integram a definição que figura no artigo 89.o do Código de Procedimento Administrativo.

21

O Augstākās tiesas Senāts, órgão jurisdicional de reenvio, expõe que, na falta de via de recurso contra a decisão do diretor dos guardas de fronteira para um órgão jurisdicional administrativo e tendo em conta o facto de o recurso de M. Zakaria ser dirigido contra atos praticados no decurso de um procedimento administrativo, o pedido de indemnização não pode ser examinado no quadro de um processo cível. No entanto, tem dúvidas quanto à compatibilidade, com as disposições do artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 562/2006, das normas nacionais que se opõem a que possa ser interposto recurso de uma decisão para um órgão jurisdicional ou para uma instituição que, a nível institucional e funcional, garanta uma exame independente e objetivo do recurso.

22

Da mesma forma, esse órgão jurisdicional tem dúvidas quanto ao facto de o artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 562/2006 garantir um direito de recurso unicamente no caso de ser recusada a entrada à pessoa no território do Estado em causa, e considera que uma pessoa pode contestar as infrações cometidas no procedimento, nomeadamente os atentados à dignidade humana, mesmo quando o conteúdo da decisão administrativa seja favorável.

23

Tendo em conta estes elementos, o Augstākās tiesas Senāts decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 562/2006 […] prevê o direito de recorrer não só da decisão que recusa a entrada no país mas também das infrações cometidas durante o procedimento que levou à tomada da decisão que autoriza a entrada?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, a referida norma jurídica impõe ao Estado-Membro, tendo em conta o disposto no [considerando 20] e no artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 562/2006, [bem] como no artigo 47.o da Carta […], a obrigação de garantir um recurso efetivo perante um órgão jurisdicional?

3)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão e de resposta negativa à segunda [questão], o artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 562/2006 impõe ao Estado-Membro, tendo em conta o disposto no [considerando 20] e no artigo 6.o, n.o 1, deste [r]egulamento, [bem como] no artigo 47.o da Carta […], a obrigação de garantir um recurso efetivo perante um órgão administrativo que, do ponto de vista institucional e funcional, ofereça as mesmas garantias que um órgão jurisdicional?»

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

24

Foram apresentadas observações no Tribunal de Justiça pelo Governo letão e pela Comissão. M. Zakaria, que não apresentou, ele próprio, observações escritas e em nome do qual nenhuma observação foi apresentada, pediu para poder apresentar as suas observações na fase oral do processo, indicando que desejava descrever os factos relativos ao incidente em causa no processo principal e que os seus interesses eram representados pelo Latvijas Cilvektiesību centrs (Centro letão dos direitos do homem).

25

Em conformidade com o disposto no artigo 76.o, n.o 2, do seu Regulamento de Processo, mediante proposta do juiz-relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal de Justiça pode decidir não realizar audiência de alegações se, lidos os articulados ou observações apresentados durante a fase escrita do processo, considerar que dispõe das informações suficientes para se pronunciar. Em conformidade com o n.o 3 desse artigo 76.o, essa disposição não é aplicável quando um pedido de audiência de alegações tiver sido apresentado, fundamentadamente, por um interessado referido no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que não tenha participado na fase escrita do processo.

26

Não resulta da decisão de reenvio nem dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que M. Zakaria tenha sido representado perante o órgão jurisdicional de reenvio pelo Latvijas Cilvektiesību centrs. Assim, não está demonstrado que esse organismo esteja habilitado a representar particulares de harmonia com as normas de processo letãs aplicáveis, como o prevê o artigo 47.o, n.o 2, do Regulamento de Processo.

27

O Tribunal de Justiça convidou, por consequência, M. Zakaria a confirmar que tinha dado mandato ao Latvijas Cilvektiesību centrs para o representar perante o Tribunal de Justiça e a precisar, em primeiro lugar, se esse organismo está autorizado, de harmonia com o direito letão, a representar particulares perante os órgãos jurisdicionais nacionais e, em segundo lugar, se é o representante desse centro que tomará a palavra na audiência de alegações. Não tendo M. Zakaria respondido no prazo estabelecido pelo Tribunal de Justiça e uma vez que nenhum outro interessado visado no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça pediu a abertura da fase oral do processo, o Tribunal de Justiça prescindiu da organização de uma audiência de alegações, considerando dispor das informações suficientes para se pronunciar.

Observação preliminar

28

Resulta da decisão de reenvio, do exame dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça e das observações da Comissão que as disposições pertinentes do direito letão são objeto de interpretações divergentes no que diz respeito à possibilidade de impugnar judicialmente os atos de facto dos guardas de fronteira e de obter a indemnização dos danos pessoais e morais que esses guardas possam ter causado a uma pessoa, no caso de ter sido tomada uma decisão administrativa positiva, a saber, uma autorização de entrada no território letão.

29

A este propósito, importa recordar que, como resulta de jurisprudência constante, quando responde a uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional de um Estado-Membro em conformidade com o disposto no artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça não é competente para interpretar o direito interno desse Estado-Membro (v., designadamente, acórdãos de 12 de outubro de 1993, Vanacker e Lesage, C-37/92, Colet., p. I-4947, n.o 7; de 20 de outubro de 2005, Ten Kate Holding Musselkanaal e o., C-511/03, Colet., p. I-8979, n.o 25; e de 19 de setembro de 2006, Wilson, C-506/04, Colet., p. I-8613, n.o 34).

30

É tendo em conta este elemento e a incerteza quanto ao teor exato do direito processual letão que o Tribunal de Justiça se esforçará por fornecer ao Augstākās tiesas Senāts os elementos de interpretação do direito da União que lhe permitam apreciar a compatibilidade das normas de direito interno com a regulamentação da União.

Quanto às questões prejudiciais

31

Através da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 562/2006 prevê que uma pessoa tem o direito de interpor recurso não só de uma recusa de entrada no território de um Estado-Membro mas também das infrações cometidas no decurso do procedimento de adoção de uma decisão que autoriza tal entrada. Através da segunda e terceira questões, esse órgão jurisdicional pergunta se, em caso de resposta afirmativa à primeira questão, a disposição supramencionada impõe ao Estado-Membro assegurar a concretização de um recurso para um tribunal ou para uma instituição que apresente, a nível institucional e funcional, as mesmas garantias que um órgão jurisdicional.

32

Há que examinar essas questões conjuntamente.

33

No tocante ao artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 562/2006, este prevê que as pessoas a quem tenha sido recusada a entrada têm o direito de recurso. Segundo a referida disposição, tais recursos tramitam em conformidade com o direito nacional.

34

Deve acrescentar-se que o artigo 13.o do Regulamento n.o 562/2006 é inteiramente consagrado às questões relativas à recusa de entrada.

35

Como o Governo letão e a Comissão o sublinharam, o artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 562/2006 prevê a obrigação de os Estados-Membros estabelecerem uma via de recurso apenas contra decisões de recusa de entrada.

36

Por outro lado, afigura-se que nem o requerente no processo principal nem o órgão jurisdicional de reenvio puseram em causa a validade da referida disposição.

37

Através da segunda e terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 562/2006, lido à luz do considerando 20 deste regulamento e do artigo 6.o, n.o 1, deste último, bem como do artigo 47.o da Carta, prevê uma obrigação de um Estado-Membro assegurar a concretização de um recurso contra as alegadas infrações cometidas no decurso do procedimento de adoção de uma decisão que autoriza a entrada para um tribunal ou para uma instituição que apresente, a nível institucional e funcional, as mesmas garantias de um órgão jurisdicional.

38

Tendo essas duas questões sido submetidas unicamente em caso de resposta afirmativa à primeira questão, a saber, no sentido de que o artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 562/2006 prevê que uma pessoa tem o direito de interpor recurso não só contra uma recusa de entrada mas também contra as infrações alegadas pelo recorrente e descritas no n.o 11 do presente acórdão, não há que lhes responder.

39

De qualquer forma, a decisão de reenvio não fornece informações suficientes sobre o litígio no processo principal, nomeadamente sobre os factos pertinentes, para que o Tribunal de Justiça possa determinar qual seja a pertinência do artigo 6.o do Regulamento n.o 562/2006 para efeitos do exame desse litígio. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça não está em condições de determinar se a situação do recorrente no processo principal se rege pelo direito da União na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, segundo o qual as disposições desta têm por destinatários os Estados-Membros apenas quando estes apliquem o direito da União (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 5 de outubro de 2010, McB., C-400/10 PPU, Colet., p. I-8965, n.o 51, e de 8 de novembro de 2012, Iida, C-40/11, n.os 79 a 81).

40

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, à luz das circunstâncias do litígio no processo principal, se a situação do recorrente no processo principal está abrangida pelo direito da União e, se tal acontecer, se uma recusa de reconhecer a esse recorrente o direito de apresentar os seus pedidos em juízo lesa direitos reconhecidos no artigo 47.o da Carta. A este propósito, deve recordar-se que os guardas de fronteira no exercício das suas funções, na aceção do artigo 6.o do referido regulamento, são obrigados, nomeadamente, a respeitar plenamente a dignidade humana. Cabe aos Estados-Membros prever na sua ordem interna as vias de recurso adequadas para assegurar, no respeito do artigo 47.o da Carta, a proteção das pessoas que fazem valer os direitos que as mesmas extraem do artigo 6.o do Regulamento n.o 562/2006.

41

Em contrapartida, se esse órgão jurisdicional considerar, à luz da resposta dada pelo Tribunal de Justiça à primeira questão, que a referida situação não está abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União, deverá proceder a um exame desta à luz do direito nacional, tomando igualmente em consideração a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, na qual todos os Estados-Membros são partes (v., neste sentido, acórdão de 15 de novembro de 2011, Dereci e o., C-256/11, Colet., p. I-11315, n.os 72 e 73).

42

Em face das considerações precedentes, deve responder-se às questões submetidas que o artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 562/2006 prevê apenas a obrigação de os Estados-Membros instituírem uma via de recurso contra as decisões de recusa de entrada no seu território.

Quanto às despesas

43

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O 13.°, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 562/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, que estabelece o código comunitário relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen), prevê apenas a obrigação de os Estados-Membros instituírem uma via de recurso contra as decisões de recusa de entrada no seu território.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: letão.