CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 21 de março de 2013 ( 1 )

Processo C‑86/12

Adzo Domenyo Alokpa

Jarel Moudoulou

Eja Moudoulou

contra

Ministre du Travail, de l’Emploi et de l’Immigration

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour administrative (Luxemburgo)]

«Cidadania da União — Artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE — Diretiva 2004/38/CE — Direito de residência — Crianças menores que têm a nacionalidade de um Estado‑Membro que estejam a cargo de um ascendente que é nacional de um Estado terceiro — Recusa de um Estado‑Membro lhes conceder residência, uma autorização de residência e uma autorização de trabalho — Consequências no gozo efetivo dos direitos associados ao estatuto de cidadão da União»

I — Introdução

1.

O presente pedido de decisão prejudicial, apresentado pela Cour administrative (Luxemburgo), tem por objeto a interpretação do artigo 20.o TFUE, conduzida eventualmente à luz dos direitos fundamentais, embora a sua principal problemática diga respeito ao preenchimento das condições previstas na Diretiva 2004/38/CE ( 2 ).

2.

A questão prejudicial submetida ao Tribunal de Justiça foi suscitada no âmbito de um litígio que opõe A. Alokpa, nacional togolesa, e os seus dois filhos, nascidos no Luxemburgo e que têm nacionalidade francesa, ao ministre du Travail, de l’Emploi et de l’Immigration (Ministro do Trabalho, do Emprego e da Imigração) luxemburguês, a respeito da decisão deste último que, por um lado, recusou atribuir a A. Alokpa um direito de residência no Luxemburgo, e, por outro, lhe ordenou que abandonasse o território luxemburguês.

3.

Mais precisamente, depois de as autoridades e órgãos jurisdicionais luxemburgueses terem indeferido o pedido de proteção internacional que apresentou, A. Alokpa solicitou a concessão de um «statut de tolérance» (estatuto de tolerância), que, numa primeira fase, também lhe foi negado. No entanto, devido ao nascimento prematuro dos seus gémeos na cidade do Luxemburgo (Luxemburgo) em 17 de agosto de 2008, A. Alokpa obteve o referido estatuto até 31 de dezembro de 2008. Poucos dias depois do nascimento, os gémeos foram reconhecidos pelo Sr. Moudoulou, nacional francês, e foram‑lhes emitidos um passaporte e um bilhete de identidade franceses em, respetivamente, 15 de maio e 4 de junho de 2009.

4.

Para regularizar o seu estatuto, a recorrente no processo principal apresentou, em 6 de maio de 2010, às autoridades luxemburguesas um pedido de autorização de residência na qualidade de membro da família de cidadãos da União Europeia. Depois ter recolhido junto de A. Alokpa informações complementares sobre as razões que a impediam de se instalar com os seus filhos no território francês onde reside o pai das crianças, essas autoridades, por decisão de 14 de outubro de 2010, indeferiram o referido pedido, sublinhando que nem A. Alokpa nem os seus filhos preenchiam as condições previstas na lei luxemburguesa que transpôs a Diretiva 2004/38. Por outro lado, a decisão salientava que o acompanhamento médico das crianças podia perfeitamente ser assegurado em França.

5.

Tendo em 21 de setembro de 2011 o tribunal administratif julgado improcedente o recurso de anulação das decisões acima mencionadas que A. Alokpa apresentou em seu próprio nome e no dos seus filhos, os recorrentes no processo principal recorreram desta decisão para a Cour administrative.

6.

O órgão jurisdicional de reenvio constata, em primeiro lugar, que A. Alokpa e os seus filhos viveram uma vida familiar comum num lar de acolhimento luxemburguês e estão, assim, a cargo do Estado, sem que tenham mantido contactos com o pai. Salienta, todavia, que A. Alokpa dispõe de uma proposta de emprego por tempo indeterminado no Luxemburgo, que só não se concretizou porque esta não dispõe de uma autorização de residência nem de uma autorização de trabalho.

7.

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio observa que a situação das duas crianças apresenta pontos comuns com o processo que deu origem ao acórdão Ruiz Zambrano ( 3 ), tendo no entanto salientado que os filhos de A. Alokpa não residem no território do Estado‑Membro de que são nacionais.

8.

Neste contexto, a Cour administrative decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 20.o TFUE, se necessário em conjugação com os artigos 20.°, 21.°, 24.°, 33.° e 34.° da Carta dos Direitos Fundamentais [da União Europeia (a seguir «Carta»)], ou algum ou alguns deles, considerados de forma separada ou combinada, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro, por um lado, recuse a um nacional de um Estado terceiro, que tem exclusivamente a seu cargo os seus filhos de tenra idade, cidadãos da União, a residência no Estado‑Membro de residência destes últimos onde vive com eles desde que nasceram, sem terem a nacionalidade desse Estado, e, por outro, recuse ao referido nacional de um Estado terceiro uma autorização de residência ou até mesmo uma autorização de trabalho?

Essas decisões devem ser consideradas suscetíveis de privar as referidas crianças, no seu país de residência no qual vivem desde que nasceram, do gozo efetivo do essencial dos direitos associados ao estatuto de cidadão da União também na circunstância de o seu outro ascendente direto, com o qual nunca tiveram uma vida familiar comum, residir noutro Estado‑Membro da União, de que é nacional?»

9.

Foram apresentadas observações escritas por A. Alokpa e pelos Governos luxemburguês, belga, checo, alemão, grego, lituano, neerlandês e polaco, bem como pela Comissão Europeia. Foram ouvidas as alegações das partes na audiência de 17 de janeiro de 2013, com exceção dos Governos belga, checo, grego, lituano e polaco que não se fizeram representar.

II — Análise jurídica

A — Observações preliminares

10.

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, por um lado, se um nacional de um Estado terceiro, que tem exclusivamente a seu cargo os seus filhos de tenra idade, que são cidadãos da União nascidos num Estado‑Membro diferente do da sua nacionalidade e que nunca exerceram o seu direito à livre circulação, pode extrair deste último um direito derivado de residência na aceção do artigo 20.o TFUE, e se, por outro lado, uma decisão que recuse essa residência e lhe ordena que abandone o território luxemburguês é suscetível de privar as referidas crianças do gozo efetivo do essencial dos direitos associados ao estatuto de cidadão da União.

11.

Para dar uma resposta útil à primeira parte da questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, penso que há que rejeitar desde já a afirmação deste, partilhada pelos Governos belga e alemão nas suas observações escritas, segundo a qual a situação em causa, à semelhança da que esteve na origem do acórdão Ruiz Zambrano, já referido, é «puramente interna».

12.

Com efeito, resulta do referido acórdão Ruiz Zambrano, bem como dos acórdãos McCarthy e Dereci e o. ( 4 ), que o artigo 20.o TFUE, referido na questão prejudicial, deve ser tomado em consideração quando não haja um elemento transfronteiriço atual na situação de cidadãos da União que residem no Estado‑Membro de que são nacionais e que nunca exerceram o seu direito à livre circulação.

13.

Ora, no litígio do processo principal, os filhos de A. Alokpa, ambos cidadãos da União, residem num Estado‑Membro de que não são nacionais.

14.

Esta situação pode assim ser equiparada à que esteve na origem do acórdão Zhu e Chen ( 5 ), no qual o Tribunal de Justiça considerou que a situação de uma criança de tenra idade, que é cidadã da União, que residia num Estado‑Membro diferente do da sua nacionalidade e que não tinha exercido o seu direito à livre circulação, estava no entanto abrangida pelo âmbito de aplicação das disposições do direito da União em matéria de livre circulação das pessoas ( 6 ), em especial, pelas disposições da Diretiva 90/364/CEE ( 7 ), que foi substituída e revogada pela Diretiva 2004/38.

15.

O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 prevê aliás que esta se aplica nomeadamente a todos os cidadãos da União que residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, o que corresponde à situação dos filhos de A. Alokpa.

16.

Por conseguinte, há que examinar, num primeiro momento, se, tendo em conta as circunstâncias do litígio do processo principal, crianças de tenra idade, cidadãs da União, que residam num Estado‑Membro de que não são nacionais, preenchem as condições constantes da Diretiva 2004/38, em especial as do seu artigo 7.o, n.o 1, alínea b). Num segundo momento, haverá que verificar se a sua mãe, enquanto ascendente direto, nacional de um Estado terceiro, pode beneficiar de um direito de residência derivado ( 8 ).

17.

Conforme permitido pela jurisprudência para responder de forma útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há assim que reformular a primeira parte da questão prejudicial na parte em que esta se refere à interpretação da Diretiva 2004/38, mencionada, de resto, no pedido de decisão prejudicial e sobre a qual os Governos luxemburguês, checo, grego, lituano, neerlandês e polaco, assim como a Comissão apresentaram o essencial das suas observações ( 9 ).

B — Quanto à primeira parte da questão prejudicial relativa ao preenchimento das condições previstas na Diretiva 2004/38

18.

Para responder à questão conforme reformulada, importa recordar que o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38 prevê que qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses desde que disponha de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, e de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento.

19.

Como o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Zhu e Chen, já referido, a propósito da disposição da Diretiva 90/364, substancialmente idêntica ao artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, basta que os nacionais dos Estados‑Membros «dispo[nham]» de recursos necessários, sem que esta disposição contenha a menor exigência quanto à proveniência dos mesmos ( 10 ).

20.

Por conseguinte, não é necessário, para preencher a condição dos «recursos suficientes» visada no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, que o cidadão da União disponha, ele próprio, desses recursos, podendo este invocar em seu benefício um direito de residência ainda que os recursos em questão provenham de um membro da sua família, ascendente direto que assegura a guarda desse cidadão.

21.

Contudo, resulta da decisão de reenvio que, ao contrário da situação em causa no litígio do processo principal que deu origem ao acórdão Zhu e Chen ( 11 ), os filhos de A. Alokpa não dispõem de nenhum meio de subsistência, o que os levou, juntamente com a sua mãe, a ficarem totalmente a cargo do Grão‑Ducado do Luxemburgo, residindo os três recorrentes no processo principal num lar de acolhimento no território deste último.

22.

Conforme referiram algumas das partes interessadas na audiência no Tribunal de Justiça, os filhos de A. Alokpa não preenchem assim as condições relativas à necessidade de disporem de recursos suficientes e de uma cobertura extensa de um seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento, na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38.

23.

No entanto, resulta também da decisão de reenvio que A. Alokpa nunca teve intenção de se tornar uma sobrecarga para o Estado luxemburguês e que recebeu uma proposta de trabalho para um trabalho por tempo indeterminado no Luxemburgo, estando essa proposta sujeita apenas à condição de obter uma autorização de residência e uma autorização de trabalho no Luxemburgo. A este respeito, importa recordar que A. Alokpa apresentou no decurso do processo no órgão jurisdicional de reenvio uma cópia da referida proposta de trabalho.

24.

Nesta fase, há que verificar a pertinência desta proposta de trabalho, e, assim, a possibilidade de ter em consideração, para preencher a condição dos «recursos suficientes», prevista no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, não recursos atuais, mas futuros ou potenciais.

25.

Esta questão foi amplamente debatida pelas partes interessadas na audiência no Tribunal de Justiça.

26.

Nessa ocasião, os Governos luxemburguês e neerlandês adotaram uma interpretação restritiva da condição enunciada no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, considerando que uma simples proposta de trabalho não constitui mais do que uma possibilidade hipotética de obter os recursos requeridos, o que não cabe na formulação desta disposição. Segundo os referidos Governos, os meios de subsistência têm de já ter sido adquiridos no momento da apresentação do pedido de residência, pelo que qualquer interpretação contrária tem como consequência privar de sentido e de efeito útil a exigência constante do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da referida diretiva.

27.

No plano dos princípios, esta posição não me convence.

28.

Com efeito, considero, à semelhança do Governo alemão e da Comissão, que a condição dos «recursos suficientes» é suscetível de ser preenchida com a perspetiva concreta de recursos futuros que provenham de uma proposta de trabalho à qual um cidadão da União ou um membro da sua família tenha respondido com êxito noutro Estado‑Membro. A interpretação inversa teria por consequência privar de efeito útil a livre circulação dos cidadãos da União, quando a Diretiva 2004/38 tem precisamente por objetivo reforçar o direito à livre circulação.

29.

Além disso, no que respeita ao montante dos recursos suficientes, o artigo 8.o, n.o 4, da Diretiva 2004/38 impõe aos Estados‑Membros que tomem em consideração a situação pessoal da pessoa em causa. Por conseguinte, quando se toma em consideração a situação concreta de uma pessoa, não se pode ignorar que esta recebeu uma proposta de trabalho da qual pode retirar rendimentos que lhe permitem preencher a condição prevista no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38. Uma interpretação contrária conduziria a um tratamento iníquo das situações individuais dos cidadãos da União e dos membros da sua família, que esvaziaria de sentido o artigo 8.o, n.o 4, dessa diretiva.

30.

Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio deve, em princípio, examinar a proposta de trabalho por tempo indeterminado que foi feita a A. Alokpa para verificar se os seus filhos, cidadãos da União, dispõem de «recursos suficientes» na aceção da Diretiva 2004/38.

31.

Contudo, este exame pode contrariar as normas processuais nacionais na medida em que, como já observei, essa proposta só foi apresentada em juízo no decurso da instância no contexto do recurso de anulação que A. Alokpa e os seus filhos interpuseram nos órgãos jurisdicionais administrativos luxemburgueses. Para proceder a esse exame, o órgão jurisdicional de reenvio deve assim estar habilitado a verificar a legalidade das decisões que nele foram impugnadas à luz de factos posteriores à sua adoção ( 12 ).

32.

Por outro lado, como o Governo alemão indicou corretamente na audiência, a Diretiva 2004/38 não contém uma disposição especial que permita afastar normas de processo nacionais.

33.

Compete assim ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se as referidas normas lhe concedem a possibilidade de tomar em consideração a proposta de trabalho apresentada no decurso da instância por A. Alokpa, à luz dos princípios bem assentes da equivalência e da efetividade ( 13 ).

34.

Se tal não suceder, e se, por conseguinte, as condições do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38 não estiverem preenchidas, pode todavia questionar‑se a possibilidade de as disposições da Carta — às quais o órgão jurisdicional de reenvio se referiu — poderem conduzir a que se flexibilize, ou mesmo a que se ignore, as referidas condições, em especial para assegurar a tomada em consideração do superior interesse da criança (artigo 24.o da Carta) e o respeito pela vida familiar (artigos 7.° e 33.° da Carta).

35.

No entanto, essa hipótese parece dificilmente concebível na medida em que conduziria a abstrair os limites impostos pelo artigo 21.o TFUE ao direito dos cidadãos da União de circular e residir livremente no território dos Estados‑Membros ( 14 ) e, portanto, conduziria, em minha opinião, a alterar as atribuições e competências definidas nos Tratados, em violação do artigo 51.o, n.o 2, da Carta.

36.

Nestas condições, já não haveria que questionar um eventual direito de residência derivado de A. Alokpa no Luxemburgo, uma vez que os seus filhos, cidadãos da União, não preencheriam as condições impostas pela Diretiva 2004/38.

37.

Na hipótese de o órgão jurisdicional de reenvio poder tomar em consideração a proposta de trabalho feita a A. Alokpa, e, assim, os recursos futuros ou potenciais dos seus filhos, mas no entanto ter dúvidas sobre o caráter suficiente desses recursos, as disposições da Carta devem então ser tomadas em consideração no momento da avaliação da situação pessoal destes últimos, tendo em particular conta os laços que podem ter criado com o Grão‑Ducado do Luxemburgo desde o seu nascimento no território deste Estado‑Membro.

38.

Se o órgão jurisdicional de reenvio devesse considerar que os filhos de A. Alokpa preenchem as condições do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, colocar‑se‑ia então a questão do direito derivado de que a sua mãe beneficiaria.

39.

Tratando‑se dos membros da família de cidadãos da União, o artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2004/38, visa apenas «os ascendentes diretos que estejam a cargo […]» do cidadão da União, o que, certamente, não sucede com A. Alokpa.

40.

No acórdão Zhu e Chen, já referido, proferido alguns meses após a adoção da Diretiva 2004/38 numa situação muito próxima da que está em causa no litígio do processo principal, o Tribunal de Justiça considerou que a mãe da cidadã da União de tenra idade não podia invocar a qualidade de ascendente «a cargo» na aceção da Diretiva 90/364, para beneficiar de um direito de residência derivado no Estado‑Membro de acolhimento ( 15 ).

41.

Em contrapartida, o Tribunal de Justiça excedeu o rigor desta condição, que já existia no texto da Diretiva 90/364 ( 16 ) sobre a qual foi chamado a pronunciar‑se, declarando que «quando […] o artigo 18.o CE [atual artigo 21.o TFUE] e a Diretiva 90/364 conferem um direito de residência de duração indeterminada no Estado‑Membro de acolhimento a um nacional de outro Estado‑Membro, menor, de tenra idade, essas mesmas disposições permitem ao progenitor que efetivamente tem esse nacional à sua guarda residir com este no Estado‑Membro de acolhimento» ( 17 ).

42.

Com base no referido acórdão Zhu e Chen, A. Alokpa poderiam assim beneficiar de um direito de residência derivado no Luxemburgo, ao abrigo tanto do artigo 21.o TFUE como das disposições da Diretiva 2004/38.

43.

Todavia, no acórdão Iida, já referido, o Tribunal de Justiça interpretou o direito derivado que resulta para um nacional de um Estado terceiro ascendente direto, não dependente de um cidadão da União de tenra idade, visado no acórdão Zhu e Chen, já referido, no sentido de que não está abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/38, mas que assenta apenas no artigo 21.o TFUE ( 18 ).

44.

Esta abordagem torna, em minha opinião, mais coerente o quadro jurídico aplicável aos nacionais de Estados terceiros, ascendentes diretos, não dependentes, de cidadãos da União de tenra idade, beneficiários das disposições da Diretiva 2004/38. Com efeito, se excluirmos que esses ascendentes diretos preenchem a condição de «[estar] a cargo» do cidadão da União, o que significa que ficam fora do âmbito de aplicação pessoal da Diretiva 2004/38, não se compreende por que motivo o direito de residência derivado de que podem beneficiar no Estado‑Membro de acolhimento deveria assentar nas disposições deste.

45.

Como o Tribunal de Justiça decidiu no acórdão Iida, já referido, é mais lógico basear esse direito de residência derivado direta e exclusivamente no direito primário da União, a saber, no artigo 21.o TFUE.

46.

Por conseguinte, na eventualidade de o órgão jurisdicional de reenvio considerar que os filhos de A. Alokpa, ao poderem beneficiar dos dados novos, invocados no processo nele pendente, preenchem as condições do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, pode então concluir‑se que, com base no artigo 21.o TFUE, a sua mãe pode gozar de um direito de residência derivado no Luxemburgo na qualidade de ascendente direto que assegura a guarda efetiva dos seus filhos, cidadãos da União.

47.

À luz destas considerações, proponho que se responda à primeira parte da questão prejudicial no sentido de que crianças de tenra idade, cidadãs da União, que estejam a cargo de um ascendente direto, não dependente, que assegura a respetiva guarda efetiva, são suscetíveis de poderem beneficiar das disposições da Diretiva 2004/38 para permitir que esse ascendente, nacional de um Estado terceiro, goze de um direito de residência derivado no território de um Estado‑Membro de que essas crianças não são nacionais. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se estão preenchidas as condições previstas no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da referida diretiva, tomando em consideração a situação pessoal dos cidadãos da União em causa, incluindo, se necessário for, os recursos futuros ou potenciais provenientes de uma proposta de trabalho feita ao referido ascendente direto, como a que está em causa no processo principal, tendo em conta os limites estabelecidos nas normas processuais nacionais e nas exigências resultantes dos princípios da equivalência e da efetividade.

C — Quanto à segunda parte da questão prejudicial relativa à perda do gozo do essencial dos direitos relativos à cidadania da União

48.

Na segunda parte da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio visa, essencialmente, saber se a jurisprudência Ruiz Zambrano, já referida, é aplicável no caso de A. Alokpa e os seus filhos, cidadãos franceses, terem de abandonar o território luxemburguês, numa situação em que o pai destes últimos, com o qual nunca tiveram uma vida familiar comum, reside em França, país de que ele próprio também é nacional.

49.

Como foi já indicado, a situação dos filhos de A. Alokpa é abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União, em particular pelas disposições da Diretiva 2004/38.

50.

Por conseguinte, o artigo 20.o TFUE, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Ruiz Zambrano, já referido, não é aplicável a uma situação como a que está em causa no litígio do processo principal, tanto mais que, a partir do momento em que os dois cidadãos da União de tenra idade se desloquem para outro Estado‑Membro, incluindo o da sua nacionalidade, deverá considerar‑se que exercem igualmente a sua liberdade de circulação, o que conduz a que a sua situação esteja, a fortiori, abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/38.

51.

Ainda que o artigo 20.o TFUE não se aplique, tal não retira, de modo nenhum, relevância à segunda parte da questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, uma vez que uma das decisões que deu origem ao litígio no processo principal ordena que A. Alokpa e, de facto, os seus filhos abandonem o território luxemburguês e cria um risco, pelo menos potencial, de afastar os cidadãos da União do território desta.

52.

Deste modo, há que verificar se a execução dessa decisão teria por efeito, na aceção da jurisprudência acima referida Ruiz Zambrano e Dereci e o., obrigar, de facto, os cidadãos da União a abandonarem o território da União considerado no seu todo ( 19 ) privando‑os do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo seu estatuto ( 20 ).

53.

A este respeito, deixa‑me perplexo a alegação dos recorrentes no processo principal, reiterada na audiência, segundo a qual A. Alokpa está impossibilitada de entrar e de residir na França com os seus filhos, pelo que seria assim obrigada a regressar ao Togo, o que, verosimilmente, levou o órgão jurisdicional de reenvio a referir‑se na sua questão à situação do pai das crianças em causa.

54.

Com efeito, importa ter em mente que, enquanto nacionais franceses, os filhos de A. Alokpa gozam do direito incondicional de aceder e de residir no território francês, em particular, ao abrigo do artigo 21.o TFUE e de um princípio de direito internacional, reafirmado no artigo 3.o do Protocolo n.o 4 anexo à Convenção Europeia para Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 ( 21 ).

55.

Por conseguinte, a decisão das autoridades luxemburgueses que ordenou a A. Alokpa e, de facto, aos seus filhos que abandonassem o território do Grão‑Ducado do Luxemburgo não podia obrigar estes últimos a abandonarem o território da União considerado no seu todo. Enquanto mãe e pessoa que exerce sozinha a guarda efetiva dos filhos desde que estes nasceram, A. Alokpa pode assim beneficiar, ela própria, de um direito derivado de residir no território francês.

56.

Nestas condições, não é concebível que as autoridades francesas possam recusar que A. Alokpa acompanhe os seus filhos no Estado‑Membro de que são nacionais e que aí resida com eles, a fortiori porque A. Alokpa é a única pessoa com a qual mantiveram uma vida familiar desde que nasceram ( 22 ). Uma solução inversa privaria de efeito útil os direitos relacionados com o gozo pleno e absoluto do estatuto fundamental de cidadão da União.

57.

Além disso, uma decisão de afastamento do território luxemburguês, tendo em conta a proximidade geográfica dos dois Estados‑Membros em causa, não põe em causa a possibilidade de A. Alokpa aceitar a proposta de trabalho feita por um empregador luxemburguês, na medida em que pode, por exemplo, exercer a sua atividade assalariada enquanto trabalhadora fronteiriça, como aliás sucede com milhares de residentes franceses.

58.

Daqui resulta que uma decisão das autoridades administrativas luxemburguesas que ordene a A. Alokpa e, de facto, aos seus filhos que abandonem o território luxemburguês não pode ser considerada suscetível de obrigar estes últimos a abandonarem o território da União considerado no seu todo, privando‑os do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo seu estatuto de cidadãos da União, uma vez que é pacífico que beneficiam de um direito incondicional de entrar e de residir no território do Estado‑Membro de que são nacionais, direito esse que, para manter o seu efeito útil, necessita que em França seja reconhecido um direito de residência derivado a A. Alokpa na qualidade de pessoa que assegura sozinha a guarda efetiva daqueles e com a qual mantiveram uma vida familiar comum desde que nasceram.

III — Conclusão

59.

Com base nas considerações precedentes, proponho que seja dada a seguinte resposta à questão prejudicial submetida pela Cour administrative:

Crianças de tenra idade, cidadãs da União, que estejam a cargo de um ascendente direto, não dependente, que assegura a respetiva guarda efetiva, são suscetíveis de poderem beneficiar das disposições da Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, para permitir que esse ascendente, nacional de um Estado terceiro, goze de um direito de residência derivado no território de um Estado‑Membro de que essas crianças não são nacionais. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se estão preenchidas as condições previstas no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da referida diretiva, tomando em consideração a situação pessoal dos cidadãos da União em causa, incluindo, se necessário for, os recursos futuros ou potenciais provenientes de uma proposta de trabalho feita ao referido ascendente direto, como a que está em causa no processo principal, tendo em conta os limites estabelecidos nas normas processuais nacionais e nas exigências resultantes dos princípios da equivalência e da efetividade.

Uma decisão de um Estado‑Membro, que ordena a saída do seu território a um cidadão de um Estado terceiro, ascendente direto e que assegura a guarda efetiva de crianças de tenra idade, cidadãos da União que possuem a nacionalidade de outro Estado‑Membro, não pode ser considerada suscetível de obrigar os referidos cidadãos a abandonarem o território da União considerado no seu todo, privando‑os do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo seu estatuto, uma vez que esses cidadãos têm um direito incondicional de entrar e de residir no território do Estado‑Membro de que são nacionais, direito este que necessita, para manter o seu efeito útil, que seja reconhecido um direito de residência derivado neste último Estado‑Membro ao referido ascendente direto na qualidade de pessoa que assegura sozinha a respetiva guarda efetiva e com a qual mantiveram uma vida familiar comum desde que nasceram.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77).

( 3 ) Acórdão de 8 de março de 2011, Ruiz Zambrano (C-34/09, Colet., p. I-1177).

( 4 ) V., respetivamente, acórdãos Ruiz Zambrano, já referido (n.os 36, 38 e 39); de 5 de maio de 2011, McCarthy (C-434/09, Colet, p. I-3375, n.o 48) e de 15 de novembro de 2011, Dereci e o. (C-256/11, Colet., p. I-11315, n.o 63).

( 5 ) Acórdão de 19 de outubro de 2004 (C-200/02, Colet., p. I-9925).

( 6 ) Ibidem (n.os 19, 20 e 25 a 27).

( 7 ) Diretiva do Conselho, de 28 de junho de 1990, relativa ao direito de residência (JO L 180, p. 26).

( 8 ) Por força de jurisprudência constante, os direitos atribuídos pela Diretiva 2004/38 aos membros da família dos cidadãos da União que têm a nacionalidade de países terceiros que beneficiam das disposições desta diretiva não são direitos dos referidos nacionais, mas direitos derivados do exercício da liberdade de circulação por parte dos cidadãos da União: v., neste sentido, acórdãos McCarthy, já referido (n.o 42) e Dereci e o., já referido (n.o 55), assim como de 8 de novembro de 2012, Iida (C‑40/11, n.o 67).

( 9 ) Resulta de jurisprudência consolidada que o Tribunal de Justiça pode fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio os elementos de interpretação do direito da União que lhe possam ser úteis para a decisão do processo que submetido ao referido órgão jurisdicional, quer este último lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões (v., nomeadamente, acórdão de 8 de novembro de 2007, ING. AUER, C-251/06, Colet., p. I-9689, n.o 38 e jurisprudência referida). Assim, em aplicação desta jurisprudência, no processo McCarthy, já referido, embora o órgão jurisdicional de reenvio tivesse solicitado apenas a interpretação das disposições da Diretiva 2004/38, o Tribunal de Justiça, após ter constatado que o litígio no processo principal escapava ao âmbito de aplicação da referida diretiva, assentou a sua resposta no artigo 21.o TFUE. Por outro lado, referindo‑se sempre a essa mesma jurisprudência, no acórdão de 6 de dezembro de 2012, O. e o. (C‑356/11 e C‑357/11), o Tribunal de Justiça, na sua resposta ao órgão jurisdicional nacional, tomou em consideração as disposições da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO L 251, p. 12), embora aquele referido órgão jurisdicional se tivesse referido apenas nas suas questões ao artigo 20.o TFUE.

( 10 ) N.o 30 do acórdão.

( 11 ) Ibidem (n.o 28).

( 12 ) Para todos os fins úteis, esta consideração não diz respeito ao processo administrativo em curso, ao qual se referiram, na audiência, o advogado dos recorrentes no processo principal e o Governo luxemburguês, relativo ao pedido do direito de residência de A. Alopka enquanto trabalhadora assalariada, que no início de 2012 foi apresentado às autoridades luxemburguesas.

( 13 ) Estes dois princípios limitam a autonomia processual dos Estados‑Membros de modo que normas processuais nacionais se aplicam às situações abrangidas pelo direito da União na condição, porém, de as referidas normas não serem menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) e de não tornarem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade)»: v. neste sentido, nomeadamente, acórdão de 28 de fevereiro de 2012, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, n.o 45 e jurisprudência referida).

( 14 ) Recordo que o artigo 21.o, n.o 1, TFUE prevê que este direito existe «sem prejuízo das limitações e condições previstas nos Tratados e nas disposições adotadas em sua aplicação» e, por conseguinte, das estabelecidas na Diretiva 2004/38.

( 15 ) N.o 44 do acórdão.

( 16 ) V. artigo 1.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 90/364.

( 17 ) Acórdão Zhu e Chen, já referido (n.o 46) (o sublinhado é meu).

( 18 ) Acórdão Iida, já referido (n.os 55, 69, 72).

( 19 ) V., neste sentido, acórdão Dereci e o., já referido (n.o 66).

( 20 ) Acórdãos já referidos, Ruiz Zambrano (n.os 43 e 44) e Dereci e o. (n.o 65).

( 21 ) V., neste sentido, acórdão McCarthy, já referido (n.o 29 e jurisprudência referida).

( 22 ) Por outro lado, a residência das crianças no território francês poderia facilitar uma eventual aproximação com o seu pai, de modo a permitir‑lhes manter regularmente relações pessoais com ele, circunstância que deve ser apreciada à luz do superior interesse da criança, em conformidade com as disposições da Carta (v., neste sentido, acórdão O. e o., já referido, n.o 76).