ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

19 de julho de 2012 ( *1 )

«Protocolo relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu — Artigo 36.o — Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias — Artigos 13.°, 15.° e 23.° — Acordo de sede do BCE — Artigo15.° — Aplicabilidade aos agentes do BCE das disposições do direito social alemão que preveem uma prestação parental»

No processo C-62/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Hessisches Landessozialgericht (Alemanha), por decisão de 4 de fevereiro de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 10 de fevereiro de 2011, no processo

Land Hessen

contra

Florence Feyerbacher,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts e J.-C. Bonichot, presidentes de secção, A. Rosas, R. Silva de Lapuerta, K. Schiemann (relator), A. Ó Caoimh, L. Bay Larsen, T. von Danwitz, E. Jarašiūnas e C. G. Fernlund, juízes,

advogado-geral: N. Jääskinen,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de F. Feyerbacher, por ela própria,

em representação do Governo alemão, por T. Henze, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por F. Clotuche-Duvieusart e B. Eggers, na qualidade de agentes,

em representação do Banco Central Europeu (BCE), por E Carlini e M. López Torres, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 24 de maio de 2012,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Acordo de 18 de setembro de 1998, celebrado entre o Governo alemão e o Banco Central Europeu, relativo à sede desta instituição (BGBl. 1998 II, p. 2745, a seguir «acordo de sede»), em especial, do artigo 15.o desse acordo, lido em conjugação com o artigo 36.o do Protocolo relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu (JO 1992, C 191, p. 68), na sua versão anexada ao Tratado CE (a seguir «protocolo relativo aos Estatutos do SEBC e do BCE»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe F. Feyerbacher ao Land Hessen, a respeito de uma recusa de concessão de uma prestação parental.

Quadro jurídico

Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades

3

Nos termos do artigo 13.o do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias de 8 de abril de 1965 (JO 1967, 152, p. 13), na versão anexada aos Tratados CE e Euratom, aplicável aos factos do processo principal (a seguir «protocolo relativo aos privilégios e imunidades»):

«Os funcionários e outros agentes das Comunidades ficam sujeitos a um imposto que incidirá sobre os vencimentos, salários e emolumentos por elas pagos e que reverterá em seu benefício, de acordo com as condições e o processo fixados pelo Conselho, deliberando sob proposta da Comissão.

Os funcionários e outros agentes das Comunidades ficam isentos de impostos nacionais que incidam sobre os vencimentos, salários e emolumentos pagos pelas Comunidades.»

4

O artigo 15.o desse protocolo previa:

«O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta formulada pela Comissão, fixará o regime das prestações sociais aplicáveis aos funcionários e outros agentes das Comunidades.»

5

O artigo 23.o, primeiro parágrafo, do referido protocolo dispunha:

«O presente Protocolo é igualmente aplicável ao Banco Central Europeu [BCE], aos membros dos seus órgãos e ao seu pessoal, sem prejuízo do disposto no [p]rotocolo relativo aos Estatutos do [SEBC e do BCE].»

Protocolo relativo aos Estatutos do SEBC e do BCE

6

O artigo 36.o, n.os 1 e 2, do protocolo relativo aos Estatutos do SEBC e do BCE, na versão aplicável aos factos do processo principal, tinha a seguinte redação:

«36.°1.   O Conselho do BCE, sob proposta da Comissão Executiva, definirá o regime aplicável ao pessoal do BCE.

36.°2.   O Tribunal de Justiça é competente para decidir sobre todo e qualquer litígio entre o BCE e os seus agentes nos limites e condições previstos no regime que a estes é aplicável.»

Acordo de sede

7

De acordo com o quinto parágrafo do preâmbulo do acordo de sede, este tem por objetivo «estabelecer os privilégios e imunidades do [BCE] na República Federal da Alemanha, em conformidade com o previsto no Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias».

8

Nos termos do sexto parágrafo desse mesmo preâmbulo, este acordo foi celebrado, nomeadamente, «devido à necessidade de assegurar que o [BCE] esteja, na República Federal da Alemanha, em condições de atingir os seus objetivos e de desempenhar as suas funções completa e eficazmente».

9

Sob a epígrafe «Definições», o artigo 1.o do referido acordo precisa, no seu n.o 9:

«‘agentes’, entende-se agentes do BCE na aceção do artigo 4.o C do Regulamento (Euratom, CECA, CEE) n.o 549/69 do Conselho, de 25 de março de 1969, que fixa as categorias dos funcionários e agentes das Comunidades Europeias aos quais se aplica o disposto no artigo 12.o, no segundo parágrafo do artigo 13.o e no artigo 14.o do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades (JO L 74, p. 1; EE 01 F1 p. 145), conforme alterado pelo Regulamento (CE, CECA, Euratom) n.o 1198/98 do Conselho de 5 de junho de 1998 (JO L 166, p. 3).»

10

Sob a epígrafe «Inaplicabilidade do direito do trabalho e social alemão», o artigo 15.o do mesmo acordo dispõe:

«Tendo em conta o disposto no artigo 36.o [do protocolo relativo aos Estatutos do SEBC e do BCE], as condições de emprego dos membros da Comissão Executiva e dos agentes não estão subordinadas às disposições materiais e processuais do direito do trabalho e do direito social da República Federal da Alemanha.»

Condições de emprego do BCE

11

Agindo, nomeadamente, com base no artigo 36.o, n.o 1, do protocolo relativo aos Estatutos do SEBC e do BCE, o Conselho de Governadores do BCE adotou as Condições de Emprego do Pessoal do Banco Central Europeu («Conditions of Employment for Staff of the European Central Bank») (a seguir «condições de emprego do BCE»). O artigo 9.o, alíneas a) e c), das condições de emprego do BCE prevê:

«As relações de trabalho entre o BCE e os seus agentes regem-se por contratos de trabalho celebrados em conformidade com as presentes condições de emprego. As regras aplicáveis ao pessoal adotadas pela Comissão Executiva precisam as modalidades destas condições de emprego.

[...]

As condições de emprego não se regem por nenhum direito nacional específico [...]»

12

Os artigos 21.°, 24.° e 36.° das condições de emprego do BCE precisam que todas as prestações aí referidas «são complementares de quaisquer outras prestações da mesma natureza de outras proveniências. Os membros do pessoal do Banco devem requerer e declarar essas prestações, que serão deduzidas às devidas pelo BCE».

13

Os membros do pessoal do BCE beneficiam de uma licença parental não remunerada, por força do artigo 29.o das condições de emprego do BCE. Por outro lado, nos termos do artigo 5.o, n.o 11, das Regras Aplicáveis ao Pessoal do Banco Central Europeu («European Central Bank Staff Rules»), a licença parental pode ter uma duração máxima de três anos por filho a cargo, não podendo, contudo, o mesmo agente obter, no total, mais de seis anos de licenças parentais. Durante a licença parental, o membro do pessoal conserva os seus direitos às prestações por filho a cargo e às prestações escolares bem como os seus direitos a uma pensão de invalidez e às prestações devidas por morte, continuando simultaneamente a integrar o regime de pensão do BCE, sem que sejam pagas quotizações a estes diversos títulos. Continua, da mesma forma, mediante o pagamento de uma quotização, a estar abrangido pelo regime de seguro de doença e de acidentes do BCE.

Direito alemão

14

O § 1, n.o 1, da Lei relativa à prestação parental e à licença parental (Bundeselterngeld- und Elternzeitgesetz), de 5 de dezembro de 2006 (BGBl. 2006 I, p. 2748, a seguir «BEEG»), prevê:

«Tem direito à prestação parental quem

1.

tenha domicílio ou residência habitual na Alemanha,

2.

viva com um filho a cargo,

3.

se ocupe pessoalmente da guarda e educação do filho e

4.

não exerça uma atividade ou profissão a tempo inteiro.»

15

O § 3, n.o 3, primeiro período, da BEEG dispõe:

«As prestações equivalentes à prestação parental, a que tenha direito uma pessoa que preencha os requisitos do § 1 fora da Alemanha ou por parte de uma organização internacional ou supranacional, serão deduzidas da prestação parental na medida em que correspondam ao mesmo período de tempo e não sejam aplicáveis os regulamentos adotados com fundamento no Tratado que institui a Comunidade Europeia.»

16

Nos termos do § 2, n.o 1, da BEEG, para calcular o montante da prestação parental, há que «ter em consideração [...] em conformidade com a Lei relativa ao imposto sobre os rendimentos [Einkommensteuergesetz] o montante dos rendimentos positivos tributáveis na Alemanha».

17

Os §§ 30 e 31 da primeira parte do Código da Segurança Social — Princípios Gerais (Erstes Buch Sozialgesetzbuch — Allgemeiner Teil) preveem:

«§ 30

(1)   As disposições do presente código são aplicáveis a quem tenha domicílio ou residência habitual no seu âmbito de aplicação.

(2)   O presente código não prejudica as disposições decorrentes do direito internacional ou supranacional. [...]

§ 31

Os direitos e obrigações relativos às prestações sociais do presente código só podem ser estabelecidos, suspensos, alterados ou revogados, se uma lei o determinar ou autorizar.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18

F. Feyerbacher tem nacionalidade alemã e reside na Alemanha, onde exerceu uma atividade profissional pela qual esteve sujeita ao imposto sobre os rendimentos e à segurança social alemães.

19

Tendo-se, entretanto, tornado membro do pessoal do BCE, auferiu, a esse título, um salário sujeito ao imposto comunitário e passou a estar sujeita, a partir da sua entrada em funções, às condições de emprego estabelecidas por essa instituição, sem que o referido salário estivesse sujeito ao imposto sobre os rendimentos e à segurança social alemães.

20

Após o nascimento do seu filho em 5 de setembro de 2008, F. Feyerbacher apresentou às autoridades alemãs um pedido com vista a beneficiar da prestação parental prevista na BEEG.

21

F. Feyerbacher defendeu que o artigo 15.o do acordo de sede, que se refere às «condições de emprego», não excluía de forma alguma a concessão dessa prestação, uma vez que a prestação parental não é financiada através de quotizações obrigatórias de segurança social, de que está isento o pessoal do BCE em virtude do referido artigo 15.o, mas através de receitas fiscais. Além disso, alegou que, no presente caso, não há cúmulo de prestações, uma vez que o BCE não lhe paga nenhuma prestação desse tipo.

22

O pedido de F. Feyerbacher foi indeferido por decisões do Land Hessen de 4 de dezembro de 2008 e de 8 de janeiro de 2009, com o fundamento de que, nos termos das disposições do protocolo relativo aos privilégios e imunidades e do artigo 15.o do acordo de sede, o pessoal do BCE não está sujeito ao direito do trabalho ou ao direito social alemão, mas ao direito da União, pelo que a interessada, cujos rendimentos, de resto, também não são tributáveis na Alemanha, não tinha direito à prestação parental.

23

Por sentença de 30 de setembro de 2009, o Sozialgericht Frankfurt anulou as decisões do Land Hessen e condenou-o a reconhecer a F. Feyerbacher o direito à prestação parental por um período correspondente aos doze primeiros meses seguintes ao nascimento do seu filho.

24

Tendo sido interposto recurso desta sentença para o Hessisches Landessozialgericht, este considera que as condições enumeradas no § 1, n.o 1, da BEEG estão reunidas, de forma que F. Feyerbacher deveria beneficiar da prestação parental, a não ser que se demonstre que, no caso concreto, o benefício dessa prestação está excluído por força de uma disposição específica.

25

O órgão jurisdicional de reenvio observa, a este respeito, que o artigo 15.o do acordo de sede, interpretado à luz do artigo 36.o do protocolo relativo aos Estatutos do SEBC e do BCE, para o qual remete, poderia, a priori, constituir essa disposição específica.

26

Contudo, o referido órgão jurisdicional afirma que só poderia ser assim se, em primeiro lugar, essas disposições prevalecessem sobre a aplicação das normas de conflito de leis do direito social alemão. Por isso, deverá também determinar-se, a este respeito, se o acordo de sede faz parte do direito da União e goza, portanto, do primado sobre o direito interno ou se constitui um tratado internacional sem valor supranacional, que, devido à lei nacional que incorpora o referido acordo, tem o mesmo grau que as outras leis em sentido formal alemãs.

27

Em segundo lugar, o referido órgão jurisdicional observa que, admitindo que o artigo 15.o do acordo de sede goza do primado sobre o direito alemão, esta disposição só pode privar F. Feyerbacher do direito à prestação parental na medida em que os termos «condições de emprego», referidos nesta mesma disposição e no artigo 36.o do protocolo relativo aos Estatutos do SEBC e do BCE, na versão em língua alemã, devam ser interpretados no sentido de que, para os agentes do BCE, implicam que a totalidade das disposições do direito alemão em matéria de prestações sociais não lhes são aplicáveis porque estão abrangidas pelo sistema da segurança social ou porque, como a prestação parental, são financiadas através de recursos fiscais.

28

Ora, o Hessisches Landessozialgericht afirma que tem dúvidas a este respeito, na medida em que, interpretados literalmente, esses termos se podem referir apenas às condições em que se estabelece a relação laboral ou às condições-quadro do contrato de trabalho que podem, nesse caso, incluir certamente os aspetos da relação laboral relativos ao regime de segurança social, mas não necessariamente as prestações sociais financiadas pelo imposto e ligadas ao princípio da territorialidade.

29

Em terceiro lugar, o referido órgão jurisdicional interroga-se sobre a questão de saber se o artigo 15.o do acordo de sede constitui efetivamente uma norma de conflito que designa aplicáveis as condições de emprego estabelecidas pelo BCE, excluindo o direito do Estado de residência de F. Feyerbacher, e se, nesse caso, não se deveria inferir do acórdão de 20 de maio de 2008, Bosmann (C-352/06, Colet., p. I-3827), que a República Federal da Alemanha continua todavia a poder aplicar livremente a sua legislação na medida em que esta proporcione à interessada apenas vantagens suplementares e nenhum inconveniente.

30

A este respeito, o referido órgão jurisdicional questiona, nomeadamente, se os acórdãos de 16 de dezembro de 2004, My (C-293/03, Colet., p. I-12013), e de 16 de fevereiro de 2006, Öberg (C-185/04, Colet., p. I-1453), não são de molde a sugerir que esta abordagem seja adotada, em especial, tendo em conta que o primeiro destes acórdãos salienta que, à luz do artigo 10.o CE, não se pode admitir que uma regulamentação nacional possa colocar entraves e, portanto, desencorajar o exercício de uma atividade profissional numa instituição da União Europeia, ao privar um trabalhador do benefício de prestações sociais a que teria direito, ao abrigo do seu regime nacional, se não tivesse iniciado essa atividade. Todavia, importa determinar se o facto de o pessoal do BCE estar isento do imposto alemão sobre os salários, quando a prestação parental é financiada pelos recursos fiscais, se opõe à transposição desta conceção para uma situação como a que está em causa no processo principal.

31

Nestas circunstâncias, o Hessisches Landessozialgericht decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O acordo [de sede] faz parte do direito da União, o qual tem primazia sobre o direito nacional, ou trata-se de um tratado de direito internacional?

2)

Deve o artigo 15.o do acordo de sede, lido em conjugação com o artigo 36.o [do protocolo relativo aos Estatutos do SEBC e do BCE] ser interpretado em termos restritivos, no sentido de que o direito social alemão que concede o direito a prestações sociais só não é aplicável aos agentes do BCE se o BCE lhes conceder uma prestação social comparável em conformidade com o regime aplicável ao seu pessoal?

3)

Em caso de resposta negativa à questão n.o 2:

a)

Devem as disposições acima mencionadas ser interpretadas no sentido de que se opõem à aplicação de uma disposição nacional que concede prestações familiares exclusivamente com fundamento no princípio da territorialidade?

b)

Podem as considerações do Tribunal de Justiça [nos n.os 31 a 33 do acórdão Bosmann, já referido] ser transpostas para a aplicação das disposições acima mencionadas? O artigo 15.o do acordo de sede, lido em conjugação com o artigo 36.o [do protocolo relativo aos Estatutos do SEBC e do BCE], impede a República Federal da Alemanha de conceder prestações familiares aos agentes do BCE residentes no seu território?»

Quanto às questões prejudiciais

32

Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 15.o do acordo de sede, lido em conjugação com o artigo 36.o do protocolo relativo aos Estatutos do SEBC e do BCE, impede a República Federal da Alemanha de conceder uma prestação como a que está em causa no processo principal.

33

A título preliminar, deve examinar-se a argumentação do Governo alemão segundo a qual a circunstância de a União não ser parte no acordo de sede determina a inadmissibilidade do presente reenvio prejudicial.

34

Esta argumentação não pode, contudo, ser acolhida. A este respeito, há que observar que decorre do quinto parágrafo do preâmbulo do acordo de sede que este foi celebrado com o objetivo de definir os privilégios e imunidades do BCE na Alemanha, em conformidade com o protocolo relativo aos privilégios e imunidades. Neste contexto, como alegam a Comissão e o BCE, o artigo 15.o do acordo de sede limita-se a aplicar os princípios estabelecidos pelo protocolo relativo aos privilégios e imunidades, nomeadamente nos seus artigos 13.°, 15.° e 23.°, e pelo protocolo relativo aos Estatutos do SEBC e do BCE, nomeadamente no seu artigo 36.o

35

Por seu turno, as questões prejudiciais não dizem respeito a um eventual direito dos agentes do BCE de beneficiarem de prestações sociais oferecidas pelos Estados-Membros, mas sim à faculdade de estes Estados concederem essas prestações.

36

Nos termos do artigo 13.o do protocolo relativo aos privilégios e imunidades, os vencimentos, salários e emolumentos pagos pelas Comunidades aos seus funcionários e outros agentes estão isentos de impostos nacionais e sujeitos a um imposto cobrado pelas Comunidades.

37

O artigo 15.o do protocolo relativo aos privilégios e imunidades prevê que o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta formulada pela Comissão, fixa o regime das prestações sociais aplicáveis aos funcionários e outros agentes das Comunidades.

38

Por força do seu artigo 23.o, primeiro período, o protocolo relativo aos privilégios e imunidades é aplicável ao BCE, aos membros dos seus órgãos e ao seu pessoal, sem prejuízo do disposto no protocolo relativo aos Estatutos do SEBC e do BCE.

39

O artigo 36.o, n.o 1, do protocolo relativo aos Estatutos do SEBC e do BCE dispõe que Conselho de Governadores do BCE define, sob proposta da Comissão Executiva, o regime aplicável ao pessoal do BCE.

40

Com base nas referidas disposições, o BCE adotou as condições de emprego do BCE. Nos termos dessas condições, os vencimentos, salários e emolumentos pagos pelo BCE ao seu pessoal estão sujeitos a um imposto cobrado em benefício das Comunidades.

41

As condições de emprego do BCE instituem também um conjunto de prestações sociais em benefício do pessoal do BCE, comparáveis às habitualmente previstas pelos Estados-Membros, e incluem, nomeadamente, um seguro de doença, um seguro que cobre os riscos de acidente, invalidez e morte, um seguro de desemprego, um regime de pensões de reforma e diversas prestações familiares.

42

Em especial, decorre dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça que as prestações familiares previstas pelas condições de emprego do BCE incluem um abono de lar, um subsídio por filho a cargo, uma prestação escolar e uma prestação pré-escolar, assim como uma licença remunerada por maternidade, de 20 semanas.

43

Como decorre do n.o 12 do presente acórdão, as condições de emprego do BCE referem que estas não são completamente independentes das prestações provenientes de outras fontes.

44

É este o contexto em que se devem examinar as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

45

A este respeito, embora seja verdade que o artigo 15.o do acordo de sede impede o Estado da sede de impor aos agentes do BCE obrigações materiais ou processuais para beneficiarem das prestações previstas pelas condições de emprego do BCE, o referido artigo não obriga de forma alguma a República Federal da Alemanha, enquanto Estado de sede, a prever a concessão, aos referidos agentes, da prestação parental em causa no processo principal (v., por analogia, acórdãos Bosmann, já referido, n.o 27, e de 12 de junho de 2012, Hudzinski e Wawrzyniak, C-611/10 e C-612/10, n.o 45).

46

Do mesmo modo, o referido artigo não priva a República Federal da Alemanha, que não subordina o direito a essa prestação a condições de emprego ou de seguro, da faculdade de conceder essa prestação aos agentes do BCE que residam no seu território, uma vez que a possibilidade dessa concessão decorre efetivamente da sua legislação e que as disposições pertinentes do direito da União não excluem esta possibilidade (v., por analogia, acórdãos, já referidos, Bosmann, n.os 28, 31 e 32, e Hudzinski e Wawrzyniak, n.os 48 e 49).

47

Quanto ao argumento invocado pelo BCE e pela Comissão segundo o qual a autonomia de que o BCE goza no que diz respeito à determinação das condições de emprego se opõe a que a prestação em causa no processo principal seja paga aos membros do seu pessoal, não se vislumbra em que medida esse pagamento pode violar a autonomia do BCE para determinar o regime aplicável ao seu pessoal.

48

Face ao que antecede, há que responder às questões submetidas que o artigo 15.o do acordo de sede, lido em conjugação com o artigo 36.o do protocolo relativo aos Estatutos do SEBC e do BCE, não impede a República Federal da Alemanha de conceder uma prestação como a que está em causa no processo principal.

Quanto às despesas

49

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

O artigo 15.o do Acordo de 18 de setembro de 1998, celebrado entre o Governo alemão e o Banco Central Europeu, relativo à sede desta instituição, lido em conjugação com o artigo 36.o do Protocolo relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu, não impede a República Federal da Alemanha de conceder uma prestação como a que está em causa no processo principal.

 

Assinaturas


( *1 ) * Língua do processo: alemão.