CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

VERICA TRSTENJAK

apresentadas em 6 de setembro de 2012 ( 1 )

Processo C-206/11

Georg Köck

contra

Schutzverband gegen unlauteren Wettbewerb

[pedido de decisão prejudicial do Oberster Gerichtshof (Áustria)]

«Diretiva 2005/29/CE — Harmonização — Proteção dos consumidores — Práticas comerciais desleais das empresas — Configuração processual dos instrumentos de combate às práticas comerciais desleais — Legislação de um Estado-Membro que exige uma autorização administrativa prévia dos anúncios de liquidações»

Índice

 

I — Introdução

 

II — Quadro jurídico

 

1. Direito da União

 

2. Direito nacional

 

III — Matéria de facto, processo principal e questão prejudicial

 

IV — Tramitação processual no Tribunal de Justiça

 

V — Principais argumentos das partes

 

VI — Apreciação jurídica

 

A — Observações preliminares

 

B — Análise das questões prejudiciais

 

1. Aplicabilidade da Diretiva 2005/29

 

a) Âmbito de aplicação material

 

b) Âmbito de aplicação pessoal

 

c) Inexistência de uma exceção

 

d) Conclusão provisória

 

2. Aspetos processuais da questão prejudicial

 

a) Competência de fiscalização das autoridades administrativas nacionais

 

b) Competência administrativa para proceder a uma avaliação ex ante

 

c) Compatibilidade com a diretiva de uma proibição sob reserva de autorização acompanhada de sanção penal

 

d) Controlo jurisdicional da decisão administrativa

 

i) Exposição da problemática

 

ii) Poder discricionário de configuração dos Estados-Membros em questões processuais

 

iii) Proibição de inobservância da obrigação de proceder a uma apreciação individual

 

e) Conclusão provisória

 

3. Aspetos de direito substantivo da questão prejudicial

 

a) Considerações gerais

 

b) Análise da estrutura dos dois regimes

 

i) Estrutura normativa da Diretiva 2005/29

 

ii) Regras substantivas da UWG relativas ao anúncio de liquidações

 

c) Compatibilidade das regras substantivas com a Diretiva 2005/29

 

i) Imposição de proibições gerais

 

ii) Exigência de motivos para o anúncio de uma liquidação

 

¾ Anúncio de cessação da atividade e de mudança de instalações

 

¾ Outros motivos referidos no § 33b, n.o 4, da UWG

 

d) Conclusão provisória

 

4. Conclusões sumárias

 

VII — Conclusão

I — Introdução

1.

As mitologias grega e romana já atribuíam grande relevância ao comércio e à questão com ele relacionada da proteção das partes intervenientes na troca de prestações, partes essas que hoje designaríamos por empresas e consumidores. Se necessário, até mesmo os deuses eram invocados para proteger os comerciantes e os seus clientes. Assim o fez Hermes na mitologia grega (e Mercúrio na mitologia romana), deus protetor tanto dos comerciantes, como do comércio, dos viajantes e dos pastores. Hoje em dia, os consumidores e os comerciantes deixaram de ser protegidos prioritariamente pelos deuses, beneficiando antes da proteção de leis e tribunais terrenos. Estes devem ter devidamente em conta e conciliar tanto os interesses dos consumidores como os dos comerciantes.

2.

No presente processo de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça da Áustria, a seguir «órgão jurisdicional de reenvio») pede ao Tribunal de Justiça da União Europeia que interprete a Diretiva 2005/29/CE relativa às práticas comerciais desleais no mercado interno ( 2 ). No essencial, trata-se da questão de saber se as disposições desta diretiva se opõem a uma regulamentação nacional que exige uma autorização administrativa prévia dos anúncios de liquidações.

3.

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe G. Köck, empresário em nome individual, e a Schutzverband gegen unlauteren Wettbewerb (a seguir «Schutzverband»), uma organização, que, de acordo com a legislação nacional, tem um interesse legítimo em combater as práticas comerciais desleais. As partes discordam quanto à questão de saber se G. Köck podia anunciar uma liquidação sem dispor da autorização da autoridade administrativa do distrito exigida pelo direito nacional. A este respeito, coloca-se, designadamente, a questão de saber se a Diretiva 2005/29 permite que um Estado-Membro, na sequência da transposição desta diretiva para a sua ordem jurídica, sujeite o anúncio de uma liquidação a uma reserva geral de autorização, nos termos da qual as violações à obrigação prevista por lei de apresentar um pedido de autorização são puníveis sem que se analise, quanto ao fundo, o caráter leal dessa prática comercial.

4.

O presente processo distingue-se, num aspeto essencial, dos restantes processos em que o Tribunal de Justiça foi igualmente chamado a pronunciar-se sobre a transposição conforme ao direito da União da Diretiva 2005/29, nomeadamente pelo facto de estar aqui em causa não só a transposição das disposições substantivas da diretiva, mas também, sobretudo, a configuração processual dos instrumentos de combate às práticas comerciais desleais no quadro das ordens jurídicas de cada um dos Estados-Membros. Deste modo, importa analisar a questão de saber se o legislador da União renunciou a uma abordagem caracterizada por uma harmonização plena, válida em princípio para as disposições substantivas da diretiva, a fim de conceder aos Estados-Membros uma margem de configuração processual.

II — Quadro jurídico

1. Direito da União

5.

O artigo 1.o da Diretiva 2005/29 dispõe:

«A presente diretiva tem por objetivo contribuir para o funcionamento correto do mercado interno e alcançar um elevado nível de defesa dos consumidores através da aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros relativas às práticas comerciais desleais que lesam os interesses económicos dos consumidores.»

6.

O artigo 2.o da Diretiva 2005/29 determina:

«Para efeitos do disposto na presente diretiva, entende-se por:

[…]

d)

‘Práticas comerciais das empresas face aos consumidores’ (a seguir designadas também por ‘práticas comerciais’): qualquer ação, omissão, conduta ou afirmação e as comunicações comerciais, incluindo a publicidade e o marketing, por parte de um profissional, em relação direta com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores;

[…]»

7.

O artigo 3.o, n.o 1, da diretiva prevê:

«A presente diretiva é aplicável às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores, tal como estabelecidas no artigo 5.o, antes, durante e após uma transação comercial relacionada com um produto.»

8.

O artigo 5.o da diretiva, com a epígrafe «Proibição de práticas comerciais desleais», estabelece:

«1.   São proibidas as práticas comerciais desleais.

2.   Uma prática comercial é desleal se:

a)

For contrária às exigências relativas à diligência profissional;

e

b)

Distorcer ou for suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico, em relação a um produto, do consumidor médio a que se destina ou que afeta, ou do membro médio de um grupo quando a prática comercial for destinada a um determinado grupo de consumidores.

[…]

5.   O anexo I inclui a lista das práticas comerciais que são consideradas desleais em quaisquer circunstâncias. A lista é aplicável em todos os Estados-Membros e só pode ser alterada mediante revisão da presente diretiva.»

9.

O artigo 11.o da diretiva, com a epígrafe «Aplicação», determina:

«1.   Os Estados-Membros devem assegurar a existência de meios adequados e eficazes para lutar contra as práticas comerciais desleais, a fim de garantir o cumprimento das disposições da presente diretiva no interesse dos consumidores.

Estes meios devem incluir disposições legais nos termos das quais as pessoas ou organizações que, de acordo com a legislação nacional, tenham um interesse legítimo em combater as práticas comerciais desleais, incluindo os concorrentes, possam:

a)

Intentar uma ação judicial contra tais práticas comerciais desleais;

e/ou

b)

Submetê-las a uma autoridade administrativa competente para decidir as queixas ou para mover os procedimentos legais adequados.

[…]

2.   No âmbito das disposições legais referidas no n.o 1, os Estados-Membros devem conferir aos tribunais ou às autoridades administrativas as competências que os habilitem, no caso em que estes considerem que estas medidas são necessárias, tendo em conta todos os interesses em jogo e, em especial, o interesse geral:

a)

A ordenar a cessação de uma prática comercial desleal ou a mover os procedimentos legais adequados para que seja ordenada a cessação dessa prática comercial desleal;

ou

b)

A proibir uma prática comercial desleal ou a mover os procedimentos legais adequados para que seja ordenada a sua proibição nos casos em que esta prática não tenha ainda sido aplicada, mas essa aplicação esteja iminente;

mesmo na ausência de prova de ter havido uma perda ou prejuízo real, ou de uma intenção ou negligência da parte do profissional.

Os Estados-Membros devem dispor, por outro lado, que as medidas referidas no primeiro parágrafo possam ser tomadas no âmbito de um processo simplificado:

seja com efeito provisório,

seja com efeito definitivo,

entendendo-se que compete a cada Estado-Membro determinar qual destas duas opções será adotada.

Além disso, para eliminar os efeitos persistentes de uma prática comercial desleal cuja cessação tenha sido ordenada por uma decisão definitiva, os Estados-Membros podem conferir aos tribunais ou às autoridades administrativas competências que os habilitem:

a)

A exigir a publicação desta decisão, […];

b)

A exigir, além disso, a publicação de um comunicado retificativo.

[…]

Quando as competências referidas no n.o 2 forem exercidas unicamente por uma autoridade administrativa, as decisões devem ser sempre fundamentadas. Além disso, neste caso, devem ser previstos procedimentos mediante os quais o exercício impróprio ou injustificado de poderes pela autoridade administrativa ou a omissão imprópria ou injustificada do exercício desses poderes possam ser objeto de recurso judicial.»

10.

O anexo I da diretiva («Práticas comerciais consideradas desleais em quaisquer circunstâncias») contém, nomeadamente, as seguintes práticas comerciais enganosas:

«4.

Afirmar que um profissional (incluindo as suas práticas comerciais) ou um produto foi aprovado, reconhecido ou autorizado por um organismo público ou privado quando tal não corresponde à verdade ou fazer tal afirmação sem respeitar os termos da aprovação, reconhecimento ou autorização.

[…]

7.

Declarar falsamente que o produto estará disponível apenas durante um período muito limitado ou que só estará disponível em condições especiais por um período muito limitado, a fim de obter uma decisão imediata e privar os consumidores da oportunidade ou do tempo suficientes para tomarem uma decisão esclarecida.

[…]

15.

Alegar que o profissional está prestes a cessar a sua atividade ou a mudar de instalações quando tal não corresponde à verdade.»

2. Direito nacional

11.

Na Áustria, a Diretiva 2005/29 foi transposta com efeitos a partir de 12 de dezembro de 2007 por meio de uma alteração ( 3 ) da Bundesgesetz gegen den unlauteren Wettbewerb 1984 ( 4 ) (lei federal de 1984 relativa ao combate à concorrência desleal, a seguir «UWG»).

12.

O ponto 7 do anexo I da Diretiva 2005/29 foi literalmente reproduzido, no quadro da UWG-Novelle 2007 (lei de 2007 que alterou a UWG), no ponto 7 do anexo à UWG.

A subsecção 4a da UWG (§§ 33a a 33f), introduzida já em 1992 na UWG, contém as seguintes disposições relativas ao «anúncio das operações de liquidação»:

 

«§ 33a, n.o 1 Na aceção da presente lei federal, o anúncio de uma liquidação abrange qualquer aviso ao público ou qualquer comunicação destinada a um número significativo de pessoas que permita concluir que se pretende promover o escoamento acelerado de grandes quantidades de produtos na venda a retalho e que, simultaneamente, seja adequado a fazer crer que o comerciante está obrigado, em virtude de circunstâncias particulares, a vender apressadamente os seus produtos, disponibilizando, por conseguinte, os seus produtos a condições ou preços extremamente vantajosos. Quaisquer avisos ou comunicações em que surjam as expressões ‘Saldos’, ‘Liquidação’, ‘Liquidação total’, ‘Venda rápida’, ‘Venda a preços baixos’, ‘Liquidação de stock’ ou outras palavras de sentido similar são consideradas, em todo o caso, como o anúncio de uma liquidação.

 

n.o 2 Não são abrangidos pelas disposições dos §§ 33a a 33e os avisos e as comunicações relativas a saldos sazonais, a promoções sazonais, à venda de inventários e semelhantes, bem como a operações de venda especiais habituais no respetivo ramo comercial em determinadas épocas do ano (por exemplo a ‘semana branca’ ou a ‘semana do casaco’).

 

n.o 3 O ponto 7 do anexo não é afetado por estas disposições.

 

§ 33b, O anúncio de uma liquidação só é permitido mediante autorização da autoridade administrativa do distrito competente em função do local em que se realiza a liquidação. O pedido de autorização deve ser apresentado por escrito e indicar as seguintes informações:

 

n.o 1 Os produtos a vender de acordo com a quantidade, as características e o valor de venda;

 

n.o 2 O local exato da liquidação;

 

n.o 3 O período em que se pretende realizar a liquidação;

 

n.o 4 Os motivos que estão na origem da liquidação, como o falecimento do proprietário da loja, cessação da atividade comercial ou suspensão de uma determinada linha de produtos, mudança da loja para outro local, danos provocados por motivo de força maior e outros motivos semelhantes;

 

n.o 5 […]

 

§ 33c, n.o 1 Previamente à sua decisão sobre o pedido, a autoridade administrativa do distrito deve requerer à câmara regional de comércio competente a emissão de um parecer no prazo de duas semanas.

 

n.o 2 A autoridade administrativa do distrito é obrigada a decidir sobre o pedido no espaço de um mês após a sua receção.

 

n.o 3 A autorização deve ser recusada caso não se verifique qualquer dos motivos enunciados no § 33, ponto 4, ou caso a venda não seja anunciada para um período contínuo. A autorização deve também ser recusada caso a venda deva decorrer no período entre o início da antepenúltima semana antes da Páscoa até ao Pentecostes ou de 15 de novembro até ao Natal ou durar mais de meio ano, a menos que ocorra por motivo de falecimento do proprietário da loja, por motivo de danos provocados por caso de força maior ou outros casos que também mereçam uma consideração especial. Caso o estabelecimento comercial ainda não exista há três anos completos, a autorização apenas deve ser concedida no caso de falecimento do proprietário da loja, de danos provocados por motivo de força maior ou em outros casos que também mereçam uma consideração especial.

 

n.o 4 […]

 

§ 33d, n.o 1 O anúncio de liquidação deve indicar os motivos para a venda acelerada, o período durante o qual a liquidação irá decorrer e uma descrição geral dos produtos que serão postos à venda. Estas informações devem corresponder à decisão de autorização.

 

n.o 2 Após o decurso do período de venda indicado na decisão de autorização, é proibido qualquer anúncio à liquidação.

 

n.o 3 Durante o período de venda indicado na decisão de autorização apenas é permitida a venda dos produtos especificados no anúncio na quantidade indicada na decisão de autorização. É proibido qualquer novo fornecimento de produtos do mesmo tipo.

 

n.o 4 […]»

13.

O § 34, n.o 3, da UWG contém a seguinte disposição relativa, designadamente, à subsecção 4a:

«Contra quem infringir as disposições deste capítulo, sem prejuízo de eventual procedimento criminal, pode ser intentada a ação para cessação da operação de liquidação e, em caso de culpa, de indemnização. A ação só pode ser intentada perante os tribunais comuns. […]»

III — Matéria de facto, processo principal e questão prejudicial

14.

G. Köck é empresário em nome individual em Innsbruck. O demandado publicou um anúncio no jornal em que publicitava uma «liquidação total» das suas mercadorias, tendo também publicitado esta iniciativa através da colocação de cartazes em frente à sua loja e com autocolantes nas montras. Para além da expressão «liquidação total», recorreu ainda a frases como «tudo tem que sair!» e «descontos até 90%». G. Köck não requereu a autorização da autoridade administrativa do distrito para o anúncio da liquidação.

15.

A Schutzverband considera que o anúncio viola os §§ 33a e segs. da UWG, nos termos dos quais o anúncio por parte de G. Köck de uma liquidação só é permitido após autorização prévia da autoridade administrativa do distrito. A demandante defende igualmente que esta regulamentação é compatível com a Diretiva 2005/29 sobre práticas comerciais desleais, devendo, por conseguinte, continuar a ser aplicada.

16.

A Schutzverband pede, por este motivo, junto do Landesgericht Innsbruck (tribunal regional de Innsbruck) que G. Köck seja proibido, através de uma providência cautelar, de anunciar a liquidação em causa enquanto não dispuser, para o efeito, da necessária autorização da autoridade administrativa do distrito. O demandado contesta a existência de uma violação das disposições em matéria de liquidação, alegando que apenas praticou saldos sazonais, na aceção do § 33a, n.o 2, da UWG, que não carecem de autorização. Por decisão de 15 de junho de 2010, o Landesgericht Innsbruck seguiu a posição jurídica defendida por G. Köck.

17.

Na sequência do recurso interposto pela Schutzverband, o Oberlandesgericht Innsbruck (tribunal regional superior de Innsbruck) decretou, por decisão de 6 de agosto de 2010, a providência cautelar em conformidade com o pedido principal. De acordo com o tribunal de segunda instância, o demandado anunciou uma liquidação sujeita a autorização na aceção § 33a, n.o 1, da UWG. Na medida em que o demandado não dispunha de uma autorização de acordo com o disposto no § 33b da UWG, o tribunal de segunda instância julgou procedente o pedido de cessação do comportamento nos termos do § 34, n.o 3, da UWG.

18.

G. Köck interpôs recurso de «Revision» para o Oberster Gerichtshof da decisão do tribunal de segunda instância. De acordo com a apreciação provisória do Oberster Gerichtshof, aplicando-se os §§ 33a e segs. da UWG deveria ser negado provimento ao presente recurso. No entanto, o Oberster Gerichtshof tem dúvidas quanto à questão de saber se estas disposições são compatíveis com a Diretiva 2005/29. Consequentemente, o órgão jurisdicional de reenvio suspendeu o processo em sede de recurso de «Revision» e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

Os artigos 3.°, n.o 1, e 5.°, n.o 5, da Diretiva 2005/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 («diretiva sobre práticas comerciais desleais») ou outras disposições desta diretiva opõem-se a uma regulamentação nacional nos termos da qual o anúncio de uma liquidação sem a autorização da autoridade administrativa competente não é permitido, devendo por isso ser judicialmente proibido, não cabendo ao tribunal apreciar nesse processo o caráter enganoso, agressivo ou desleal dessa prática comercial?

IV — Tramitação processual no Tribunal de Justiça

19.

A decisão de reenvio, datada de 12 de abril de 2011, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 2 de maio de 2011.

20.

As partes no processo principal, os Governos da República da Áustria e do Reino da Bélgica, assim como a Comissão Europeia apresentaram observações escritas dentro do prazo previsto no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça.

21.

Na audiência de 21 de maio de 2012, compareceram, para apresentar alegações orais, os representantes das partes no processo principal, dos Governos da República da Áustria e do Reino da Bélgica, assim como o representante da Comissão.

V — Principais argumentos das partes

22.

G. Köck propõe ao Tribunal de Justiça que responda afirmativamente à questão prejudicial. Em seu entender, uma regulamentação legal como a controvertida, que permite à autoridade administrativa recusar uma autorização para o anúncio de uma liquidação, mesmo que a prática comercial em causa não seja enganosa, nem agressiva, nem tão-pouco desleal de alguma outra forma, é incompatível com a Diretiva 2005/29.

23.

O demandado considera a Diretiva 2005/29 aplicável ao litígio no processo principal, uma vez que, por um lado, o anúncio de uma liquidação corresponde à definição de prática comercial e, por outro, as disposições nacionais controvertidas visam proteger não só os concorrentes, mas também os consumidores. Subsidiariamente, o demandado alega que, no caso dos anúncios feitos por si, não está em causa o anúncio de uma liquidação sujeita a autorização na aceção do § 33a, n.o 1, da UWG, tratando-se antes de saldos sazonais que não carecem de autorização na aceção do § 33a, n.o 2, da UWG.

24.

O demandando prossegue afirmando que o ponto 7 do anexo I da Diretiva 2005/29 não é aplicável ao processo principal, uma vez que ele não proferiu qualquer declaração expressa sobre uma duração particular da liquidação, a qual, na realidade, se trata de saldos sazonais. O demandado alega ainda que a proteção jurídica do particular através do direito nacional não se encontra garantida, visto que a execução da não aplicação efetiva do § 33c, n.o 3, da UWG, por incompatibilidade com o direito da União, por via de um procedimento administrativo, não é razoável em relação às empresas visadas.

25.

Tanto a Schutzverband como o Governo austríaco defendem que as disposições nacionais controvertidas relativas à autorização administrativa das liquidações não são abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2005/29. Este entendimento é confirmado tanto pelo nono considerando como pelo artigo 3.o, n.o 8, da diretiva, segundo o qual a presente diretiva não prejudica «quaisquer condições de estabelecimento ou de regimes de autorização». A inaplicabilidade da Diretiva 2005/29 resulta, na opinião do Governo austríaco, igualmente do facto de esta diretiva não regular as relações jurídicas entre as empresas e as autoridades.

26.

Ambas as partes no processo apresentaram, subsidiariamente, observações para o caso de o Tribunal de Justiça decidir, todavia, pela aplicabilidade da Diretiva 2005/29. Neste sentido, estas referem, designadamente, que, na Áustria, a maioria das liquidações, como por exemplo os saldos sazonais, a venda de inventários, etc., não são proibidas, nem carecem de autorização. Apenas o anúncio de certas liquidações especiais necessita de uma autorização. Deste modo, a regulamentação nacional controvertida não representa qualquer proibição geral de determinadas práticas comerciais. De resto, o artigo 11.o da diretiva autoriza os Estados-Membros a implementarem meios adequados e eficazes para lutar contra as práticas comerciais desleais. Nestes meios inclui-se igualmente, segundo o Governo austríaco, uma avaliação ex ante das práticas comerciais desleais, a qual apresenta vantagens relativamente a uma mera avaliação ex post.Esta última não corresponde totalmente, pelo menos no caso do anúncio de liquidações, ao objetivo enunciado no artigo 13.o da diretiva de determinar sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas para punir violações da legislação nacional de transposição.

27.

Ambas as partes se pronunciaram sobre a configuração administrativa e judicial do processo no direito austríaco, referido-se a Schutzverband à obrigação por parte das autoridades austríacas, no quadro do procedimento de apreciação do pedido de autorização, de interpretar as disposições nacionais à luz da finalidade da Diretiva 2005/29, a fim de alcançar o objetivo prosseguido pela mesma. A Schutzverband observa ainda que o órgão jurisdicional que conhece de uma ação destinada à cessação de um comportamento, em regra, verificará se existe um anúncio na aceção do § 33a da UWG. Caso se verifique a existência de um anúncio de liquidação sujeito a autorização sem a correspondente autorização administrativa, esta circunstância poderá ser contrária, em todo o caso, aos requisitos relativos à diligência profissional na aceção do artigo 5.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2005/29. Por sua vez, o Governo austríaco indica que as autoridades administrativas austríacas devem autorizar o anúncio de uma liquidação, desde que esse anúncio não seja enganoso e não viole as disposições dos artigos 8.° e 9.° da Diretiva 2005/29.

28.

A Schutzverband propõe ao Tribunal de Justiça que responda de forma negativa à questão prejudicial. O Governo austríaco propõe, por seu turno, que se responda à questão prejudicial no sentido de que a Diretiva 2005/29 não se opõe a uma regulamentação nacional nos termos da qual o anúncio de certas liquidações especiais necessita de uma autorização administrativa.

29.

O Governo belga propõe que se responda à questão prejudicial que a Diretiva 2005/29 não se opõe a uma regulamentação nacional nos termos da qual o anúncio de uma liquidação está subordinado a uma autorização prévia, desde que esta autorização apenas deva proteger os interesses dos concorrentes. A apreciação deste último aspeto compete, contudo, ao órgão jurisdicional nacional. O Governo belga refere ainda que a prática comercial acima mencionada não consta da lista do anexo I da diretiva.

30.

A Comissão propõe ao Tribunal de Justiça que responda afirmativamente à questão prejudicial. No que diz respeito à aplicabilidade da Diretiva 2005/29 ao processo principal, a Comissão salienta que o anúncio de liquidações deve ser qualificado como prática comercial. Além disso, as disposições controvertidas visam não só a proteção dos concorrentes, como também a dos consumidores. No entanto, uma proibição geral sob reserva da autorização, como prevê a regulamentação nacional controvertida, não é compatível com o artigo 5.o, n.os 2, 4 e 5, da Diretiva 2005/29, nem com os pontos 7 e 15 do seu anexo I. Além disso, um mecanismo deste tipo não é conforme com a abordagem de uma harmonização plena prosseguida pela diretiva. Por outro lado, o artigo 11.o da diretiva, segundo o qual os Estados-Membros devem implementar meios adequados e eficazes para lutar contra as práticas comerciais desleais, não prevê qualquer avaliação ex ante por parte das autoridades administrativas nacionais de todas as práticas comerciais em causa. As disposições nacionais controvertidas não podem tão-pouco ser justificadas mediante o artigo 3.o, n.o 8, da diretiva, uma vez que este último apenas se aplica a profissões regulamentadas, o que não se verifica no processo principal. Segundo a Comissão, do ponto 4 do anexo I da diretiva não é tão-pouco possível inferir qualquer argumento relativo à admissibilidade de uma proibição geral sob reserva de autorização.

VI — Apreciação jurídica

A — Observações preliminares

31.

O legislador da União concedeu aos Estados-Membros um prazo para transpor a Diretiva 2005/29 até 12 de junho de 2007, devendo a sua aplicação definitiva verificar-se a partir de 12 de dezembro de 2007. Depois de todos os Estados-Membros terem entretanto cumprido este dever de transposição e aplicação tempestivamente ( 5 ), importa agora abordar a questão da transposição correta da diretiva para os ordenamentos jurídicos individuais dos Estados-Membros. Com efeito, apenas uma transposição adequada poderá garantir a realização do objetivo da diretiva de contribuir para o funcionamento correto do mercado interno e alcançar um elevado nível de defesa dos consumidores através da aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros relativas às práticas comerciais desleais que lesam os interesses económicos dos consumidores ( 6 ).

32.

O Tribunal de Justiça teve oportunidade, em várias decisões proferidas a título prejudicial, de se pronunciar indiretamente sobre situações de transposição conformes à diretiva ocorridas na Bélgica ( 7 ), na Alemanha ( 8 ), na Polónia ( 9 ), na Áustria ( 10 ) e na Suécia ( 11 )  ( 12 ). Com efeito, apesar de a sua competência, no quadro de um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, consistir em interpretar o direito da União e não, por exemplo, em pronunciar-se sobre a compatibilidade de uma regulamentação nacional com o direito da União ( 13 ), esta atividade hermenêutica contribuiu para um melhor conhecimento do significado e do alcance das disposições específicas das diretivas. Isto permitiu, por sua vez, aos Estados-Membros adaptarem, num momento posterior, as suas regulamentações de transposição a fim de respeitar o disposto pelo direito da União ( 14 ).

33.

Até à data, os pedidos prejudiciais apresentados pelos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros referiam-se simplesmente àquelas disposições da diretiva com base nas quais é possível apreciar o caráter desleal das práticas comerciais. A este respeito, pôde constatar-se que a incompatibilidade da respetiva legislação nacional se devia, no essencial, ao facto de essa legislação contrariar o princípio de harmonização plena prosseguido pela diretiva no domínio da legislação relativa ao caráter leal das práticas comerciais ( 15 ). Através da adoção de uma proibição geral relativamente a práticas comerciais específicas, os Estados-Membros pretenderam alargar, de modo inadmissível, a lista exaustiva das práticas comerciais proibidas constante do anexo I da diretiva ( 16 ). Esta situação foi igualmente objeto do processo C-540/08 (Mediaprint), que dizia respeito a uma proibição de brindes consagrada na UWG austríaca. Nesse processo, o Tribunal de Justiça decidiu, de igual modo, que a diretiva se opõe a uma regulamentação nacional formulada como proibição geral ( 17 ).

B — Análise das questões prejudiciais

34.

Entre o referido processo e o presente existe um certo paralelismo na medida em que com este pedido de decisão prejudicial se pretende que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre a questão de saber se a regulamentação nacional controvertida relativa ao anúncio de liquidações também foi formulada como uma proibição geral contrária à Diretiva 2005/29. Porém, a este respeito, não se pode ignorar que a problemática suscitada tem também, para além disso, uma componente processual: o órgão jurisdicional de reenvio pretende, designadamente, esclarecer se uma proibição sob reserva de autorização, como a prevista pelo direito austríaco, respeita o disposto pela diretiva. Relacionada com este aspeto está a questão da configuração processual dos instrumentos de combate às práticas comerciais desleais, em que se examinará se a diretiva admite uma avaliação ex ante dessas práticas comerciais por parte das autoridades administrativas. Atendendo ao facto de esta questão não ter sido até ao momento objeto da jurisprudência do Tribunal de Justiça, merece a mesma agora uma análise separada.

35.

A fim de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, bem como por exigências de clareza, dividirei a minha análise da questão prejudicial em três conjuntos temáticos diferentes: em primeiro lugar, examinarei a questão de saber se a Diretiva 2005/29 é aplicável ao processo principal e se, deste modo, pode ser considerada como critério para a apreciação da transposição correta do direito da União para o direito nacional. Seguidamente, debruçar-me-ei sobre a problemática processual acima referida. Por último, verificarei se a legislação nacional relativa à autorização do anúncio de liquidações respeita as disposições substantivas da diretiva.

1. Aplicabilidade da Diretiva 2005/29

a) Âmbito de aplicação material

36.

Para ser abrangida pelo âmbito de aplicação material da Diretiva 2005/29, a regulamentação nacional controvertida deveria ter por objeto uma prática comercial das empresas face aos consumidores. A este respeito, há que observar que o artigo 2.o, alínea d), da diretiva define, utilizando uma formulação particularmente ampla, o conceito de prática comercial como «qualquer ação, omissão, conduta ou afirmação e as comunicações comerciais, incluindo a publicidade e o marketing, por parte de um profissional, em relação direta com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores» ( 18 ). Ora, medidas publicitárias como as que estão em causa no processo principal, as quais dizem respeito à venda de produtos aos consumidores a preços reduzidos por motivos especiais, inscrevem-se claramente no quadro da estratégia comercial de um operador, visando diretamente a promoção e as vendas deste. Daqui resulta que estas medidas constituem práticas comerciais na aceção da definição acima mencionada, pelo que disposições nacionais como as que estão em causa, que regulam pormenorizadamente o seu exercício, estão abrangidas pelo âmbito de aplicação material da diretiva.

b) Âmbito de aplicação pessoal

37.

A questão de saber se a regulamentação nacional controvertida está abrangida pelo âmbito de aplicação pessoal da Diretiva 2005/29 depende de se essa regulamentação visa igualmente, tal como a própria diretiva, proteger os consumidores. No acórdão Mediaprint ( 19 ), o Tribunal de Justiça declarou que uma regulamentação nacional relativa às práticas comerciais desleais está igualmente abrangida pelo âmbito de aplicação da diretiva quando visa não só proteger os consumidores mas também prossegue outros objetivos. Como resulta designadamente do sexto considerando da diretiva, só ficam excluídas do referido âmbito de aplicação da diretiva as legislações nacionais relativas a práticas comerciais desleais que prejudiquem apenas os interesses económicos de concorrentes ou que digam respeito a uma transação entre profissionais. Por conseguinte, mesmo que o regime relativo ao anúncio de liquidações constante dos §§ 33a e segs. da UWG pretendesse proteger não só os consumidores, mas também os concorrentes ou até maioritariamente os concorrentes, esta circunstância não excluiria a aplicabilidade da diretiva.

38.

Como o Tribunal de Justiça esclareceu reiteradamente na sua jurisprudência ( 20 ), compete ao órgão jurisdicional de reenvio, ao qual incumbe igualmente a interpretação do direito nacional, determinar se a disposição nacional em causa no processo principal prossegue efetivamente finalidades relacionadas com a proteção dos consumidores, a fim de verificar se tal disposição é suscetível de ser abrangida pelo âmbito de aplicação da diretiva relativa às práticas comerciais desleais. A este respeito, importa observar que, na sua decisão de reenvio ( 21 ), o órgão jurisdicional limita-se, em grande medida, a constatar que o anúncio de uma liquidação nos termos da definição contida no § 33a, n.o 1, da UWG constitui «indubitavelmente uma prática comercial na aceção da Diretiva 2005/29», pelo que pressupõe claramente que a regulamentação controvertida está abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva. Desta forma, admite-se implicitamente que, em todo o caso, a regulamentação controvertida visa igualmente a proteção dos consumidores.

39.

Alguns indícios apontam no sentido desta conclusão. Como resulta das considerações tecidas pelo Governo austríaco ( 22 ) e pela Schutzverband ( 23 ), bem como da jurisprudência dos órgãos jurisdicionais austríacos ( 24 ) e da doutrina ( 25 ), o objetivo da regulamentação em matéria de liquidações prevista no § 33a, n.o 1, da UWG consiste em combater a utilização abusiva de liquidações (aparentes) dissimulada sob o efeito de atração dos anúncios públicos, de que, por circunstâncias imperativas excecionais, o empresário é obrigado a efetuar uma liquidação em condições ou a preços extremamente vantajosos. Esta regulamentação engloba unicamente as liquidações anunciadas, uma vez que estes criam a impressão de vantagens especiais na compra. Esses anúncios podem facilmente ser aproveitados em detrimento dos concorrentes e para exercer influência psicológica sobre os compradores. A fim de neutralizar estes anúncios, o § 33a, n.o 1, da UWG subordina a admissibilidade de um anúncio deste tipo à obtenção de uma autorização administrativa. Deste modo, deve ter-se em conta a proteção, por um lado, dos profissionais e concorrentes face à concorrência desleal e, por outro, dos clientes face à influência psicológica.

40.

Por conseguinte, pelo menos para efeitos do presente processo, há que considerar que esta regulamentação está igualmente abrangida pelo âmbito de aplicação pessoal da Diretiva 2005/29, o que, porém, ainda deve ser confirmado pelo órgão jurisdicional de reenvio.

c) Inexistência de uma exceção

41.

A aplicabilidade da Diretiva 2005/29 apenas se pode verificar, caso ao litígio no processo principal não seja aplicável qualquer exceção. Nas suas considerações, a Schutzverband põe em causa a aplicabilidade da diretiva invocando o artigo 3.o, n.o 8. Segundo esta disposição, que exclui determinadas matérias do âmbito de aplicação material, «a presente diretiva não prejudica quaisquer condições […] de regimes de autorização, […] ou outras normas específicas que regem as profissões regulamentadas». A Schutzverband deduz daí que os regimes de autorização, como a reserva de exame administrativo, incluindo as regras contidas nos §§ 33b e segs. da UWG relativas ao procedimento de autorização levado a cabo pelas autoridades e ao conteúdo necessário da autorização, não são abrangidos pelo âmbito de aplicação. Porém, a esta argumentação importa contrapor que no processo principal não está em causa uma regulamentação nacional específica relativa a uma «profissão regulamentada» na aceção da referida disposição da diretiva. Daqui resulta que esta exceção não é aplicável.

d) Conclusão provisória

42.

Face ao exposto, importa concluir que nenhum elemento no processo principal indica que a Diretiva 2005/29 não seja aplicável ao caso vertente. No entanto, compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar esta situação.

2. Aspetos processuais da questão prejudicial

43.

Após ter sido verificada, em princípio, a aplicabilidade da Diretiva 2005/29, importa agora analisar se o legislador austríaco, ao criar os meios processuais para a transposição da diretiva a nível nacional, teve igualmente em atenção as exigências do direito da União contidas nessa diretiva. Tendo em conta as diversas questões jurídicas suscitadas pelo pedido de decisão prejudicial, por exigências de clareza, apreciarei essas questões sucessivamente.

a) Competência de fiscalização das autoridades administrativas nacionais

44.

A primeira questão de natureza processual suscitada pelo pedido de decisão prejudicial consiste em saber se a Diretiva 2005/29 permite que as autoridades administrativas fiscalizem as práticas comerciais quanto ao seu caráter desleal. A resposta a esta pergunta decorre, em meu entender, das disposições previstas nos artigos 11.° e 12.° da diretiva, das quais resulta que os Estados-Membros estão habilitados a intentar ações judiciais e a recorrer às autoridades administrativas para lutar contra as práticas comerciais desleais, a fim de garantir o cumprimento das disposições da presente diretiva. O caráter alternativo de ambos os tipos de procedimento, manifesto expressamente na redação («aos tribunais ou às autoridades administrativas») de cada uma das disposições, demonstra que a escolha do procedimento adequado é, em princípio, deixada à discricionariedade dos Estados-Membros ( 26 ). Neste contexto, cumpre constatar que a Diretiva 2005/29 permite, inteiramente, que a tarefa de fiscalização do caráter leal das práticas comerciais seja delegada às autoridades administrativas.

b) Competência administrativa para proceder a uma avaliação ex ante

45.

Outra questão de natureza processual que aqui se coloca consiste em saber, como já foi referido, se a Diretiva 2005/29 permite que as autoridades administrativas procedam a uma avaliação ex ante dessas práticas comerciais. A este respeito, importa assinalar, como o órgão jurisdicional referiu com razão na sua decisão de reenvio ( 27 ), que, em todo o caso, a diretiva não proíbe expressamente esta situação. Não é possível deduzir da diretiva que esta apenas autoriza avaliações ex post e que, por conseguinte, exclui em relação a determinadas práticas comerciais a previsão de uma autorização prévia por parte de uma autoridade administrativa. Como irei expor de seguida, é possível até, por meio de uma interpretação literal e sistemática das disposições pertinentes, avançar argumentos a favor da compatibilidade de uma avaliação ex ante com a diretiva.

46.

Em primeiro lugar, da disposição fundamental contida no artigo 11.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2005/29 resulta a obrigação decorrente do direito da União de os Estados-Membros «[assegurarem] a existência de meios adequados e eficazes para lutar contra as práticas comerciais desleais, a fim de garantir o cumprimento das disposições da presente diretiva no interesse dos consumidores». Isto significa que a compatibilidade de uma medida adotada pelos Estados-Membros com a diretiva está subordinada à condição de essa medida ser «adequada» e «eficaz» para pôr termo a tais práticas comerciais desleais. Deste modo, como já expus nas conclusões por mim apresentadas no processo Banco Español de Crédito ( 28 ), os Estados-Membros gozam de uma ampla margem de manobra ( 29 ), tanto mais que são elegíveis medidas teoricamente diferentes que preencham ambas as condições. Em última análise, apenas as medidas manifestamente inadequadas e ineficazes poderão ser eliminadas. Esta disposição tem em conta, como também há que constatar no caso de outros instrumentos jurídicos em matéria de proteção dos consumidores ( 30 ), as diferentes tradições jurídicas dos Estados-Membros.

47.

Ao prever, por exemplo, nos n.os 1 e 2 do artigo 11.o, a faculdade de uma pessoa ou organização que, de acordo com a legislação nacional, tem um interesse legítimo em combater as práticas comerciais desleais, intentar uma ação judicial contra tais práticas ( 31 ) e/ou submetê-las a uma autoridade administrativa, a diretiva determina quais as medidas concretas que podem estar aqui em causa. Para além disso, o n.o 2 do artigo 11.o prevê uma série de faculdades dos tribunais e autoridades administrativas nacionais, de que estes devem dispôr para proibir práticas comerciais desleais. A isto acresce a adoção de medidas provisórias e a adoção de medidas que permitam eliminar os efeitos deste tipo de práticas. O facto de a lista dessas medidas não ser, de forma alguma, exaustiva ( 32 ), representando antes, quando muito, um padrão mínimo a respeitar por todos os Estados-Membros ( 33 ), está patente, por um lado, na disposição fundamental do artigo 11.o, n.o 1, primeiro parágrafo, que se refere em termos gerais a «meios», sem abordar medidas específicas. Esta lista só é objeto de precisão na disposição contida no segundo parágrafo, nos termos da qual os meios em questão «devem incluir» as medidas a seguir referidas em pormenor. A redação desta disposição aponta no sentido de que os Estados-Membros devem, pelo menos, implementar nos seus ordenamentos jurídicos as medidas mencionadas expressamente. No entanto, esta redação não permite concluir que os Estados-Membros estariam legalmente impedidos de implementar outros procedimentos ou ações, eventualmente, de igual modo adequados e eficazes.

48.

Para além disso, o artigo 11.o, n.o 2, alínea b) prevê expressamente a competência das autoridades administrativas para proibir uma prática comercial desleal nos casos em que esta prática «não tenha ainda sido aplicada, mas essa aplicação esteja iminente». Trata-se, portanto, de uma proibição preventiva imposta pelas autoridades. Tanto a semelhança com este mecanismo da proibição preventiva como a enumeração não taxativa das medidas de combate às práticas comerciais desleais sugerem, desde logo, a compatibilidade do mecanismo da avaliação ex ante com a Diretiva 2005/29. O mesmo é válido relativamente ao preenchimento dos critérios da adequabilidade e da eficácia previstos no artigo 11.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da diretiva, tanto mais que não restam dúvidas de que um reconhecimento tão rápido quanto possível das práticas comerciais desleais contribui para a sua eliminação, mesmo antes de se produzirem os seus efeitos anticoncorrenciais.

49.

As considerações tecidas pelo Governo austríaco ( 34 ) a respeito do objetivo, estabelecido pelo legislador, do regime relativo ao anúncio de liquidações afiguram-se-me relevantes neste contexto. Este observa que, no caso das liquidações abrangidas pela obrigação de autorização prevista nos §§ 33a e segs. da UWG, uma avaliação ex post das práticas comerciais desleais não seria eficaz, uma vez que, na maioria dos casos, após o fim das liquidações, a empresa deixa de existir. Nos termos do § 33a da UWG, está em causa «qualquer anúncio ao público ou qualquer informação destinada a um número significativo de pessoas que permita concluir que se pretende promover o escoamento acelerado de grandes quantidades de produtos na venda a retalho e que, simultaneamente, seja adequado a fazer crer que o comerciante está obrigado, em virtude de circunstâncias particulares, a vender apressadamente os seus produtos, disponibilizando, por conseguinte, os seus produtos a condições ou preços extremamente vantajosos. Quaisquer anúncios ou informações em que surjam as expressões ‘Liquidação’, ‘Venda por liquidação’, ‘Liquidação total’, ‘Venda rápida’, ‘Venda ao desbarato’, ‘Liquidação de stock’ ou outras palavras de sentido similar são consideradas, em todo o caso, como o anúncio de uma liquidação».

50.

Independentemente da questão de saber se esse anúncio ao público deve ser qualificado como «prática comercial desleal» na aceção da Diretiva 2005/29, o que está sujeito, em última análise, a uma apreciação individual, uma intervenção precoce por parte das autoridades afigura-se justificada face a alegadas circunstâncias de uma liquidação que demonstrem uma urgência especial. Por conseguinte, uma regulamentação, que concede às autoridades administrativas uma competência para proceder à avaliação ex ante das práticas comerciais, preenche as condições da adequabilidade e da eficácia previstas nos termos do artigo 11.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2005/29.

51.

Nestas condições, a Diretiva 2005/29 permite, em princípio, que os Estados-Membros concedam às suas autoridades administrativas uma competência para proceder a uma avaliação ex ante das práticas comerciais.

c) Compatibilidade com a diretiva de uma proibição sob reserva de autorização acompanhada de sanção penal

52.

Concedendo-se aos Estados-Membros uma competência para assim proceder, dever-lhes-á, consequentemente, ser ao mesmo tempo igualmente reconhecida a faculdade fundamental de configurar o seu direito processual nacional de modo a que a adoção de certas práticas comerciais a qualificar, em determinadas circunstâncias, como desleais esteja sujeita a uma proibição legal sob reserva de autorização. Não será, em princípio, contrário à Diretiva 2005/29 obrigar, por lei, os profissionais a obterem uma autorização administrativa antes da execução de um anúncio público, sobretudo porque este requisito legal constitui apenas uma modalidade processual cujo objetivo consiste em permitir efetivamente uma avaliação ex ante por parte das autoridades administrativas. Com efeito, anunciar uma liquidação sem conhecer a intenção de um profissional, tornaria muito provavelmente inútil, como já foi referido ( 35 ), a execução da avaliação acima referida. Nesta medida, tal configuração legal das modalidades processuais internas satisfaz os critérios da adequabilidade e da eficácia estabelecidos no artigo 11.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da diretiva para combater as práticas comerciais desleais.

53.

Além disso, nada na Diretiva 2005/29 se opõe a que, aquando da configuração processual dessa proibição legal sob reserva de autorização, os Estados-Membros possam prever nas respetivas legislações que, no caso de uma violação da proibição em causa, as autoridades administrativas se devem limitar a constatar a ausência de uma autorização, sem se pronunciarem expressamente quanto ao mérito logo nesta fase do processo. Contudo, isto apenas é válido na condição de o profissional poder, subsequentemente, seguir um procedimento administrativo regular e apresentar um pedido de concessão de uma autorização, para que as autoridades administrativas se possam pronunciar quanto ao mérito. É a partir desta premissa que se deve proceder à análise seguinte.

54.

Com efeito, só nesse caso se atribuiria à conceção legal de uma proibição sob reserva de autorização uma função como parte de um mecanismo processual para assegurar uma avaliação ex ante. Se o profissional fosse privado de tal possibilidade — não existindo, todavia, quaisquer indícios no processo principal que apontem nesse sentido —, essa conceção teria o efeito de uma proibição definitiva equivalente a uma proibição geral do exercício de práticas comerciais, a qual não encontra qualquer suporte na Diretiva 2005/29. Essa proibição definitiva subsequente seria contrária não só à abordagem liberal da diretiva favorável à liberdade de empresa ( 36 ), como também à estrutura normativa da diretiva, segundo a qual as práticas comerciais são, em princípio, permitidas, desde que não preencham os pressupostos relativos ao caráter desleal. Como o Tribunal de Justiça esclareceu nomeadamente no acórdão Mediaprint, quando uma prática comercial abrangida pelo âmbito de aplicação da diretiva não consta do seu anexo I, esta prática só pode ser considerada desleal, e consequentemente proibida, na sequência de uma análise específica, nomeadamente à luz dos critérios enunciados nos artigos 5.° a 9.° da diretiva ( 37 ). Além disso, isto corresponderia a uma sanção desproporcionada em relação ao objetivo de assegurar a aplicação da diretiva. Este tema será por mim aprofundado no âmbito da análise das questões de direito material.

55.

O facto de as infrações serem puníveis, nos termos do § 33f da UWG, com uma sanção pecuniária não constitui, por si só, um argumento a favor de uma incompatibilidade com a Diretiva 2005/29, tanto mais que o seu artigo 13.o obriga expressamente os Estados-Membros a «[determinarem] as sanções aplicáveis às violações das disposições nacionais aprovadas em aplicação da presente diretiva». Além disso, esta disposição da diretiva determina que os Estados-Membros «[tomem] todas as medidas necessárias» para assegurar a aplicação da diretiva. Essas sanções devem ser «efetivas, proporcionadas e dissuasivas» ( 38 ). Tendo em conta o facto de que a ameaça de uma sanção pecuniária é, em princípio, suscetível de compelir os profissionais a adotarem um comportamento conforme com a lei e a comunicarem às autoridades todos os anúncios de liquidações — que preencham eventualmente os pressupostos das práticas comerciais desleais na aceção da diretiva —, não restam quaisquer dúvidas de que uma sanção deste tipo é efetiva e, simultaneamente, dissuasiva. Não existem quaisquer indícios de que uma sanção pecuniária neste sentido seria desproporcionada em relação ao objetivo prosseguido de luta contra as práticas comerciais desleais.

d) Controlo jurisdicional da decisão administrativa

i) Exposição da problemática

56.

Outro aspeto processual suscitado pelo órgão jurisdicional de reenvio no seu pedido prejudicial refere-se ao alcance da competência de apreciação dos tribunais nacionais no âmbito de ações destinadas à cessação de um comportamento dos concorrentes nos termos do § 34, n.o 3, da UWG. O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se um tribunal pode ser obrigado legalmente a proibir o anúncio de uma liquidação pelo simples facto de o profissional não dispor de uma autorização, não cabendo ao tribunal apreciar nesse processo o caráter enganoso, agressivo ou desleal dessa prática comercial.

57.

Em meu entender, ao responder a esta questão, devem ter-se em conta, em primeira linha, os efeitos jurídicos produzidos por essa proibição judicial na ordem jurídica interna. Uma regulamentação processual nacional como a que está em causa não satisfaz, de modo algum, as exigências da diretiva, caso equivalha a uma proibição definitiva de uma determinada prática comercial, sem que o seu caráter desleal tenha sido anteriormente constatado no âmbito de uma apreciação individual. A exigência imperativa de uma apreciação individual, para poder impor efetivamente uma proibição neste sentido, já foi salientada ( 39 ).

58.

Como explicarei no âmbito da minha exposição, são admissíveis algumas situações em que a execução dessa apreciação não é garantida sem restrições. A este respeito, a Diretiva 2005/29 proíbe os Estados-Membros de imporem legalmente aos seus tribunais a obrigação de se limitarem, nesses casos, à verificação do cumprimento do dever de apresentar uma autorização.

ii) Poder discricionário de configuração dos Estados-Membros em questões processuais

59.

Antes de proceder à análise destas situações específicas, é conveniente, no entanto, clarificar alguns aspetos da competência dos Estados-Membros na configuração das ações de cessação de comportamento. A este respeito, importa examinar, antes de mais, a questão de saber que tipo de controlo jurisdicional devem realizar os tribunais nacionais competentes para esse tipo de ações. Por outras palavras, os tribunais chamados a pronunciarem-se sobre uma ação de cessação de comportamento podem limitar-se a verificar a observância de uma formalidade, como a concessão de uma autorização, ou estão, pelo contrário, obrigados pelo direito da União a analisar se a prática comercial em causa é efetivamente desleal na aceção da Diretiva 2005/29?

60.

Tal como já foi exposto, os Estados-Membros dispõem, em princípio, de um amplo poder discricionário na configuração processual dos instrumentos de luta contra as práticas comerciais desleais ( 40 ). Caso se conceda aos Estados-Membros — como aqui se defende — a faculdade decorrente do direito da União de fiscalizar a lealdade das práticas comerciais por meio de uma competência das autoridades nacionais para proceder a uma avaliação ex ante, é coerente atribuir-lhes igualmente a faculdade de prever nos seus ordenamentos jurídicos que, no âmbito das ações de cessação de comportamento, os tribunais devem aplicar os mesmos critérios jurídicos que as autoridades administrativas. Este último aspeto é tanto mais certo quanto uma proibição judicial do anúncio de liquidações na sequência de uma ação intentada por um concorrente ao abrigo do § 34, n.o 3, da UWG tem por objetivo, essencialmente, assegurar a eficácia de uma conceção legal, como a que está aqui em causa, por via dos tribunais comuns ( 41 ). As ações de cessação de comportamento são nada mais do que «meios» na aceção do artigo 11.o da Diretiva 2005/29, aos quais os concorrentes podem recorrer a fim de se oporem a violações à obrigação de apresentar uma autorização. A ameaça legal de uma ordem judicial de proibição visa, em última análise, como a Schutzverband argumentou de maneira convincente nas suas alegações orais, compelir o profissional a respeitar o procedimento de autorização previsto nos termos do § 33b da UWG.

61.

A fim de assegurar a coerência da proteção jurídica a nível nacional, é necessário que autoridades e tribunais, ao analisarem se o profissional agiu em conformidade com a lei, apliquem o mesmo critério jurídico. Se o profissional violar a obrigação de autorização consagrada no § 33b da UWG, é, em princípio, legítimo prever na legislação nacional que a fiscalização jurisdicional levada a cabo no âmbito do procedimento previsto ao abrigo do § 34, n.o 3, da UWG se tenha de limitar à questão de saber se, em conformidade com o direito interno, o anúncio planeado estava sujeito a autorização e se essa autorização foi obtida, sem que o tribunal se tenha de pronunciar obrigatoriamente logo nesse momento sobre o caráter desleal da prática comercial em causa.

62.

Por conseguinte, importa concluir que a Diretiva 2005/29 permite, em princípio, que os Estados-Membros prevejam legalmente que, no quadro das ações de cessação de comportamento, os tribunais nacionais devem limitar o seu controlo jurisdicional à verificação do cumprimento da obrigação de obter uma autorização.

iii) Proibição de inobservância da obrigação de proceder a uma apreciação individual

63.

A margem de manobra concedida aos Estados-Membros para a configuração desses «meios» não é, no entanto, ilimitada, apenas podendo ser exercida dentro dos limites fixados pela Diretiva 2005/29. Para a problemática aqui em análise esta circunstância significa que as ações de cessação de comportamento não podem, de forma alguma, ser configuradas de modo a que a obrigação decorrente do direito da União de proceder a uma apreciação individual — quer no processo judicial, quer posteriormente — fique frustrada.

64.

De acordo com as considerações acima tecidas a respeito do procedimento administrativo ( 42 ), a proibição judicial não pode conduzir a que o profissional fique privado, por exemplo, do direito de depois seguir um procedimento administrativo regular e de apresentar um pedido de concessão de uma autorização. Nesse caso, deixar-se-ia, com efeito, de atribuir a uma proibição judicial a função de assegurar, em termos processuais, o respeito pela competência das autoridades de procederem a uma avaliação ex ante. Ao contrário, tratar-se-ia de uma proibição judicial definitiva, a qual equivaleria a uma proibição geral do exercício de práticas comerciais.

65.

Face a estas considerações, uma regulamentação nacional como a que está em causa não seria, em todo o caso, compatível com a diretiva em questão, se o facto de não ter sido requerida uma autorização ex ante conduzisse irremediavelmente a uma proibição da prática em causa, sem que o seu caráter leal tenha sido submetido a um exame material a nível jurisdicional ou administrativo. Por outras palavras, mesmo quando o empresário tiver, num primeiro momento, atuado ilicitamente e não tiver requerido a autorização ex ante,este deve poder continuar a beneficiar ainda, tanto num processo judicial como num procedimento administrativo, de uma apreciação casuística quanto ao mérito. Daqui não pode resultar imperativamente a proibição permanente de uma prática comercial em si mesma leal. Questão diferente é a de saber se é permitido punir o empresário pela simples razão de este ter violado as regras processuais nacionais. No âmbito da autonomia processual que a Diretiva 2005/29 reconhece aos Estados-Membros, este último aspeto não suscita, em princípio, objeções ( 43 ). Este seria, no entanto, contestável se das regras processuais nacionais resultasse, do ponto de vista jurídico ou prático, um impedimento de uma prática comercial que não merece qualquer reserva, visto ser leal ( 44 ).

66.

Um elevado risco de frustração existiria, a título de exemplo, nas situações em que o fator tempo tem uma especial importância para o profissional. Este seria, por exemplo, o caso de uma liquidação de artigos sazonais ( 45 ), que, por natureza, apenas são comercializados em determinados períodos do ano. Uma proibição judicial do anúncio de uma liquidação para o período visado em virtude simplesmente da ausência de uma autorização teria, de facto, o efeito de uma proibição absoluta. Embora o profissional possa, em princípio, requerer posteriormente uma autorização, a realização de uma liquidação fora do período relevante deixaria, do seu ponto de vista, de fazer sentido. Por conseguinte, todas as decisões judiciais, mediante as quais se declare exclusivamente a violação da obrigação de autorização, conduziriam, em última análise, desde logo, a uma proibição permanente de uma medida que em si mesma não merece qualquer reserva. No entanto, há que ter em consideração que a imposição de uma proibição permanente com base numa simples irregularidade processual é contrária ao objetivo prosseguido pela Diretiva 2005/29 de apenas proibir as práticas comerciais que são efetivamente agressivas, enganosas ou desleais.

67.

O legislador austríaco parece ter tido em conta esta situação específica ao ter isentado a priori os denominados «saldos sazonais» da obrigação de autorização no § 33a, n.o 2, da UWG. O objetivo destes saldos sazonais resultantes da prática comercial consiste em permitir aos comerciantes escoar o seu stock remanescente, especialmente, em artigos tipicamente sazonais ou de moda. Este tipo de saldos visa, portanto, esvaziar os armazéns, assim como pretende evitar uma desvalorização da mercadoria e aumentar a liquidez ( 46 ). Como se depreende tanto das alegações orais do Governo austríaco como da jurisprudência dos órgãos jurisdicionais austríacos ( 47 ), esses saldos sazonais abrangem os artigos sazonais acima referidos, mas também outras mercadorias que não estão obrigatoriamente incluídas nesta categoria ( 48 ), pelo que se deve seguramente partir de um entendimento amplo desta exceção constante do ordenamento jurídico austríaco. Partindo do pressuposto da veracidade destas declarações, o § 33a, n.o 2, da UWG contribuiria, em última análise, para atenuar o risco de frustração, em termos práticos, do exercício de uma prática comercial leal. Com efeito, a atividade comercial do profissional seria considerada, desde logo, como estando isenta da obrigação de apresentar uma autorização, o que levaria a que esta atividade não estivesse sujeita a quaisquer exigências de caráter processual e, por conseguinte, a quaisquer limitações, desde que as suas práticas comerciais não fossem declaradas desleais em sentido jurídico. Neste sentido, a regulamentação nacional em causa, no que diz respeito pelo menos à situação aqui discutida, respeitaria, em princípio, o disposto pela Diretiva 2005/29.

68.

Importa concluir que a regulamentação nacional em causa não pode conduzir à proibição definitiva e permanente do exercício pelo profissional de uma prática comercial em si mesma leal. Pelo contrário, deve ser dada a possibilidade ao profissional de obter uma decisão quanto ao mérito por parte das autoridades competentes com base no anexo I e nos critérios estabelecidos nos artigos 5.° a 9.° da Diretiva 2005/29. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, que dispõe de um conhecimento direto da situação local e tem competência exclusiva para a interpretação do direito nacional, determinar se o direito processual nacional prevê garantias suficientes nesse sentido.

e) Conclusão provisória

69.

Da análise precedente dos aspetos processuais da questão prejudicial resulta que, contanto que se assegure que uma prática comercial em si mesma leal não é proibida de forma definitiva, a Diretiva 2005/29 não se opõe, em princípio, a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual o anúncio de uma liquidação sem a autorização da autoridade administrativa competente não é permitido, devendo por isso ser judicialmente proibido, não cabendo ao tribunal apreciar nesse processo o caráter enganoso, agressivo ou desleal dessa prática comercial. O profissional deve ter a possibilidade de obter uma avaliação individual do caráter leal da prática comercial em causa no quadro de um processo judicial ou de um procedimento administrativo ( 49 ).

3. Aspetos de direito substantivo da questão prejudicial

a) Considerações gerais

70.

A transposição correta das disposições de direito substantivo da Diretiva 2005/29 para o direito austríaco — no que diz respeito pelo menos ao domínio específico do anúncio de liquidação — constitui uma das questões centrais do presente processo. A questão da compatibilidade das disposições contidas nos §§ 33a e segs. da UWG com a diretiva coloca-se pelo facto de estas disposições serem os fundamentos jurídicos com base nos quais as autoridades administrativas devem, em última análise, adotar uma decisão sobre se concedem ou não ao profissional uma autorização. A recusa de uma autorização com base num fundamento jurídico contrário à diretiva constituiria uma decisão administrativa igualmente contrária à diretiva. O órgão jurisdicional de reenvio não pretende excluir que alguns destes fundamentos jurídicos não estão em conformidade com a diretiva ( 50 ).

71.

A incompatibilidade das disposições nacionais em questão poderia resultar do facto de estas disposições imporem às autoridades administrativas um regime de decisão que não é conforme ao da Diretiva 2005/29. Neste regime de decisão poderiam igualmente incluir-se os critérios com base nos quais as autoridades administrativas devem apreciar o caráter desleal das práticas comerciais. Se se tiver em conta que a diretiva pretende uma harmonização plena das disposições substantivas da legislação em matéria de lealdade no comércio, qualquer derrogação ao disposto pelo direito da União deveria ser considerada uma violação. Nesse caso, em virtude do primado da aplicação do direito da União, como o órgão jurisdicional de reenvio esclarece corretamente reportando-se à jurisprudência aplicável do Tribunal de Justiça ( 51 ), as disposições nacionais controvertidas não deveriam ser aplicadas pelas autoridades administrativas em relação aos cidadãos.

b) Análise da estrutura dos dois regimes

72.

A fim de verificar se a Diretiva 2005/29 se opõe às disposições constantes dos §§ 33a e segs. da UWG relativas ao anúncio de liquidações, é necessário analisar e, em seguida, comparar a estrutura normativa das regras essenciais de ambos os regimes.

i) Estrutura normativa da Diretiva 2005/29

73.

O cerne da Diretiva 2005/29 é constituído pela cláusula geral do artigo 5.o, n.o 1, que estatui a proibição das práticas comerciais desleais. O artigo 5.o, n.o 2 precisa o significado de «desleal». Nos termos desta disposição, uma prática comercial é desleal se, por um lado, for contrária às exigências relativas à «diligência profissional» e, por outro, suscetível de «distorcer de maneira substancial» o comportamento económico do consumidor. De acordo com o disposto no n.o 4, são desleais, em especial, as práticas comerciais enganosas (artigos 6.° e 7.°) ou agressivas (artigos 8.° e 9.°). O n.o 5 remete para o anexo I e para as práticas comerciais aí enumeradas, que «são consideradas desleais em quaisquer circunstâncias». Esta lista aplica-se de maneira uniforme em todos os Estados-Membros e só pode ser alterada mediante revisão da diretiva.

74.

Daqui resulta que, no que diz respeito à aplicação do direito por parte dos órgãos jurisdicionais e das autoridades administrativas nacionais, se deve começar por atender à lista dos 31 casos de práticas comerciais desleais contidos no anexo I. Uma prática comercial deve ser proibida se estiver abrangida por uma das previsões normativas, não sendo necessário proceder a uma outra análise, por exemplo dos seus efeitos. Se a situação concreta não se incluir na referida lista de proibições, é necessário apreciar se se verifica uma das situações exemplificadas na cláusula geral — práticas comerciais enganosas ou agressivas. Apenas quando tal não acontece, é diretamente aplicável a cláusula geral constante do artigo 5.o, n.o 1, da diretiva.

ii) Regras substantivas da UWG relativas ao anúncio de liquidações

75.

Nos termos do § 33b da UWG, o anúncio de uma liquidação só é permitido mediante autorização da autoridade administrativa do distrito competente em função do local em que se realiza a liquidação. O § 33a, n.o 1, da UWG define o que se deve entender por «anúncio de uma liquidação». Além disso, esta disposição enumera uma série de palavras-chave geralmente utilizadas nesses avisos públicos. No entanto, como se infere dos esclarecimentos dados pelo Governo austríaco ( 52 ) e pela Schutzverband ( 53 ), nem todos os anúncios estão sujeitos à obrigação de apresentar uma autorização. Esta obrigação não abrange os avisos e as comunicações referidas no § 33a, n.o 2, da UWG relativos a saldos sazonais, a promoções sazonais, à venda de inventários e semelhantes, bem como a operações de venda especiais habituais no respetivo ramo comercial em determinadas épocas do ano.

76.

De acordo com o § 33b, n.o 4, o pedido da autorização em causa deve conter os motivos que estão na origem da liquidação, como o falecimento do proprietário da loja, cessação da atividade comercial ou suspensão de uma determinada linha de produtos, mudança da loja para outro local, danos provocados por motivo de força maior e outros motivos semelhantes.

77.

Nos termos do § 33c, n.o 3, a autorização deve ser recusada caso não se verifique qualquer dos motivos acima enunciados ou caso a venda não seja anunciada para um período contínuo. A autorização deve também ser recusada caso a venda deva decorrer no período entre o início da antepenúltima semana antes da Páscoa até ao Pentecostes ou de 15 de novembro até ao Natal ou durar mais de meio ano, a menos que ocorra por motivo de falecimento do proprietário da loja, por motivo de danos provocados por caso de força maior ou outros casos que também mereçam uma consideração especial. Caso o estabelecimento comercial ainda não exista há três anos completos, a autorização apenas deve ser concedida no caso de falecimento do proprietário da loja, de danos provocados por motivo de força maior ou em outros casos que também mereçam uma consideração especial.

c) Compatibilidade das regras substantivas com a Diretiva 2005/29

i) Imposição de proibições gerais

78.

Se se comparar a estrutura normativa de ambos os regimes, é de notar, em primeiro lugar, que a UWG enumera uma série de proibições gerais, que não encontram qualquer correspondência na Diretiva 2005/29.

79.

Esta situação apenas é patente, se as disposições nacionais em causa forem consideradas em relação entre si. Neste caso, a disposição legal prevista no § 33b da UWG, que institui a obrigação de obter uma autorização para o anúncio de liquidações, deve ser interpretada em conjugação com o § 33c, n.o 3, da UWG. O caráter proibitivo manifesta-se no imperativo legal contido no § 33c, n.o 3, da UWG nos termos do qual as autoridades administrativas devem recusar a autorização caso a venda apresente as características descritas pormenorizadamente nesta disposição. Segundo esta, a autorização deve ser recusada caso a venda não seja anunciada para um período contínuo, caso a venda deva ocorrer em determinadas épocas do ano (por ocasião das festas religiosas como a Páscoa, o Pentecostes e o Natal) ou caso o profissional não preencha o tempo de funcionamento mínimo de três anos ( 54 ). Os critérios contidos nesta disposição legal não são mencionados na lista das práticas comerciais desleais constante do anexo I da Diretiva 2005/29, nem estão ligados em termos concretos ao caráter enganoso, agressivo ou desleal dessa prática comercial, como resulta das explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio ( 55 ).

80.

Numa observação mais próxima da realidade, esta disposição deve ser entendida como uma proibição geral de certas práticas comerciais, tanto mais que o profissional apenas pode contar com uma autorização caso se encontrem reunidas determinadas circunstâncias especiais. Por sua vez, estas circunstâncias são definidas, por um lado, de forma muito restritiva («falecimento do proprietário da loja») e, por outro, em termos gerais («caso de força maior», «outros casos que também mereçam uma consideração especial»), pelo que para o cidadão é praticamente impossível vislumbrar quais as situações em que a autorização pode ser excecionalmente concedida. A este respeito, como o Tribunal de Justiça reiteradamente esclareceu, a necessidade de garantir a plena aplicação do direito da União impõe aos Estados-Membros não só que adequem as suas legislações ao direito da União, mas exige também que o façam através da adoção de disposições jurídicas suscetíveis de criar uma situação suficientemente precisa, clara e transparente que permita aos particulares conhecer todos os seus direitos e invocá-los perante os órgãos jurisdicionais nacionais ( 56 ). Neste contexto, importa ainda recordar que o aumento da segurança jurídica, tanto para os consumidores como para as empresas, era um dos objetivos prosseguidos com a adoção da diretiva, como decorre do seu décimo segundo considerando. Estes deveriam passar a poder contar com um quadro jurídico único baseado em conceitos legais claramente definidos regulando todos os aspetos das práticas comerciais desleais na União Europeia. Pretende-se, deste modo, a supressão dos entraves resultantes da fragmentação das disposições dos Estados-Membros relativas às práticas comerciais desleais. No entanto, como a Comissão demonstrou com razão ( 57 ), a regulamentação controvertida não tem suficientemente em consideração estes objetivos.

81.

A falta de segurança jurídica afeta o consumidor, mas atua sobretudo em detrimento do profissional. Com efeito, caso as autoridades administrativas recusem a autorização solicitada em conformidade com este princípio regra-exceção, o profissional não poderá anunciar uma liquidação, sem violar, deste modo, a lei e sem incorrer numa sanção pecuniária. Por conseguinte, do seu ponto de vista, esta regulamentação apresenta-se como uma proibição geral do anúncio de liquidações do tipo definido no § 33a, n.o 1, da UWG.

82.

Resulta do que precede que a disposição do § 33c, n.o 3, da UWG engloba situações de facto que ultrapassam o que o anexo I da Diretiva 2005/29 define como práticas comerciais desleais em quaisquer circunstâncias. Tendo em atenção apenas a sistemática normativa da UWG, deve reconhecer-se, a título de exemplo, que, embora o legislador austríaco tenha incorporado a lista constante do anexo I em termos quase idênticos na UWG, manteve, ao mesmo tempo, a antiga disposição do § 33c, n.o 3, da UWG. Assim sendo, atualmente os dois regimes coexistem de forma paralela, sem que tenham sido adaptados entre si em termos de técnica normativa. Uma vez que, em última análise, isto equivale a alargar unilateralmente a lista exaustiva de hipóteses contida no anexo I da Diretiva 2005/29, a regulamentação nacional deve ser considerada contrária ao disposto pela diretiva.

ii) Exigência de motivos para o anúncio de uma liquidação

83.

Importa ainda observar que a UWG subordina a concessão da autorização ao preenchimento de determinadas condições. Nos termos do § 33b, n.o 4, da UWG, uma condição formal essencial para a decisão das autoridades competentes sobre o pedido de concessão consiste na indicação dos «motivos» que estão na origem da liquidação. Esta disposição cita alguns dos motivos que justificam a concessão de uma autorização. Da sua redação («e outros motivos semelhantes») é possível inferir que a enumeração aí contida não é taxativa, pelo que as autoridades administrativas dispõem manifestamente de uma margem de apreciação discricionária no que se refere à tomada em consideração de outros motivos ( 58 ).

84.

O dever de indicar motivos não suscita em si mesmo, enquanto exigência formal, quaisquer dúvidas quanto a uma compatibilidade com a Diretiva 2005/29, tanto mais que este dever visa simplesmente informar as autoridades administrativas com antecedência sobre o anúncio planeado de uma liquidação. Nesta medida, este dever consiste numa necessidade processual que tem por objetivo informar preventivamente as autoridades da situação que deu origem à liquidação e permitir que as mesmas se pronunciem quanto ao mérito. Por outras palavras, o dever de indicar motivos visa permitir efetivamente uma avaliação ex ante da prática comercial em causa pelas autoridades.

85.

Numa perspetiva jurídico-material, os «motivos» legais referidos a título de exemplo são, no entanto, relevantes, uma vez que constituem critérios com base nos quais as autoridades podem concluir pelo caráter eventualmente desleal do anúncio. Caso estes critérios estejam preenchidos no caso concreto, a autorização deve ser concedida. Embora estes critérios não encontrem uma correspondência exata nas práticas comerciais contidas no anexo I da diretiva, não é de excluir que possam ser agrupados nos critérios mencionados nos n.os 7 e 15 do referido anexo, o que deve ser analisado pormenorizadamente.

¾ Anúncio de cessação da atividade e de mudança de instalações

86.

De acordo com o n.o 15 do anexo I da diretiva, «alegar que o profissional está prestes a cessar a sua atividade ou a mudar de instalações quando tal não corresponde à verdade» constitui uma prática comercial considerada desleal em quaisquer circunstâncias. O § 33b, n.o 4, da UWG transpõe esta regra geral para o direito nacional no sentido de que um requerente também pode fundamentar o anúncio planeado de uma liquidação com base designadamente no facto de prever cessar a sua atividade ou mudar de instalações. Na análise do pedido, a autoridade administrativa está habilitada a examinar a veracidade das declarações feitas pelo requerente e, eventualmente, a recusar a autorização, caso estas não correspondam à realidade. A existência de uma competência de fiscalização quanto ao mérito por parte da autoridade afigura-se tanto mais imperativa quanto é certo que o legislador austríaco assumiu quase literalmente esta situação no n.o 15 do anexo à diretiva. Em tais circunstâncias, parece assegurar-se uma transposição correta do disposto na diretiva. A este respeito, não existem, portanto, quaisquer dúvidas quanto à compatibilidade desta regulamentação com a Diretiva 2005/29.

¾ Outros motivos referidos no § 33b, n.o 4, da UWG

87.

No que se refere aos restantes critérios referidos no § 33b, n.o 4, da UWG («falecimento do proprietário da loja; suspensão de uma determinada linha de produtos, danos provocados por motivo de força maior e outros motivos semelhantes») importa constatar que, do ponto de vista da técnica normativa, se trata a este respeito de exceções, na presença das quais o anúncio de uma liquidação é excecionalmente permitido. No caso da regulamentação nacional aqui em apreço, não está, portanto, simplesmente em causa a configuração processual de uma reserva de análise administrativa no quadro de uma avaliação ex ante, mas sim uma verdadeira proibição jurídico-material geral, que apenas pode ser derrogada em casos bem identificados. No entanto, uma conceção legal, segundo a qual uma determinada prática comercial é, em princípio, proibida e apenas é permitida em casos excecionais — como já referi em pormenor nas minhas conclusões apresentadas nos processos C-261/07 (VTB-VAB) e C-299/07 (Galatea) ( 59 ), bem como no processo C-540/08 (Mediaprint) ( 60 ) —, contraria tanto a estrutura normativa como a orientação liberal da Diretiva 2005/29. Esta circunstância foi igualmente confirmada pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos ( 61 ) proferidos a este respeito.

88.

Ao contrário da regulamentação nacional em causa no caso vertente, a diretiva pressupõe o caráter leal das práticas comerciais, desde que os pressupostos jurídicos, detalhadamente definidos, de uma proibição não estejam preenchidos. Esta diferença essencial na estrutura normativa ( 62 ) não é compensada, por exemplo, pelo facto de o § 33b, n.o 4, da UWG prever uma série de exceções tipificadas alargáveis, em certas circunstâncias, mesmo através da prática administrativa, sobretudo porque exceções a proibições de princípio como a que está aqui em questão não são adequadas para cobrir todas as situações em que uma prática comercial deve ser considerada admissível, nos termos das disposições da Diretiva 2005/29, pois não permitem que os órgãos jurisdicionais e as autoridades nacionais competentes procedam a uma apreciação caso a caso.

89.

A abordagem liberal manifestada na diretiva tem um pano de fundo concreto de política legislativa que consiste em garantir a prossecução do objetivo do legislador da União, consagrado nos quarto e quinto considerandos, bem como no artigo 1.o da diretiva de, através de regras uniformes à escala comunitária, eliminar os obstáculos à livre circulação de serviços e de produtos para lá das fronteiras ou à liberdade de estabelecimento, que resultam do grande número de regras nacionais sobre práticas comerciais desleais, e isto na medida em que tal seja necessário para o bom funcionamento do mercado interno e para estabelecer um nível elevado de proteção dos consumidores.

90.

Face ao exposto, importa concluir que a regulamentação prevista no § 33b, n.o 4, da UWG ultrapassa o disposto pela Diretiva 2005/29, na medida em que define critérios suscetíveis de abranger, designadamente, anúncios de liquidações que, por ventura, não devem ser considerados práticas comerciais desleais.

d) Conclusão provisória

91.

Uma regulamentação nacional como a controvertida, que impõe uma proibição de princípio dos anúncios de liquidações e apenas os sujeitos à verificação de determinadas exceções, sem prever a possibilidade de ter suficientemente em conta todas as circunstâncias de cada caso concreto, tem uma natureza mais restritiva e rigorosa do que as normas da Diretiva 2005/29.

92.

Neste contexto, há que concluir que o disposto nos §§ 33a e segs. da UWF diz respeito a um domínio que está sujeito à harmonização plena e em relação ao qual não se aplicam as disposições transitórias do artigo 3.o, n.o 5, da diretiva.

93.

Por outro lado, não são aplicáveis nenhumas das exceções reguladas expressamente na Diretiva 2005/29. Assim, nem o Governo austríaco, nem a Schutzverband demonstraram de forma convincente, por exemplo, que a regulamentação nacional controvertida se insere num dos domínios referidos no nono considerando da diretiva («condições de estabelecimento e regimes de autorização»). De qualquer modo, do ponto de vista da metodologia do direito, não é possível atribuir a este considerando qualquer significado jurídico diferente do da disposição contida no n.o 8 do artigo 3.o, tanto mais que este artigo incorpora na parte dispositiva da diretiva as linhas essenciais do referido considerando, indicando claramente a verdadeira intenção normativa do legislador da diretiva. Já se assinalou que esta norma excecional não é aplicável ao processo principal ( 63 ). Ao contrário do que foi sustentado pelo Governo austríaco na audiência, um Estado-Membro não pode, à partida, recorrer à proibição constante do n.o 4 do anexo I da diretiva para, como no caso vertente, sujeitar de uma forma generalizada as práticas comerciais a uma autorização administrativa. Pelo contrário, as legislações nacionais devem respeitar sempre e por inteiro o disposto na diretiva. Além disso, há que observar que a referida proibição abrange outras situações, como admitido pelo Governo austríaco, designadamente, todos os procedimentos mediante os quais uma autoridade pública ou privada reconheça a qualidade de um profissional (por exemplo, a seriedade ou a capacidade para o exercício de uma atividade profissional) ou dos seus produtos (por exemplo, selos de qualidade, certificados de conformidade com a lei). Em conformidade com a sua finalidade normativa, esta proibição visa proteger o consumidor face a afirmações falsas e, por conseguinte, enganosas por parte do profissional, que produzem o efeito de que este ou o produto oferecido obtiveram esse reconhecimento ( 64 ). Nas suas alegações orais, o Governo austríaco não demonstrou que, de acordo com as disposições da UWG, o procedimento de autorização prossegue este objetivo.

94.

Na sua configuração concreta enquanto proibição geral sob reserva de autorização, o regime austríaco relativo ao anúncio de liquidações previsto nos §§ 33a e segs. da UWF tem por efeito, em última análise, uma extensão do catálogo de práticas comerciais proibidas constante do anexo I da diretiva, o que é precisamente vedado aos Estados-Membros, à luz do objetivo de harmonização plena e máxima que esta diretiva prossegue. Tendo em conta que, nos termos do artigo 5.o, n.o 5, a lista só pode ser alterada mediante revisão da própria diretiva, está proibida a ampliação unilateral desta lista pelos Estados-Membros.

95.

Atendendo às considerações expostas, concluo que uma regulamentação nacional como a que está em causa no caso em apreço, é incompatível com as disposições substantivas da Diretiva 2005/29 ( 65 ).

4. Conclusões sumárias

96.

Da análise precedente resulta que a Diretiva 2005/29 não se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa, que transfere para as autoridades administrativas a competência para fiscalizar as práticas comerciais — no caso concreto, o anúncio de liquidações — quanto ao seu caráter desleal ( 66 ).

97.

A diretiva não se opõe tão-pouco a uma regulamentação que exige ao profissional a obtenção de uma autorização administrativa antes de este aplicar determinadas práticas comerciais, sobre as quais recai a suspeita de revestirem caráter desleal. No entanto, esta construção processual deve ser justificada por circunstâncias específicas. A mesma deve ter por objetivo permitir às autoridades administrativas proceder a uma avaliação ex ante em situações em que são de esperar perturbações na concorrência leal, que serão praticamente impossíveis de impedir posteriormente ( 67 ).

98.

Em princípio, a diretiva não se opõe às legislações dos Estados-Membros que punem violações à obrigação legal de autorização ( 68 ).

99.

De acordo com a diretiva, os Estados-Membros podem, em princípio, igualmente determinar que as autoridades e tribunais competentes apenas devem verificar o cumprimento da obrigação de autorização, sem se pronunciarem sobre a questão do caráter leal da prática comercial em causa ( 69 ). No entanto, esta circunstância não pode conduzir à proibição definitiva do exercício pelo profissional de uma prática comercial em si mesma leal. Pelo contrário, deve sempre ser dada a possibilidade ao profissional de obter uma decisão quanto ao mérito por parte das autoridades e tribunais competentes com base no anexo I e nos critérios estabelecidos nos artigos 5.° a 9.° da Diretiva 2005/29 ( 70 ). Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, que dispõe de um conhecimento direto da situação local e tem competência exclusiva para a interpretação do direito nacional, determinar se o direito processual nacional prevê garantias suficientes nesse sentido ( 71 ). Para atender ao disposto pela diretiva, é necessário assegurar que o caráter leal da prática comercial em causa pode ser apreciado tanto no âmbito do próprio procedimento como posteriormente.

100.

Em contrapartida, a Diretiva 2005/29 opõe-se a disposições substantivas nacionais como as que estão em causa, que proíbem, em geral, o anúncio de liquidações e apenas o permitem em determinados casos excecionais ( 72 ).

VII — Conclusão

101.

Em face do exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Oberster Gerichtshof do modo seguinte:

«Os artigos 3.°, n.o 1, e 5.°, n.o 5, da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho (diretiva relativa às práticas comerciais desleais) não se opõem, em princípio, a uma regulamentação processual de direito nacional como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual o anúncio de uma liquidação sem a autorização da autoridade administrativa competente não é permitido, devendo por isso ser judicialmente proibido, não cabendo ao tribunal apreciar nesse processo o caráter enganoso, agressivo ou desleal dessa prática comercial, contanto que se assegure que uma prática comercial em si mesma leal não é proibida de forma definitiva. O profissional deve ter a possibilidade de obter uma avaliação casuística do caráter leal da prática comercial em causa tanto no quadro de um processo judicial como de um procedimento administrativo.

Os artigos 3.°, n.o 1, e 5.°, n.o 5, da Diretiva 2005/29 opõem-se a uma regulamentação substantiva nacional como a que está em causa no processo principal que impõe uma proibição de princípio dos anúncios de liquidações e apenas os sujeita à verificação de determinadas exceções, sem prever a possibilidade de ter suficientemente em conta todas as circunstâncias de cada caso concreto.»


( 1 ) Língua original das conclusões: alemão.

Língua do processo: alemão.

( 2 ) Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho (diretiva relativa às práticas comerciais desleais) (JO L 149, p. 22).

( 3 ) BGBl. I n.o 79/2007.

( 4 ) BGBl. I n.o 448/1984.

( 5 ) V., quanto ao estado da transposição em cada Estado-Membro, Henning-Bodewig, F., «Die Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs in den EU-Mitgliedstaaten: eine Bestandsaufnahme», Gewerblicher Rechtsschutz und Urheberrecht - Internationaler Teil, 2010, pp. 273 e seg..

( 6 ) A aproximação das legislações em matéria de lealdade através de diretivas contribui para alcançar o objetivo do estabelecimento do mercado interno, assegurando um elevado nível de proteção dos consumidores. Uma das vantagens deste método consiste no facto de, deste modo, deixarem praticamente de existir conflitos entre as liberdades fundamentais em causa e as medidas nacionais de proteção dos consumidores, uma vez que o legislador da União já conciliou ambos os interesses (v., exclusivamente quanto à problemática das modalidades de venda no domínio da legislação relativa à circulação das mercadorias, Picod, F., «La jurisprudence Keck et Mithouard, a-t-elle un avenir», L’entrave dans le droit du marché intérieur, Bruxelas 2011, p. 47).

( 7 ) Acórdão de 23 de abril de 2009, VTB-VAB e Galatea (C-261/07 e C-299/07, Colet., p. I-2949).

( 8 ) Acórdão de 14 de janeiro de 2010, Plus Warenhandelsgesellschaft (C-304/08, Colet., p. I-217).

( 9 ) Acórdão de 11 de março de 2010, Telekomunikacja Polska (C-522/08, Colet., p. I-02079).

( 10 ) Acórdão de 9 de novembro de 2010, Mediaprint Zeitungs- und Zeitschriftenverlag (C-540/08, Colet., p. I-10909; a seguir «acórdão Mediaprint»). V., em conjugação com o dever dos Estados-Membros de transposição correta, Griller, S., «Direktwirkung und richtlinienkonforme Auslegung», 10 Jahre Anwendung des Gemeinschaftsrechts in Österreich, Viena/Graz 2006, p. 91, que se debruça pormenorizadamente sobre os efeitos das diretivas no ordenamento jurídico austríaco.

( 11 ) Acórdão de 12 de maio de 2011, Ving Sverige (C-122/10, Colet., p. I-3903).

( 12 ) Para uma visão geral da jurisprudência, v. Namysłowska, M., «Trifft die Schwarze Liste der unlauteren Geschäftspraktiken ins Schwarze? Bewertung im Lichte der EuGH-Rechtsprechung», Gewerblicher Rechtsschutz und Urheberrecht - Internationaler Teil,2010, p. 1033.

( 13 ) V., designadamente, acórdãos de 15 de julho de 1964, Costa (6/64, Colet., p. 1251, 1268), de 29 de novembro de 2001, De Coster (C-17/00, Colet., p. I-9445, n.o 23), e de 16 de janeiro de 2003, Pansard e o. (C-265/01, Colet., p. I-683, n.o 18).

( 14 ) Bernitz, U., «The unfair commercial practices directive: its scope, ambitions and relation to the law of unfair competition», The regulation of unfair commercial practices under EC Directive 2005/29New rules and techniques (ed. de Stephen Weatherill/Ulf Bernitz), considera que será necessário um número considerável de pedidos de decisão prejudicial para assegurar a transposição correta da Diretiva 2005/29 nos Estados-Membros. Segundo o autor, este processo deve incluir igualmente ações por incumprimento propostas pela Comissão contra os Estados-Membros, que procurem manter disposições nacionais específicas contrárias à diretiva.

( 15 ) Segundo Zimmermann, R., «The present state of European private law», American Journal of comparative law, 2009, p. 479, a transição de uma harmonização mínima para uma harmonização plena em alguns domínios do direito da União criará dificuldades aos Estados-Membros. Basedow, J., «Der Europäische Gerichtshof und das Privatrecht», Archiv für die civilistische Praxis, 2010, p. 190, considera, por isso, que esta transição conduzirá a numerosos pedidos de decisão prejudicial junto do Tribunal de Justiça. Esta previsão parece confirmar-se gradualmente em relação à Diretiva 2005/29.

( 16 ) Como Micklitz, H.-W., «Full Harmonisation of Unfair Commercial Practices under Directive 2005/29», International review of intellectual property and competition law, volume 40 (2009), n.o 4, p. 371, esclarece corretamente, os Estados-Membros, ao adotarem a Diretiva 2005/29, provavelmente não se aperceberam do impacto considerável sobre o seu direito nacional que o princípio da harmonização plena viria a ter.

( 17 ) Acórdão Mediaprint (já referido supra na nota 10, n.o 38).

( 18 ) V. acórdãos VTB-VAB e Galatea (já referido supra na nota 7, n.o 50), Plus Warenhandelsgesellschaft (já referido supra na nota 8, n.o 36) e Mediaprint (já referido supra na nota 10, n.o 17), bem como despacho do Tribunal de Justiça de 30 de junho de 2011, Wamo (C-288/10, Colet., p. I-5835, n.o 30).

( 19 ) Acórdão Mediaprint (já referido supra na nota 10, n.os 21 a 24).

( 20 ) V. despacho Wamo (já referido supra na nota 18, n.o 28).

( 21 ) V. p. 7 da decisão de reenvio.

( 22 ) V. n.os 7 e 8 das observações escritas do Governo austríaco.

( 23 ) V. n.o 6 das observações escritas da Schutzverband.

( 24 ) V. acórdãos do Verwaltungsgerichtshof de 25 de fevereiro de 1993 (Processo n.o 93/04/0011) e de 14 de abril de 1999 (Processo n.o 98/04/0159 Coleção n.o 15123 A/1999); acórdão do Oberster Gerichtshof de 25 de março de 2003 (Processo n.o 4Ob48/03t).

( 25 ) V. Duursma, D., in: UWGKommentar (ed. de Maximilian Gumpoldsberger/Peter Baumann), Viena 2006, § 33a, n.o 1, p. 1185. Wiltschek, L., UWGKommentar, 2.a ed., Viena 2007, § 33af, n.o 1, p. 1034; e Feik, R., Öffentliches Wirtschaftsrecht (ed. de Michael Holoubek/Michael Potacs), Viena 2002, p. 177.

( 26 ) V. Holzmayr-Schrenk, T., Die Richtlinie über unlautere Geschäftspraktiken,Munique 2010, p. 68, de acordo com o qual, embora a Diretiva 2005/29 tenha por objetivo uma harmonização plena, esta não prescreve qualquer sistema determinado em matéria de luta contra as práticas comerciais desleais. Stolze, C., Harmonisierung des Lauterkeitsrechts in der EUUnter besonderer Berücksichtigung der Sanktionssysteme,Hamburgo 2010, p. 159, refere-se aos artigos 11.° e 12.° da Diretiva 2005/29, dos quais resulta que os Estados-Membros são livres de configurar, administrativamente ou com base no direito civil, a proteção contra as práticas comerciais desleais. Alexander, C., «Die Sanktions- und Verfahrensvorschriften der Richtlinie 2005/29/EG über unlautere Geschäftspraktiken im Binnenmarkt — Umsetzungsbedarf in Deutschland?», Gewerblicher Rechtsschutz und Urheberrecht - Internationaler Teil,2005, p. 810, sublinha que, até ao momento, o direito da União uniformizou apenas de forma pontual as disposições em matéria sancionatória e processual dos Estados-Membros e não prescreve qualquer sistema determinado de combate às práticas comerciais desleais. A Diretiva 2005/29 não altera esta aceitação pelo direito da União dos diversos sistemas nacionais de aplicação, continuando a competir aos legisladores nacionais decidir se o combate às práticas comerciais desleais é realizado por via contra-ordenacional, penal ou civil. Ciatti, A., «La tutela amministrativa e giurisdizionale», La pratiche commerciali sleali tra imprese e consumatori (ed. de Giovanni De Cristofaro), Turim 2007, p. 267, esclarece que, ao passo que a Diretiva 2005/29 apresenta um elevado grau de precisão e pormenor no que respeita às exigências substantivas impostas à legislação nacional de transposição, o mesmo não acontece relativamente aos mecanismos de execução e de sanção, tanto mais que se confere uma ampla margem de manobra ao legislador nacional.

( 27 ) V. n.o 3 da decisão de reenvio.

( 28 ) V. as minhas conclusões apresentadas em 14 de fevereiro de 2012 no processo Banco Español de Crédito (acórdão de 14 de junho de 2012, C-618/10, n.o 105).

( 29 ) V. Stolze, C., ob. cit.(nota 26), p. 158, que entende que a redação elástica da Diretiva 2005/29 confere aos Estados-Membros uma ampla margem de manobra para transpor as normas de execução na aceção dos artigos 11.° e 12.° Em termos semelhantes, também Koch, E., Die Richtlinie gegen unlautere GeschäftspraktikenAggressives Geschäftsgebaren in Deutschland und England und die Auswirkungen der Richtlinie, Hamburgo 2006, p. 55. V., Henning-Bodewig, F., «Die Richtlinie 2005/29/EG über unlautere Geschäftspraktiken», Gewerblicher Rechtsschutz und Urheberrecht - Internationaler Teil,2005, p. 633, segundo o qual, a Diretiva 2005/29 repete, essencialmente, as disposições da Diretiva 84/450/CEE. Estas deixavam, como é sabido, uma ampla margem de apreciação a todos os tipos de sistemas cíveis, penais e administrativos, desde que estes combatessem a concorrência desleal de modo adequado e eficaz. A diretiva não alcançou uma harmonização mais profunda entre os muito diferentes sistemas existentes precisamente em matéria de execução. De Cristofaro, G., «Die zivilrechtlichen Folgen des Verstoßes gegen das Verbot unlauterer Geschäftspraktiken: eine vergleichende Analyse der Lösungen der EU-Mitgliedstaaten», Gewerblicher Rechtsschutz und Urheberrecht - Internationaler Teil,2010, p. 1023, contesta as diferentes regulamentações adotadas com base no artigo 11.o da Diretiva 2005/29 e conclui que a desejada tentativa ambiciosa de uma harmonização plena das ordens jurídicas dos Estados-Membros não teve êxito no que se refere às práticas comerciais (business to consumer).

( 30 ) Os artigos 11.° e 12.° da Diretiva 2005/29 são idênticos aos artigos 4.° a 6.° da Diretiva 84/450/CEE do Conselho, de 10 de setembro de 1984, relativa à publicidade enganosa e comparativa (JO L 250, p. 17). O artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2005/29 apresenta, por sua vez, uma certa semelhança com o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO L 95, p. 29), segundo o qual «[o]s Estados-Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional». V., a este respeito, as considerações que teci nas conclusões apresentadas em 6 de dezembro de 2011 no processo Invitel (acórdão de 26 de abril de 2012, C-472/10, n.o 38).

( 31 ) V., quanto à importância da ação coletiva no domínio do direito da proteção dos consumidores, as minhas conclusões apresentadas no processo Invitel (já referidas supra na nota 30, n.os 36 e seg.).

( 32 ) V. Massaguer, J., El nuevo derecho contra la competencia deslealLa Diretiva 2005/29/CE sobre las Prácticas Comerciales Desleales,Madrid 2006, p. 144.

( 33 ) V. as minhas conclusões apresentadas no processo Banco Español de Crédito (já referidas supra na nota 28, n.o 105). V. Stuyck, J., «Enforcement of consumer rights and legal redress for consumers in the EU: An institutional model», New frontiers of consumer protection (ed. de Fabrizio Cafaggi/W. Micklitz), Oxford 2009, pp. 72 e seg., que chama a atenção, por um lado, para a competência dos Estados-Membros para configurar livremente as possibilidades de execução da legislação a nível nacional, e, por outro, para o facto de a Diretiva 2005/29 estabelecer determinados padrões mínimos decorrentes do direito da União que os Estados-Membros devem respeitar obrigatoriamente.

( 34 ) V. n.o 18 das observações escritas do Governo austríaco.

( 35 ) V. n.o 49 das presentes conclusões.

( 36 ) V. as minhas conclusões apresentadas nos processos VTB-VAB e Galatea (acórdão referido supra na nota 7, n.o 81) e de 24 de março de 2010, apresentadas no processo Mediaprint (acórdão referido supra na nota 10, n.o 74).

( 37 ) Acórdão Mediaprint (já referido supra na nota 10, n.o 43).

( 38 ) Caso não se pretenda imputar ao legislador da União uma duplicação regulamentar desnecessária, o artigo 13.o da Diretiva 2005/29 poderá ser considerado uma regra específica relativa às consequências jurídicas de uma violação da lealdade previstas na legislação nacional (sanções), ao passo que o artigo 11.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da diretiva está antes relacionado com as questões processuais e de execução. No entanto, no texto da diretiva não se procede a uma distinção suficientemente precisa entre ambas as matérias, tendo esta distinção, todavia, apenas uma importância acessória na transposição da diretiva para o direito nacional. Neste sentido, Alexander, C., ob. cit.(nota 26), p. 811.

( 39 ) V. n.o 53 das presentes conclusões.

( 40 ) V. n.o 46 das presentes conclusões.

( 41 ) Como resulta do § 34, n.o 3, da UWG, o direito de requerer a cessação de um comportamento apenas pode ser invocado no quadro das vias de recurso ordinárias, logo, perante os tribunais cíveis. O direito de requerer a cessação de um comportamento previsto nos termos desta disposição jurídica não depende da culpa, nem tão-pouco da intenção de, mediante uma violação do direito, obter uma vantagem face aos concorrentes cumpridores da lei. O mesmo se aplica em relação ao direito de eliminação previsto nos termos do § 15 da UWG. Para além disso, no caso das infrações contra as disposições administrativas reguladas na secção II, nas quais se incluem as normas controvertidas, são igualmente relevantes as medidas provisórias constantes do § 24 da UWG [v., Duursma, D., in UWG — Kommentar, ob. cit.(nota 25), § 34, n.o 4, p. 1203].

( 42 ) V. n.o 53 das presentes conclusões.

( 43 ) V. n.o 55 das presentes conclusões.

( 44 ) O direito processual civil dos Estados-Membros não escapa, de modo algum, às exigências do direito da União. Este não deve, antes de mais, tornar impossível ou frustrar, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela União, devendo prever vias de recurso que permitam uma execução eficaz do direito da União (v., Hess, B., Europäisches Zivilprozessrecht, Heidelberg 2010, § 11, p. 621, n.o 7). No que diz respeito à presente problemática, o objetivo da Diretiva 2005/29 falharia, se se admitisse que uma prática comercial em si mesma leal fosse proibida de forma definitiva pelo simples facto de não ter sido observada uma exigência processual (no caso vertente: a obrigação de autorização). Na criação dos procedimentos aplicáveis, há que conciliar os interesses do legislador nacional (no caso vertente: a notificação atempada das autoridades sobre uma prática comercial potencialmente desleal) com o interesse do legislador da União em proibir apenas efetivamente práticas comerciais desleais. A fim de garantir que um direito (no caso vertente: o livre exercício de uma prática comercial) não seja prejudicado de forma irreparável, o legislador nacional deve providenciar vias de recurso necessárias.

( 45 ) Nestes artigos incluem-se, designadamente, aqueles tipicamente utilizados em eventos tradicionais como o Natal, a passagem de ano, o Carnaval e a Páscoa (por exemplo, decoração, indumentária, determinados produtos alimentares, fogo de artifício).

( 46 ) V. Duursma, D., in UWG — Kommentar, ob. cit.(nota 25), § 33a, n.o 11, p. 1189, e Wiltschek, L., UWG — Kommentar, ob. cit.(nota 25), § 33a-f, n.o 59, p. 1039.

( 47 ) V. acórdãos do Oberster Gerichtshof de 16 de junho de 1987 (Processo n.o 4 Ob 342/87) e de 29 de junho de 1993 (Processo n.o 4 Ob 54/93). Acórdão do Verwaltungsgerichtshof de 16 de dezembro de 1998 (Processo n.o 97/04/0090).

( 48 ) V. acórdão do Oberster Gerichtshof de 29 de junho de 1993 (Processo n.o 4 Ob 54/93], em que a venda de tapetes orientais no quadro de saldos sazonais foi considerada admissível, apesar de este tipo de mercadorias não se tratar de um produto tipicamente sazonal.

( 49 ) Como exemplo dos requisitos processuais previstos pela Diretiva 2005/29 para efeitos da sua aplicação nos vários Estados-Membros, reconhece-se claramente o vínculo estreito entre os planos normativos supranacional e nacional. O legislador da diretiva limita-se a determinar as regras gerais e os requisitos mínimos, deixando, de resto, ao legislador nacional a configuração detalhada dos meios de aplicação. Ambos os planos normativos são parte integrante de um «sistema de dois níveis» interligados, como o descreveria Grundmann, S., «Systemdenken und Systembildung», in: Europäische Methodenlehre (ed. de Karl Riesenhuber), 2.a ed., Berlim 2010, § 10, n.o 2, p. 287.

( 50 ) V. n.o 5 da decisão de reenvio.

( 51 ) V. n.o 6 da decisão de reenvio.

( 52 ) V. n.o 2 das observações escritas do Governo austríaco.

( 53 ) V. n.os 4 e seg. das observações escritas da Schutzverband.

( 54 ) V. Seidelberg, H., «Überblick über das aktuelle Ausverkaufsrecht», Recht und Wettbewerb, n.o 162, 2003, p. 2, o qual, em relação a esta disposição já vigente na ordem jurídica austríaca antes da transposição da Diretiva 2005/29, fala de «prazos legais de proibição» para os anúncios de liquidações. Na base desta designação está manifestamente a ideia de que a disposição em questão institui uma proibição de princípio.

( 55 ) V. n.o 5 da decisão de reenvio.

( 56 ) V., neste sentido, em matéria de diretivas, acórdãos de 28 de fevereiro de 1991, Comissão/Itália (C-360/87, Colet., p. I-791, n.o 12), e de 15 de junho de 1995, Comissão/Luxemburgo (C-220/94, Colet., p. I-1589, n.o 10). V., além disso, acórdãos de 18 de janeiro de 2001, Comissão/Itália (C-162/99, Colet., p. I-541, n.os 22 a 25), e de 6 de março de 2003, Comissão/Luxemburgo (C-478/01, Colet., p. I-2351, n.o 20). V., em pormenor, sobre os requisitos relativos a uma transposição correta das directivas para o direito nacional Schweitzer, M./Hummer, W./Obewexer, W., Europarecht, Viena 2007, p. 73, n.o 268.

( 57 ) V. n.o 45 das observações escritas da Comissão.

( 58 ) V. Duursma, D., in UWG — Kommentar, ob. cit.(nota 25), § 33b, n.o 3, p. 1191. O autor indica que, além dos motivos de autorização referidos expressamente, apenas podem ser tidas em consideração como motivos para a autorização aquelas circunstâncias comparáveis aos factos mencionados no § 33b, n.o 4, da UWG, os quais colocam, portanto, o requerente numa situação especial diferente da situação concorrencial dos seus concorrentes. Em contrapartida, circunstâncias que afetem da mesma forma todos os trabalhadores da empresa que requereu a autorização, mesmo quando se tratem de acontecimentos que revestem o caráter de um «caso de força maior», não são suscetíveis de justificar a autorização do anúncio de uma liquidação em relação a um único requerente.

( 59 ) V. as minhas conclusões apresentas em 21 de outubro de 2008 nos processos VTB-VAB e Galatea (acórdão já referido supra na nota 7), n.os 84 a 89.

( 60 ) V. as minhas conclusões apresentadas no processo Mediaprint (acórdão já referido supra na nota 10), n.o 76.

( 61 ) Acórdãos VTB-VAB (já referido supra na nota 7, n.os 64 e 65) e Mediaprint (já referido supra na nota 10, n.os 39 e 40).

( 62 ) V. Wiebe, A., «Umsetzung der Geschäftspraktikenrichtlinie und Perspektiven für eine UWG-Reform», Juristische Blätter, 2/2007, p. 79, que conclui que a Diretiva 2005/29 apresenta uma estrutura normativa diferente da da UWG atualmente em vigor. Na sua opinião, o legislador austríaco não pode ignorar esta estrutura de natureza diferente aquando da transposição. É necessário abordar a tarefa da transposição e resolver os vários problemas que se colocaram ao legislador atendendo ao âmbito de aplicação limitado, ao conteúdo e à estrutura da diretiva. Segundo o autor, isto não deve ser feito através de alguns aditamentos, mas sim através de uma grande reforma estrutural. A pressão de liberalização verificada a nível europeu, retomada igualmente pelo Oberster Gerichtshof, poderá ser utilizada pelo legislador para uma reforma mais ampla cujo resultado satisfará não só as exigências da clareza jurídica e da transparência, como também perdurará por mais tempo.

( 63 ) V. n.o 41 das presentes conclusões.

( 64 ) V. Büllesbach, E., Auslegung der irreführenden Geschäftspraktiken des Anhangs I der Richtlinie 2005/29/EG über unlautere Geschäftspraktiken, Munique 2008, pp. 53 e seg..

( 65 ) V. Schuhmacher, W., «Das Ende der österreichischen per-se-Verbote von Geschäftspraktiken gegenüber Verbrauchern», Wirtschaftsrechtliche Blätter, 2010, n.o 12, pp. 615 e seg., que defende que as disposições dos §§ 33a e segs. da UWG contêm uma proibição per se dos anúncios por si abrangidos formulada em termos muito amplos. Uma vez que o § 33b da UWG também proíbe o verdadeiro anúncio público de liquidações autênticas sem autorização prévia, esta norma ultrapassa as disposições pertinentes constantes do anexo [da diretiva], sendo, deste modo, inaplicável. Assim, o autor conclui que a obrigação de obter uma autorização é igualmente inoperante no seu todo.

( 66 ) V. n.o 44 das presentes conclusões.

( 67 ) Ibidem, n.o 51.

( 68 ) Ibidem, n.o 58.

( 69 ) Ibidem, n.os 53 e 61.

( 70 ) Ibidem, n.os 53 e seg. e 63 e seg..

( 71 ) Ibidem, n.o 68.

( 72 ) Ibidem, n.o 95.