ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

18 de julho de 2013 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Política externa e de segurança comum (PESC) — Medidas restritivas contra determinadas pessoas e entidades associadas a Osama bin Laden, à rede Al-Qaida e aos talibãs — Regulamento (CE) n.o 881/2002 — Congelamento de fundos e de recursos económicos de uma pessoa incluída numa lista elaborada por um órgão das Nações Unidas — Inclusão do nome dessa pessoa na lista que figura no Anexo I do Regulamento (CE) n.o 881/2002 — Recurso de anulação — Direitos fundamentais — Direitos de defesa — Princípio da proteção jurisdicional efetiva — Princípio da proporcionalidade — Direito ao respeito da propriedade — Dever de fundamentação»

Nos processos apensos C-584/10 P, C-593/10 P e C-595/10 P,

que têm por objeto três recursos nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interpostos em 10 de dezembro de 2010,

Comissão Europeia, representada, inicialmente, por P. Hetsch, S. Boelaert, E. Paasivirta e M. Konstantinidis e, seguidamente, por L. Gussetti, S. Boelaert, E. Paasivirta e M. Konstantinidis, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, representado, inicialmente, por E. Jenkinson e, seguidamente, por S. Behzadi-Spencer, na qualidade de agentes, assistidas por J. Wallace, QC, D. Beard, QC, e M. Wood, barrister,

recorrentes,

apoiados por:

República da Bulgária, representada por B. Zaimov, T. Ivanov e E. Petranova, na qualidade de agentes,

República Italiana, representada por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por M. Fiorilli, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

Grão-Ducado do Luxemburgo, representado por C. Schiltz, na qualidade de agente,

Hungria, representada por M. Fehér, K. Szíjjártó e K. Molnár, na qualidade de agentes,

Reino dos Países Baixos, representado por C. Wissels e M. Bulterman, na qualidade de agentes,

República Eslovaca, representada por B. Ricziová, na qualidade de agente,

República da Finlândia, representada por H. Leppo, na qualidade de agente,

intervenientes nos recursos (C-584/10 P e C-595/10 P),

Conselho da União Europeia, representado por M. Bishop, E. Finnegan e R. Szostak, na qualidade de agentes,

recorrente,

apoiado por:

República da Bulgária, representada por B. Zaimov, T. Ivanov e E. Petranova, na qualidade de agentes,

República Checa, representada por K. Najmanová, E. Ruffer, M. Smolek e D. Hadroušek, na qualidade de agentes,

Reino da Dinamarca, representado por L. Volck Madsen, na qualidade de agente,

Irlanda, representada, inicialmente, por D. O’Hagan, e, seguidamente, por E. Creedon, na qualidade de agentes, assistidos por N. Travers, BL, e P. Benson, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

Reino de Espanha, representado por M. Muñoz Pérez e N. Díaz Abad, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

República Italiana, representada por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por M. Fiorilli, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

Grão-Ducado do Luxemburgo, representado por C. Schiltz, na qualidade de agente,

Hungria, representada por M. Fehér, K. Szíjjártó e K. Molnár, na qualidade de agentes,

Reino dos Países Baixos, representado por C. Wissels e M. Bulterman, na qualidade de agentes,

República da Áustria, representada por C. Pesendorfer, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

República Eslovaca, representada por B. Ricziová, na qualidade de agente,

República da Finlândia, representada por H. Leppo, na qualidade de agente,

intervenientes no recurso (C-593/10 P),

sendo as outras partes no processo:

Yassin Abdullah Kadi, representado por D. Vaughan, QC, V. Lowe, QC, J. Crawford, SC, M. Lester e P. Eeckhout, barristers, G. Martin, solicitor, e C. Murphy,

recorrente em primeira instância,

República Francesa, representada por E. Belliard, G. de Bergues, D. Colas, A. Adam e E. Ranaivoson, na qualidade de agentes,

interveniente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts (relator), vice-presidente, M. Ilešič, L. Bay Larsen, T. von Danwitz e M. Berger, presidentes de secção, U. Lõhmus, E. Levits, A. Arabadjiev, C. Toader, J.-J. Kasel, M. Safjan e D. Šváby, juízes,

advogado-geral: Y. Bot,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 16 de outubro de 2012,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 19 de março de 2013,

profere o presente

Acórdão

1

Com os seus recursos, a Comissão Europeia, o Conselho da União Europeia e o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte pedem a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 30 de setembro de 2010, Kadi/Comissão (T-85/09, Colet., p. II-5177, a seguir «acórdão recorrido»), através do qual o Tribunal Geral anulou o Regulamento (CE) n.o 1190/2008 da Comissão, de 28 de novembro de 2008, que altera pela 101.a vez o Regulamento (CE) n.o 881/2002 do Conselho que institui certas medidas restritivas específicas contra determinadas pessoas e entidades associadas a Osama bin Laden, à rede Al-Qaida e aos talibã[s] (JO L 322, p. 25, a seguir «regulamento controvertido»), na medida em que este ato diz respeito a Y. A. Kadi.

Quadro jurídico

Carta das Nações Unidas

2

Nos termos do artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco (Estados Unidos), em 26 de junho de 1945, os objetivos das Nações Unidas incluem o de «[m]anter a paz e a segurança internacionais» e o de «[r]ealizar a cooperação internacional, resolvendo os problemas internacionais de carácter económico, social, cultural ou humanitário, promovendo e estimulando o respeito pelos Direitos do Homem e pelas liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião».

3

Nos termos do artigo 24.o, n.o 1, da Carta das Nações Unidas, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (a seguir «Conselho de Segurança») tem como responsabilidade principal a manutenção da paz e da segurança internacionais. O n.o 2 do referido artigo 24.o dispõe que, no cumprimento dos deveres decorrentes dessa responsabilidade, o Conselho de Segurança agirá de acordo com os objetivos e os princípios das Nações Unidas.

4

Nos termos do artigo 25.o da Carta das Nações Unidas, os membros da Organização das Nações Unidas (ONU) concordam em aceitar e aplicar as decisões do Conselho de Segurança, de acordo com esta Carta.

5

O capítulo VII da Carta das Nações Unidas, sob a epígrafe «Ação em caso de ameaça à paz, rutura da paz e ato de agressão», define as ações a tomar nesse caso. O artigo 39.o desta Carta, que introduz este capítulo, dispõe que o Conselho de Segurança determinará a existência de qualquer ameaça à paz, rutura de paz ou ato de agressão e fará recomendações ou decidirá que medidas deverão ser tomadas de acordo com os artigos 41.° e 42.° da referida Carta, a fim de manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Nos termos do artigo 41.o desta Carta, o Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas as suas decisões e poderá instar os membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas.

6

Nos termos do artigo 48.o, n.o 2, da Carta das Nações Unidas, as decisões do Conselho de Segurança para a manutenção da paz e da segurança internacionais serão executadas pelos membros das Nações Unidas diretamente e mediante a sua ação nos organismos internacionais apropriados de que façam parte.

7

O artigo 103.o dessa mesma Carta enuncia que, em caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas decorrentes da referida Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as primeiras.

Ações do Conselho de Segurança contra o terrorismo internacional e execução destas ações pela União

8

Desde final dos anos 1990, sobretudo após os atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, o Conselho de Segurança adotou uma série de resoluções com fundamento no capítulo VII da Carta das Nações Unidas com o objetivo de combater as ameaças terroristas à paz e à segurança internacionais. Tendo inicialmente por destinatário apenas os talibãs do Afeganistão, estas resoluções foram, seguidamente, alargadas a Osama bin Laden, à rede Al-Qaida e às pessoas e entidades a estes associadas. Preveem, nomeadamente, o congelamento de bens das organizações, das entidades e das pessoas inscritas pelo comité instituído pelo Conselho de Segurança em conformidade com a sua Resolução 1267 (1999) de 15 de outubro de 1999 (a seguir «comité de sanções») numa lista recapitulativa (a seguir «lista recapitulativa do comité de sanções»).

9

Para efeitos do tratamento dos pedidos de exclusão apresentados por organizações, entidades ou pessoas cujo nome foi inscrito nessa lista, a Resolução 1730 (2006) do Conselho de Segurança de 19 de dezembro de 2006 previu a criação de um «ponto focal» junto do Conselho de Segurança, responsável pela receção destes pedidos. Este ponto focal foi criado em março de 2007.

10

A Resolução 1735 (2006) do Conselho de Segurança, de 22 de dezembro de 2006, prevê, no seu n.o 5, que, quando os Estados propõem ao comité de sanções a inscrição do nome de uma organização, de uma entidade ou de uma pessoa na sua lista recapitulativa, estes devem «apresentar uma exposição de motivos, devendo o correspondente articulado conter uma exposição tão detalhada quanto possível dos motivos do pedido de inscrição, incluindo: i) todos os elementos que permitam determinar com precisão que a pessoa ou a entidade preenche os critérios indicados; ii) a natureza dos elementos de informação; e iii) todos os elementos de informação ou peças justificativas que possam ser fornecidos». Nos termos do n.o 6 dessa mesma resolução, pede-se aos Estados «no momento em que apresentam um pedido de inscrição, que precisem os elementos do articulado suscetíveis de ser divulgados para efeitos de notificação ao indivíduo ou à entidade cujo nome é incluído na lista [recapitulativa do comité de sanções] e os que poderiam ser divulgados aos Estados […] que apresentem um pedido nesse sentido».

11

A Resolução 1822 (2008) do Conselho de Segurança, de 30 de junho de 2008, prevê, no seu n.o 12, que os Estados, nomeadamente, «para cada pedido de inscrição, devem precisar os elementos do articulado correspondente que poderiam ser divulgados, nomeadamente para que o comité de sanções possa elaborar o resumo descrito no n.o 13 ou para notificar ou informar a pessoa ou a entidade cujo nome é incluído na lista [recapitulativa do referido comité], bem como os elementos que poderiam ser comunicados aos Estados […] interessados que o solicitem». O n.o 13 desta resolução prevê, por um lado, que, quando acrescenta um nome na sua lista recapitulativa, o comité de sanções deve publicar no seu sítio Web um «resumo de motivos da inscrição» e, por outro, que este comité se deve esforçar por publicar nesse sítio Web«resumos de motivos que presidiram às inscrições» de nomes na referida lista antes da adoção da dita resolução.

12

No que se refere aos pedidos de exclusão, a Resolução 1904 (2009) do Conselho de Segurança, de 17 de dezembro de 2009, instituiu um «Gabinete do Provedor», incumbido, nos termos do n.o 20 desta resolução, de assistir o comité de sanções no exame destes pedidos. Segundo este mesmo número, a pessoa designada para exercer as funções de Provedor deve preencher critérios de elevada consideração moral, de imparcialidade, de integridade, bem como de qualificações elevadas e de experiência nos domínios pertinentes, a saber, nomeadamente, o direito, os direitos do Homem, a luta antiterrorista e as sanções. As competências do Provedor, descritas no Anexo II da referida resolução, compreendem uma fase de recolha de informações junto dos Estados interessados e uma fase de concertação durante a qual pode ser encetado o diálogo com a organização, a entidade ou a pessoa que pede a exclusão do seu nome da lista recapitulativa do comité de sanções. No termo destas duas fases, o provedor deve elaborar e comunicar um «relatório exaustivo» ao comité de sanções, que deve examinar o pedido de exclusão, em cooperação com o Provedor, e decidir, no termo deste exame, se defere o referido pedido.

13

Tendo os Estados-Membros considerado, em diversas posições comuns adotadas ao abrigo da política externa e de segurança comum, que era necessária uma ação da União para aplicar as resoluções do Conselho de Segurança em matéria de combate ao terrorismo internacional, o Conselho adotou uma série de regulamentos que preveem, nomeadamente, o congelamento de bens das organizações, das entidades e das pessoas identificadas pelo comité de sanções.

14

Paralelamente ao regime acima descrito, que apenas visa as organizações, as entidades e as pessoas designadas pelo nome pelo comité de sanções como estando associadas a Osama bin Laden, à rede Al-Qaida e aos talibãs, existe um regime mais amplo previsto na Resolução 1373 (2001) do Conselho de Segurança, de 28 de setembro de 2001, igualmente adotada em resposta aos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Esta resolução, que prevê também medidas de congelamento de bens, distingue-se das resoluções acima mencionadas, na medida em que a identificação das organizações, das entidades ou das pessoas às quais é aplicável é inteiramente deixada à discrição dos Estados.

15

Ao nível da União, a referida resolução foi aplicada através da Posição Comum 2001/931/PESC do Conselho, de 27 de dezembro de 2001, relativa à aplicação de medidas específicas de combate ao terrorismo (JO L 344, p. 93), e pelo Regulamento (CE) n.o 2580/2001 do Conselho, de 27 de dezembro de 2001, relativo a medidas restritivas específicas de combate ao terrorismo dirigidas contra determinadas pessoas e entidades (JO L 344, p. 70, e retificações JO 2010, L 52, p. 58). Estes atos contêm uma lista, regularmente revista, de organizações, de entidades e de pessoas suspeitas de estarem implicadas em atividades terroristas.

Antecedentes dos litígios

Processo que deu origem ao acórdão Kadi

16

Em 17 de outubro de 2001, o nome de Y. A. Kadi, identificado como sendo uma pessoa associada a Osama bin Laden e à rede Al-Qaida, foi inscrito na lista recapitulativa do comité de sanções.

17

Por conseguinte, este nome foi aditado à lista contida no Anexo I do Regulamento (CE) n.o 467/2001 do Conselho, de 6 de março de 2001, que proíbe a exportação de certas mercadorias e de certos serviços para o Afeganistão, reforça a proibição de voos, prorroga o congelamento de fundos e de outros recursos financeiros aplicável aos Taliban do Afeganistão e revoga o Regulamento (CE) n.o 337/2000 (JO L 67, p. 1), pelo Regulamento (CE) n.o 2062/2001 da Comissão, de 19 de outubro de 2001, que altera, pela terceira vez, o Regulamento n.o 467/2001 (JO L 277, p. 25). Seguidamente, foi inscrito na lista constante do Anexo I do Regulamento (CE) n.o 881/2002 do Conselho, de 27 de maio de 2002, que institui certas medidas restritivas específicas contra determinadas pessoas e entidades associadas a Osama bin Laden, à rede Al-Qaida e aos talibã, e que revoga o Regulamento n.o 467/2001 (JO L 139, p. 9).

18

Em 18 de dezembro de 2001, Y. A. Kadi interpôs um recurso de anulação no Tribunal Geral, inicialmente, dos Regulamentos n.os 467/2001 e 2062/2001 e, posteriormente, do Regulamento n.o 881/2002, na medida em que estes regulamentos lhe diziam respeito. Os seus fundamentos de anulação eram relativos, respetivamente, a uma violação do direito de ser ouvido, do direito ao respeito da propriedade, do princípio da proporcionalidade e do direito a uma fiscalização jurisdicional efetiva.

19

Por acórdão de 21 de setembro de 2005, Kadi/Conselho e Comissão (T-315/01, Colet., p. II-3649), o Tribunal Geral negou provimento a esse recurso. O Tribunal Geral decidiu, em substância, que decorria dos princípios que regulam a articulação das relações entre a ordem jurídica internacional emanada das Nações Unidas e a ordem jurídica da União que o Regulamento n.o 881/2002, uma vez que se destina a aplicar uma resolução do Conselho de Segurança que não deixa nenhuma margem para esse efeito, não podia ser objeto de fiscalização jurisdicional quanto à sua legalidade interna e beneficiava, assim, de imunidade de jurisdição, exceto no que respeita à sua compatibilidade com as normas abrangidas pelo jus cogens, entendido como ordem pública internacional que se impõe, sem derrogação possível, a todos os sujeitos do direito internacional, incluindo às instâncias da ONU.

20

Nestas condições, o Tribunal Geral, aplicando o modelo de proteção universal dos direitos fundamentais da pessoa humana decorrente do jus cogens, excluiu, no caso em apreço, a existência de uma violação dos direitos invocados por Y. A. Kadi. No que respeita, em particular, ao direito a uma fiscalização jurisdicional efetiva, sublinhou que não lhe incumbia fiscalizar indiretamente a conformidade das resoluções do Conselho de Segurança com os direitos fundamentais conforme protegidos pela ordem jurídica da União, nem verificar a inexistência de um erro de apreciação dos factos e dos elementos de prova acolhidos por esta instância internacional em apoio das medidas tomadas, nem ainda fiscalizar indiretamente a oportunidade e a proporcionalidade destas medidas. Acrescentou que esta lacuna na proteção jurisdicional de Y. A. Kadi não é, por si só, contrária ao jus cogens.

21

No seu acórdão de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C-402/05 P e C-415/05 P, Colet., p. I-6351, a seguir «acórdão Kadi»), o Tribunal de Justiça anulou o acórdão Kadi/Conselho e Comissão, já referido, bem como o Regulamento n.o 881/2002 na medida em que este último dizia respeito a Y. A. Kadi.

22

Em substância, o Tribunal de Justiça decidiu que as obrigações que decorrem de um acordo internacional não podem ter por efeito a violação dos princípios constitucionais do Tratado CE, nomeadamente do princípio do respeito obrigatório dos direitos fundamentais por todos os atos da União, constituindo este respeito um requisito da legalidade desses atos que cabe ao Tribunal de Justiça fiscalizar no âmbito do sistema completo de vias de recurso estabelecido pelo Tratado. Considerou que, não obstante o respeito devido, quando da aplicação das resoluções do Conselho de Segurança, aos compromissos assumidos no quadro da ONU, os princípios que regulam a ordem jurídica internacional emanada das Nações Unidas não implicam, no entanto, uma imunidade de jurisdição de um ato da União, como o Regulamento n.o 881/2002. Acrescentou que tal imunidade não encontra fundamento no Tratado.

23

Nestas condições, o Tribunal de Justiça decidiu, nos n.os 326 e 327 do acórdão Kadi, que os órgãos jurisdicionais da União devem assegurar a fiscalização, em princípio, integral, da legalidade de todos os atos da União, tendo em conta os direitos fundamentais, incluindo quando esses atos se destinam a aplicar resoluções adotadas pelo Conselho de Segurança e que, consequentemente, a análise do Tribunal Geral padecia de um erro de direito.

24

Pronunciando-se sobre o recurso interposto por Y. A. Kadi no Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça decidiu, nos n.os 336 a 341 do acórdão Kadi, que a eficácia da fiscalização jurisdicional implica que a autoridade competente da União comunique à pessoa em questão os motivos da decisão de inscrição em causa e lhe dê a possibilidade de ser ouvida a este respeito. Precisou que, tratando-se de uma decisão de inscrição inicial, razões atinentes à eficácia das medidas restritivas em causa e ao objetivo do regulamento em questão justificavam que esta comunicação e esta audição tivessem lugar não antes da adoção desta decisão, mas no momento desta adoção ou o mais rapidamente possível após a mesma.

25

Nos n.os 345 a 349 do acórdão Kadi, o Tribunal de Justiça acrescentou que, uma vez que o Conselho não tinha comunicado a Y. A. Kadi os elementos contra ele invocados para fundamentar as medidas restritivas que lhe foram impostas nem lhe concedeu o direito de tomar conhecimento dos referidos elementos num prazo razoável após a imposição dessas medidas, o interessado não teve a possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista de forma útil a este respeito, pelo que os direitos de defesa e o direito a uma fiscalização jurisdicional efetiva tinham sido violados. Também declarou, no n.o 350 do referido acórdão, que essa violação não tinha sido sanada perante o juiz da União, uma vez que o Conselho não lhe tinha apresentado nenhum elemento desta natureza. Nos n.os 369 a 371 do mesmo acórdão, concluiu, com base em motivos idênticos, que tinha sido violado o direito fundamental de Y. A. Kadi ao respeito da propriedade.

26

Os efeitos do regulamento anulado, na parte em que dizia respeito a Y. A. Kadi, foram mantidos por um período máximo de três meses, para permitir ao Conselho sanar as violações declaradas.

Seguimento dado pelas instituições da União ao acórdão Kadi e regulamento controvertido

27

Em 21 de outubro de 2008, o presidente do comité de sanções comunicou a exposição de motivos relativos à inscrição Y. A. Kadi na lista recapitulativa deste comité ao representante permanente da França junto da ONU, autorizando a sua comunicação a Y. A. Kadi.

28

Essa exposição de motivos tem a seguinte redação:

«O indivíduo Yasin Abdullah Ezzedine Qadi [...] preenche as condições de inscrição pelo [comité de sanções] em razão dos seus atos que em a) participar no financiamento, na organização, na facilitação, na preparação ou na execução de atos ou de atividades em associação com a rede Al-Qaida, Osama Bin Laden ou os talibãs, ou qualquer célula, filial ou emanação ou qualquer grupo dissidente, em seu nome, por sua conta ou para os apoiar; b) lhes fornecer, vender ou transferir armamento ou material conexo; c) proceder a recrutamento por conta deles; d) apoiar, de qualquer outra forma, atos por eles cometidos ou atividades por eles levadas a cabo [v. Resolução 1822 (2008) do Conselho de Segurança, n.o 2].

Y. Qadi reconheceu que era membro fundador da Fundação Muwafaq e que dirigiu as atividades desta fundação. A Fundação Muwafaq sempre funcionou sob a égide do Gabinete afegão [Makhtab al-Khidamat] (QE.M.12.01.), organização fundada por Abdullah Azzam e Osama Bin Laden [Usama Muhammed Awad Bin Laden] (QI.B.8.01.) e precursor da Al-Qaida (QE.A.4.01.). Após a dissolução do Gabinete afegão, no início de junho de 2001, e da sua absorção pela Al-Qaida, diversas organizações não governamentais que antes lhe estavam associadas, nomeadamente a Fundação Muwafaq, juntaram-se igualmente à Al-Qaida.

Em 1992, Y. Qadi confiou a Shafiq Ben Mohamed Ben Mohamed Al-Ayadi (QI.A.25.01.) a direção dos gabinetes europeus da Fundação Muwafaq. Em meados dos anos 90, S. Al-Ayadi dirigia também o gabinete da Fundação Muwafaq na Bósnia-Herzegovina. Y. Qadi recrutou S. Al-Ayadi sob recomendação do célebre financeiro da Al-Qaida, Wa’el Hamza Abd al-Fatah Julaidan (QI.J.79.02.), que combateu ao lado de Osama Bin Laden no Afeganistão nos anos 80. Quando da sua nomeação por Y. Qadi para o cargo de diretor da Fundação Muwafaq para a Europa, S. Al-Ayadi atuava ao abrigo de acordos com Osama Bin Laden. S. Al-Ayadi era um dos principais dirigentes da Frente Islâmica Tunisina, deslocou-se ao Afeganistão no início dos anos 90 para receber treino paramilitar, tendo depois seguido para o Sudão juntamente com outras pessoas, para se reunirem a Osama Bin Laden, com o qual celebraram um acordo oficial respeitante ao acolhimento e formação de tunisinos. Encontraram-se com Osama Bin Laden uma segunda vez e obtiveram um acordo destinado a que os colaboradores de Osama Bin Laden na Bósnia-Herzegovina acolhessem combatentes tunisinos provenientes de Itália.

Em 1995, o dirigente da Al-Gama’at al Islamiyya, Talad Fuad Kassem, declarou que a Fundação Muwafaq havia fornecido apoio logístico e financeiro a um batalhão de combatentes na Bósnia-Herzegovina. Em meados dos anos 90, a Fundação Muwafaq contribuiu para o apoio financeiro fornecido às atividades terroristas desses combatentes, bem como para o tráfico de armas provenientes da Albânia e destinadas à Bósnia-Herzegovina. Parte do financiamento dessas atividades foi assegurada por Osama Bin Laden.

Y. Qadi era igualmente um dos principais acionistas do Depozitna Banka, estabelecido em Sarajevo e hoje encerrado, onde S. Al-Ayadi exercia também funções e representava os interesses de Y. Qadi. Reuniões consagradas à preparação de um atentado contra um estabelecimento americano na Arábia Saudita tiveram provavelmente lugar nesse banco.

Y. Qadi era além disso proprietário, na Albânia, de várias sociedades que encaminhavam fundos para extremistas ou confiavam a extremistas lugares que lhes permitiam controlar os fundos das sociedades em causa. O fundo de maneio de cinco sociedades pertencentes a Y. Qadi na Albânia foi pago por Osama Bin Laden.»

29

A referida exposição de motivos também foi publicada no sítio Web do comité de sanções.

30

Em 22 de outubro de 2008, o Representante Permanente da França junto da União Europeia transmitiu esta exposição de motivos à Comissão, que a enviou, no mesmo dia, a Y. A. Kadi, informando-o de que, pelas razões evocadas nesta exposição de motivos, tencionava manter a inscrição do seu nome na lista que figura do Anexo I do Regulamento n.o 881/2002. A Comissão concedeu a Y. A. Kadi um prazo que terminava em 10 de novembro de 2008 para que este lhe apresentasse as suas observações sobre estes motivos e lhe fornecesse toda a informação que considerasse pertinente, antes de adotar a sua decisão final.

31

Em 10 de novembro de 2008, Y. A. Kadi transmitiu as suas observações à Comissão. Alegando, com base em documentos que confirmavam a desistência por parte das autoridades suíças, turcas e albanesas das investigações criminais contra ele iniciadas por alegados factos de apoio a organizações terroristas ou de criminalidade financeira, que, sempre que lhe tinha sido dada a oportunidade de tomar posição sobre os elementos de prova contra ele invocados, tinha podido demonstrar o caráter infundado das alegações formuladas contra ele, solicitou a apresentação dos elementos de prova que corroboravam as afirmações e as conclusões constantes da exposição de motivos relativas à sua inscrição na lista recapitulativa do comité de sanções e dos documentos pertinentes do processo da Comissão, e pediu que lhe fosse dada a oportunidade de apresentar observações sobre estes elementos de prova. Ao mesmo tempo que denunciou o caráter vago ou geral de um determinado número de alegações constantes desta exposição de motivos, contestou, com base em elementos de prova, que cada um dos motivos invocados contra ele fosse fundado.

32

Em 28 de novembro de 2008, a Comissão adotou o regulamento controvertido.

33

Nos termos dos considerandos 3 a 6, 8 e 9 deste regulamento:

«3)

A fim de dar cumprimento ao acórdão [Kadi], a Comissão transmitiu a Yassin Abdullah Kadi […] [a] fundamentação avançada pelo comité de sanções […], dando-[lhe] a oportunidade de apresenta[r] as suas observações a este propósito, dando a conhecer o seu ponto de vista.

(4)

A Comissão recebeu e examinou as observações apresentadas por Yassin Abdullah Kadi […].

(5)

A lista das pessoas, grupos e entidades a que se deve aplicar o congelamento de fundos e de outros recursos financeiros, elaborada pelo comité de sanções […], inclui Yassin Abdullah Kadi [...].

(6)

Após ter considerado atentamente as observações recebidas de Yassin Abdullah Kadi através de uma carta de 10 de novembro de 2008, e tendo em conta o carácter preventivo do congelamento de fundos e de recursos financeiros, a Comissão considera que a inclusão na lista de Yassin Abdullah Kadi se justifica devido à sua associação à rede Al-Qaida.

[...]

(8)

Tendo em conta o que precede, Yassin Abdullah Kadi […] dev[e] ser aditad[o] ao [A]nexo I.

(9)

O presente regulamento deve produzir efeitos a partir de 30 de maio de 2002, tendo em conta o carácter preventivo do congelamento de fundos e de recursos financeiros ao abrigo do Regulamento […] n.o 881/2002 e a necessidade de proteger os interesses legítimos dos operadores económicos, que se têm baseado na legalidade do regulamento anulado [pelo acórdão Kadi].»

34

Nos termos do artigo 1.o e do anexo do regulamento controvertido, o Anexo I do Regulamento n.o 881/2002 é alterado no sentido de que, nomeadamente, é acrescentada a seguinte entrada na rubrica «Pessoas singulares»:

«Yasin Abdullah Ezzedine Qadi (também conhecido por a) Kadi, Shaykh Yassin Abdullah, b) Kahdi, Yasin; c) Yasin Al-Qadi). Data de nacimento: 23.2.1955. Local de nascimento: Cairo, Egito. Nacionalidade: saudita. Passaporte n.o: a) B 751550, b) E 976177 (emitido em 6.3.2004, termo de validade em 11.1.2009). Informações suplementares: Jeddah, Arábia Saudita.»

35

Nos termos do seu artigo 2.o, o regulamento entrou em vigor em 3 de dezembro de 2008 e é aplicável a partir de 30 de maio de 2002.

36

Por carta de 8 de dezembro de 2008, a Comissão respondeu às observações de Y. A. Kadi de 10 de novembro de 2008.

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

37

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de fevereiro de 2009, Y. A. Kadi interpôs um recurso destinado a obter a anulação do regulamento controvertido na parte em que este lhe diz respeito. Em apoio dos seus pedidos, invocava cinco fundamentos. O segundo fundamento era relativo a uma violação dos direitos de defesa e do direito a uma proteção jurisdicional efetiva e o quinto fundamento era relativo a uma restrição desproporcionada do direito de propriedade.

38

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral, apoiando-se nos n.os 326 e 327 do acórdão Kadi, considerou de imediato, no n.o 126 do acórdão recorrido, que lhe incumbia assegurar uma «fiscalização, em princípio, integral», da legalidade do regulamento controvertido tendo em conta os direitos fundamentais garantidos pela União. Acrescentou, nos n.os 127 a 129 do referido acórdão, que, enquanto os procedimentos de reexame instituídos pelo comité de sanções não oferecerem manifestamente garantias de uma proteção jurisdicional efetiva, a fiscalização exercida pelo juiz da União sobre as medidas de congelamento de fundos por esta adotadas só pode ser qualificada de efetiva se disser respeito, indiretamente, às apreciações de fundo efetuadas pelo próprio comité de sanções e aos elementos em que essas apreciações se baseiam.

39

A argumentação da Comissão e do Conselho relativa à falta de tomada de posição do Tribunal de Justiça, no acórdão Kadi, sobre a questão do alcance e da intensidade desta fiscalização jurisdicional foi considerada, no n.o 131 do acórdão recorrido, manifestamente errada.

40

A este respeito, o Tribunal Geral considerou, em substância, por um lado, nos n.os 132 a 135 do acórdão recorrido, que resulta claramente do acórdão Kadi, em particular dos seus n.os 326, 327, 336 e 342 a 344, que o Tribunal de Justiça quis que a fiscalização jurisdicional, em princípio, integral, recaísse não apenas sobre o caráter aparentemente fundado do ato impugnado, mas também sobre os elementos de prova e de informação nos quais assentam as apreciações efetuadas neste ato.

41

Por outro lado, sublinhou, nos n.os 138 a 146 do acórdão recorrido, que, ao reproduzir o essencial da fundamentação que desenvolveu, no contexto do regime mencionado nos n.os 14 e 15 do presente acórdão, no acórdão de 12 de dezembro de 2006, Organisation des Modjahedines du peuple d’Iran/Conselho (T-228/02, Colet., p. II-4665), o Tribunal de Justiça aprovou pretendeu fazer seus o nível e a intensidade da fiscalização jurisdicional levada a cabo no referido acórdão, segundo o qual o juiz da União deve fiscalizar a apreciação feita pela instituição em causa dos factos e das circunstâncias invocados em apoio das medidas restritivas em questão e verificar a exatidão material, a fiabilidade e a coerência dos elementos de informação e de prova nos quais esta apreciação assenta, sem que se lhe possa opor o segredo ou a confidencialidade destes elementos.

42

Depois de também ter sublinhado, nos n.os 148 a 151 do acórdão recorrido, o caráter sensível e duradouro da violação dos direitos de Y. A. Kadi pelas medidas restritivas que lhe foram impostas há cerca de dez anos, reafirmou, no n.o 151 do referido acórdão, «o princípio da fiscalização jurisdicional integral e rigorosa das medidas de congelamento de fundos, como a que está em causa no presente processo».

43

Ao examinar, seguidamente, o segundo e o quinto fundamentos de anulação, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 171 a 180 do acórdão recorrido, a existência de uma violação dos direitos de defesa de Y. A. Kadi, após ter salientado, em substância, que:

os referidos direitos foram respeitados apenas de um modo puramente formal e aparente, uma vez que a Comissão se considerou rigorosamente vinculada pelas apreciações do comité de sanções e não admitiu, em momento algum, pô-las em causa à luz das observações de Y. A. Kadi nem fazer um esforço sério para refutar os elementos de defesa apresentados por este;

a Comissão recusou o acesso de Y. A. Kadi aos elementos de prova contra ele utilizados, não obstante o seu pedido expresso, sem qualquer ponderação dos seus interesses face à necessidade de proteger a confidencialidade das informações em causa, e

os poucos elementos de informação e as alegações vagas que figuram na exposição de motivos relativos à inscrição de Y. A. Kadi na lista recapitulativa do comité de sanções, como a que se refere ao facto de Y. A. Kadi ter sido acionista de um banco bósnio onde «talvez» se tenham realizado reuniões de preparação de um atentado contra um estabelecimento dos Estados Unidos na Arábia Saudita, eram manifestamente insuficientes para permitir que o interessado refutasse de forma eficaz as acusações de que foi alvo.

44

O Tribunal Geral declarou igualmente, nos n.os 181 a 184 do acórdão recorrido, uma violação do princípio da proteção jurisdicional efetiva com o fundamento de que, por um lado, não tendo tido o menor acesso útil às informações e aos elementos de prova utilizados contra ele, Y. A. Kadi não pôde defender os seus direitos com base nesses elementos em condições satisfatórias perante o juiz da União e que, por outro, essa violação não foi sanada no Tribunal Geral, uma vez que as instituições em causa não lhe comunicaram nenhum elemento desta natureza nem qualquer indicação sobre os elementos de prova utilizados contra Y. A. Kadi.

45

Além disso, nos n.os 192 a 194 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral decidiu que, dado o regulamento controvertido ter sido adotado sem se ter permitido que Y. A. Kadi expusesse a sua causa às autoridades competentes, apesar da restrição considerável do direito de propriedade que as medidas de congelamento dos seus bens constituem, devido ao seu alcance geral e à sua duração, a imposição dessas medidas constituía uma restrição injustificada deste direito, pelo que as alegações de Y. A. Kadi relativas a uma violação do princípio da proporcionalidade, decorrente da violação, pelo regulamento controvertido, do seu direito fundamental ao respeito da propriedade, são procedentes.

46

Por conseguinte, o Tribunal Geral anulou o regulamento controvertido, na medida em que diz respeito a Y. A. Kadi.

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

47

Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 9 de fevereiro de 2011, os processos C-584/10 P, C-593/10 P e C-595/10 P foram apensados para efeitos tanto das fases escrita e oral como do acórdão.

48

Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 23 de maio de 2011, por um lado, a República Checa, o Reino da Dinamarca, a Irlanda, o Reino de Espanha e a República da Áustria foram autorizados a intervir no processo C-593/10 P em apoio dos pedidos do Conselho e, por outro, a República da Bulgária, a República Italiana, o Grão-Ducado do Luxemburgo, a Hungria, o Reino dos Países Baixos, a República Eslovaca e a República da Finlândia foram autorizados a intervir nos processos C-584/10 P, C-593/10 P e C-595/10 P em apoio dos pedidos da Comissão, do Conselho e do Reino Unido.

49

No processo C-584/10 P, a Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

anular na íntegra o acórdão recorrido;

julgar improcedente o pedido de Y. A. Kadi de anulação do regulamento controvertido na parte que lhe diz respeito, e

condenar Y. A. Kadi nas despesas efetuadas pela Comissão no âmbito do presente recurso e do processo no Tribunal Geral.

50

No processo C-593/10 P, o Conselho pede que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido;

julgar improcedente o pedido de Y. A. Kadi de anulação do regulamento controvertido na parte que lhe diz respeito, e

condenar Y. A. Kadi nas despesas efetuadas nos processos em primeira instância e no presente recurso.

51

No processo C-595/10 P, o Reino Unido pede que o Tribunal de Justiça se digne:

anular na íntegra o acórdão recorrido;

julgar improcedente o pedido de Y. A. Kadi de anulação do regulamento controvertido na parte que lhe diz respeito, e

condenar Y. A. Kadi nas despesas efetuadas pelo Reino Unido no processo no Tribunal de Justiça.

52

Y. A. Kadi pede, nos três processos, que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento aos recursos;

confirmar e julgar imediatamente exequível o acórdão recorrido a partir da data da sua prolação, e

condenar os recorrentes nas despesas que efetuou no âmbito do presente recurso, incluindo todas as despesas efetuadas para responder às observações dos Estados-Membros intervenientes.

53

A República Francesa, interveniente em primeira instância, pede, nos três processos, que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido, e

decidir definitivamente quanto ao mérito, nos termos do artigo 61.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, e julgar improcedentes os pedidos de Y. A. Kadi apresentados em primeira instância.

54

A República da Bulgária, a República Checa, o Reino da Dinamarca, a Irlanda, o Reino de Espanha, a República Italiana, o Grão-Ducado do Luxemburgo, a Hungria, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República Eslovaca e a República da Finlândia pedem que o acórdão recorrido seja anulado e que se negue provimento ao recurso de anulação interposto por Y. A. Kadi.

Quanto ao pedido de reabertura da fase oral

55

Por carta de 9 de abril de 2013, Y. A. Kadi pediu que o Tribunal de Justiça se dignasse ordenar a reabertura da fase oral, alegando, em substância, que as afirmações contidas no n.o 117 das conclusões do advogado-geral relativas à questão do respeito dos direitos de defesa são contrariadas pelas declarações factuais que o Tribunal Geral efetuou nos n.os 171 e 172 do acórdão recorrido e que não foram objeto de debate pelas partes no quadro dos presentes recursos.

56

A este respeito, importa relembrar, por um lado, que o Tribunal de Justiça pode, oficiosamente ou sob proposta do advogado-geral, ou ainda a pedido das partes, ordenar a reabertura da fase oral do processo, em conformidade com o disposto no artigo 83.o do Regulamento de Processo, nomeadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido ou que o processo deve ser decidido com base num argumento que não foi debatido entre as partes (v. acórdão de 11 de abril de 2013, Novartis Pharma, C-535/11, n.o 30 e jurisprudência referida).

57

Por outro lado, por força do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, cabe ao advogado-geral apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre os processos que, em conformidade com o Estatuto do Tribunal de Justiça, requeiram a sua intervenção. O Tribunal de Justiça não está vinculado pelas conclusões do advogado-geral nem pela fundamentação em que este baseia essas conclusões (v. acórdão de 22 de novembro de 2012, E.ON Energie/Comissão, C-89/11 P, n.o 62 e jurisprudência referida).

58

No caso em apreço, o Tribunal de Justiça, ouvido o advogado-geral, considera estar suficientemente esclarecido para decidir e que os processos não têm de ser decididos com base em argumentos que não foram debatidos entre as partes. Por conseguinte, não há que deferir o pedido de reabertura da fase oral.

Quanto aos recursos

59

A Comissão, o Conselho e o Reino Unido invocam diferentes fundamentos em apoio dos respetivos recursos. Estes fundamentos são, em substância, três. O primeiro fundamento, suscitado pelo Conselho, é relativo a um erro de direito ligado ao não reconhecimento de imunidade de jurisdição ao regulamento controvertido. O segundo fundamento, suscitado pela Comissão, pelo Conselho e pelo Reino Unido, refere-se a erros de direito atinentes ao grau de intensidade da fiscalização jurisdicional definido no acórdão recorrido. O terceiro fundamento, suscitado por estes recorrentes, baseia-se nos erros cometidos pelo Tribunal Geral no exame dos fundamentos com base nos quais Y. A. Kadi alegou nesse Tribunal uma violação dos direitos de defesa, do direito a uma proteção jurisdicional efetiva e do princípio da proporcionalidade.

Quanto ao primeiro fundamento, relativo a um erro de direito ligado ao não reconhecimento de imunidade de jurisdição ao regulamento controvertido

Argumentação das partes

60

No âmbito do primeiro fundamento, o Conselho, apoiado pela Irlanda, pelo Reino de Espanha e pela República Italiana, acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao recusar, em conformidade com o acórdão Kadi, reconhecer, em particular no n.o 126 do acórdão recorrido, imunidade de jurisdição ao regulamento controvertido. O Conselho, apoiado pela Irlanda, convida formalmente o Tribunal de Justiça a rever os princípios enunciados a este respeito no acórdão Kadi.

61

Baseando-se nos n.os 114 a 120 do acórdão recorrido, o Conselho, apoiado pela Irlanda e pela República Italiana, alega que a recusa da imunidade de jurisdição ao regulamento controvertido constitui uma violação do direito internacional. Com efeito, esta recusa ignora a responsabilidade principal do Conselho de Segurança na definição das medidas necessárias à manutenção da paz e da segurança internacionais, e o primado das obrigações decorrentes da Carta das Nações Unidas sobre as obrigações que decorrem de qualquer outro acordo internacional. Viola a obrigação de boa-fé e o dever de assistência mútua que se impõem na execução das medidas do Conselho de Segurança. Esta abordagem significa que as instituições da União substituiriam as instâncias internacionais competentes na matéria. Equivaleria a fiscalizar a legalidade das resoluções do Conselho de Segurança à luz do direito da União. A aplicação uniforme, incondicional e imediata destas resoluções estaria comprometida. Os Estados que são simultaneamente membros da ONU e da União seriam colocados numa posição embaraçosa face às suas obrigações internacionais.

62

A recusa da imunidade de jurisdição ao regulamento controvertido é igualmente contrária ao direito da União. Tal recusa ignora que, por força deste, as instituições da União são obrigadas a respeitar o direito internacional e as decisões das instâncias da ONU, sempre que estas instituições exercem na cena internacional competências que lhes foram transferidas pelos Estados-Membros. Ignora a necessidade de assegurar um equilíbrio entre a preservação da paz e da segurança internacionais, por um lado, e a proteção dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais, por outro.

63

Y. A. Kadi defende que o facto de pôr novamente em causa a inexistência de imunidade de jurisdição de um ato da União como o regulamento controvertido constitui uma violação do princípio da autoridade do caso julgado, na medida em que tem por objeto uma questão de direito que foi decidida entre as mesmas partes no acórdão Kadi no termo de um exame de argumentos semelhantes aos apresentados no presente caso.

64

Remetendo para diferentes passagens do referido acórdão, Y. A. Kadi contesta, de qualquer modo, que a recusa da imunidade de jurisdição do regulamento controvertido viole o direito internacional e o direito da União.

Apreciação do Tribunal de Justiça

65

No n.o 126 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que, em conformidade com os n.os 326 e 327 do acórdão Kadi, o regulamento controvertido não podia beneficiar de imunidade de jurisdição, na medida em que este tem por objeto aplicar resoluções adotadas pelo Conselho de Segurança ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas.

66

Os diversos elementos que sustentam a solução a que chegou o Tribunal de Justiça no acórdão Kadi, expostos nos n.os 291 a 327 do referido acórdão, não sofreram evolução alguma que possa justificar pôr em causa essa solução, e que se prendem, em substância, com a garantia constitucional que representa, numa União de direito (v. acórdãos de 29 de junho de 2010, E e F, C-550/09, Colet., p. I-6213, n.o 44, e de 26 de junho de 2012, Polónia/Comissão, C-335/09 P, n.o 48) a fiscalização jurisdicional da legalidade de quaisquer atos da União, incluindo os que, como no caso em apreço, aplicam um ato de direito internacional, à luz dos direitos fundamentais consagrados pela União.

67

A inexistência de imunidade de jurisdição dos atos da União que aplicam medidas restritivas decididas a nível internacional foi, por outro lado, confirmada no acórdão de 3 de dezembro de 2009, Hassan e Ayadi/Conselho e Comissão (C-399/06 P e C-403/06 P, Colet., p. I-11393, n.os 69 a 75) e, mais recentemente, no acórdão de 16 de novembro de 2011, Bank Melli Iran/Conselho (C-548/09 P, Colet., p. I-11381), cujo n.o 105 enuncia, apoiando-se no acórdão Kadi, sem que tal ponha em causa o primado de uma resolução do Conselho de Segurança no plano internacional, que o respeito imposto às instituições da União relativamente às instituições das Nações Unidas não pode ter por consequência a inexistência de fiscalização da legalidade desses atos da União à luz dos direitos fundamentais que fazem parte integrante dos princípios gerais do direito da União.

68

Daqui decorre que o acórdão recorrido, em particular o seu n.o 126, não padece de qualquer erro de direito decorrente do facto de o Tribunal Geral ter recusado, em conformidade com o acórdão Kadi, imunidade de jurisdição ao regulamento controvertido.

69

O primeiro fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente.

Quando ao segundo e ao terceiro fundamentos, relativos, respetivamente, a erros de direito atinentes ao grau de intensidade da fiscalização jurisdicional definido no acórdão recorrido e a erros cometidos pelo Tribunal Geral no exame dos fundamentos de anulação relativos à violação dos direitos de defesa, do direito a uma proteção jurisdicional efetiva e do princípio da proporcionalidade

70

Importa examinar em conjunto o segundo e o terceiro fundamentos, na medida em que estes visam, no essencial, denunciar erros de direito de que padece a interpretação dos direitos de defesa e do direito a uma proteção jurisdicional efetiva, expressa pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido.

Argumentação das partes

71

No âmbito do segundo e do terceiro fundamentos, a Comissão, o Conselho e o Reino Unido, apoiados pela República da Bulgária, pela República Checa, pelo Reino da Dinamarca, pela Irlanda, pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pela República Italiana, pelo Grão-Ducado do Luxemburgo, pela Hungria, pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Áustria, pela República Eslovaca e pela República da Finlândia, alegam, em primeiro lugar, que o acórdão recorrido padece de um erro de direito, na medida em que, contrariamente ao que é referido nos n.os 132 a 147 deste, o acórdão Kadi não contém qualquer indicação que sustente a abordagem do Tribunal Geral no que respeita ao grau de intensidade da fiscalização jurisdicional a exercer relativamente a um ato da União, como o regulamento controvertido.

72

Por um lado, a exigência, formulada no n.o 326 do acórdão Kadi, a favor de uma «fiscalização, em princípio, integral», da legalidade do regulamento controvertido deve ser novamente colocada no contexto internacional da adoção deste ato, conforme descrito, nomeadamente, nos n.os 292 a 297 do referido acórdão.

73

Por outro lado, o Tribunal Geral considerou erradamente, no n.o 138 do acórdão recorrido, que, no acórdão Kadi, o Tribunal de Justiça tinha feito sua a definição do nível de fiscalização dada pelo Tribunal Geral na sua jurisprudência relativa ao regime mencionado nos n.os 14 e 15 do presente acórdão. Com efeito, o acórdão Kadi não contém nenhuma alusão a esta jurisprudência do Tribunal Geral. Além disso, esta consideração não tem em conta as diferenças fundamentais existentes entre o referido regime e o regime em causa no caso presente, em termos de margem de apreciação das instituições da União e de acesso destas aos elementos de informação e de prova relativos às medidas restritivas adotadas.

74

Em segundo lugar, a Comissão, o Conselho e o Reino Unido, apoiados por todos os Estados-Membros intervenientes nos recursos, invocando argumentos baseados no direito internacional e no direito da União substancialmente comparáveis aos apresentados nos n.os 61 e 62 do presente acórdão, alegam que a definição do grau de intensidade da fiscalização jurisdicional prevista nos n.os 123 a 147 do acórdão recorrido padece de um erro de direito. Acrescentam que a abordagem excessivamente intervencionista seguida pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido é inconciliável com a jurisprudência assente que defende uma fiscalização jurisdicional restrita, limitada ao erro manifesto de apreciação, tratando-se de atos que refletem opções resultantes de avaliações complexas e de uma ampla margem de apreciação à luz de objetivos definidos em termos gerais.

75

Em terceiro lugar, a Comissão, o Conselho e o Reino Unido afirmam que foi erradamente que o Tribunal Geral sugeriu, nos n.os 148 a 151 do acórdão recorrido, que as medidas restritivas em causa no presente caso fossem doravante equiparadas a uma sanção penal. Apoiados pela República Checa, pela Irlanda, pela República Francesa, pela República Italiana, pela Hungria e pela República da Áustria, alegam que estas medidas, de natureza cautelar, visam antecipar e prevenir ameaças atuais ou futuras para a paz e a segurança internacionais, distinguindo-se de uma sanção penal, que visa, por seu lado, factos passados puníveis, objetivamente apurados. Além disso, as referidas medidas destinam-se a ser temporárias e são acompanhadas de derrogações.

76

Em quarto lugar, a Comissão, o Conselho e o Reino Unido alegam que a interpretação do Tribunal Geral constante dos n.os 171 a 188 e 192 a 194 do acórdão recorrido, relativa às exigências, decorrentes do respeito dos direitos fundamentais de Y. A. Kadi, aplicáveis à inscrição do nome deste último na lista constante do Anexo I do Regulamento n.o 881/2002, na sequência do acórdão Kadi, padece de um erro de direito.

77

Apoiados pela República da Bulgária, pela República Checa, pela Irlanda, pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pela República Italiana, pela Hungria, pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Áustria, pela República Eslovaca e pela República da Finlândia, alegam que foi erradamente que o Tribunal Geral decidiu que o respeito destes direitos fundamentais exigia a comunicação dos elementos de informação e de prova utilizados contra Y. A. Kadi.

78

Esta interpretação do Tribunal Geral não tem em conta a possibilidade, sublinhada nos n.os 342 a 344 do acórdão Kadi, de restringir o direito do interessado à comunicação dos elementos contra ele utilizados para evitar que a divulgação de informações sensíveis permita que estas cheguem ao conhecimento de terceiros que possam, deste modo, escapar às medidas de combate ao terrorismo internacional. As críticas formuladas nos n.os 345 a 352 do referido acórdão referiam-se, aliás, à falta de comunicação a Y. A. Kadi dos motivos da inscrição do seu nome na lista que figura no Anexo I do Regulamento n.o 881/2002, e não à falta de divulgação dos elementos de informação e de prova detidos pelo comité de sanções.

79

De resto, a abordagem do Tribunal Geral não tem em conta os numerosos obstáculos materiais à transmissão desses elementos às instituições da União, em particular o facto de estes elementos provirem de um articulado enviado ao comité de sanções por um membro da ONU, geralmente sujeito a confidencialidade devido ao seu caráter sensível.

80

No caso concreto, a exposição de motivos apresentada pelo comité de sanções que foi comunicada a Y. A. Kadi permitiu-lhe compreender as razões da inscrição do seu nome na lista que figura no Anexo I do Regulamento n.o 881/2002. Contrariamente ao que resulta dos n.os 157 e 177 do acórdão recorrido, longe de se limitar a alegações gerais, infundadas, vagas e imprecisas contra ele, esta exposição especifica os elementos que levaram o comité de sanções a considerar que o interessado tem ligações pessoais e diretas à rede Al-Qaida e a Osama bin Laden.

81

Em quinto lugar, a Comissão defende que, sem ir além da declaração factual efetuada no n.o 67 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral errou ao não ter não em conta a existência do recurso paralelo interposto por Y. A. Kadi nos tribunais dos Estados Unidos para refutar as objeções deste relativas à pretensa inexistência de uma proteção jurisdicional efetiva e à pretensa impossibilidade de acesso aos elementos de informação e de prova pertinentes.

82

Em sexto lugar, a Comissão, o Conselho e o Reino Unido alegam que a análise consagrada pelo Tribunal Geral, nos n.os 127 e 128 do acórdão recorrido, às alterações introduzidas nos procedimentos de reexame instituídos ao nível das Nações Unidas está viciada.

83

Apoiados por todos os Estados-Membros intervenientes nos recursos, alegam que o procedimento oficioso de revisão periódica instituído pela Resolução 1822 (2008) contribuiu para melhorar a proteção dos direitos fundamentais, como confirmado pela exclusão da lista recapitulativa do comité de sanções dos nomes de várias dezenas de pessoas ou de entidades. Quanto à criação do Gabinete do Provedor de Justiça pela Resolução 1904 (2009), consideram que esta marcou um ponto de viragem decisivo na matéria, ao permitir à pessoa em causa a exposição do seu caso perante uma instância independente e imparcial, responsável pela apresentação, sendo caso disso, ao comité de sanções das razões que militam a favor da exclusão solicitada.

84

A Resolução 1989 (2011) do Conselho de Segurança de 17 de junho de 2011 confirma a vontade de melhorar constantemente o tratamento dos pedidos de exclusão da lista recapitulativa do comité de sanções. Em particular, tal exclusão já não está subordinada ao consentimento unânime dos membros do comité de sanções. A exclusão torna-se efetiva 60 dias após este comité ter terminado o exame de uma recomendação neste sentido e do relatório exaustivo apresentados pelo Provedor, salvo se existir um consenso em sentido contrário do referido comité ou um pedido de reenvio do processo ao Conselho de Segurança. Os deveres de fundamentação e de transparência do comité de sanções foram reforçados, em caso de rejeição da recomendação do Provedor. A referida resolução destina-se a facilitar o acesso do Provedor às informações confidenciais detidas pelos membros das Nações Unidas e a divulgação da identidade dos Estados solicitaram o pedido de inscrição.

85

Y. A. Kadi responde, em primeiro lugar, que foi com razão que o Tribunal Geral decidiu, no acórdão recorrido, que o Tribunal de Justiça tinha claramente tomado posição, no acórdão Kadi, sobre o alcance e a intensidade da fiscalização jurisdicional a aplicar no caso vertente. Por um lado, o Tribunal de Justiça faz expressamente referência, no acórdão Kadi, a uma fiscalização integral da legalidade, que é extensível, sob reserva apenas das exigências de confidencialidade relativas à segurança pública, aos elementos de informação e de prova utilizados contra o recorrente. Por outro lado, o facto de, ao contrário do regime referido nos n.os 14 e 15 do presente acórdão, o regime em causa no presente caso não prever, antes do procedimento ao nível da União, um procedimento que garanta o respeito dos direitos de defesa sob uma fiscalização jurisdicional efetiva pugna a favor de um reforço da proteção jurisdicional efetiva ao nível da União, como salientou o Tribunal Geral nos n.os 186 e 187 do acórdão recorrido.

86

Em segundo lugar, Y. A. Kadi contesta o facto de a exigência referida no acórdão recorrido relativa ao grau de intensidade da fiscalização jurisdicional aplicável no caso em apreço ser errada.

87

Antes de mais, a abordagem do Tribunal Geral não constitui violação do direito internacional. Com efeito, a fiscalização jurisdicional da legalidade do regulamento controvertido não se assemelha a uma fiscalização da validade da resolução a que este regulamento dá aplicação. Esta fiscalização não prejudica a responsabilidade principal do Conselho de Segurança na matéria nem o primado da Carta das Nações Unidas sobre qualquer outro acordo internacional. Também não visa substituir a apreciação das instâncias internacionais competentes pela apreciação política do juiz da União. Tal fiscalização tem apenas por intuito assegurar a conformidade necessária da aplicação das resoluções do Conselho de Segurança na União com os princípios fundamentais do direito da União. Mais especificamente, esta fiscalização contribui para que seja alcançado um equilíbrio entre os imperativos de paz e de segurança internacionais, por um lado, e a proteção dos direitos fundamentais, por outro.

88

Em segundo lugar, a abordagem do Tribunal Geral é conforme com o direito da União, que exige o respeito dos direitos fundamentais e a garantia de uma fiscalização jurisdicional independente e imparcial, incluindo relativamente às medidas da União baseadas no direito internacional.

89

Em terceiro lugar, após ter sublinhado o caráter complementar das considerações do Tribunal Geral sobre a natureza das medidas restritivas em causa, Y. A. Kadi alega, todavia, que, no seu caso particular, as referidas medidas perderam o seu caráter preventivo e tornara-se repressivas devido quer ao seu alcance geral, quer à duração excessiva do seu período de aplicação, o que justifica uma fiscalização integral e rigorosa do regulamento controvertido.

90

Em quarto lugar, Y. A. Kadi contesta que as exigências impostas pelo Tribunal Geral a fim de garantir o respeito dos seus direitos fundamentais padeçam de um erro de direito.

91

A este respeito, alega que não pode ser feita uma fiscalização jurisdicional efetiva se não forem divulgados elementos de informação e de prova detidos pelas instâncias da ONU. Como reconheceram mesmo estas instâncias, a exposição de motivos apresentada pelo comité de sanções não é concebida para servir de prova. Contém apenas indicações úteis sobre as atividades passadas do interessado e os elementos de prova conhecidos dos membros do referido comité.

92

A inexistência de um procedimento formal de troca de informações entre o Conselho de Segurança e as instituições da União não constitui um obstáculo a uma troca das informações necessárias à realização do seu objetivo comum de preservação dos direitos fundamentais do Homem na aplicação de medidas restritivas. No caso concreto, apesar do pedido expresso de Y. A. Kadi, a Comissão nem sequer tentou que o comité de sanções lhe remetesse uma exposição detalhada dos factos ou dos elementos de prova justificativos da inscrição do nome do interessado nas listas em causa.

93

Quanto à exposição de motivos apresentada pela comité de sanções, esta contém um determinado número de alegações gerais e não demonstradas, que Y. A. Kadi não pode refutar de forma eficaz.

94

Em quinto lugar, Y. A. Kadi alega que o processo judicial nos Estados Unidos não tem pertinência para o presente processo, na medida em que aquele tem por objeto a anulação da inscrição do seu nome na lista do Office of Foreign Assets Control (Organismo de controlo dos ativos estrangeiros), do Ministério das Finanças dos Estados Unidos, por razões totalmente distintas dos fundamentos debatidos no caso em apreço. O referido processo não tem por objeto o regulamento controvertido nem as resoluções do Conselho de Segurança que este regulamento visa aplicar.

95

Em sexto lugar, Y. A. Kadi alega que, aquando da adoção do regulamento controvertido, o único procedimento de reexame instituído ao nível das Nações Unidas era o do ponto focal. Quanto à criação do Gabinete do Provedor de Justiça, que, apesar de ser posterior a esta adoção, foi tida em conta pelo Tribunal Geral, esta não oferece as garantias da proteção jurisdicional. Em particular, a pessoa que solicita a exclusão do seu nome da lista recapitulativa do comité de sanções não dispõe de uma exposição detalhada dos motivos da sua inscrição nesta lista, nem dos elementos contra ela utilizados, e não tem o direito de ser ouvida pelo comité de sanções, único órgão decisório na matéria. Além disso, o Provedor não dispõe de poder de coerção relativamente aos membros da ONU e do comité de sanções, o qual dispõe de um poder discricionário. As lacunas persistentes deste procedimento foram sublinhadas, nomeadamente, pelo próprio Gabinete do Provedor no seu primeiro relatório de janeiro de 2011, que salienta, em particular, a falta de acesso às informações classificadas ou confidenciais e a ignorância em que o requerente é mantido a propósito da identidade do Estado ou dos Estados que solicitaram a sua inscrição na referida lista.

96

Estas lacunas não foram colmatadas pela Resolução 1989 (2011). Com efeito, as recomendações do Gabinete do Provedor de Justiça continuam a estar desprovidas de força vinculativa. A determinação dos critérios de exclusão da lista recapitulativa do comité de sanções e o poder de decidir a exclusão continuam a depender da discrição do comité de sanções. Em caso de recomendação emitida pelo Gabinete do Provedor de Justiça, qualquer membro do comité de sanções pode recorrer ao Conselho de Segurança, cujos cinco membros permanentes podem exercer o direito de veto de forma discricionária. Além disso, o Gabinete do Provedor de Justiça está dependente da vontade de cooperação dos Estados em matéria de recolha de informações.

Apreciação do Tribunal de Justiça

¾ Quanto ao alcance dos direitos de defesa e do direito a uma proteção jurisdicional efetiva

97

Como salientou o Tribunal Geral nos n.os 125, 126 e 171 do acórdão recorrido, o Tribunal de Justiça decidiu, no n.o 326 do acórdão Kadi, que os órgãos jurisdicionais da União devem, em conformidade com as competências de que estão investidos ao abrigo do Tratado, assegurar uma fiscalização, em princípio, integral, da legalidade de todos os atos da União, à luz dos direitos fundamentais que fazem parte integrante da ordem jurídica da União, incluindo quando esses atos se destinam a dar execução a resoluções adotadas pelo Conselho de Segurança ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas (v., igualmente, neste sentido, acórdãos, já referidos, Hassan e Ayadi/Conselho e Comissão, n.o 71, e Bank Melli Iran/Conselho, n.o 105). Esta exigência está expressamente consagrada no artigo 275.o, segundo parágrafo, TFUE.

98

Entre estes direitos fundamentais figuram, nomeadamente, o respeito dos direitos de defesa e o direito a uma proteção jurisdicional efetiva.

99

O primeiro destes direitos, que está consagrado no artigo 41.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União (a seguir «Carta») (v., neste sentido, acórdão de 21 de dezembro de 2011, França/People’s Mojahedin Organization of Iran, C-27/09 P, Colet., p. I-13427, n.o 66), inclui o direito de ser ouvido e o direito de acesso ao processo com respeito dos interesses legítimos da confidencialidade.

100

O segundo dos referidos direitos fundamentais, que é afirmado no artigo 47.o da Carta, exige que o interessado possa conhecer os fundamentos em que se baseia a decisão contra ele tomada quer através da leitura da própria decisão, quer através da comunicação destes fundamentos, feita a seu pedido, sem prejuízo do poder de o juiz competente exigir à autoridade em causa que comunique esses fundamentos, a fim de lhe permitir defender os seus direitos nas melhores condições possíveis e decidir com pleno conhecimento de causa se é útil recorrer ao juiz competente, bem como para dar a este último todas as condições para exercer a fiscalização da legalidade da decisão em causa (v. acórdão de 4 de junho de 2013, ZZ, C-300/11, n.o 53 e jurisprudência referida).

101

Todavia, o artigo 52.o, n.o 1, da Carta admite limitações ao exercício dos direitos por ela consagrados, desde que essa limitação respeite o conteúdo essencial do direito fundamental em causa e que, no respeito do princípio da proporcionalidade, essa limitação seja necessária e responda efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União (v. acórdão ZZ, já referido, n.o 51).

102

Além disso, a existência de uma violação dos direitos de defesa e do direito a uma proteção jurisdicional efetiva deve ser apreciada em função das circunstâncias específicas de cada caso concreto (v., neste sentido, acórdão de 25 de outubro de 2011, Solvay/Comissão, C-110/10 P, Colet., p. I-10439, n.o 63), nomeadamente, da natureza do ato em causa, do contexto em que foi adotado e das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v., neste sentido, a propósito do respeito do dever de fundamentação, acórdãos de 15 de novembro de 2012, Al-Aqsa/Conselho e Países Baixos/Al-Aqsa, C-539/10 P e C-550/10 P, n.os 139 e 140, e Conselho/Bamba, C-417/11 P, n.o 53).

103

No caso em apreço, importa verificar se, tendo em conta as exigências resultantes, nomeadamente, dos artigos 3.°, n.os 1 e 5, TUE e 21.°, n.os 1 e 2, alíneas a) e c), TUE, relativas à preservação da paz e da segurança internacionais no respeito do direito internacional, em particular, dos princípios da Carta das Nações Unidas, o facto de Y. A. Kadi e do juiz da União não terem acesso às informações e aos elementos de prova utilizados contra o interessado, denunciada pelo Tribunal Geral, nomeadamente, nos n.os 173, 181 e 182 do acórdão recorrido, constitui uma violação dos direitos de defesa e do direito a uma proteção jurisdicional efetiva.

104

A este respeito, como o Tribunal de Justiça já precisou, em particular no n.o 294 do acórdão Kadi, há que sublinhar que, nos termos do artigo 24.o da Carta das Nações Unidas, os membros da ONU conferiram ao Conselho de Segurança a responsabilidade principal da manutenção da paz e da segurança internacionais. Para este efeito, compete a este órgão internacional determinar o que constitui uma ameaça contra estes valores e tomar, através da adoção de resoluções ao abrigo do capítulo VII desta Carta, as medidas necessárias para as manter ou restabelecer, em conformidade com os objetivos e os princípios das Nações Unidas, nomeadamente, com respeito dos direitos do Homem.

105

Neste contexto, como resulta das resoluções, mencionadas nos n.os 10 e 11 do presente acórdão, que regulam o regime de medidas restritivas como as que estão em causa no presente processo, compete ao comité de sanções, sob proposta de um membro da ONU, fundada numa «exposição de motivos» que deve conter «uma exposição tão detalhada quanto possível dos motivos do pedido de inscrição», a «natureza dos elementos de informação» e «todos os elementos de informação ou peças justificativas que possam ser fornecidos», designar, em aplicação dos critérios definidos pelo Conselho de Segurança, as organizações, as entidades e as pessoas cujos fundos e outros recursos económicos devem ser congelados. Esta designação, materializada através da inscrição do nome da organização, da entidade ou da pessoa em causa na lista recapitulativa do Comité de sanções, atualizada em função dos pedidos dos Estados-Membros da ONU, assenta num «resumo dos motivos» que é elaborado pelo comité de sanções à luz dos elementos cuja divulgação foi autorizada pelo Estado que está na origem da proposta de inscrição, nomeadamente ao interessado, e que está acessível no seu sítio Web.

106

Quando da aplicação de resoluções do Conselho de Segurança adotadas nos termos do capítulo VII da Carta das Nações Unidas efetuada pela União, com base numa posição comum ou numa ação comum adotada pelos Estados-Membros em conformidade com as disposições do Tratado UE relativas à política externa e de segurança comum, cabe à autoridade competente da União ter devidamente em conta os termos e os objetivos destas resoluções, bem como as obrigações pertinentes que decorrem desta Carta em relação a essa execução (v. acórdão Kadi, n.os 295 e 296).

107

Portanto, quando, no quadro das resoluções pertinentes do Conselho de Segurança, o comité de sanções decidiu inscrever o nome de uma organização, de uma entidade ou de uma pessoa na sua lista recapitulativa, a autoridade competente da União deve, para dar seguimento a esta decisão em nome dos Estados-Membros, tomar a decisão de inscrever o nome desta, ou de manter esta inscrição, na lista que figura no Anexo I do Regulamento n.o 881/2002 com base na exposição de motivos apresentada pelo referido comité. Em contrapartida, não se prevê nestas resoluções que o comité de sanções ponha espontaneamente à disposição, nomeadamente, da autoridade competente da União para efeitos da adoção por esta última da sua decisão de inscrição ou de manutenção de uma inscrição, outros elementos para além desta exposição de motivos.

108

Assim, tanto para uma decisão inicial de inscrição do nome de uma organização, de uma entidade ou de uma pessoa na lista que figura no Anexo I do Regulamento n.o 881/2002 como, no processo em apreço, para uma decisão de manutenção nesta lista de uma inscrição inicialmente adotada antes de 3 de setembro de 2008, data do acórdão Kadi, os artigos 7.°-A, n.os 1 e 2, e 7.°-C, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 881/2002, inseridos pelo Regulamento (UE) n.o 1286/2009 do Conselho, de 22 de dezembro de 2009, que altera o Regulamento n.o 881/2002 (JO L 346 p. 42), a fim de alterar o procedimento de inscrição na referida lista na sequência deste acórdão, como se especifica no considerando 4 do Regulamento n.o 1286/2009, referem-se exclusivamente à exposição de motivos apresentada pelo comité de sanções para efeitos da tomada dessas decisões.

109

No caso específico de Y. A. Kadi, resulta dos autos que a inscrição inicial do seu nome, em 17 de outubro de 2001, na lista recapitulativa do comité de sanções deu seguimento a um pedido dos Estados Unidos motivado pela adoção de uma decisão de 12 de outubro de 2001 na qual o Organismo de controlo dos ativos estrangeiros identificou Y. A. Kadi como sendo um «terrorista mundial especialmente designado» («Specially Designated Global Terrorist»).

110

Como resulta do considerando 3 do regulamento controvertido, na sequência do acórdão Kadi, a Comissão decidiu, através do referido regulamento, manter o nome de Y. A. Kadi na lista que figura no Anexo I do Regulamento n.o 881/2002 com base na exposição de motivos que tinha sido comunicada pelo comité de sanções. Como referiu o Tribunal Geral no n.o 95 do acórdão recorrido, e como a Comissão confirmou na audiência no Tribunal de Justiça, não lhe foram apresentados, para este efeito, outros elementos para além desta exposição de motivos.

111

No âmbito de um procedimento de adoção da decisão de inscrição ou de manutenção do nome de uma pessoa na lista que figura no Anexo I do Regulamento n.o 881/2002, o respeito dos direitos de defesa e do direito a uma proteção jurisdicional efetiva exige que a autoridade competente da União comunique à pessoa interessada os elementos de que dispõe contra a referida pessoa para basear a sua decisão, isto é, pelo menos, a exposição de motivos apresentada pelo comité de sanções (v., neste sentido, acórdão Kadi, n.os 336 e 337), e isto para que esta pessoa possa defender os seus direitos nas melhores condições possíveis e decidir com pleno conhecimento de causa se é útil recorrer ao juiz da União.

112

Quando desta comunicação, a autoridade competente da União deve permitir que esta pessoa dê utilmente a conhecer o seu ponto de vista sobre os motivos contra ela invocados (v., neste sentido, acórdãos de 24 de outubro de 1996, Comissão/Lisrestal e o., C-32/95 P, Colet., p. I-5373, n.o 21; de 21 de setembro de 2000, Mediocurso/Comissão, C-462/98 P, Colet., p. I-7183, n.o 36, e de 22 de novembro de 2012, M., C-277/11, n.o 87 e jurisprudência referida).

113

Relativamente a uma decisão que consiste, como no processo em apreço, em manter o nome da pessoa em causa na lista que figura no Anexo I do Regulamento n.o 881/2002, o respeito desta dupla obrigação processual deve, ao contrário do que acontece com uma inscrição inicial (v., a este respeito, acórdão Kadi, n.os 336 a 341 e 345 a 349, e acórdão França/People’s Mojahedin Organization of Iran, já referido, n.o 61), preceder a adoção desta decisão (v. acórdão França/People’s Mojahedin Organization of Iran, já referido, n.o 62). É pacífico que, no presente processo, o Comissão, autora do regulamento controvertido, deu cumprimento a esta obrigação.

114

Quando são formuladas observações pela pessoa em causa sobre a exposição de motivos, a autoridade competente da União tem a obrigação de examinar, com cuidado e imparcialidade, o fundamento dos motivos alegados à luz das observações e dos eventuais elementos ilibatórios que as acompanham (v., por analogia, acórdãos de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München, C-269/90, Colet., p. I-5469, n.o 14; de 22 de novembro de 2007, Espanha/Lenzing, C-525/04 P, Colet., p. I-9947, n.o 58, e acórdão M., já referido, n.o 88).

115

A este título, compete a esta autoridade avaliar, tendo em conta, nomeadamente, o teor destas observações eventuais, a necessidade de solicitar a colaboração do comité de sanções e, por intermédio deste último, do membro da ONU que propôs a inscrição da pessoa em causa na lista recapitulativa do referido comité, para obter, no âmbito do espírito de cooperação útil que, ao abrigo do artigo 220.o, n.o 1, TFUE deve presidir às relações da União com os órgãos das Nações Unidas no domínio da luta contra o terrorismo internacional, a comunicação de informações ou de elementos de prova, confidenciais ou não, que lhe permitam cumprir este dever de exame cuidadoso e imparcial.

116

Por fim, sem chegar ao ponto de impor uma resposta detalhada às observações apresentadas pela pessoa em causa (v., neste sentido, acórdão Al-Aqsa/Conselho e Países Baixos/Al-Aqsa, já referido, n.o 141), o dever de fundamentação previsto no artigo 296.o TFUE implica em todas as circunstâncias, incluindo quando a fundamentação do ato da União corresponde a motivos apresentados por uma instância internacional, que esta fundamentação identifique as razões individuais, específicas e concretas pelas quais as autoridades competentes consideram que a pessoa em causa deve ser alvo de medidas restritivas (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Al-Aqsa/Conselho e Países Baixos/Al-Aqsa, n.os 140 e 142, e Conselho/Bamba, n.os 49 a 53).

117

No que respeita ao processo jurisdicional, em caso de contestação pela pessoa em causa da legalidade da decisão de inscrever ou manter o seu nome na lista que figura no Anexo I do Regulamento n.o 881/2002, a fiscalização do juiz da União deve ter por objeto o respeito das regras de forma e de competência, incluindo o caráter adequado da base jurídica (v., neste sentido, acórdão Kadi, n.os 121 a 236; v. igualmente, por analogia, acórdão de 13 de março de 2012, Tay Za/Conselho, C-376/10 P, n.os 46 a 72).

118

Além disso, o juiz da União deve verificar o respeito pela autoridade competente da União das garantias processuais mencionadas nos n.os 111 a 114 do presente acórdão e do dever de fundamentação previsto no artigo 296.o TFUE, recordado no n.o 116 do presente acórdão, nomeadamente, o caráter suficientemente preciso e concreto dos fundamentos invocados.

119

A efetividade da fiscalização jurisdicional garantida pelo artigo 47.o da Carta exige também que, ao abrigo da fiscalização da legalidade dos motivos em que se baseia a decisão de inscrever ou de manter o nome de uma pessoa determinada na lista que figura no Anexo I do Regulamento n.o 881/2002 (acórdão Kadi, n.o 336), o juiz da União se assegure que esta decisão, que reveste um alcance individual para esta pessoa (v., neste sentido, acórdão de 23 de abril de 2013, Gbagbo e o./Conselho, C-478/11 P a C-482/11 P, n.o 56), assente numa base factual suficientemente sólida (v., neste sentido, acórdão Al-Aqsa/Conselho e Países Baixos/Al-Aqsa, já referido, n.o 68). Isso implica uma verificação dos factos alegados na exposição de motivos em que se baseia a referida decisão (v., neste sentido, acórdão E e F, já referido, n.o 57), pelo que a fiscalização jurisdicional não se limita à apreciação da probabilidade abstrata dos motivos invocados, tendo antes por objeto a questão de saber se estes motivos, ou pelo menos um deles, é considerado suficiente, por si só, para basear esta mesma decisão, têm fundamento.

120

Para este efeito, incumbe ao juiz da União proceder a este exame, pedindo, sendo caso disso, à autoridade competente da União a apresentação das informações ou dos elementos de prova, confidenciais ou não, pertinentes para efeitos desse exame (v., por analogia, acórdão ZZ, já referido, n.o 59).

121

Com efeito, cabe à autoridade competente da União, em caso de contestação, demonstrar que os motivos invocados contra a pessoa em causa têm fundamento, e não a esta última apresentar a prova negativa de que os referidos motivos não têm fundamento.

122

Para este efeito, não é exigível que a referida autoridade apresente ao juiz da União todas as informações e todos os elementos de prova inerentes aos motivos alegados na exposição apresentada pelo comité de sanções. Todavia, as informações ou os elementos de prova apresentados devem alicerçar os motivos invocados contra a pessoa em causa.

123

Se for impossível à autoridade competente da União aceder ao pedido do juiz da União, este último deve, então, basear-se apenas nos elementos que lhe foram comunicados, a saber, no caso vertente, as indicações contidas na exposição de motivos apresentada pelo comité de sanções, as observações e os elementos ilibatórios eventualmente apresentados pela pessoa em causa, bem como a resposta da autoridade competente da União a estas observações. Se estes elementos não permitirem declarar que um motivo tem fundamento, o juiz da União afasta este motivo enquanto base da decisão de inscrição ou de manutenção da inscrição em causa.

124

Se, pelo contrário, a autoridade competente da União fornecer informações ou elementos de prova pertinentes, o juiz da União deve verificar a exatidão material dos factos alegados tendo em conta estas informações ou elementos e apreciar a força probatória destes últimos em função das circunstâncias do caso concreto e à luz das eventuais observações apresentadas, nomeadamente, pela pessoa em causa a respeito dos mesmos.

125

É verdade que considerações imperiosas respeitantes à segurança da União ou dos seus Estados-Membros ou à condução das suas relações internacionais se podem opor à comunicação de determinadas informações ou de determinados elementos de prova à pessoa em causa. Nesse caso, incumbe, todavia, ao juiz da União, perante o qual não pode ser invocado o segredo ou a confidencialidade destas informações ou elementos, aplicar, no âmbito da fiscalização jurisdicional que exerce, técnicas que permitam conciliar, por um lado, as considerações legítimas de segurança quanto à natureza e às fontes de informações que foram tidas em conta para a adoção do ato em causa e, por outro, a necessidade de garantir suficientemente ao litigante o respeito dos seus direitos processuais, como o direito de ser ouvido e o princípio do contraditório (v., neste sentido, acórdão Kadi, n.os 342 e 344; v. igualmente, por analogia, acórdão ZZ, já referido, n.os 54, 57 e 59).

126

Para este efeito, incumbe ao juiz da União, ao proceder a um exame de todos os elementos de direito e de facto fornecidos pela autoridade competente da União, verificar a procedência das razões invocadas pela referida autoridade para se opor a essa comunicação (v., por analogia, acórdão ZZ, já referido, n.os 61 e 62).

127

Se o juiz da União concluir que estas razões não se opõem à comunicação, pelo menos parcial, das informações ou dos elementos de prova em causa, dará à autoridade competente da União a possibilidade de proceder a essa comunicação à pessoa interessada. Se esta autoridade se opuser à comunicação de todas ou de uma parte destas informações ou elementos, o juiz da União procederá, então, ao exame da legalidade do ato impugnado apenas com base nos elementos que foram comunicados (v., por analogia, acórdão ZZ, já referido, n.o 63).

128

Em contrapartida, se se verificar que as razões invocadas pela autoridade competente da União se opõem efetivamente à comunicação à pessoa em causa de informações ou de elementos de prova apresentados ao juiz da União, é necessário ponderar adequadamente as exigências ligadas ao direito a uma proteção jurisdicional efetiva, em particular ao respeito do princípio do contraditório, e as decorrentes da segurança da União ou dos seus Estados-Membros ou da condução das suas relações internacionais (v., por analogia, acórdão ZZ, já referido, n.o 64).

129

Para efeitos de tal ponderação, é admissível o recurso a possibilidades como a comunicação de um resumo do teor das informações ou dos elementos de prova em causa. Independentemente do recurso a estas possibilidades, cabe ao juiz da União apreciar se, e em que medida, a não divulgação de informações ou de elementos de prova confidenciais à pessoa em causa e a impossibilidade correlativa de esta apresentar as suas observações a este respeito podem influenciar a força probatória dos elementos de prova confidenciais (v., por analogia, acórdão ZZ, já referido, n.o 67).

130

Tendo em conta a natureza preventiva das medidas restritivas em causa, embora, no âmbito da sua fiscalização da legalidade da decisão impugnada, nos termos definidos nos n.os 117 a 129 do presente acórdão, o juiz da União considere que, no mínimo, um dos motivos mencionados na exposição apresentada pelo comité de sanções é suficientemente preciso e concreto, está demonstrado e constitui, por si só, uma base suficiente para fundamentar esta decisão, o facto de outros desses motivos não o estarem não justifica a anulação da referida decisão. Na hipótese inversa, procederá à anulação da decisão impugnada.

131

Tal fiscalização jurisdicional é indispensável para garantir um equilíbrio justo entre a preservação da paz e da segurança internacionais e a proteção das liberdades e dos direitos fundamentais da pessoa em causa (v., neste sentido, acórdão E e F, já referido, n.o 57), que constituem valores comuns à ONU e à União.

132

Com efeito, apesar da sua natureza preventiva, as medidas restritivas em causa têm, sobre estas liberdades e estes direitos, uma incidência negativa importante, ligada, por um lado, à perturbação considerável da vida tanto profissional como familiar da pessoa em causa devido às restrições ao uso do seu direito de propriedade que decorrem do seu âmbito geral e, como no caso em apreço, da duração efetiva da sua aplicação, bem como, por outro, à desonra e à desconfiança públicas que estas medidas suscitam para com esta pessoa (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Kadi, n.os 358, 369 e 375; França/People’s Mojahedin Organization of Iran, n.o 64; Al-Aqsa/Conselho e Países Baixos/Al-Aqsa, n.o 120; e acórdão de 28 de maio de 2013, Abdulrahim/Conselho e Comissão, C-239/12 P, n.o 70 e jurisprudência referida).

133

Essa fiscalização é tanto mais indispensável quanto, apesar das melhorias que neles foram introduzidas, nomeadamente após a adoção do regulamento controvertido, os procedimentos de exclusão e de revisão oficiosa instituídos ao nível da ONU não oferecem à pessoa cujo nome é inscrito na lista recapitulativa do comité de sanções e, subsequentemente, na lista que figura no Anexo I do Regulamento n.o 881/2202, as garantias de uma proteção jurisdicional efetiva, como sublinhou recentemente o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, subscrevendo a apreciação do Tribunal Federal suíço, no n.o 211 do seu acórdão de 12 de setembro de 2012, Nada c. Suíça (ainda não publicado no Recueil des arrêts et décisions).

134

Com efeito, a especificidade da proteção jurisdicional efetiva deve ser permitir que a pessoa em causa peça ao juiz que, mediante um acórdão de anulação por força do qual o ato impugnado é eliminado retroativamente da ordem jurídica e se supõe nunca ter existido, declare que a inscrição ou a manutenção do seu nome na lista em causa padece de uma ilegalidade, cujo reconhecimento pode reabilitar esta pessoa ou constituir para ela uma forma de reparação do prejuízo moral sofrido (v., neste sentido, acórdão Abdulrahim/Conselho e Comissão, já referido, n.os 67 a 84).

¾ Quanto aos erros de direito de que padece o acórdão recorrido

135

Resulta dos elementos de análise anteriores que o respeito dos direitos de defesa e do direito a uma proteção jurisdicional efetiva exige, por um lado, que a autoridade competente da União comunique à pessoa em causa a exposição de motivos apresentada pelo comité de sanções na qual se funda a decisão de inscrever ou de manter o nome da referida pessoa na lista que figura no Anexo I do Regulamento n.o 881/2002, que lhe permita dar a conhecer utilmente as suas observações a este respeito e que examine, com cuidado e imparcialidade, a procedência dos motivos alegados à luz das observações formuladas e dos eventuais elementos de prova ilibatórios apresentados por essa pessoa.

136

O respeito dos referidos princípios implica, por outro lado, que, em caso de contestação judicial, o juiz da União fiscalize, nomeadamente, o caráter suficientemente preciso e concreto dos fundamentos invocados na exposição apresentada pelo comité de sanções e, sendo caso disso, a prova da materialidade dos factos correspondentes ao motivo em causa à luz dos elementos que lhe foram comunicados.

137

Em contrapartida, o facto de a autoridade competente da União não tornar acessíveis à pessoa em causa e, posteriormente, ao juiz da União informações ou elementos de prova que estão exclusivamente na posse do comité de sanções ou do membro da ONU em causa, relativos à exposição de motivos em que se apoia a decisão em causa, não pode, enquanto tal, fundar uma declaração de violação destes mesmos direitos. Todavia, nesta situação, o juiz da União, que é chamado a fiscalizar a procedência factual dos motivos constantes da exposição apresentada pelo comité de sanções, ao ter em conta as observações e os elementos ilibatórios eventualmente apresentados pela pessoa em causa, bem como a resposta da autoridade competente da União a estas observações, não disporá de informações complementares ou de elementos de prova. Por conseguinte, se ao juiz da União é impossível declarar que estes motivos são fundados, estes não podem servir de base à decisão de inscrição impugnada.

138

Por conseguinte, nos n.os 173, 181 a 184, 188 e 192 a 194 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao basear a sua declaração de uma violação dos direitos de defesa, do direito a uma proteção jurisdicional efetiva e, consequentemente, do princípio da proporcionalidade, no facto de a Comissão não ter comunicado a Y. A. Kadi nem a ele próprio informações e elementos de prova inerentes aos motivos da manutenção da inscrição do nome do interessado na lista que figura no Anexo I do Regulamento n.o 881/2002, e isso apesar de, como resulta dos n.os 81 e 95 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral, quer a fim de julgar improcedente o pedido de medidas de organização do processo apresentado por Y. A. Kadi para obter esta comunicação, quer durante a audiência, ter reconhecido que a Comissão não dispunha destas informações e destes elementos de prova.

139

Ao contrário do que é indicado nos n.os 181, 183 e 184 do acórdão recorrido, não decorre das passagens do acórdão Kadi, para as quais se remete nestes números, que a falta de acesso do interessado e do juiz da União a estas informações ou a estes elementos de prova, de que a autoridade compete da União não dispõe, é, enquanto tal, constitutiva de uma violação dos direitos de defesa ou do direito a uma proteção jurisdicional efetiva.

140

Além disso, recordando que a apreciação pelo Tribunal Geral do caráter suficiente, ou não, da fundamentação é passível de fiscalização pelo Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de decisão do Tribunal Geral (v., neste sentido, acórdão Conselho/Bamba, já referido, n.o 41 e jurisprudência referida), o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao basear, como resulta dos n.os 174, 177, 188 e 192 a 194 do acórdão recorrido, a sua declaração dessa violação no caráter, em seu entender, vago e impreciso das alegações que figuram na exposição de motivos apresentada pelo comité de sanções, ao passo que um exame separado de cada um destes motivos não permite inferir tal conclusão geral.

141

Com efeito, é certo que, como decidiu corretamente o Tribunal Geral ao acolher, no n.o 177 do acórdão recorrido, o argumento de Y. A. Kadi apresentado no n.o 157, quarto travessão, do referido acórdão, o último dos motivos invocados na exposição apresentada pelo comité de sanções, relativo ao facto de Y. A. Kadi ter sido proprietário, na Albânia, de várias sociedades que encaminharam fundos para extremistas ou lhes confiaram funções de controlo dos fundos destas sociedades, das quais, até um máximo de cinco sociedades, receberam fundos de maneio transferidos por Osama bin Laden, é insuficientemente preciso e concreto, na medida em que não contém indicações sobre a identidade das sociedades em causa, sobre a data das ações denunciadas e sobre a identidade dos «extremistas» pretensamente beneficiários destas ações.

142

Em contrapartida, o mesmo não acontece com os restantes motivos invocados na exposição apresentada pelo comité de sanções.

143

Com efeito, o primeiro motivo, relativo ao facto de Y. A. Kadi ter reconhecido ser membro fundador e dirigente das atividades da Fundação Muwafaq, que sempre funcionou sob a égide do Gabinete afegão (Makhtab al-Khidamat), fundado, nomeadamente, por Osama bin Laden e precursor da rede Al-Qaida, e que, quando da dissolução do referido gabinete em junho de 2001, se associou a esta rede, é suficientemente preciso e concreto, na medida em que identifica a entidade em causa e o papel de Y. A. Kadi em relação a esta, bem como os elementos de uma pretensa ligação entre esta entidade, por um lado, e Osama bin Laden e a rede Al-Qaida, por outro.

144

O segundo motivo diz respeito ao facto de que, para assegurar a direção dos Gabinetes europeus da Fundação Muwafaq, Y. A. Kadi recrutou, em 1992, S. Al-Ayadi, recomendado por W. Julaidan, um financeiro que combateu ao lado de Osama bin Laden no Afeganistão nos anos 80. Na altura deste recrutamento, S. Al-Ayadi era um dos principais dirigentes da Frente Islâmica da Tunísia e operava no âmbito de acordos com Osama bin Laden. No início dos anos 90, deslocou-se ao Afeganistão para receber treino paramilitar, tendo-se depois deslocado ao Sudão, juntamente com outras pessoas, para aí celebrar com Osama bin Laden um acordo sobre o acolhimento e a formação de tunisinos e, posteriormente, um acordo sobre o acolhimento de combatentes tunisinos provenientes de Itália por colaboradores de Osama bin Laden na Bósnia-Herzegovina.

145

Este segundo fundamento é suficiente preciso e concreto, na medida em que contém as precisões necessárias relativas à data, ao contexto do recrutamento em causa e aos elementos pessoais de uma pretensa ligação deste recrutamento a Osama bin Laden.

146

O terceiro fundamento, que se apoia numa declaração feita em 1995 por Talad Fuad Kassem, dirigente da Al-Gama’at al Islamiyya, segundo a qual a Fundação Muwafaq forneceu apoio logístico e financeiro a um batalhão de combatentes na Bósnia-Herzegovina, é relativo ao facto de que, em meados dos anos 90, a referida fundação participou, juntamente com Osama bin Laden, no financiamento das atividades terroristas destes combatentes e contribuiu para o tráfico de armas provenientes da Albânia, com destino à Bósnia-Herzegovina.

147

Este terceiro fundamento é suficientemente preciso e concreto, uma vez que identifica o autor da declaração em causa, os tipos de atos denunciados, a data da sua pretensa realização e a pretensa relação com as atividades de Osama bin Laden.

148

O quarto fundamento tem por objeto o facto de Y. A. Kadi ser um dos principais acionistas do banco bósnio Depozitna Banka, hoje encerrado, no qual S. Al-Ayadi exerceu funções e representou os interesses de Y. A. Kadi, e no qual possivelmente se realizaram reuniões de preparação de um atentado contra um estabelecimento dos Estados Unidos na Arábia Saudita.

149

Ao contrário do que é indicado no n.o 175 do acórdão recorrido, este quarto fundamento é suficientemente preciso e concreto, na medida em que identifica o estabelecimento financeiro por intermédio do qual Y. A. Kadi participou pretensamente em atividades terroristas e a natureza do pretenso projeto terrorista em causa. A natureza hipotética da indicação relativa à realização, neste estabelecimento, de reuniões preparatórias a este pretenso projeto não afeta as exigências inerentes ao dever de fundamentação, na medida em que os motivos da inscrição na lista da União podem, com efeito, assentar em suspeitas de envolvimento em atividades terroristas, sem prejuízo da verificação do caráter fundado destas suspeitas.

150

Apesar de resultar dos n.os 138 a 140 e 142 a 149 do presente acórdão que o Tribunal Geral cometeu erros de direito, importa verificar se, apesar destes erros, o dispositivo do acórdão recorrido tem por base fundamentos de direito diferentes dos acolhidos pelo Tribunal Geral, devendo, sendo esse o caso, ser negado provimento ao recurso (v., neste sentido, acórdão de 19 de abril de 2012, Artegodan/Comissão, C-221/10 P, n.o 94 e jurisprudência referida).

¾ Quanto à ilegalidade do regulamento controvertido

151

Importa salientar, no que se refere ao primeiro fundamento invocado na exposição apresentada pelo comité de sanções e mencionado no n.o 143 do presente acórdão, que, nas suas observações de 10 de novembro de 2008, apresentadas em apoio do seu recurso no Tribunal Geral, Y. A. Kadi, apesar de reconhecer ter sido membro fundador da Fundação Muwafaq, negou qualquer apoio desta última ao terrorismo e qualquer ligação entre esta e o Gabinete afegão. Juntando às suas observações o ato constitutivo da Fundação Muwafaq, alegou que esta tinha vocação exclusivamente caritativa e humanitária, principalmente direcionada para a assistência às pessoas que sofrem de subnutrição no mundo, em particular no Sudão. Não obstante reconhecer ter tomado parte de decisões estratégicas internacionais da Fundação Muwafaq, negou qualquer envolvimento na gestão quotidiana das atividades desta no mundo, nomeadamente no recrutamento do pessoal local. Também contestou que a Fundação Muwafaq tivesse integrado a rede Al-Qaida em junho de 2001, sublinhando, nomeadamente, com base em documentos, que tinha cessado todas as atividades o mais tardar em 1998.

152

Na sua resposta de 8 de dezembro de 2008 às observações de Y. A. Kadi, também apresentadas no Tribunal Geral, a Comissão alegou que a cessação de uma parte ou de todas as atividades da entidade em causa não era suscetível de excluir que esta, que dispunha de personalidade jurídica autónoma, tivesse integrado a rede Al-Qaida.

153

Todavia, impõe-se constatar que não foram apresentados elementos de informação ou de prova que demonstrem as alegações relativas a um envolvimento da Fundação Muwafaq no terrorismo internacional no quadro de ligações com o Gabinete afegão e a rede Al-Qaida. Nestas circunstâncias, as indicações relativas ao papel e às funções de Y. A. Kadi nesta fundação não podem fundamentar a adoção, ao nível da União, de medidas restritivas aplicáveis a este.

154

No que se refere ao segundo motivo invocado na exposição apresentada pelo comité de sanções e mencionado no n.o 144 do presente acórdão, Y. A. Kadi, apesar de reconhecer, nas suas observações de 10 de novembro de 2008, ter recrutado em 1992, sob recomendação de W. Julaidan, S. Al-Ayadi para assegurar a direção dos gabinetes europeus da Fundação Muwafaq, afirmou, no entanto, que o único objetivo desta fundação na Europa era apoiar os refugiados da Bósnia e da Croácia durante a guerra dos Balcãs nos anos 90. Referiu que W. Julaidan, que, nessa altura, colaborava com ele num projeto de ajuda à formação profissional de refugiados croatas, lhe tinha recomendado S. Al-Ayadi devido à sua experiência profissional na gestão do trabalho humanitário e da sua integridade. Também alegou que, em 1992, não tinha razões para suspeitar que S. Al-Ayadi e W. Julaidan apoiavam atividades terroristas, sublinhando que, nos anos 80, Osama bin Laden era considerado um aliado das forças ocidentais nas suas relações com a União Soviética, tendo sido apenas a partir de 1996 que este último foi descrito como sendo uma ameaça para a segurança internacional, e que só em outubro de 2001 e em setembro de 2002 é que S. Al-Ayadi e W. Julaidan foram, respetivamente, inscritos na lista recapitulativa do comité de sanções. Por fim, afirmou ignorar completamente a existência da Frente Islâmica Tunisina e das pretensas ligações de S. Al-Ayadi a esta organização.

155

Na sua resposta de 8 de dezembro de 2008 às observações de Y. A. Kadi, a Comissão afirmou que o recrutamento de S. Al-Ayadi por Y. A. Kadi sob recomendação de W. Julaidan, associado aos contatos de S. Al-Ayadi e de W. Julaidan com Osama bin Laden, permitia concluir que todas estas pessoas tinham agido de forma concertada ou pertenciam à mesma rede. Acrescentou que, nestas circunstâncias, não era relevante o facto de Y. A. Kadi ter pretensamente ignorado as ligações alegadas de S. Al-Ayadi à Frente Islâmica Tunisina.

156

A este respeito, sem excluir que os elementos invocados na exposição de motivos apresentada pelo comité de sanções no que se refere ao recrutamento de S. Al-Ayadi por Y. A. Kadi, em 1992, sob recomendação de W. Julaidan e ao pretenso envolvimento de S. Al-Ayadi e de W. Julaidan em atividades terroristas em associação com Osama bin Laden poderiam ser considerados suficientes para justificar a inscrição inicial, em 2002, do nome de Y. A. Kadi na lista das pessoas que figura em anexo ao Regulamento n.o 881/2002, é de referir que estes mesmos elementos, não sendo comprovados por outros elementos, não podem justificar a manutenção, após 2008, da inscrição do nome deste na lista do referido regulamento, conforme alterado pelo regulamento controvertido. Com efeito, tendo em conta a distância temporal que separa os dois atos, estes elementos, que se referem ao ano de 1992, já não são, por si só, suficientes para justificar, em 2008, a manutenção, ao nível da União, do nome de Y. A. Kadi na lista das pessoas e das entidades visadas pelas medidas restritivas em causa.

157

No que se refere ao terceiro fundamento invocado na exposição apresentada pelo comité de sanções e mencionado no n.o 146 do presente acórdão, nas suas observações de 10 de novembro de 2008, Y. A. Kadi afirmou ignorar a existência de Talad Fuad Kassem. Também afirmou nunca ter facultado apoio financeiro, logístico ou de outra natureza a esta pessoa, à entidade que dirigia ou a combatentes da Bósnia-Herzegovina. Também defendeu que, tanto quanto sabia, nem a Fundação Muwafaq, nem nenhum dos seus empregados, tinham alguma vez prestado um apoio dessa natureza.

158

Na sua resposta de 8 de dezembro de 2008 às observações de Y. A. Kadi, a Comissão afirmou que a declaração de Talad Fuad Kassem contribuía para confirmar que Y. A. Kadi tinha feito uso da sua posição para fins diferentes das suas atividades regulares. Acrescentou que, nestas circunstâncias, é indiferente que Y. A. Kadi conheça ou não Talad Fuad Kassem.

159

Todavia, não foram apresentados elementos de informação ou de prova que permitam verificar a exatidão material da declaração prestada a Talad Fuad Kassem na exposição de motivos apresentada pelo comité de sanções e apreciar, tendo em conta, em particular, a alegação de Y. A. Kadi de que ignorava a existência de Talad Fuad Kassem, a força probatória desta declaração quanto às alegações relativas ao apoio da Fundação Muwafaq a atividades terroristas na Bósnia-Herzegovina em associação com Osama bin Laden. Nestas circunstâncias, a indicação relativa à declaração de Talad Fuad Kassem não constitui um fundamento suscetível de justificar a adoção, ao nível da União, de medidas restritivas contra Y. A. Kadi.

160

No que diz respeito ao quarto motivo invocado na exposição apresentada pelo comité de sanções e mencionado no n.o 148 do presente acórdão, nas suas observações de 10 de novembro de 2008, Y. A. Kadi afirmou nunca ter prestado apoio financeiro ao terrorismo internacional por intermédio do Depozitna Banka ou de qualquer outro estabelecimento. Explicou ter adquirido uma participação neste banco para fins exclusivamente comerciais, tendo em conta as perspetivas de reconstrução social e económica da Bósnia após os acordos de paz de Dayton de 1995, e ter, devido a uma exigência do direito local, confiado a representação dos seus interesses no referido banco a S. Al-Ayadi, nacional da Bósnia. Apoiando-se em relatórios de sociedades internacionais de auditoria relativos ao período compreendido entre 1999 e 2002 e no relatório de um analista financeiro nomeado por um magistrado suíço que cobre o período compreendido entre 1997 e 2001, alegou que nenhum destes relatórios sugere que o Depozitna Banka tivesse estado de algum modo envolvido no financiamento ou no apoio do terrorismo. Contestou o facto de este banco ter sido fechado, tendo explicado, com base em documentos, que tinha havido, em 2002, uma fusão com outro banco. Além disso, apresentou documentos relativos a contatos ocorridos, em março de 1999, entre as autoridades dos Estados Unidos, o diretor do Depozitna Banka e as autoridades políticas da Bósnia sobre temas jurídicos relativos ao setor bancário na Bósnia-Herzegovina. Por fim, alegou que, se as autoridades da Arábia Saudita tivessem tido razões para suspeitar da preparação, no seio do Depozitna Banka, de um atentado contra os interesses dos Estados Unidos no seu território, tê-lo-iam seguramente interrogado, na sua qualidade de proprietário saudita deste estabelecimento. Ora, as referidas autoridades nunca o fizeram.

161

Na sua resposta de 8 de dezembro de 2008 às observações de Y. A. Kadi, a Comissão afirmou que as indicações de que o Depozitna Banka teria sido usado para preparar um atentado na Arábia Saudita contribuíam para confirmar que Y. A. Kadi tinha feito uso da sua posição para fins alheios às suas atividades regulares.

162

Todavia, não tendo sido apresentados elementos de informação ou de prova que sustentem a alegação de que possivelmente se realizaram reuniões nas instalações do Depozitna Banka a fim de preparar atos terroristas em associação com a rede Al-Qaida ou Osama bin Laden, as indicações relativas à ligação entre Y. A. Kadi e este banco não permitem basear a adoção, ao nível da União, de medidas restritivas contra ele.

163

Da análise contida nos n.os 141 e 151 a 162 do presente acórdão, resulta que nenhuma das alegações apresentadas contra Y. A. Kadi na exposição apresentada pelo comité de sanções pode justificar a adoção, ao nível da União, de medidas restritivas contra este, em razão quer de uma fundamentação insuficiente quer da falta de elementos de informação ou de prova que sustentem o motivo em causa face às negações circunstanciadas do interessado.

164

Nestas condições, os erros de direito, identificados nos n.os 138 a 140 e 142 a 149 do presente acórdão, de que padece o acórdão recorrido não são suscetíveis de pôr em causa a validade deste último, dado que o seu dispositivo que anula o regulamento controvertido, na parte em que diz respeito a Y. A. Kadi, assenta nos motivos de direito enunciados no número anterior.

165

Por conseguinte, deve ser negado provimento aos recursos.

Quanto às despesas

166

Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá sobre as despesas. Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do mesmo regulamento, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do disposto no seu artigo 184.o, n.o 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Quando um interveniente em primeira instância, que não tenha ele próprio interposto o recurso, participe no processo no Tribunal de Justiça, este pode decidir, ao abrigo do artigo 184.o, n.o 4, que a referida parte suporte as suas próprias despesas. O artigo 140.o, n.o 1, do referido regulamento prevê que os Estados-Membros que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas.

167

Tendo a Comissão, o Conselho e o Reino Unido sido vencidos, em conformidade com os pedidos de Y. A. Kadi, há que condená-los nas despesas.

168

A República da Bulgária, a República Checa, o Reino da Dinamarca, a Irlanda, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República Italiana, o Grão-Ducado do Luxemburgo, a Hungria, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República Eslovaca e a República da Finlândia, intervenientes, suportarão as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

É negado provimento aos recursos.

 

2)

A Comissão Europeia, o Conselho da União Europeia e o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte são condenados nas despesas.

 

3)

A República da Bulgária, a República Checa, o Reino da Dinamarca, a Irlanda, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República Italiana, o Grão-Ducado do Luxemburgo, a Hungria, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República Eslovaca e a República da Finlândia suportarão as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.