ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

16 de maio de 2013 ( *1 )

«Artigo 45.o TFUE — Regulamento (CEE) n.o 1408/71 — Artigo 10.o — Prestações de velhice — Residência habitual em dois Estados-Membros diferentes — Benefício de uma pensão de sobrevivência num desses Estados e de uma pensão de reforma no outro — Supressão de uma dessas prestações — Recuperação das prestações pretensamente indevidas»

No processo C-589/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Sąd Apelacyjny — Sąd Pracy i Ubezpieczeń Społecznych w Białymstoku (Polónia), por decisão de 2 de dezembro de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 14 de dezembro de 2010, no processo

Janina Wencel

contra

Zakład Ubezpieczeń Społecznych w Białymstoku,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, M. Ilešič, J.-J. Kasel (relator), M. Safjan e M. Berger, juízes,

advogado-geral: P. Cruz Villalón,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 1 de março de 2012,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Zakład Ubezpieczeń Społecznych w Białymstoku, por K. M. Kalinowska, U. Kulisiewicz e A. Szybkie, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por M. Szpunar, J. Faldyga e A. Siwek, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por V. Kreuschitz e M. Owsiany-Hornung, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 24 de maio de 2012,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 20.°, n.o 2, TFUE e 21.° TFUE, bem como de certas disposições do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado pela última vez pelo Regulamento (CE) n.o 592/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008 (JO L 177, p. 1, a seguir «Regulamento n.o 1408/71»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe J. Wencel ao Zakład Ubezpieczeń Społecznych w Białymstoku (organismo de segurança social, secção de Białystok, a seguir «ZUS») a propósito do seu direito a uma pensão de reforma.

Quadro jurídico

Regulamentação da União

3

O artigo 1.o, alínea h), do Regulamento n.o 1408/71 define «residência» como o lugar de residência habitual.

4

Nos termos do artigo 6.o, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71, este regulamento substitui, no seu âmbito de aplicação pessoal e material, qualquer convenção de segurança social que vincule pelo menos dois Estados-Membros.

5

Nos termos do artigo 7.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 1408/71, intitulado «Disposições internacionais não prejudicadas pelo presente regulamento», continuam a ser aplicáveis «[d]eterminadas disposições de convenções em matéria de segurança social celebradas pelos Estados-Membros antes da data de aplicação [deste] regulamento, desde que sejam mais favoráveis para os beneficiários ou resultem de circunstâncias históricas específicas e tenham efeitos limitados no tempo e se estiverem enumeradas no Anexo III».

6

Entre as convenções de segurança social que continuam aplicáveis ao abrigo do Anexo III do Regulamento n.o 1408/71 figura, nomeadamente, a Convenção celebrada entre a República Popular da Polónia e a República Federal da Alemanha sobre a segurança social em caso de acidentes de trabalho e as pensões de invalidez, de velhice e por morte (umowa r. między Polską Rzeczpospolitą Ludową a Republiką Federalną Niemiec o zaopatrzeniu emerytalnym i wypadkowym), de 9 de outubro de 1975 (Dz. U. de 1976, n.o 16, posição 101), conforme alterada (a seguir «Convenção de 9 de outubro de 1975), nas condições e segundo as modalidades definidas pelos n.os 2 a 4 do artigo 27.o da Convenção germano-polaca relativa à segurança social (umowa polsko-niemiecka o zabezpieczeniu społecznym) de 8 de dezembro de 1990 (Dz. U. de 1991, n.o 108, posição 468).

7

O artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71, intitulado «Supressão das cláusulas de residência — Incidência do seguro obrigatório relativamente ao reembolso das contribuições», prevê no seu n.o 1:

«Salvo disposição contrária do presente regulamento, as prestações pecuniárias de invalidez, velhice ou sobrevivência, as rendas por acidente de trabalho ou doença profissional e os subsídios por morte adquiridos ao abrigo da legislação de um ou de mais Estados-Membros não podem sofrer qualquer redução, modificação, suspensão, supressão ou confisco, pelo facto de o beneficiário residir no território de um Estado-Membro que não seja aquele em que se encontra a instituição devedora.

[…]»

8

Nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 1408/71:

«1.   O presente regulamento não pode conferir ou manter o direito de beneficiar de várias prestações da mesma natureza relativas a um mesmo período de seguro obrigatório. […].

2.   Salvo disposição em contrário do presente regulamento, as cláusulas de redução, de suspensão ou de supressão previstas na legislação de um Estado-Membro em caso de cumulação de uma prestação com outras prestações de segurança social ou com outros rendimentos de qualquer natureza são oponíveis ao beneficiário mesmo que se trate de prestações adquiridas nos termos da legislação de outro Estado-Membro ou de rendimentos obtidos no território de outro Estado-Membro.»

9

De acordo com o artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71, «as pessoas às quais se aplica o presente regulamento apenas estão sujeitas à legislação de um Estado-Membro. Esta legislação será determinada em conformidade com as disposições do […] título [II]».

10

Nos termos do artigo 13.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento n.o 1408/71:

«Sem prejuízo do disposto nos artigos 14.° a 17.°:

f)

A pessoa à qual a legislação de um Estado-Membro deixa de ser aplicável, sem que lhe seja aplicável a legislação de um outro Estado-Membro […], está sujeita à legislação do Estado-Membro no território do qual reside, de acordo com as disposições desta legislação.»

11

Nos termos do artigo 46.o-A do Regulamento n.o 1408/71:

«1.   Por cumulação de prestações da mesma natureza deve entender-se, na aceção do presente Capítulo, todas as cumulações de prestações de invalidez, velhice ou sobrevivência calculadas ou concedidas em função dos períodos de seguro e/ou de residência cumpridos pela mesma pessoa.

2.   Por cumulação de prestações de natureza diferente deve entender-se, na aceção do presente Capítulo, todas as cumulações de prestações que, nos termos do n.o 1, não possam ser consideradas da mesma natureza.

3.   Para a aplicação das cláusulas de redução, suspensão ou supressão previstas pela legislação de um Estado-Membro em caso de cumulação de uma prestação de invalidez, velhice ou sobrevivência com uma prestação da mesma natureza ou uma prestação de natureza diferente ou com outros rendimentos, são aplicáveis as seguintes regras:

[…]

d)

No caso de serem aplicáveis cláusulas de redução, de suspensão, ou de supressão nos termos da legislação de um único Estado-Membro pelo facto de o interessado beneficiar de prestações da mesma natureza ou de natureza diferente, por força da legislação de outros Estados-Membros ou de outros rendimentos adquiridos no território de outros Estados-Membros, a prestação devida nos termos da legislação do primeiro Estado-Membro só pode ser reduzida até ao limite do montante das prestações devidas nos termos da legislação ou dos rendimentos adquiridos no território dos outros Estados-Membros.»

Convenções germano-polacas

12

O artigo 4.o da Convenção de 9 de outubro de 1975 dispõe:

«1.   As pensões do seguro de pensões são concedidas pelo organismo de segurança social do Estado em que resida o beneficiário, conforme as disposições vigentes para o referido organismo.

2.   Quando da liquidação da pensão ao abrigo das regras aplicáveis ao organismo referidas no n.o 1, os períodos de seguro, os períodos de emprego e outros períodos equiparados cumpridos no outro Estado são tidos em conta pelo referido organismo como se tivessem sido cumpridos no território do primeiro Estado.

«3.   As pensões referidas no n.o 2 só serão concedidas enquanto o interessado residir no território do Estado cujo organismo de segurança social calculou a pensão. Durante este período, o beneficiário de uma pensão não beneficia junto de uma instituição de seguros de outro Estado de qualquer direito a título de períodos de emprego ou outros períodos equiparados cumpridos nesse outro Estado […]»

13

Nos termos do disposto no artigo 27.o, n.o 2, da Convenção germano-polaca relativa à segurança social de 8 de dezembro de 1990, os direitos e prerrogativas adquiridos até 1 de janeiro de 1991 num dos Estados Partes ao abrigo da Convenção de 9 de outubro de 1975 não são postos em causa, desde que os beneficiários residam no território desse Estado.

Regulamentação polaca

14

Na Polónia, as pensões de reforma e outras pensões são reguladas pela Lei relativa às pensões de reforma e outras pensões pagas pela caixa de segurança social (ustawa o emeryturach i rentach z Funduszu Ubezpieczeń Społecznych), de 17 de dezembro de 1998, na sua versão consolidada (Dz. U. de 2009, n.o 153, posição 1277, a seguir «lei das pensões de reforma»).

15

De acordo com o artigo 114.o, n.o 1, desta lei, o direito às prestações ou o seu montante estão sujeitos a revisão, a pedido do interessado ou oficiosamente, se, após a execução da decisão sobre as prestações, forem apresentados novos documentos ou se revelarem novos elementos que existiam antes da adoção da decisão que possam afetar o direito às prestações ou o seu montante.

16

Nos termos do artigo 138.o, n.os 1 e 2, da referida lei, quem tiver recebido prestações indevidamente é obrigado a reembolsá-las. São consideradas prestações recebidas indevidamente as prestações pagas apesar de existirem circunstâncias suscetíveis de justificar a supressão ou a suspensão do direito a prestação ou a cessação do pagamento da totalidade ou de parte das prestações, desde que o beneficiário tenha sido informado de que não tinha o direito de receber as prestações.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17

J. Wencel, nacional polaca, nascida em 25 de fevereiro de 1930, está inscrita, desde 1954, no registo da cidade de Białystok (Polónia). O seu marido, igualmente de nacionalidade polaca, instalou-se, após o seu casamento em 1975, em Frankfurt am Main (Alemanha), onde foi registado como residente e exerceu um trabalho assalariado que envolvia o pagamento de quotizações de segurança social. A partir de 1984, beneficiou de uma pensão de invalidez na Alemanha. J. Wencel deslocava-se frequentemente para junto do seu cônjuge nesse Estado-Membro e este passava a totalidade das férias e dos feriados na Polónia.

18

Nos termos de um atestado de residência emitido pelo município de Frankfurt am Main, J. Wencel residiu de maneira permanente na Alemanha a partir de 1984. Aí obteve uma autorização de residência, mas nunca exerceu uma atividade profissional. Contudo, de 1984 a 1990, esteve empregada pela sua nora como ama na Polónia. Por decisão do ZUS de 24 de outubro de 1990, adquiriu, ao abrigo dos períodos cumpridos na Polónia, o direito a uma pensão de reforma polaca. Depois do falecimento do seu marido em 2008, o organismo de segurança social alemão paga-lhe uma pensão de sobrevivência, concedida, nomeadamente, em razão da sua residência na Alemanha. Atualmente, reside na Polónia com o filho, a nora e os netos.

19

Em 2009, o ZUS foi informado de que J. Wencel estava registada como residente simultaneamente na Polónia e na Alemanha. Com base numa declaração de 24 de novembro de 2009, na qual J. Wencel afirmava residir na Alemanha, embora passando a totalidade das férias e dos feriados na Polónia, o ZUS adotou duas decisões ao abrigo dos artigos 114.° e 138.° da lei das pensões de reforma.

20

Com a sua primeira decisão, de 26 de novembro de 2009, o ZUS anulou a decisão de atribuição da pensão de reforma de 24 de outubro de 1990 e suspendeu o respetivo pagamento. Segundo o ZUS, ao abrigo do artigo 4.o da Convenção de 9 de outubro de 1975, o organismo de segurança social do Estado de residência do requerente é o único competente para se pronunciar sobre o pedido de pensão de reforma. Como J. Wencel residiu permanentemente na Alemanha desde 1975, não poderia receber uma pensão de reforma ao abrigo do sistema de segurança social polaco. Com a sua segunda decisão, de 23 de dezembro de 2009, o ZUS reclamou a J. Wencel o reembolso dos montantes indevidamente recebidos durante os três anos precedentes.

21

Em 4 de janeiro de 2010, J. Wencel impugnou essas duas decisões no Sąd Okręgowy — Sąd Pracy i Ubezpieczeń Społecznych w Białymstoku (Tribunal Regional — Tribunal do Trabalho e Segurança Social de Białystok) invocando uma violação das disposições do direito da União relativas à liberdade de circulação e de residência. Com efeito, o facto de ter dois locais de residência habitual não deveria, em seu entender, privá-la do direito a uma pensão de reforma na Polónia. Por outro lado, alega que a declaração de 24 de novembro de 2009 foi redigida em situação de urgência e sob pressão dos funcionários do ZUS, pelo que não reflete a realidade.

22

Por decisão de 15 de setembro de 2010, aquele órgão jurisdicional negou provimento ao recurso de J. Wencel com o fundamento de que, mesmo que um indivíduo possa estar registado como residente em dois Estados-Membros diferentes, o artigo 4.o da Convenção de 9 de outubro de 1975 exclui que esse indivíduo possa ter dois centros de interesses diferentes. A transferência do centro de interesses de J. Wencel para a Alemanha teve por efeito outorgar competência ao organismo de segurança social alemão. Por outro lado, apesar do aviso que figurava na decisão de atribuição da sua pensão de reforma, J. Wencel não tinha informado o ZUS da sua decisão de deixar a Polónia.

23

J. Wencel interpôs recurso desta decisão para o Sąd Apelacyjny — Sąd Pracy i Ubezpieczeń Społecznych w Białymstoku.

24

Segundo esse órgão jurisdicional, resulta do artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71 que uma pessoa que reside no território de um Estado-Membro não pode ser privada dos seus direitos a prestações adquiridos no âmbito da legislação de outro Estado-Membro. Ainda que a situação da pessoa que dispõe simultaneamente de duas residências habituais não esteja aí referida, há que admitir que tal pessoa está igualmente abrangida pelo referido artigo 10.o Depois de enumerar todos os elementos factuais a favor da conclusão de que J. Wencel dispunha simultaneamente de dois locais de residência habitual e de que, de 1975 a 2008, passou metade do tempo na Polónia e a outra metade na Alemanha, o órgão jurisdicional de reenvio conclui que a situação de J. Wencel é atípica e que a falta de declaração, por sua parte, relativa à transferência do centro dos seus interesses se explica pela circunstância de considerar realmente que dispunha de dois locais de residência na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento n.o 1408/71.

25

O órgão jurisdicional de recurso manifesta assim dúvidas quanto à questão de saber se J. Wencel pode ser privada dos seus direitos a prestações pelo simples facto de dispor de dois locais de residência habitual. Segundo esse órgão jurisdicional, afigura-se que as decisões do ZUS são contrárias ao princípio da livre circulação na União Europeia.

26

Com efeito, na medida em que, na sequência da adesão da República da Polónia à União, em 2004, as disposições da Convenção de 9 de outubro de 1975 apenas se aplicam, nos termos do artigo 7.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71, se não forem menos favoráveis do que as disposições deste último, J. Wencel não deveria sofrer, em aplicação dos artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE, bem como do artigo 10.o do referido regulamento, nenhuma redução dos seus direitos a prestação pelo facto de ter disposto, durante mais de 30 anos, de dois locais de residência equivalentes.

27

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta-se sobre se a atribuição da pensão de reforma pode ser retirada retroativamente no caso de a interessada não ter sido informada da obrigação de assinalar a ocorrência de qualquer circunstância suscetível de influenciar a determinação do organismo de segurança social competente para a análise dos pedidos de pensões de reforma.

28

Nestas condições, o Sąd Apelacyjny — Sąd Pracy i Ubezpieczeń Społecznych w Białymstoku decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 10.o do Regulamento […] n.o 1408/71 [...], tendo em conta o princípio da liberdade de circulação e de residência no território dos Estados-Membros da União Europeia consagrado pelos artigos 21.° [TFUE] e 20.°, n.o 2, [TFUE], ser interpretado no sentido de que as prestações pecuniárias de velhice adquiridas ao abrigo da legislação de um Estado-Membro não poderão ser objeto de redução, modificação, suspensão, supressão ou confisco pelo facto de o beneficiário ter residido simultaneamente no território de dois Estados-Membros (tinha duas residências habituais equivalentes), sendo um deles um Estado diferente daquele em cujo território [o organismo devedor] da pensão de reforma tem a sua sede?

2)

Devem os artigos 21.° [TFUE] e 20.°, n.o 2, [TFUE] e o artigo 10.o do Regulamento […] n.o 1408/71 ser interpretados no sentido de que se opõem à aplicação da disposição nacional prevista no artigo 114.o, n.o 1, da [lei das pensões de reforma], conjugado com o artigo 4.o da Convenção de 9 de outubro de 1975 […] de forma a que o organismo de previdência polaco conheça novamente do mesmo processo e prive do direito a uma pensão de reforma uma pessoa que, durante muitos anos, teve simultaneamente dois lugares de residência habitual (dois centros de [interesses]) em dois Estados que atualmente pertencem à União Europeia e que, até 2009, não apresentou um pedido de transferência do seu lugar de residência para um desses Estados nem apresentou a respetiva declaração?

Em caso de resposta negativa:

3)

Devem os artigos 20.°, n.o 2, [TFUE] e 21.° TFUE e o artigo 10.o do Regulamento […] n.o 1408/71 ser interpretados no sentido de que se opõem à aplicação da disposição nacional prevista no artigo 138.o, n.os 1 e 2, da [lei das pensões de reforma] de forma a que o organismo de previdência polaco possa exigir o reembolso das pensões de reforma correspondentes aos últimos três anos a uma pessoa que, de 1975 a 2009, teve simultaneamente dois lugares de residência habitual (dois centros de [interesses]) em dois Estados que atualmente pertencem à União Europeia, no caso de essa pessoa, durante a apreciação do pedido de concessão da pensão e após tê-la recebido, não ter sido informada pelo organismo de [segurança social] polaco de que […] devia comunicar que tinha dois lugares de residência habitual em dois Estados e de que, consequentemente, devia apresentar um pedido no qual tinha de escolher o organismo de [segurança social] de um desses Estados como [organismo] competente para a decisão dos seus pedidos relacionados com as pensões de reforma ou emitir uma declaração nesse sentido?»

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

29

Tendo em conta as especificidades do presente processo e com vista a dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há que determinar, a título preliminar, se e, sendo caso disso, em que medida as disposições do Regulamento n.o 1408/71 são aplicáveis numa situação como a que está em causa no processo principal.

30

No que respeita, em primeiro lugar, à aplicabilidade ratione temporis do Regulamento n.o 1408/71, há que recordar que este regulamento entrou em vigor em relação à República da Polónia a partir da adesão desta última à União, ou seja, em 1 de maio de 2004.

31

No caso em apreço, embora J. Wencel tenha adquirido o seu direito a uma pensão de reforma polaca ao abrigo de uma decisão do ZUS de 24 de outubro de 1990, também é certo que, por força das decisões de 26 de novembro e 23 de dezembro de 2009, esse direito foi anulado e J. Wencel viu ser-lhe reclamado o reembolso dos montantes pretensamente recebidos de forma indevida durante os três anos precedentes.

32

Por conseguinte, são estas duas últimas decisões, emitidas após a adesão da República da Polónia à União, que constituem o objeto do litígio no processo principal.

33

Por outro lado, segundo jurisprudência constante, embora o Regulamento n.o 1408/71, enquanto lei nova em matéria de segurança social dos trabalhadores migrantes aplicável na Polónia a partir de 1 de maio de 2004, apenas seja válido, em princípio, para o futuro, é no entanto suscetível de ser aplicado também aos efeitos futuros das situações nascidas na vigência da lei antiga (v., neste sentido, acórdão de 18 de abril de 2002, Duchon, C-290/00, Colet., p. I-3567, n.o 21 e jurisprudência referida).

34

Assim, a legalidade das decisões de 26 de novembro e 23 de dezembro de 2009 deve ser apreciada à luz do Regulamento n.o 1408/71, na medida em que as disposições das convenções de segurança social não sejam aplicáveis.

35

No que respeita, em segundo lugar, à aplicabilidade ratione materiae do Regulamento n.o 1408/71, há que recordar que, por força do artigo 7.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 1408/71, as disposições das convenções de segurança social enumeradas no Anexo III deste regulamento continuam a ser aplicáveis, sem prejuízo do artigo 6.o do mesmo regulamento, segundo o qual este substitui, no que respeita ao seu âmbito de aplicação pessoal e material, todas as convenções de segurança social que vinculem dois ou mais Estados-Membros (acórdão de 18 de dezembro de 2007, Habelt e o., C-396/05, C-419/05 e C-450/05, Colet., p. I-11895, n.o 87).

36

A Convenção de 9 de outubro de 1975 figura no Anexo III do Regulamento n.o 1408/71, pelo que, em princípio, continua a ser aplicável mesmo após a entrada em vigor na Polónia do Regulamento n.o 1408/71, caso uma das outras duas condições enunciadas no artigo 7.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 1408/71 esteja preenchida, isto é, se a aplicação das disposições da Convenção de 9 de outubro de 1975 for mais favorável para os beneficiários ou se esta convenção resultar de circunstâncias históricas e tiver um efeito limitado no tempo.

37

Assim, o Regulamento n.o 1408/71 só é aplicável na medida em que as convenções bilaterais celebradas antes da sua entrada em vigor não sejam um obstáculo à sua aplicação (v., neste sentido, acórdão de 7 de maio de 1969, Torrekens, 28/68, Recueil, p. 125, n.os 19 a 21, Colet. 1969-1970, p. 43). Contudo, uma disposição da União como o artigo 7.o, n.o 2, deste regulamento, que dá prioridade à aplicação de uma convenção bilateral, não pode ter um alcance que esteja em conflito com os princípios basilares da legislação de que faz parte (v., por analogia, acórdão de 4 de maio de 2010, TNT Express Nederland, C-533/08, Colet., p. I-4107, n.o 51).

38

Daqui resulta que o direito da União é suscetível de ser aplicado não apenas a todas as situações que, nas condições enunciadas no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71, não sejam abrangidas pelo âmbito de aplicação da Convenção de 9 de outubro de 1975 mas também quando as disposições desta última não estiverem conformes com os princípios em que se baseia o referido regulamento.

39

Tais princípios, que estão subjacentes às regras de coordenação das legislações nacionais de segurança social, correspondem aos princípios inerentes ao domínio da livre circulação de pessoas, cujo princípio fundamental é o de que a ação da União implica, nomeadamente, a abolição, entre os Estados-Membros, dos obstáculos à livre circulação de pessoas (v., neste sentido, acórdão de 7 de março de 2013, van den Booren, C-127/11, n.o 43 e jurisprudência referida).

40

Por outro lado, na medida em que J. Wencel utilizou a sua liberdade de circulação, a sua situação está abrangida pelos princípios em que se baseia o Regulamento n.o 1408/71. Ora, tendo em conta a circunstância de a convenção internacional em causa não ter sido adotada para dar execução a esses princípios, a mesma é suscetível, numa situação como a que está em causa no processo principal, de violar os referidos princípios.

41

Portanto, há que concluir que a situação de J. Wencel deve ser apreciada com base no Regulamento n.o 1408/71.

Quanto às questões prejudiciais

42

Com as suas questões prejudiciais, que cabe examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o direito da União deve ser interpretado no sentido de que um organismo de segurança social pode suprimir retroativamente o direito a uma pensão de reforma de que beneficia um segurado que dispôs, durante vários anos e simultaneamente, de dois lugares de residência habitual em dois Estados-Membros diferentes e exigir o reembolso das pensões pretensamente pagas de forma indevida com o fundamento de que o segurado recebe uma pensão de sobrevivência noutro Estado-Membro no território do qual também teve residência.

43

Em primeiro lugar, há que verificar se uma pessoa pode validamente, para efeitos da aplicação do Regulamento n.o 1408/71, mais concretamente do seu artigo 10.o, dispor simultaneamente de dois lugares de residência habitual no território de dois Estados-Membros diferentes.

44

Há que precisar que o referido artigo 10.o contém as disposições relativas à supressão das cláusulas de residência no sentido de que garante o pagamento das prestações de segurança social a assegurar pelo Estado competente quando o segurado reside ou transfere a sua residência para um Estado-Membro diferente daquele onde se encontra o organismo devedor.

45

No entanto, na medida em que a redação do artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71 não permite responder à questão de saber se a existência de duas residências habituais em dois Estados-Membros diferentes é admitida ao abrigo deste regulamento, há que recordar que este último cria um sistema de coordenação dos regimes nacionais de segurança social e estabelece, no seu título II, regras relativas à determinação da legislação aplicável.

46

O Tribunal já declarou que estas últimas disposições não têm apenas por finalidade impedir que os interessados sejam privados de proteção em matéria de segurança social, por falta de legislação aplicável (v., neste sentido, acórdão de 9 de junho de 1964, Nonnenmacher, 92/63, Colet. 1962-1964, pp. 463, 466 e 467) mas destinam-se igualmente a que os interessados sejam sujeitos ao regime de segurança social de um único Estado-Membro, de forma a evitar as cumulações de legislações nacionais aplicáveis e os problemas que daí possam resultar (v., neste sentido, acórdão de 10 de julho de 1986, Luijten, 60/85, Colet., p. 2365, n.o 12).

47

Este princípio da unicidade da legislação aplicável encontra a sua expressão, em particular, no artigo 13.o, n.os 1 (v., neste sentido, designadamente, acórdão Luijten, já referido, n.o 13) e 2, alínea f), do Regulamento n.o 1408/71, como sublinha o advogado-geral no n.o 28 das suas conclusões, e no artigo 14.o-A, n.o 2, do referido regulamento (acórdão de 9 de março de 2006, Piatkowski, C-493/04, Colet., p. I-2369, n.o 21).

48

Na medida em que o sistema criado pelo Regulamento n.o 1408/71 mantém assim a residência como o elemento de conexão para a determinação da legislação aplicável, não pode ser admitido, sob pena de privar de efeito útil as disposições referidas no número anterior, que, para efeitos do Regulamento n.o 1408/71, uma pessoa disponha, de forma simultânea, de vários domicílios em diferentes Estados-Membros.

49

Esta conclusão é confirmada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao conceito de «residência» na aceção da regulamentação da União aplicável aos regimes de segurança social dos trabalhadores migrantes. Com efeito, quando a situação jurídica de uma pessoa é suscetível de ter uma ligação com a legislação de vários Estados-Membros, o Tribunal sublinhou que o conceito de Estado-Membro em que a pessoa reside tem em vista o Estado em que a pessoa interessada reside habitualmente e no qual também se encontra o centro habitual dos seus interesses (v., neste sentido, acórdão de 25 de fevereiro de 1999, Swaddling, C-90/97, Colet., p. I-1075, n.o 29 e jurisprudência referida).

50

A elaboração pela jurisprudência de uma lista de elementos a ter em consideração para a determinação do lugar de residência habitual de uma pessoa, lista que se encontra atualmente codificada no artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 987/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.o 883/2004 relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO L 284, p. 1), reflete o imperativo de determinação de um lugar de residência único.

51

Por conseguinte, há que concluir que o artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da aplicação do referido regulamento, uma pessoa não pode dispor, simultaneamente, de dois lugares de residência habitual no território de dois Estados-Membros diferentes.

52

Em segundo lugar, para determinar o organismo competente para liquidar os direitos a pensão de uma pessoa que se encontra numa situação como a de J. Wencel, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, tendo em conta todos os elementos pertinentes do processo, em que Estado-Membro se situa, na aceção da jurisprudência acima mencionada, a residência habitual da interessada.

53

A este respeito, há, antes de mais, que precisar que a recorrente exerceu uma atividade profissional apenas no território polaco e que essa atividade estava ligada às relações familiares que ela aí mantinha.

54

Além disso, foi-lhe concedida, a partir de 1990, uma pensão de reforma com base nos descontos que fez com esse objetivo na Polónia.

55

Por último, cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar se a declaração feita em 2009 pela interessada, a pedido do ZUS, nos termos da qual a sua residência se situava na Alemanha, não corresponde à realidade, nomeadamente tendo em conta a circunstância de, pelo menos após o falecimento do seu cônjuge em 2008, o seu centro de interesses se ter aparentemente deslocado inteiramente para a Polónia.

56

Admitindo que o organismo competente se situe nesse Estado-Membro, devido à residência da interessada, importa, em terceiro lugar, determinar se esse organismo pode validamente suprimir retroativamente o seu direito a uma pensão de reforma e exigir que a mesma reembolse as pensões pretensamente pagas de forma indevida com o fundamento de que recebe uma pensão de sobrevivência noutro Estado-Membro no território do qual também teve residência.

57

Quanto à cumulação de prestações, há que recordar que, por um lado, em conformidade com o seu artigo 12.o, n.o 1, o Regulamento n.o 1408/71 não pode, em princípio, conferir ou manter o direito de beneficiar de várias prestações da mesma natureza relativas a um mesmo período de seguro.

58

Ora, na medida em que se verifica, como resulta das observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça, que a pensão de reforma polaca recebida por J. Wencel na Polónia foi calculada com base na carreira profissional que a interessada teve nesse Estado-Membro e que a pensão de sobrevivência alemã lhe é paga devido à atividade exercida pelo seu falecido marido na Alemanha, essas duas prestações não podem ser consideradas prestações da mesma natureza (v., neste sentido, acórdãos de 6 de outubro de 1987, Stefanutti, 197/85, Colet., p. 3855, n.o 13; de 12 de fevereiro de 1998, Cordelle, C-366/96, Colet., p. I-583, n.os 20 e 21; e van den Booren, já referido, n.os 32 e 33).

59

Por outro lado, resulta do artigo 12.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71 que as cláusulas de redução previstas na legislação de um Estado-Membro são, salvo disposição em contrário deste regulamento, oponíveis aos beneficiários de uma prestação a cargo deste Estado-Membro quando puderem beneficiar de outras prestações de segurança social, mesmo que se trate de prestações adquiridas nos termos da legislação de outro Estado-Membro (acórdão de 7 de março de 2002, Insalaca, C-107/00, Colet., p. I-2403, n.o 22).

60

Por conseguinte, o Regulamento n.o 1408/71 não se opõe à aplicação de uma regulamentação nacional que tenha por efeito reduzir o montante da pensão a que o beneficiário tem direito pelo facto de beneficiar de uma prestação de velhice noutro Estado-Membro, sem prejuízo, todavia, do respeito pelos limites impostos pelo Regulamento n.o 1408/71.

61

Entre esses limites figura, nomeadamente, o artigo 46.o-A, n.o 3, alínea d), do Regulamento n.o 1408/71, nos termos do qual a prestação devida nos termos da legislação do primeiro Estado-Membro só pode ser reduzida até ao limite do montante das prestações devidas nos termos da legislação do outro Estado-Membro.

62

Resulta do exposto que a pensão de velhice polaca da interessada não pode ser objeto de uma supressão retroativa com fundamento na existência de uma prestação de sobrevivência alemã. Contudo, é suscetível de sofrer uma redução no limite do montante das prestações alemãs, em aplicação de uma eventual regra anticúmulo polaca. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar a existência dessa regra no caso em apreço.

63

Na hipótese de existir uma tal regra anticúmulo na ordem jurídica polaca, à qual o Regulamento n.o 1408/71 não se oporia, cumpre verificar, além disso, se as disposições do Tratado FUE se lhe oporiam.

64

Com efeito, como já foi recordado no n.o 37 do presente acórdão, a interpretação do Regulamento n.o 1408/71 assim dada deve ser entendida sem prejuízo da solução que decorreria da eventual aplicabilidade das disposições do direito primário. A constatação de que uma medida nacional pode ser conforme a uma disposição de um ato de direito derivado, neste caso o Regulamento n.o 1408/71, não tem necessariamente por efeito subtrair essa medida ao disposto no Tratado (acórdãos de 16 de julho de 2009, von Chamier-Glisczinski, C-208/07, Colet., p. I-6095, n.o 66 e jurisprudência referida, e van den Booren, já referido, n.o 38).

65

É neste contexto que o órgão jurisdicional de reenvio submete as questões prejudiciais à luz do direito primário da União, nomeadamente, dos artigos 20.°, n.o 2, TFUE e 21.° TFUE.

66

Ora, é evidente que a situação de J. Wencel está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 45.o TFUE.

67

Na medida em que o processo principal está abrangido por esta disposição, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre a interpretação dos artigos 20.°, n.o 2, TFUE e 21.° TFUE. Com efeito, estas disposições, que enunciam em termos gerais o direito de qualquer cidadão da União de circular e de permanecer livremente no território dos Estados-Membros, têm uma expressão específica no artigo 45.o TFUE no que respeita à livre circulação de trabalhadores (v., neste sentido, acórdão de 13 de dezembro de 2012, Caves Krier Frères, C-379/11, n.o 30 e jurisprudência referida).

68

A este respeito, basta recordar que o artigo 45.o TFUE põe em prática um princípio fundamental segundo o qual a ação da União implica, nomeadamente, a abolição, entre os Estados-Membros, dos obstáculos à livre circulação de pessoas (acórdão van den Booren, já referido, n.o 43 e jurisprudência referida).

69

Consequentemente, o direito da União opõe-se a qualquer medida nacional que, embora aplicável sem discriminação em razão da nacionalidade, seja suscetível de afetar ou de tornar menos atrativo o exercício, pelos nacionais da União, das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado (v. acórdão van den Booren, já referido, n.o 44 e jurisprudência referida).

70

Medidas nacionais desse tipo só podem ser admitidas na condição de prosseguirem um objetivo de interesse geral, de serem adequadas a garantir a realização do mesmo e de não ultrapassarem o que é necessário para atingir o objetivo prosseguido (acórdão van den Booren, já referido, n.o 45 e jurisprudência referida).

71

Assim, incumbe ao órgão jurisdicional nacional apreciar a compatibilidade da legislação nacional em causa com as exigências do direito da União, verificando se a regra que ordena a supressão do direito a uma pensão de reforma e o reembolso dos montantes pretensamente recebidos de forma indevida, que se aplica indistintamente aos nacionais e aos cidadãos dos outros Estados-Membros, não conduz na prática a uma situação desfavorável à interessada relativamente a uma pessoa cuja situação não tem nenhum elemento transfronteiriço e, caso se verifique no caso concreto a existência dessa desvantagem, se a regra nacional em causa é justificada por considerações objetivas e se é proporcionada ao objetivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional (acórdão van den Booren, já referido, n.o 46).

72

No quadro deste exame, o órgão jurisdicional de reenvio deverá igualmente ter em conta o facto de que o princípio da cooperação leal, enunciado no artigo 4.o TFUE, obriga as autoridades nacionais competentes a pôr em prática todos os meios de que dispõem para realizar o objetivo do artigo 45.o TFUE (v. acórdãos de 5 de outubro de 1994, van Munster, C-165/91, Colet., p. I-4661, n.o 32, e de 1 de outubro de 2009, Leyman, C-3/08, Colet., p. I-9085, n.o 49).

73

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas do seguinte modo:

o artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da aplicação do referido regulamento, uma pessoa não pode dispor, simultaneamente, de dois lugares de residência habitual no território de dois Estados-Membros diferentes;

por força das disposições do Regulamento n.o 1408/71, mais concretamente dos seus artigos 12.°, n.o 2, e 46.°-A, um organismo competente de um Estado-Membro não pode validamente, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, suprimir retroativamente o direito a uma pensão de reforma do beneficiário e exigir o reembolso das pensões pretensamente pagas de forma indevida com o fundamento de que o beneficiário recebe uma pensão de sobrevivência noutro Estado-Membro no território do qual também teve residência. Contudo, o montante dessa pensão de reforma recebida no primeiro Estado-Membro é suscetível de sofrer uma redução no limite do montante das prestações recebidas no outro Estado-Membro, em aplicação de uma eventual regra anticúmulo nacional;

o artigo 45.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, não se opõe a uma decisão que ordena a redução do montante da pensão de reforma recebida no primeiro Estado-Membro no limite do montante das prestações recebidas no outro Estado-Membro ao abrigo da aplicação de uma eventual regra anticúmulo, desde que a referida decisão não conduza a uma situação desfavorável ao interessado relativamente a uma pessoa cuja situação não tem nenhum elemento transfronteiriço e, caso se verifique no caso concreto a existência dessa desvantagem, desde que a regra nacional em causa seja justificada por considerações objetivas e seja proporcionada ao objetivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto às despesas

74

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 10.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996, conforme alterado pela última vez pelo Regulamento (CE) n.o 592/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da aplicação do referido regulamento, uma pessoa não pode dispor, simultaneamente, de dois lugares de residência habitual no território de dois Estados-Membros diferentes.

 

Por força das disposições do referido Regulamento n.o 1408/71, mais concretamente dos seus artigos 12.°, n.o 2, e 46.°-A, um organismo competente de um Estado-Membro não pode validamente, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, suprimir retroativamente o direito a uma pensão de reforma do beneficiário e exigir o reembolso das pensões pretensamente pagas de forma indevida com o fundamento de que o beneficiário recebe uma pensão de sobrevivência noutro Estado-Membro no território do qual também teve residência. Contudo, o montante dessa pensão de reforma recebida no primeiro Estado-Membro é suscetível de sofrer uma redução no limite do montante das prestações recebidas no outro Estado-Membro, em aplicação de uma eventual regra anticúmulo nacional.

 

O artigo 45.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, não se opõe a uma decisão que ordena a redução do montante da pensão de reforma recebida no primeiro Estado-Membro no limite do montante das prestações recebidas no outro Estado-Membro ao abrigo da aplicação de uma eventual regra anticúmulo, desde que a mesma não conduza a uma situação desfavorável ao interessado relativamente a uma pessoa cuja situação não tem nenhum elemento transfronteiriço e, caso se verifique no caso concreto a existência dessa desvantagem, desde que a regra nacional em causa seja justificada por considerações objetivas e seja proporcionada ao objetivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

Assinaturas


( *1 )   Língua do processo: polaco.