Processo C-371/10

National Grid Indus BV

contra

Inspecteur van de Belastingdienst Rijnmond/kantoor Rotterdam

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Gerechtshof Amsterdam)

«Transferência da sede de direcção efectiva de uma sociedade para um Estado‑Membro diferente daquele em que a sociedade foi constituída – Liberdade de estabelecimento – Artigo 49.° TFUE – Tributação das mais‑valias latentes atinentes aos activos de uma sociedade que faz uma transferência de sede entre Estados‑Membros – Determinação do montante do imposto no momento da transferência da sede – Cobrança imediata do imposto – Proporcionalidade»

Sumário do acórdão

1.        Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Disposições do Tratado – Âmbito de aplicação – Transferência da sede de direcção efectiva de uma sociedade de direito nacional para outro Estado‑Membro

(Artigos 49.º TFUE e 54.º TFUE)

2.        Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Restrições – Legislação fiscal – Transferência da sede de direcção efectiva de uma sociedade de direito nacional para outro Estado‑Membro

(Artigo 49.º TFUE)

3.        Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Restrições – Legislação fiscal – Transferência da sede de direcção efectiva de uma sociedade de direito nacional para outro Estado‑Membro

(Artigo 49.º TFUE)

1.        Uma sociedade constituída segundo o direito de um Estado‑Membro, que transfere a sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro, sem que essa transferência de sede afecte a sua qualidade de sociedade do primeiro Estado‑Membro, pode invocar o artigo 49.° TFUE para efeitos da impugnação da legalidade de um imposto que lhe foi liquidado pelo primeiro Estado‑Membro quando da referida transferência de sede.

É certo que um Estado‑Membro dispõe da faculdade de definir não só o vínculo de conexão exigido a uma sociedade para que esta possa ser considerada constituída em conformidade com o seu direito nacional e susceptível, a esse título, de beneficiar do direito de estabelecimento como o vínculo de conexão exigido para manter essa mesma qualidade posteriormente. Um Estado‑Membro tem, pois, a possibilidade de impor a uma sociedade constituída nos termos da sua ordem jurídica restrições à deslocação da sede da direcção efectiva desta para fora do seu território, para que a mesma possa conservar a personalidade jurídica de que beneficiava nos termos do direito desse mesmo Estado. No entanto, essa faculdade não implica, de modo algum, que as regras do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento não se apliquem à legislação nacional em matéria de constituição e dissolução de sociedades.

(cf. n.os 27, 30, 33, disp. 1)

2.        Embora, de acordo com a sua letra, as disposições relativas à liberdade de estabelecimento se destinem a assegurar o benefício do tratamento nacional no Estado‑Membro de acolhimento, impedem igualmente que o Estado‑Membro de origem levante obstáculos ao estabelecimento noutro Estado‑Membro dos seus nacionais ou de uma sociedade constituída em conformidade com a sua legislação.

Ora, uma legislação nacional por força da qual a transferência da sede da direcção efectiva de uma sociedade de direito neerlandês para outro Estado‑Membro implica a tributação imediata das mais‑valias latentes atinentes aos activos transferidos, ao passo que essas mais‑valias não são tributadas quando essa sociedade transfere a sua sede dentro do território do Estado‑Membro em causa e só são tributadas quando e na medida em que tenham sido efectivamente realizadas, gera uma diferença de tratamento quanto à tributação das mais‑valias e é susceptível de desencorajar uma sociedade de direito neerlandês de proceder à transferência da sua sede para outro Estado‑Membro. Esta diferença de tratamento constitui uma restrição em princípio proibida pelas disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento.

Todavia, a transferência da sede da direcção efectiva da sociedade de um Estado‑Membro para outro não pode significar que o Estado‑Membro de origem tem de renunciar ao seu direito de tributar uma mais‑valia surgida no âmbito da sua competência fiscal, antes da referida transferência. Semelhante legislação visa, com efeito, prevenir comportamentos susceptíveis de comprometer o direito do Estado‑Membro de origem de exercer a sua competência fiscal em relação às actividades realizadas no seu território, pelo que pode ser justificada por motivos conexos com a preservação da repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros e é adequada a garantir essa repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros interessado.

(cf. n.os 35, 37, 41, 46, 48)

3.        O artigo 49.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que:

– não se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual o montante do imposto sobre as mais‑valias latentes atinentes a elementos do património de uma sociedade é fixado definitivamente – sem que sejam levadas em conta as menos‑valias, e tão‑pouco as mais‑valias, susceptíveis de serem realizadas posteriormente – no momento em que a sociedade, devido à transferência da sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro, deixa de auferir lucros tributáveis no primeiro Estado‑Membro; nesse aspecto, é indiferente que as mais‑valias latentes tributadas digam respeito a lucros cambiais que não podem ser expressos no Estado‑Membro de acolhimento, atendendo ao regime fiscal nele em vigor;

– se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que impõe a cobrança imediata do imposto sobre as mais‑valias latentes atinentes a elementos do património de uma sociedade que transfere a sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro, no próprio momento da referida transferência.

Com efeito, uma legislação nacional que oferece, à sociedade que transfere a sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro, a opção entre, por um lado, o pagamento imediato do montante do imposto, que gera uma desvantagem em matéria de tesouraria para essa sociedade, mas a dispensa de ulteriores encargos administrativos, e, por outro, o pagamento diferido do montante do referido imposto, acrescido, se for caso disso, de juros segundo a legislação nacional aplicável, pagamento esse que é necessariamente acompanhado de um encargo administrativo para a sociedade em causa, associado ao seguimento dos activos transferidos, constitui uma medida que, simultaneamente, é adequada a garantir a repartição equilibrada do poder tributário entre os Estados‑Membros e é menos lesiva da liberdade de estabelecimento do que a cobrança imediata do referido imposto.

(cf. n.os 64, 73, 86, disp. 2)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

29 de Novembro de 2011 (*)

«Transferência da sede de direcção efectiva de uma sociedade para um Estado‑Membro diferente daquele em que a sociedade foi constituída – Liberdade de estabelecimento – Artigo 49.° TFUE – Tributação das mais‑valias latentes atinentes aos activos de uma sociedade que faz uma transferência de sede entre Estados‑Membros – Determinação do montante do imposto no momento da transferência da sede – Cobrança imediata do imposto – Proporcionalidade»

No processo C‑371/10,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Gerechtshof Amsterdam (Países Baixos), por decisão de 15 de Julho de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 26 de Julho de 2010, no processo

National Grid Indus BV

contra

Inspecteur van de Belastingdienst Rijnmond/kantoor Rotterdam,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente da Primeira Secção, exercendo funções de presidente, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts (relator) e A. Prechal, presidentes de secção, R. Silva de Lapuerta, K. Schiemann, E. Levits, A. Ó Caoimh, L. Bay Larsen, T. von Danwitz e M. Berger, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 21 de Junho de 2011,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da National Grid Indus BV, por F. Pötgens, belastingadviseur, D. Hofland e E. Pijnacker Hordijk, advocaten,

–        em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels, M. de Ree e J. Langer, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo dinamarquês, por C. Vang, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo alemão, por T. Henze e C. Blaschke, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo espanhol, por M. Muñoz Pérez, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo francês, por G. de Bergues e N. Rouam, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili, avvocato dello Stato,

–        em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e J. Menezes Leitão, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo finlandês, por J. Heliskoski e M. Pere, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo sueco, por A. Falk e S. Johannesson, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por S. Hathaway, na qualidade de agente, assistido por K. Bacon, barrister,

–        em representação da Comissão Europeia, por W. Roels e R. Lyal, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 8 de Setembro de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 49.° TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a National Grid Indus BV (a seguir «National Grid Indus»), sociedade de direito neerlandês com sede social nos Países Baixos, ao Inspecteur van de Belastingdienst Rijnmond/kantoor Rotterdam (inspector do serviço de finanças de Rijnmond/secção de Roterdão, a seguir «inspector»), a propósito da tributação das mais‑valias latentes atinentes aos activos da referida sociedade, quando da transferência da sede da sua direcção efectiva para o Reino Unido.

 Quadro jurídico

 Convenção destinada a evitar a dupla tributação e a prevenir a evasão fiscal

3        O Reino dos Países Baixos e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte celebraram uma convenção destinada a evitar a dupla tributação e a prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento (a seguir «convenção»).

4        O artigo 4.° da convenção estipula:

«1.      Para efeitos da presente convenção, a expressão ‘residente de um dos Estados’ significa qualquer pessoa que, por força da legislação desse Estado, nele está sujeita a tributação em função do seu domicílio, da sua residência, da sede da direcção ou de outra circunstância de natureza análoga [...].

[...]

3.      Se, por força do disposto no n.° 1, uma pessoa que não seja pessoa singular for residente nos dois Estados, considera‑se que é residente no Estado em que se situa a sede da sua direcção efectiva.»

5        Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, da convenção, «[o]s lucros de uma empresa de um dos Estados só são tributáveis nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua actividade no outro Estado através de um estabelecimento estável nele situado. Se a empresa exercer a sua actividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas apenas na parte em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável».

6        O artigo 13.° da convenção estipula:

«1.      Os lucros que um residente de um dos Estados aufere da alienação de bens imóveis […] situados no outro Estado podem ser tributados no outro Estado.

2.      Os lucros auferidos com a alienação de bens móveis que fazem parte do património de um estabelecimento estável que uma empresa de um dos Estados tem no outro Estado […], incluindo os lucros auferidos com a alienação do estabelecimento estável (isolado ou com toda a empresa), […] podem ser tributados nesse outro Estado.

3.      Os lucros auferidos com a alienação de navios ou de aeronaves explorados no tráfego internacional […] só são tributáveis no Estado em que se situa a sede da direcção efectiva da empresa.

4.      Os lucros auferidos com a alienação de bens diferentes dos referidos nos n.os 1, 2 e 3 deste artigo só são tributáveis no Estado em que o alienante é residente.»

 Legislação neerlandesa

7        O artigo 16.° da Lei de 1964 relativa ao imposto sobre o rendimento (Wet op de inkomstenbelasting 1964, a seguir «Wet IB») dispõe:

«Os lucros de uma empresa que ainda não tenham sido contabilizados […] são adicionados aos lucros do ano civil em que aquele por conta de quem a empresa é explorada deixou de auferir, dessa empresa, lucros tributáveis nos Países Baixos […]»

8        Por força do artigo 8.° da Lei de 1969 relativa ao imposto sobre as sociedades (Wet op de vennootschapsbelasting 1969, a seguir «Wet VPB»), o artigo 16.° da Wet IB é aplicável por analogia à cobrança do imposto sobre as sociedades.

9        Nos termos do artigo 2.°, n.° 4, da Wet VPB, «[s]e um organismo tiver sido constituído nos termos do direito neerlandês, continua a considerar‑se, para efeitos de aplicação desta lei […], que esse organismo tem sede nos Países Baixos».

 Factos na origem do litígio no processo principal e questões prejudiciais

10      A National Grid Indus é uma sociedade por quotas constituída segundo o direito neerlandês. Até 15 de Dezembro de 2000, tinha a sede da sua direcção efectiva nos Países Baixos.

11      Esta sociedade é titular, desde 10 de Junho de 1996, de um crédito de 33 113 000 GBP sobre a National Grid Company plc, sociedade com sede no Reino Unido.

12      Na sequência da valorização da taxa de câmbio da libra esterlina relativamente ao florim neerlandês, gerou‑se, sobre esse crédito, um lucro cambial não realizado. Em 15 de Dezembro de 2000, esse lucro ascendia a 22 128 160 NLG.

13      Nessa data, a National Grid Indus transferiu a sede da sua direcção efectiva para o Reino Unido. Nos termos do artigo 2.°, n.° 4, da Wet VPB, a National Grid Indus continuou, em princípio, a ser tributável na totalidade dos seus rendimentos nos Países Baixos, visto que fora constituída segundo o direito neerlandês. Contudo, por força do artigo 4.°, n.° 3, da convenção, que prevalece sobre o direito nacional, a National Grid Indus devia, após a transferência da sede da sua direcção efectiva, ser considerada residente no Reino Unido. Uma vez que, após a transferência da sua sede, a National Grid Indus deixou de ter, nos Países Baixos, um estabelecimento estável na acepção da convenção, após a referida transferência, o direito de tributar os lucros e as mais‑valias dessa sociedade cabia exclusivamente ao Reino Unido, nos termos dos artigos 7.°, n.° 1, e 13.°, n.° 4, da convenção.

14      Em consequência da aplicação da convenção, a National Grid Indus deixou de auferir um lucro tributável nos Países Baixos, na acepção do artigo 16.° da Wet IB, pelo que, por força da referida disposição, em conjugação com o artigo 8.° da Wet VPB, foi necessário fazer a contabilização final das mais‑valias latentes existentes à data da transferência da sede dessa empresa. Assim, o inspector decidiu que devia ser tributado à National Grid Indus, designadamente, o lucro cambial mencionado no n.° 12 do presente acórdão.

15      A National Grid Indus impugnou a referida decisão do inspector no rechtbank Haarlem, que, por sentença de 17 de Dezembro de 2007, confirmou a referida decisão.

16      A National Grid Indus interpôs então recurso de apelação da sentença do rechtbank Haarlem no Gerechtshof Amsterdam.

17      O órgão jurisdicional de reenvio considera, em primeiro lugar, que a National Grid Indus pode invocar a liberdade de estabelecimento para contestar as consequências fiscais que os Países Baixos, enquanto Estado‑Membro de origem, atribuem à transferência da sede da direcção efectiva dessa sociedade para outro Estado‑Membro. Uma vez que a existência e o funcionamento da referida sociedade não são afectados pela legislação nacional em causa, dado aquela ter sido constituída segundo o direito neerlandês, o presente processo principal distingue‑se dos que deram origem aos acórdãos de 27 de Setembro de 1988, Daily Mail and General Trust (81/87, Colect., p. 5483), e de 16 de Dezembro de 2008, Cartesio (C‑210/06, Colect., p. I‑9641). Não obstante, subsiste uma dúvida sobre esta questão.

18      Em seguida, o órgão jurisdicional de reenvio entende que um imposto como o que está em causa no processo principal constitui um entrave à liberdade de estabelecimento. Contudo, a medida nacional na origem desse imposto pode mostrar‑se justificada pelo objectivo de assegurar um repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros, em consonância com o princípio da territorialidade fiscal associado a um elemento temporal. Neste sentido, o órgão jurisdicional de reenvio explica que o artigo 16.° da Wet IB assenta na ideia de que todos os lucros gerados por uma sociedade residente devem ser tributados nos Países Baixos. Quando cessa esta sujeição a imposto nos Países Baixos, na sequência da transferência da sede da direcção efectiva da sociedade em causa, as mais‑valias latentes atinentes aos activos desta, que ainda não foram tributados nos Países Baixos, devem considerar‑se lucros realizados e, por isso, ser tributados.

19      O órgão jurisdicional de reenvio entende, contudo, que não se exclui que, de acordo com a jurisprudência resultante dos acórdãos de 11 de Março de 2004, de Lasteyrie du Saillant (C‑9/02, Colect., p. I‑2409), e de 7 de Setembro de 2006, N (C‑470/04, Colect., p. I‑7409), a tributação da contabilização final, conforme está prevista na legislação em causa no processo principal, pode ser considerada desproporcionada, dado que implica uma dívida tributária imediatamente cobrável e que não leva em conta as menos‑valias realizadas após a transferência da sede da empresa interessada. O órgão jurisdicional de reenvio considera que subsiste uma dúvida igualmente sobre este ponto. A este respeito, acrescenta que o diferimento da tributação para o momento da efectiva realização das mais‑valias pode suscitar problemas práticos insolúveis.

20      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, no caso vertente, nenhuma menos‑valia é susceptível de ser realizada posteriormente à transferência da sede da direcção efectiva da National Grid Indus, uma vez que essa transferência implicou o desaparecimento do risco cambial para um crédito expresso em libras esterlinas. Com efeito, após essa transferência, essa sociedade estava obrigada a calcular o seu lucro tributável nessa moeda.

21      Nestas condições, o Gerechtshof Amsterdam decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Uma sociedade, constituída em conformidade com a legislação de um determinado Estado‑Membro, que transfira a sua sede efectiva desse para outro Estado‑Membro e a quem o primeiro Estado‑Membro imponha uma tributação de regularização final, por ocasião dessa transferência da sede social, pode, no actual estado do direito comunitário, invocar contra esse Estado‑Membro o artigo 43.° CE (actual artigo 49.° TFUE)?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão: uma tributação de regularização final como a que está em causa, que também incide sobre as mais‑valias dos activos transferidos do Estado‑Membro de saída para o Estado‑Membro de acolhimento existentes à data da transferência da sede social, sem diferimento do pagamento e sem a possibilidade de tomar em conta as menos‑valias posteriores, é incompatível com o artigo 43.° CE (actual artigo 49.° TFUE), no sentido de que uma tal tributação de regularização final não pode ser justificada pela necessidade de repartir a competência fiscal entre os Estados‑Membros?

3)      [A] resposta à questão anterior também [depende do] facto de a tributação de regularização final em apreço se referir a lucros (cambiais) acumulados sob a jurisdição fiscal neerlandesa, [quando] estes lucros não pod[em] ser expressos no país de acolhimento por força do regime fiscal aí vigente?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

22      Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se uma sociedade constituída segundo o direito de um Estado‑Membro, que transfere a sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro e é sujeita pelo primeiro Estado‑Membro a tributação quando dessa transferência, pode invocar o artigo 49.° TFUE contra esse Estado‑Membro.

23      Os Governos neerlandês, alemão, italiano, português, finlandês, sueco e do Reino Unido sustentam que o artigo 49.° TFUE deixa intacta a competência dos Estados‑Membros para adoptar legislação, incluindo normas de natureza tributária relativas às transferências das sedes de empresas entre Estados‑Membros. A interpretação deste artigo dada pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos Daily Mail and General Trust, já referido, não diz respeito somente às condições para a constituição e o funcionamento das sociedades previstas no direito nacional das sociedades.

24      Neste sentido, os referidos governos explicam que a National Grid Indus, precisamente devido à transferência da sede da sua direcção efectiva, deixa de estar sujeita à lei tributária do seu Estado‑Membro de origem. Os Países Baixos perdem toda e qualquer competência tributária no tocante aos rendimentos provenientes da actividade da referida sociedade. O imposto em causa no processo principal está, pois, estreitamente ligado às disposições do direito nacional das sociedades que determinam as condições para a constituição das sociedades e para a transferência da sede destas, e esse imposto constitui uma consequência directa dessas disposições.

25      A este respeito, importa recordar que, de acordo com o artigo 54.° TFUE, as sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado‑Membro e que tenham a sua sede social, administração central ou estabelecimento principal na União são, para efeitos das disposições do Tratado FUE relativas à liberdade de estabelecimento, equiparadas às pessoas singulares, nacionais dos Estados‑Membros.

26      Na falta de uma definição uniforme, dada pelo direito da União, das sociedades que podem beneficiar do direito de estabelecimento, em função de um critério de conexão único que determine o direito nacional aplicável a uma sociedade, a questão de saber se o artigo 49.° TFUE se aplica a uma sociedade que invoca a liberdade fundamental consagrada por este artigo, tal como, de resto, a questão de saber se uma pessoa singular é um nacional de um Estado‑Membro que pode, a esse título, beneficiar dessa liberdade, constitui uma questão prévia que, no estado actual do direito da União, apenas pode encontrar resposta no direito nacional aplicável. Por conseguinte, só quando essa sociedade beneficia efectivamente da liberdade de estabelecimento à luz das condições enunciadas no artigo 54.° TFUE se coloca a questão de saber se a mesma está a ser alvo de uma restrição a essa liberdade na acepção do artigo 49.° TFUE (v. acórdãos Daily Mail and General Trust, já referido, n.os 19 a 23; de 5 de Novembro de 2002, Überseering, C‑208/00, Colect., p. I‑9919, n.os 67 a 70, e Cartesio, já referido, n.° 109).

27      Assim, um Estado‑Membro dispõe da faculdade de definir não só o vínculo de conexão exigido a uma sociedade para que esta possa ser considerada constituída em conformidade com o seu direito nacional e susceptível, a esse título, de beneficiar do direito de estabelecimento como o vínculo de conexão exigido para manter essa mesma qualidade posteriormente (acórdão Cartesio, já referido, n.° 110). Um Estado‑Membro tem, pois, a possibilidade de impor a uma sociedade constituída nos termos da sua ordem jurídica restrições à deslocação da sede da direcção efectiva desta para fora do seu território, para que a mesma possa conservar a personalidade jurídica de que beneficiava nos termos do direito desse mesmo Estado (acórdão Überseering, já referido, n.° 70).

28      No processo principal, a transferência da sede da direcção efectiva da National Grid Indus para o Reino Unido não afectou, no entanto, a qualidade dessa empresa de sociedade de direito neerlandês, decorrente desse direito, que aplica, no tocante às sociedades, a teoria da constituição.

29      Os Governos neerlandês, alemão, italiano, português, finlandês, sueco e do Reino Unido sustentam, contudo, que, se um Estado‑Membro é competente para exigir a dissolução e a liquidação de uma sociedade que emigra, esse Estado‑Membro deve também ser considerado competente para impor exigências fiscais se aplicar o sistema – mais vantajoso do ponto de vista do mercado interno – da transferência de sede com conservação da personalidade jurídica.

30      No entanto, a faculdade a que se aludiu no n.° 27 do presente acórdão não implica, de modo algum, que as regras do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento não se apliquem à legislação nacional em matéria de constituição e dissolução de sociedades (v. acórdão Cartesio, já referido, n.° 112).

31      A legislação nacional em causa no processo principal não diz respeito à determinação das condições exigidas, por um Estado‑Membro, a uma sociedade constituída segundo a sua legislação para que esta possa conservar a sua qualidade de sociedade do referido Estado‑Membro após a transferência da sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro. Pelo contrário, para as sociedades constituídas segundo o direito nacional, a referida legislação limita‑se a associar consequências fiscais à transferência de sede entre Estados‑Membros, sem que essa transferência de sede afecte a qualidade daquelas de sociedades do Estado‑Membro em causa.

32      No processo principal, uma vez que a transferência da sede da direcção efectiva da National Grid Indus para o Reino Unido não afectou a qualidade daquela de sociedade de direito neerlandês, a referida transferência não teve repercussões na possibilidade de a referida sociedade invocar o artigo 49.° TFUE. Enquanto sociedade constituída segundo a legislação de um Estado‑Membro e que tem a sua sede social e a sua administração central dentro da União, aquela beneficia, em consonância com o artigo 54.° TFUE, do disposto no Tratado relativamente à liberdade de estabelecimento, pelo que pode invocar os direitos que o artigo 49.° TFUE lhe confere, nomeadamente para efeitos da impugnação da legalidade de um imposto que lhe foi liquidado pelo referido Estado‑Membro, quando da transferência da sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro.

33      Há, pois, que responder à primeira questão que uma sociedade constituída segundo o direito de um Estado‑Membro, que transfere a sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro, sem que essa transferência de sede afecte a sua qualidade de sociedade do primeiro Estado‑Membro, pode invocar o artigo 49.° TFUE para efeitos da impugnação da legalidade de um imposto que lhe foi liquidado pelo primeiro Estado‑Membro quando da referida transferência de sede.

 Quanto à segunda e terceira questões

34      Com a segunda e terceira questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 49.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação fiscal de um Estado‑Membro, como a em causa no processo principal, por força da qual as mais‑valias latentes atinentes aos elementos do património de um sociedade, que foi constituída segundo o direito desse Estado‑Membro e transfere a sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro, são tributadas pelo primeiro Estado‑Membro no momento da referida transferência, sem que a referida legislação, por um lado, preveja a suspensão do pagamento do imposto liquidado à referida sociedade, até ao momento da efectiva realização dessas mais‑valias, e, por outro, leve em conta as menos‑valias susceptíveis de serem realizadas posteriormente à transferência da referida sede. Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a interpretação do artigo 49.° TFUE é afectada pela circunstância de as mais‑valias latentes tributadas serem atinentes a lucros cambiais que não podem ser expressos no Estado‑Membro de acolhimento, atendendo ao regime fiscal que nele vigora.

 Quanto à existência de uma restrição à liberdade de estabelecimento

35      O artigo 49.° TFUE impõe a supressão das restrições à liberdade de estabelecimento. Embora, de acordo com a sua letra, as disposições relativas à liberdade de estabelecimento se destinem a assegurar o benefício do tratamento nacional no Estado‑Membro de acolhimento, impedem igualmente que o Estado de origem levante obstáculos ao estabelecimento noutro Estado‑Membro dos seus nacionais ou de uma sociedade constituída em conformidade com a sua legislação (v. acórdãos de 16 de Julho de 1998, ICI, C‑264/96, Colect., p. I‑4695, n.° 21; de 6 de Dezembro de 2007, Columbus Container Services, C‑298/05, Colect., p. I‑10451, n.° 33; de 23 de Outubro de 2008, Krankenheim Ruhesitz am Wannsee‑Seniorenheimstatt, C‑157/07, Colect., p. I‑8061, n.° 29; e de 15 de Abril de 2010, CIBA, C‑96/08, Colect., p. I‑2911, n.° 18).

36      É igualmente jurisprudência assente que devem ser consideradas restrições à liberdade de estabelecimento todas as medidas que proíbam, perturbem ou tornem menos atractivo o exercício dessa liberdade (v. acórdãos de 5 de Outubro de 2004, CaixaBank France, C‑442/02, Colect., p. I‑8961, n.° 11; Columbus Container Services, já referido, n.° 34; Krankenheim Ruhesitz am Wannsee‑Seniorenheimstatt, já referido, n.° 30; e CIBA, já referido, n.° 19).

37      No litígio no processo principal, verifica‑se que uma sociedade de direito neerlandês que pretende transferir a sede da sua direcção efectiva para fora do território neerlandês, no âmbito do exercício do direito que o artigo 49.° TFUE lhe garante, sofre uma desvantagem de tesouraria, por comparação com uma sociedade semelhante que mantém a sede da sua direcção efectiva nos Países Baixos. Com efeito, por força da legislação nacional em causa no processo principal, a transferência da sede da direcção efectiva de uma sociedade de direito neerlandês para outro Estado‑Membro implica a tributação imediata das mais‑valias latentes atinentes aos activos transferidos, ao passo que essas mais‑valias não são tributadas quando essa sociedade transfere a sua sede dentro do território neerlandês. As mais‑valias atinentes aos activos de uma sociedade que procede à transferência de sede dentro do Estado‑Membro em causa só são tributadas quando e na medida em que tenham sido efectivamente realizadas. Esta diferença de tratamento quanto à tributação das mais‑valias é susceptível de desencorajar uma sociedade de direito neerlandês de proceder à transferência da sua sede para outro Estado‑Membro (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, de Lasteyrie du Saillant, n.° 46, e N, n.° 35).

38      A diferença de tratamento assim verificada não se explica por uma diferença de situação objectiva. Com efeito, relativamente à legislação de um Estado‑Membro que visa tributar as mais‑valias geradas no seu território, a situação de uma sociedade constituída segundo a legislação do referido Estado‑Membro que transfere a sua sede para outro Estado‑Membro é semelhante à de uma sociedade igualmente constituída segundo a legislação do primeiro Estado‑Membro e que mantém a sua sede nesse Estado‑Membro, no que respeita à tributação das mais‑valias atinentes aos activos, que foram geradas no primeiro Estado‑Membro antes da transferência de sede.

39      Os Governos espanhol, francês e português explicam ainda que uma sociedade como a recorrente no processo principal não sofre nenhuma desvantagem relativamente a uma sociedade que transferiu a sua sede dentro de um Estado‑Membro. Atendendo a que o lucro cambial, em florins neerlandeses, sobre um crédito expresso em libras esterlinas desapareceu quando da transferência da sede da direcção efectiva da National Grid Indus para o Reino Unido, esta sociedade foi tributada, segundo os referidos governos, sobre uma mais‑valia realizada. Em contrapartida, uma transferência de sede dentro do Estado‑Membro em causa não daria lugar à realização de nenhuma mais‑valia.

40      Há que rejeitar semelhante argumentação. O imposto em causa no litígio no processo principal não incide sobre mais‑valias realizadas. O lucro cambial tributado no âmbito do processo principal respeita, com efeito, a uma mais‑valia latente que não gerou nenhum lucro em proveito da National Grid Indus. Esta mais‑valia latente não teria sido tributada se a National Grid Indus tivesse transferido a sede da sua direcção efectiva dentro do território neerlandês.

41      Daqui se conclui que a diferença de tratamento a que estão sujeitas, no âmbito das disposições nacionais em causa no processo principal, as sociedades de direito neerlandês que transferem a sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro, relativamente às sociedades de direito neerlandês que transferem a sede da sua direcção efectiva dentro do território neerlandês, constitui uma restrição em princípio proibida pelas disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento.

 Quanto à justificação da restrição à liberdade de estabelecimento

42      Resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que uma restrição da liberdade de estabelecimento só pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral. Mas é ainda necessário, em tal caso, que seja adequada para garantir a realização do objectivo em causa e que não ultrapasse o que é necessário para atingir esse objectivo (acórdãos de 13 de Dezembro de 2005, Marks & Spencer, C‑446/03, Colect., p. I‑10837, n.° 35; de 12 de Setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas, C‑196/04, Colect., p. I‑7995, n.° 47; de 13 de Março de 2007, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, C‑524/04, Colect., p. I‑2107, n.° 64; e de 18 de Junho de 2009, Aberdeen Property Fininvest Alpha, C‑303/07, Colect., p. I‑5145, n.° 57).

43      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a restrição à liberdade de estabelecimento mostra‑se justificada pelo objectivo de assegurar uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros, em consonância com o princípio da territorialidade fiscal associado a um elemento temporal. Com efeito, o Estado‑Membro interessado só exerce o seu poder de tributação sobre as mais‑valias geradas no seu território durante o período em que a National Grid Indus nele tinha a sua residência fiscal.

44      Contudo, a National Grid Indus entende que semelhante objectivo não pode justificar a restrição constatada, uma vez que o imposto em causa no litígio no processo principal não incide sobre um lucro real.

45      A este respeito, há que recordar, por um lado, que a preservação da repartição do poder tributário entre os Estados‑Membros é um objectivo legítimo reconhecido pelo Tribunal de Justiça (v., neste sentido, acórdãos Marks & Spencer, já referido, n.° 45; N, já referido, n.° 42; de 18 de Julho de 2007, Oy AA, C‑231/05, Colect., p. I‑6373, n.° 51; e de 15 de Maio de 2008, Lidl Belgium, C‑414/06, Colect., p. I‑3601, n.° 31). Por outro, resulta de jurisprudência assente que, na falta de medidas de unificação ou de harmonização adoptadas pela União, os Estados‑Membros continuam a ser competentes para determinar, por via convencional ou unilateral, os critérios de repartição do seu poder tributário de modo a, nomeadamente, eliminarem a dupla tributação (acórdão de 19 de Novembro de 2009, Comissão/Itália, C‑540/07, Colect., p. I‑10983, n.° 29 e jurisprudência referida).

46      A transferência da sede da direcção efectiva da sociedade de um Estado‑Membro para outro não pode significar que o Estado‑Membro de origem tem de renunciar ao seu direito de tributar uma mais‑valia surgida no âmbito da sua competência fiscal, antes da referida transferência (v., neste sentido, acórdão de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, C‑374/04, Colect., p. I‑11673, n.° 59). Assim, o Tribunal decidiu que, em conformidade com o princípio da territorialidade fiscal, associado a um elemento temporal, ou seja, a residência fiscal do contribuinte no território nacional durante o período em que as mais‑valias latentes surgiram, um Estado‑Membro pode tributar as referidas mais‑valias no momento em que aquele emigra (v. acórdão N, já referido, n.° 46). Semelhante medida visa, com efeito, prevenir comportamentos susceptíveis de comprometer o direito do Estado‑Membro de origem de exercer a sua competência fiscal em relação às actividades realizadas no seu território, pelo que pode ser justificada por motivos conexos com a preservação da repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros (v. acórdãos Marks & Spencer, já referido, n.° 46; Oy AA, já referido, n.° 54; e de 21 de Janeiro de 2010, SGI, C‑311/08, Colect., p. I‑487, n.° 60).

47      Resulta da decisão de reenvio que, em consonância com o artigo 7.°, n.° 1, da convenção, a National Grid Indus, após a transferência da sede da sua direcção efectiva para o Reino Unido, era considerada uma sociedade residente deste último Estado‑Membro. Uma vez que, devido à referida transferência de sede, a National Grid Indus deixou de auferir lucros tributáveis nos Países Baixos, foi elaborada uma contabilização final, nos termos do artigo 16.° da Wet IB, no tocante às mais‑valias atinentes aos activos dessa sociedade existentes nos Países Baixos no momento da transferência da sede daquela para o Reino Unido. As mais‑valias realizadas posteriormente à transferência da referida sede são, nos termos do artigo 13.°, n.° 4, da convenção, tributadas neste último Estado‑Membro.

48      Tendo em conta estes elementos, uma legislação como a em causa no processo principal é adequada a garantir a preservação do poder de tributação entre os Estados‑Membros. Com efeito, a tributação da contabilização final no momento da transferência da sede da direcção efectiva de uma sociedade destina‑se a sujeitar ao imposto sobre os lucros do Estado‑Membro de origem as mais‑valias não realizadas, surgidas no âmbito da competência fiscal desse Estado‑Membro, antes da transferência da referida sede. As mais‑valias latentes atinentes a um bem económico são, assim, tributadas no Estado‑Membro em que surgiram. As mais‑valias realizadas posteriormente à transferência da sede da referida sociedade são tributadas exclusivamente no Estado‑Membro de acolhimento em que surgiram, o que permite evitar a dupla tributação das mesmas.

49      Há que rejeitar o argumento da National Grid Indus de que o imposto em causa no litígio no processo principal não pode ser justificado, uma vez que incide sobre uma mais‑valia latente, e não sobre uma mais‑valia realizada. Com efeito, como sublinham os vários governos que apresentaram observações no Tribunal de Justiça, um Estado‑Membro pode tributar o valor económico gerado por uma mais‑valia latente no seu território, mesmo que a mais‑valia em causa não tenha sido efectivamente realizada.

50      Importa igualmente analisar se uma medida como a em causa no processo principal não ultrapassa o que é necessário para alcançar o objectivo que prossegue (acórdão de 30 de Junho de 2011, Meilicke e o., C‑262/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 42 e jurisprudência referida).

51      Recorde‑se nesse sentido que, segundo a legislação nacional em causa no processo principal, tanto a determinação do montante da dívida fiscal como a cobrança desta têm lugar no momento em que a sociedade em questão deixa de auferir lucros tributáveis nos Países Baixos, no caso vertente no momento da transferência da sede da direcção efectiva daquela para outro Estado‑Membro. Para efeitos de apreciar a proporcionalidade de semelhante legislação, há que estabelecer uma distinção entre a determinação do montante do imposto e a cobrança deste.

–       Quanto à determinação definitiva do montante do imposto no momento em que a sociedade transfere a sua sede de direcção efectiva para outro Estado‑Membro

52      Como assinalou a advogada‑geral nos n.os 55 e 56 das suas conclusões, a determinação do montante do imposto no momento da transferência da sede da direcção efectiva de uma sociedade respeita o princípio da proporcionalidade, atendendo ao objectivo da legislação nacional em causa no processo principal, que é sujeitar a imposto no Estado‑Membro de origem as mais‑valias surgidas no âmbito da competência fiscal desse Estado‑Membro. Com efeito, é proporcionado que o Estado‑Membro de origem, para salvaguardar o exercício da sua competência fiscal, determine o imposto devido sobre as mais‑valias surgidas no seu território no momento em que deixa de existir o seu poder de tributação relativamente à sociedade em causa, no caso vertente, no momento da transferência da sede da direcção efectiva desta para outro Estado‑Membro.

53      Contudo, a Comissão Europeia, aludindo ao acórdão N, já referido, sustenta que, à luz do princípio da proporcionalidade, o Estado‑Membro de origem é obrigado a levar em conta as menos‑valias produzidas entre o momento da transferência da sede da sociedade e a realização dos elementos dos activos em causa, caso o regime tributário do Estado‑Membro de acolhimento não leve em conta essas menos‑valias.

54      Recorde‑se que, no acórdão N, já referido, que dizia respeito a legislação nacional que sujeitava um particular, quando da transferência do seu domicílio fiscal para outro Estado‑Membro, a imposto sobre as mais‑valias latentes atinentes a uma participação significativa que esse particular tinha numa sociedade, o Tribunal de Justiça decidiu que só se pode considerar proporcional, tendo em conta o objectivo de garantir a repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros, um sistema fiscal que permita a dedução por inteiro das menos‑valias susceptíveis de ocorrer posteriormente à transferência de domicílio do contribuinte em causa, a não ser que essas menos‑valias já tenham sido objecto de dedução no Estado‑Membro de acolhimento (acórdão N, já referido, n.° 54).

55      Ainda que a transferência, pela National Grid Indus, da sede da sua direcção efectiva para o Reino Unido tenha acarretado o desaparecimento do risco cambial para o crédito em causa no processo principal, expresso em libras esterlinas, uma menos‑valia atinente a esse crédito poderia, não obstante, surgir após a referida transferência, por exemplo, no caso de a sociedade não obter o reembolso da totalidade da dívida.

56      Contudo, ao invés do que sucedia no caso que deu origem ao acórdão N, já referido, no presente processo principal, a não consideração, pelo Estado‑Membro de origem, das menos‑valias realizadas posteriormente à transferência da sede da direcção efectiva de uma sociedade não pode ser considerada desproporcionada relativamente ao objectivo prosseguido pela legislação em causa no processo principal.

57      Com efeito, os activos de uma sociedade são directamente afectados a actividades económicas destinadas a gerar um lucro. Por outro lado, o alcance do lucro tributável de uma sociedade é parcialmente influenciado pela valorização dos activos no seu balanço, na medida em que as amortizações reduzem a matéria colectável.

58      Uma vez que, numa situação como a em causa no processo principal, os lucros da sociedade que transferiu a sede da sua direcção efectiva só são tributados, após a referida transferência, no Estado‑Membro de acolhimento, em consonância com o princípio da territorialidade fiscal associado a um elemento temporal, também cabe a esse Estado‑Membro, atendendo ao nexo supramencionado entre os activos de uma sociedade e os seus lucros tributáveis e, portanto, por razões relativas à simetria entre o direito de tributar os lucros e a faculdade de deduzir os prejuízos, levar em conta, no seu regime fiscal, as flutuações do valor dos activos da sociedade em causa ocorridas desde o momento em que o Estado‑Membro de origem perdeu todo e qualquer vínculo de conexão tributária com a referida sociedade.

59      Nestas condições, o Estado‑Membro de origem não é obrigado, contrariamente ao que a Comissão sugere, a levar em conta as eventuais perdas cambiais ocorridas após a transferência, pela National Grid Indus, da sede da sua direcção efectiva para o Reino Unido, até ao reembolso ou cessão do crédito detido pela referida sociedade. O imposto devido sobre as mais‑valias latentes é determinado, com efeito, no momento em que o poder do Estado‑Membro de origem de tributar a sociedade em causa deixa de existir, no caso vertente no momento da transferência da sede da referida sociedade. Tanto a consideração, pelo Estado‑Membro de origem, de um lucro cambial como a consideração de uma perda cambial, ocorridos posteriormente à transferência da sede da direcção efectiva, não só podem pôr em causa a repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros mas também levar a duplas tributações ou a duplas deduções de prejuízos. É o que sucederia, nomeadamente, se uma sociedade que detém um crédito como o que está em causa no processo principal, expresso em libras esterlinas, transferisse a sua sede de um Estado‑Membro cuja divisa é o euro para outro Estado‑Membro da zona euro.

60      A circunstância de, numa situação como a em causa no processo principal, a transferência da sede da direcção efectiva da sociedade para o Reino Unido ter acarretado o desaparecimento do risco cambial, dado o crédito, expresso em libras esterlinas, ter sido também lançado nessa moeda no balanço da sociedade após a transferência da referida sede, é, nesse sentido, irrelevante. Com efeito, é em consonância com o princípio da territorialidade fiscal associado a um elemento temporal, a saber, a residência fiscal no território nacional durante o período em que o lucro tributável surgiu, que a mais‑valia gerada no Estado‑Membro de origem é tributada no momento da transferência da sede da direcção efectiva da sociedade em causa.

61      Por outro lado, como resulta do n.° 58 do presente acórdão, o regime fiscal do Estado‑Membro de acolhimento, em princípio, leva em conta, no momento da realização dos activos da empresa em causa, as mais mais‑valias e menos‑valias realizadas sobre esses activos após a transferência da sede desta. No entanto, a eventual não consideração de menos‑valias pelo Estado‑Membro de acolhimento não impõe nenhuma obrigação, para o Estado‑Membro de origem, de reavaliar, no momento da realização do activo em causa, uma dívida fiscal que foi definitivamente determinada no momento em que a sociedade em causa deixou de estar sujeita a imposto neste último Estado‑Membro, devido à transferência da sede da sua direcção efectiva.

62      Recorde‑se, a este respeito, que o Tratado não garante a um sociedade abrangida pelo artigo 54.° TFUE que a transferência da sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro seja neutra em termos de impostos. Tendo em conta as disparidades entre as legislações dos Estados‑Membros na matéria, essa transferência pode, consoante os casos, ser mais ou menos vantajosa ou desvantajosa para o cidadão, no plano da tributação (v., neste sentido, acórdãos de 15 de Julho de 2004, Lindfors, C‑365/02, Colect., p. I‑7183, n.° 34; de 12 de Julho de 2005, Schempp, C‑403/03, Colect., p. I‑6421, n.° 45; e de 20 de Maio de 2008, Orange European Smallcap Fund, C‑194/06, Colect., p. I‑3747, n.° 37). A liberdade de estabelecimento não pode, pois, ser entendida no sentido de que um Estado‑Membro é obrigado a estabelecer as suas regras fiscais em função das de outro Estado‑Membro a fim de garantir, em todas as situações, uma tributação que elimine qualquer disparidade decorrente das legislações fiscais nacionais (v. acórdão de 28 de Fevereiro de 2008, Deutsche Shell, C‑293/06, Colect., p. I‑1129, n.° 43).

63      Importa ainda sublinhar que a situação fiscal de uma sociedade como a em causa no processo principal, que tem um crédito expresso em libras esterlinas e transfere a sede da sua direcção efectiva dos Países Baixos para o Reino Unido, comparada com a de uma sociedade que tem um crédito idêntico, mas transfere a sua sede dentro do primeiro desses Estados‑Membros, não é necessariamente desvantajosa.

64      Resulta do exposto que o artigo 49.° TFUE não se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual o montante do imposto sobre as mais‑valias latentes atinentes a elementos do património de uma sociedade é fixado definitivamente – sem que sejam levadas em conta as menos‑valias, e tão‑pouco as mais‑valias, susceptíveis de serem realizadas posteriormente – no momento em que a sociedade, devido à transferência da sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro, deixa de auferir lucros tributáveis no primeiro Estado‑Membro. Nesse aspecto, é indiferente que as mais‑valias latentes tributadas digam respeito a lucros cambiais que não podem ser expressos no Estado‑Membro de acolhimento, atendendo ao regime fiscal nele em vigor.

–       Quanto à cobrança imediata do imposto no momento em que a sociedade transfere a sua sede de direcção efectiva para outro Estado‑Membro

65      Segundo a National Grid Indus e a Comissão, a cobrança imediata do imposto no momento da transferência da sede de direcção efectiva de uma sociedade para outro Estado‑Membro é desproporcionada. A sua cobrança no momento da efectiva realização das mais‑valias constitui uma medida menos severa do que a prevista na legislação em causa no processo principal, que não ameaça a repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros.

66      A Comissão acrescenta que os encargos administrativos que a cobrança diferida do imposto implicaria não são excessivos. Uma simples declaração anual assinada pela referida sociedade, indicando que esta continua a estar na posse dos activos transferidos, acompanhada de uma declaração efectuada no momento da efectiva cessão do activo, poderá ser suficiente para permitir ao Estado‑Membro de origem cobrar, no momento da realização do activo, o imposto devido sobre as mais‑valias latentes.

67      Em contrapartida, os dez governos que apresentaram observações no Tribunal de Justiça alegam que a cobrança imediata da dívida fiscal no momento da transferência da sede da direcção efectiva da sociedade em causa respeita o princípio da proporcionalidade. O diferimento da cobrança até ao momento da realização das mais‑valias não constitui uma solução alternativa equivalente e eficaz e pode comprometer o objectivo de interesse geral procurado pela legislação em causa no processo principal. Esses governos insistem, a este respeito, que a cobrança diferida do imposto implicaria necessariamente que os vários elementos do activo relativamente aos quais se verificou uma mais‑valia no momento da transferência da sede dessa sociedade pudessem ser seguidos no Estado‑Membro de acolhimento até ao momento da sua realização. Ora, a organização desse seguimento implicaria encargos excessivos tanto para a referida sociedade como para a Administração Fiscal.

68      Quanto a este aspecto, há que observar que a cobrança da dívida fiscal no momento da efectiva realização, no Estado‑Membro de acolhimento, do activo relativamente ao qual as autoridades do Estado‑Membro de origem verificaram uma mais‑valia quando da transferência da sede da direcção efectiva de uma sociedade para o primeiro Estado‑Membro tende a evitar os problemas de tesouraria que a cobrança imediata do imposto devido sobre as mais‑valias latentes pode gerar.

69      Quanto aos encargos administrativos que essa cobrança diferida do imposto pode gerar, importa notar que a transferência da sede da direcção efectiva de uma sociedade pode ser acompanhada pela transferência de um grande número de activos. O Governo neerlandês sublinha, a este respeito, que a situação em causa no processo principal é atípica, uma vez que só está em causa a mais‑valia atinente a um crédito detido pela National Grid Indus.

70      Daqui se conclui, como observou a advogada‑geral no n.° 69 das suas conclusões, que a situação patrimonial de uma sociedade se pode apresentar de tal forma complexa que um seguimento transfronteiriço preciso do destino reservado a todos os elementos do activo fixo ou circulante dessa sociedade seja, até à realização das mais‑valias latentes nele existentes, quase impossível de efectuar e que semelhante seguimento implicaria esforços que representam um encargo considerável, senão excessivo, para a sociedade em causa.

71      Assim, não se pode excluir que o encargo administrativo gerado pela declaração anual sugerida pela Comissão, que diz necessariamente respeito a cada elemento do património relativamente ao qual se verificou uma mais‑valia no momento da transferência da sede da direcção efectiva da sociedade em causa, por si só acarretaria para esta um entrave à liberdade de estabelecimento que não é necessariamente menos lesivo dessa liberdade do que a cobrança imediata da dívida fiscal correspondente a essa mais‑valia.

72      Em contrapartida, noutras situações, a natureza e extensão do património da sociedade permitem assegurar facilmente o seguimento transfronteiriço dos elementos do referido património relativamente aos quais se verificou uma mais‑valia no momento em que a sociedade em causa transferiu a sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro.

73      Nestas condições, uma legislação nacional que oferece, à sociedade que transfere a sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro, a opção entre, por um lado, o pagamento imediato do montante do imposto, que gera uma desvantagem em matéria de tesouraria para essa sociedade, mas a dispensa de ulteriores encargos administrativos, e, por outro, o pagamento diferido do montante do referido imposto, acrescido, se for caso disso, de juros segundo a legislação nacional aplicável, pagamento esse que é necessariamente acompanhado de um encargo administrativo para a sociedade em causa, associado ao seguimento dos activos transferidos, constitui uma medida que, simultaneamente, é adequada a garantir a repartição equilibrada do poder tributário entre os Estados‑Membros e é menos lesiva da liberdade de estabelecimento do que a medida em causa no processo principal. Com efeito, no caso de uma sociedade entender que os encargos administrativos associados à cobrança diferida são excessivos, pode optar pelo pagamento imediato do imposto.

74      Porém, há que ter igualmente em conta o risco de o imposto não ser cobrado, que aumenta em função do decurso do tempo. Este risco pode ser levado em conta pelo Estado‑Membro em causa, no âmbito da sua legislação nacional aplicável ao pagamento diferido das dívidas fiscais, mediante medidas como a constituição de uma garantia bancária.

75      Os governos que apresentaram observações no Tribunal entendem ainda que o pagamento diferido do imposto representaria, para as autoridades fiscais dos Estados‑Membros, um encargo excessivo, conexo com o seguimento de todos os elementos do activo de uma sociedade relativamente aos quais se verificou uma mais‑valia no momento da transferência da sede da direcção efectiva dessa sociedade.

76      Há que rejeitar semelhante argumentação.

77      Antes de mais, recorde‑se que o seguimento de elementos do activo só diz respeito à cobrança da dívida fiscal, e não à determinação desta. Como efeito, como resulta do n.° 64 do presente acórdão, o artigo 49.° TFUE não se opõe a legislação de um Estado‑Membro, como a em causa no processo principal, que prevê que o montante do imposto devido sobre as mais‑valias atinentes aos activos de uma sociedade que deixa de auferir lucros tributáveis no referido Estado‑Membro, devido à transferência da sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro, é fixado definitivamente no momento da transferência da referida sede. Ora, na medida em que uma sociedade que opta pelo pagamento diferido desse imposto considera, de modo necessário, que o seguimento dos elementos do activo em relação aos quais se verificou uma mais‑valia no momento da referida transferência de sede não lhe causa encargos administrativos excessivos, os encargos que impendem sobre a Administração Fiscal do Estado‑Membro de origem e estão conexos com a fiscalização das declarações relativas a esse seguimento tão‑pouco podem ser qualificados de excessivos.

78      Em seguida, contrariamente ao que alegam os Governos neerlandês, alemão e espanhol, os mecanismos de assistência mútua existentes entre as autoridades dos Estados‑Membros são suficientes para permitir ao Estado‑Membro de origem efectuar uma fiscalização da veracidade das declarações das sociedades que optaram pelo pagamento diferido do referido imposto. Importa sublinhar, nesse sentido, que, como este último é determinado definitivamente no momento em que a sociedade, devido à transferência da sede da sua direcção efectiva, deixa de auferir lucros tributáveis no Estado‑Membro de origem, a assistência do Estado‑Membro de acolhimento diz respeito não à determinação do imposto, mas apenas à sua cobrança. Ora, o artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 2008/55/CE do Conselho, de 26 de Maio de 2008, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a certas quotizações, direitos, impostos e outras medidas (JO L 150, p. 28), dispõe que, «[a] pedido da autoridade requerente, a autoridade requerida comunicar‑lhe‑á as informações que forem úteis para a cobrança de um crédito». A referida directiva permite, pois, ao Estado‑Membro de origem obter da autoridade competente do Estado‑Membro de acolhimento informações relativas à realização ou não de determinados elementos do activo de uma sociedade que transferiu a sede da sua direcção efectiva para este último Estado‑Membro, na medida em que aquelas sejam necessárias para permitir ao Estado‑Membro de origem cobrar um crédito fiscal constituído no momento da transferência da referida sede. Por outro lado, a Directiva 2008/55, nomeadamente os seus artigos 5.° a 9.°, oferece às autoridades do Estado‑Membro de origem um quadro de cooperação e de assistência que lhes permite cobrar efectivamente o crédito fiscal no Estado‑Membro de acolhimento.

79      Além disso, os Governos alemão e italiano alegam que a legislação nacional em causa no processo principal é justificada pela exigência da preservação da coerência do sistema fiscal nacional. A tributação das mais‑valias latentes no momento da transferência da sede da direcção efectiva da sociedade em causa para outro Estado‑Membro constitui o complemento lógico da isenção de imposto anteriormente concedida relativamente às referidas mais‑valias.

80      Como observou a advogada‑geral no n.° 99 das suas conclusões, os objectivos da coerência fiscal e da repartição equilibrada do poder de tributação coincidem.

81      Contudo, mesmo que se admita que a legislação nacional em causa no processo principal seja susceptível de permitir que o objectivo relativo à preservação da coerência fiscal seja alcançado, verifica‑se que é só a determinação do montante do imposto no momento da transferência da sede da direcção efectiva de uma sociedade, e não a sua cobrança imediata, que se pode considerar que não ultrapassa o necessário para a realização desse objectivo.

82      Com efeito, a cobrança diferida do referido imposto não põe em causa o nexo existente, na legislação neerlandesa, entre, por um lado, o benefício fiscal representado pela isenção concedida às mais‑valias latentes atinentes aos elementos do activo enquanto a sociedade aufere lucros tributáveis no Estado‑Membro em causa e, por outro, a compensação do referido benefício com um encargo fiscal que é determinado no momento em que a sociedade em causa deixa de auferir esses lucros.

83      Por último, os Governos alemão, espanhol, português, finlandês, sueco e do Reino Unido invocam um risco de evasão fiscal para justificar a legislação nacional em causa.

84      Contudo, a simples circunstância de uma sociedade transferir a sua sede para outro Estado‑Membro não pode gerar uma presunção geral de fraude fiscal e justificar uma medida de restrição ao exercício de uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado (v., neste sentido, acórdãos ICI, já referido, n.° 26; de 26 de Setembro de 2000, Comissão/Bélgica, C‑478/98, Colect., p. I‑7587, n.° 45; de 21 de Novembro de 2002, X e Y, C‑436/00, Colect., p. I‑10829, n.° 62; de 4 de Março de 2004, Comissão/França, C‑334/02, Colect., p. I‑2229, n.° 27; e Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas, já referido, n.° 50).

85      Resulta do exposto, pois, que uma legislação de um Estado‑Membro, como a em causa no processo principal, que impõe a cobrança imediata do imposto sobre as mais‑valias latentes atinentes a elementos do património de uma sociedade que transfere a sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro, no próprio momento da referida transferência, é desproporcionada.

86      Consequentemente, há que responder à segunda e terceira questões que o artigo 49.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que:

–        não se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual o montante do imposto sobre as mais‑valias latentes atinentes a elementos do património de uma sociedade é fixado definitivamente – sem que sejam levadas em conta as menos‑valias, e tão‑pouco as mais‑valias, susceptíveis de serem realizadas posteriormente – no momento em que a sociedade, devido à transferência da sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro, deixa de auferir lucros tributáveis no primeiro Estado‑Membro; nesse aspecto, é indiferente que as mais‑valias latentes tributadas digam respeito a lucros cambiais que não podem ser expressos no Estado‑Membro de acolhimento, atendendo ao regime fiscal nele em vigor;

–        se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que impõe a cobrança imediata do imposto sobre as mais‑valias latentes atinentes a elementos do património de uma sociedade que transfere a sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro, no próprio momento da referida transferência.

 Quanto às despesas

87      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      Uma sociedade constituída segundo o direito de um Estado‑Membro, que transfere a sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro, sem que essa transferência de sede afecte a sua qualidade de sociedade do primeiro Estado‑Membro, pode invocar o artigo 49.° TFUE para efeitos da impugnação da legalidade de um imposto que lhe foi liquidado pelo primeiro Estado‑Membro quando da referida transferência de sede.

2)      O artigo 49.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que:

–        não se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual o montante do imposto sobre as mais‑valias latentes atinentes a elementos do património de uma sociedade é fixado definitivamente – sem que sejam levadas em conta as menos‑valias, e tão‑pouco as mais‑valias, susceptíveis de serem realizadas posteriormente – no momento em que a sociedade, devido à transferência da sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro, deixa de auferir lucros tributáveis no primeiro Estado‑Membro; nesse aspecto, é indiferente que as mais‑valias latentes tributadas digam respeito a lucros cambiais que não podem ser expressos no Estado‑Membro de acolhimento, atendendo ao regime fiscal nele em vigor;

–        se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que impõe a cobrança imediata do imposto sobre as mais‑valias latentes atinentes a elementos do património de uma sociedade que transfere a sede da sua direcção efectiva para outro Estado‑Membro, no próprio momento da referida transferência.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.