Processo C‑139/10

Prism Investments BV

contra

Jaap Anne van der Meer, na qualidade de administrador da insolvência da Arilco Holland BV

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden)

«Cooperação judiciária em matéria civil – Regulamento (CE) n.° 44/2001 – Declaração de executoriedade – Fundamentos de recusa – Execução no Estado de origem da decisão judicial que é objecto do pedido de declaração de executoriedade»

Sumário do acórdão

Cooperação judiciária em matéria civil – Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial – Regulamento n.° 44/2001 – Reconhecimento e execução de decisões – Fundamentos de recusa – Cumprimento da decisão no Estado‑Membro de origem – Inadmissibilidade

(Regulamento n.° 44/2001 do Conselho, artigos 34.°, 35.°, 43.° a 45.°)

O artigo 45.° do Regulamento n.° 44/2001, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que o órgão jurisdicional que conhece de um recurso interposto nos termos dos artigos 43.° ou 44.° deste regulamento recuse ou revogue uma declaração de executoriedade de uma decisão com base num fundamento diferente dos indicados nos artigos 34.° e 35.° deste, como o cumprimento dessa decisão no Estado‑Membro de origem.

O cumprimento de uma decisão judicial de modo algum lhe retira a sua força executiva e também não conduz a que lhe sejam reconhecidos, quando da declaração da sua executoriedade noutro Estado‑Membro, efeitos jurídicos que não teria no Estado‑Membro de origem. Este fundamento pode, em contrapartida, ser sujeito à análise do juiz da execução do Estado‑Membro requerido. Com efeito, uma vez esta decisão integrada na ordem jurídica do Estado‑Membro requerido, as regras nacionais deste último Estado relativas à execução aplicam‑se do mesmo modo que às decisões adoptadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais.

(cf. n.os 39‑40, 43 e disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

13 de Outubro de 2011 (*)

«Cooperação judiciária em matéria civil – Regulamento (CE) n.° 44/2001 – Declaração de executoriedade – Fundamentos de recusa – Execução no Estado de origem da decisão judicial que é objecto do pedido de declaração de executoriedade»

No processo C‑139/10,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), por decisão de 12 de Março de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 17 de Março de 2010, no processo

Prism Investments BV

contra

Jaap Anne van der Meer, na qualidade de administrador da insolvência da Arilco Holland BV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, K. Schiemann, L. Bay Larsen, C. Toader (relatora) e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 10 de Fevereiro de 2011,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de J. A. van der Meer, na qualidade de administrador da insolvência da Arilco Holland BV, por J. A. M. A. Sluysmans, advocaat,

–        em representação do Governo neerlandês, por C. M. Wissels, B. Koopman e M. Noort, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo belga, por J.‑C. Halleux, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Kemper, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo sueco, por A. Falk e K. Petkovska, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por L. Seeboruth, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin e R. Troosters, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 16 de Junho de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 45.° do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Prism Investments BV (a seguir «Prism Investments»), sociedade de direito neerlandês, e J. A. van der Meer, na qualidade de administrador da insolvência da Arilco Holland BV (a seguir «Arilco Holland»), filial neerlandesa da sociedade de direito belga Arilco Opportune NV (a seguir «Arilco Opportune»), a respeito da execução nos Países Baixos de uma decisão judicial de condenação no pagamento de um montante em dinheiro, proferida por um órgão jurisdicional belga.

 Quadro jurídico

3        O décimo sexto e décimo sétimo considerandos do Regulamento n.° 44/2001 têm a seguinte redacção:

«(16) A confiança recíproca na administração da justiça no seio da Comunidade justifica que as decisões judiciais proferidas num Estado‑Membro sejam automaticamente reconhecidas, sem necessidade de recorrer a qualquer procedimento, excepto em caso de impugnação.

(17)      A mesma confiança recíproca implica a eficácia e a rapidez do procedimento para tornar executória num Estado‑Membro uma decisão proferida noutro Estado‑Membro. Para este fim, a declaração de executoriedade de uma decisão deve ser dada de forma quase automática, após um simples controlo formal dos documentos fornecidos, sem a possibilidade de o tribunal invocar por sua própria iniciativa qualquer dos fundamentos previstos pelo presente regulamento para uma decisão não ser executada.»

4        O capítulo III do Regulamento n.° 44/2001, que compreende os artigos 32.° a 56.°, enuncia as regras relativas ao reconhecimento e à execução nos outros Estados‑Membros das decisões proferidas num Estado‑Membro.

5        O artigo 34.° deste regulamento prevê:

«Uma decisão não será reconhecida:

1)      Se o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado‑Membro requerido;

2)      Se o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir‑lhe a defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão embora tendo a possibilidade de o fazer;

3)      Se for inconciliável com outra decisão proferida quanto às mesmas partes no Estado‑Membro requerido;

4)      Se for inconciliável com outra anteriormente proferida noutro Estado‑Membro ou num Estado terceiro entre as mesmas partes, em acção com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, desde que a decisão proferida anteriormente reúna as condições necessárias para ser reconhecida no Estado‑Membro requerido.»

6        O artigo 35.° do dito regulamento dispõe:

«1.      As decisões não serão igualmente reconhecidas se tiver sido desrespeitado o disposto nas secções 3, 4 e 6 do capítulo II ou no caso previsto no artigo 72.°

2.      Na apreciação das competências referidas no parágrafo anterior, a autoridade requerida estará vinculada às decisões sobre a matéria de facto com base nas quais o tribunal do Estado‑Membro de origem tiver fundamentado a sua competência.

3.      Sem prejuízo do disposto nos primeiro e segundo parágrafos, não pode proceder‑se ao controlo da competência dos tribunais do Estado‑Membro de origem. As regras relativas à competência não dizem respeito à ordem pública a que se refere o ponto 1 do artigo 34.°»

7        O processo de declaração de executoriedade é regulado pela secção 2 do capítulo III do Regulamento n.° 44/2001, que compreende os artigos 38.° a 52.°

8        Nos termos do artigo 38.°, n.° 1, deste regulamento:

«As decisões proferidas num Estado‑Membro e que nesse Estado tenham força executiva podem ser executadas noutro Estado‑Membro depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada.»

9        O artigo 40.°, n.° 3, do referido regulamento tem a seguinte redacção:

«Os documentos referidos no artigo 53.° devem ser juntos ao requerimento.»

10      O artigo 41.° do mesmo regulamento dispõe:

«A decisão será imediatamente declarada executória quando estiverem cumpridos os trâmites previstos no artigo 53.°, sem verificação dos motivos referidos nos artigos 34.° e 35.° A parte contra a qual a execução é promovida não pode apresentar observações nesta fase do processo.»

11      O artigo 43.° do Regulamento n.° 44/2001 prevê:

«1.      Qualquer das partes pode interpor recurso da decisão sobre o pedido de declaração de executoriedade.

2.      O recurso é interposto junto do tribunal indicado na lista constante do anexo III.

3.      O recurso é tratado segundo as regras do processo contraditório.

4.      Se a parte contra a qual a execução é promovida não comparecer perante o tribunal de recurso nas acções relativas a um recurso interposto pelo requerente, aplica‑se o disposto nos n.os 2 a 4 do artigo 26.°, mesmo que a parte contra a qual a execução é promovida não tenha domicílio no território de um Estado‑Membro.

5.      O recurso da declaração de executoriedade é interposto no prazo de um mês a contar da sua notificação. Se a parte contra a qual a execução é promovida tiver domicílio num Estado‑Membro diferente daquele onde foi proferida a declaração de executoriedade, o prazo será de dois meses e começará a correr desde o dia em que tiver sido feita a citação pessoal ou domiciliária. Este prazo não é susceptível de prorrogação em razão da distância.»

12      O artigo 44.° do dito regulamento estabelece:

«A decisão proferida no recurso apenas pode ser objecto do recurso referido no Anexo IV.»

13      O artigo 45.° deste regulamento dispõe:

«1.      O tribunal onde foi interposto o recurso ao abrigo dos artigos 43.° ou 44.° apenas recusará ou revogará a declaração de executoriedade por um dos motivos especificados nos artigos 34.° e 35.° Este tribunal decidirá sem demora.

2.      As decisões estrangeiras não podem, em caso algum, ser objecto de revisão de mérito.»

14      A secção 3 do capítulo III do Regulamento n.° 44/2001, que compreende os artigos 53.° a 56.°, prevê as disposições comuns aplicáveis ao reconhecimento e à declaração de executoriedade.

15      O artigo 53.° deste regulamento enuncia:

«1.      A parte que invocar o reconhecimento ou requerer uma declaração de executoriedade de uma decisão deve apresentar uma cópia da decisão que satisfaça os necessários requisitos de autenticidade.

2.      A parte que requerer a declaração de executoriedade deve também apresentar a certidão referida no artigo 54.°, sem prejuízo do disposto no artigo 55.°»

16      O artigo 54.° do referido regulamento prevê:

«O tribunal ou a autoridade competente do Estado‑Membro onde tiver sido proferida uma decisão emitirá, a pedido de qualquer das partes interessadas, uma certidão segundo o formulário uniforme constante do Anexo V ao presente regulamento.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

17      No decurso de 1990, o banco finlandês LSP concedeu um empréstimo à Arilco Opportune no montante de 11 500 000 euros. A Arilco Opportune emprestou este montante à sua filial neerlandesa Arilco Holland. Esta transferiu em seguida estes fundos para várias sociedades de direito neerlandês, entre as quais a Prism Investments. Esta recebeu o montante de 1 048 232,30 euros.

18      Por decisão de 14 de Janeiro de 2002 do tribunal de commerce de Bruxelles (Bélgica), a Arilco Opportune foi condenada a pagar ao LSP o montante emprestado em 1990. A Arilco Opportune recorreu desta decisão para a cour d’appel de Bruxelles. Neste processo de recurso, a Arilco Holland interpôs um recurso subordinado pedindo designadamente que a Prism Investments fosse condenada a restituir‑lhe o montante de 1 048 232,30 euros. Por acórdão de 5 de Dezembro de 2006, a cour d’appel de Bruxelles deferiu este pedido.

19      Por decisão do Rechtbank’ s‑Hertogenbosch (Países Baixos) de 1 de Agosto de 2007, a Arilco Holland foi declarada insolvente e J. A. van der Meer nomeado administrador da insolvência.

20      Em 3 de Setembro de 2007, J. A. van der Meer requereu ao juiz das medidas provisórias do Rechtbank’ s‑Hertogenbosch que declarasse executório, com base no artigo 38.° do Regulamento n.° 44/2001, o acórdão da cour d’appel de Bruxelles de 5 de Dezembro de 2006, no que respeita à condenação da Prism Investments no pagamento do montante de 1 048 232,30 euros. Este pedido foi deferido por despacho de 20 de Setembro de 2007.

21      A Prism Investments interpôs então no Rechtbank’ s‑Hertogenbosch um recurso de anulação deste despacho de executoriedade nos termos do artigo 43.° do Regulamento n.° 44/2001. Afirmou designadamente que a decisão do órgão jurisdicional belga tinha sido já executada na Bélgica pela via da compensação.

22      Por despacho de 22 de Julho de 2008, o Rechtbank’ s‑Hertogenbosch negou provimento ao recurso da Prism Investments, considerando designadamente que, segundo o disposto no artigo 45.° do Regulamento n.° 44/2001, uma declaração de executoriedade só pode ser revogada por um dos motivos previstos nos artigos 34.° e 35.° deste regulamento. Observou que o cumprimento das obrigações em causa não faz parte desses motivos e, por isso, não pode ser tido em conta no quadro do processo de recurso da declaração de executoriedade, mas unicamente na fase posterior da execução propriamente dita.

23      A Prism Investments interpôs recurso deste despacho para o Hoge Raad der Nederlanden. Em apoio do seu recurso, afirmou que a concessão da executoriedade era manifestamente contrária à ordem pública na acepção do artigo 45.° do Regulamento n.° 44/2001, conjugado com o artigo 34.°, n.° 1, do mesmo, dado que a condenação em causa tinha esgotado os seus efeitos devido ao seu cumprimento na Bélgica e que o cumprimento nos Países Baixos não podia ter fundamento jurídico.

24      Na decisão de reenvio, o Hoge Raad der Nederlanden considera improcedentes estes argumentos. Entende que o fundamento de defesa segundo o qual a decisão proferida num Estado‑Membro já foi cumprida não se enquadra nos fundamentos de recusa previstos nos artigos 34.° e 35.° do referido regulamento, designadamente no relativo à violação da ordem pública.

25      Contudo, esse órgão jurisdicional interroga‑se quanto à questão de saber se o artigo 45.° do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que o juiz que conhece de um recurso previsto nos artigos 43.° ou 44.° do mesmo regulamento pode recusar ou revogar a declaração de executoriedade por fundamentos diferentes dos mencionados nos referidos artigos 34.° e 35.° Em especial, pretende saber se um fundamento assente no cumprimento no Estado‑Membro de origem da decisão judicial pode não apenas ser suscitado no âmbito de um litígio relativo à execução da mesma mas também no âmbito do processo de declaração de executoriedade.

26      Tendo em conta estas considerações, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 45.° do Regulamento n.° 44/2001 obsta a que o tribunal de recurso, nos termos dos artigos 43.° ou 44.° desse regulamento, recuse ou revogue a declaração de executoriedade com base num fundamento diferente dos referidos nos artigos 34.° e 35.° do Regulamento n.° 44/2001, invocado contra a execução da decisão cuja executoriedade foi declarada e que é posterior à data em que essa decisão foi proferida, como a alegação de que a referida decisão já foi cumprida?»

 Quanto à questão prejudicial

27      Para responder à questão prejudicial, há que observar a título liminar que, como resulta do décimo sexto e décimo sétimo considerandos do Regulamento n.° 44/2001, o regime de reconhecimento e de execução no mesmo previsto se baseia na confiança recíproca na administração da justiça no seio da União Europeia. Esta confiança implica que as decisões judiciais proferidas num Estado‑Membro sejam não apenas reconhecidas de pleno direito noutro Estado‑Membro mas também que o procedimento para tornar executórias essas decisões neste último seja eficaz e rápido.

28      Este procedimento, nos termos do décimo sétimo considerando do referido regulamento, apenas pode implicar um simples controlo formal dos documentos exigidos para a atribuição da força executória no Estado‑Membro requerido.

29      Para este efeito, nos termos do artigo 53.° do Regulamento n.° 44/2001, a parte que requerer a declaração de executoriedade de uma decisão deve apresentar uma cópia da mesma que satisfaça os necessários requisitos de autenticidade, bem como uma certidão das autoridades do Estado‑Membro de origem. Nos termos do artigo 40.°, n.° 3, deste regulamento, deve juntar estes documentos ao requerimento.

30      Por outro lado, como resulta do artigo 41.° do referido regulamento, as autoridades do Estado‑Membro requerido devem, na primeira fase do processo, limitar‑se a fiscalizar o cumprimento destas formalidades para efeitos da emissão da declaração de executoriedade da decisão. Consequentemente, neste procedimento, não podem efectuar nenhuma análise dos elementos de facto e de direito do processo que foi objecto da decisão cuja execução é requerida.

31      A natureza limitada desta fiscalização justifica‑se pela finalidade do referido procedimento que é não dar início a um novo processo, mas antes permitir, com base na confiança mútua na justiça dos Estados‑Membros, que a decisão proferida por um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro requerido seja executada neste último através da sua inserção na ordem jurídica do mesmo. Este procedimento permite assim que uma decisão proferida num Estado‑Membro diferente do requerido produza neste último os efeitos próprios de um título nacional com força executória.

32      Nos termos do artigo 43.° do Regulamento n.° 44/2001, a declaração de executoriedade de uma decisão proferida num Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro requerido pode ser objecto de recurso. Os fundamentos de recurso que podem ser invocados estão expressamente enunciados nos artigos 34.° e 35.° do Regulamento n.° 44/2001, para os quais remete o artigo 45.° do mesmo regulamento.

33      Esta lista cujos elementos devem, segundo jurisprudência assente, ser interpretados restritivamente (v. acórdão de 28 de Abril de 2009, Apostolides, C‑420/07, Colect., p. I‑3571, n.° 55) tem carácter exaustivo.

34      No caso concreto, resulta da decisão de reenvio que o fundamento para revogação da declaração de executoriedade invocado pela recorrente no processo principal e relativo ao cumprimento da decisão no Estado‑Membro de origem, ou seja, na Bélgica, não se enquadra naqueles sobre os quais o órgão jurisdicional do Estado‑Membro requerido, no presente caso, o Reino dos Países Baixos, pode efectuar a sua fiscalização. A circunstância de este fundamento não ter sido invocado no órgão jurisdicional belga é irrelevante para este efeito.

35      Por outro lado, como observou a advogada‑geral no n.° 47 das suas conclusões, o argumento invocado pela recorrente no processo principal contra a declaração de executoriedade baseia‑se no alegado pagamento do crédito controvertido através de compensação. Ora, nas suas observações escritas, J. A. van der Meer, na qualidade de administrador da insolvência da Arilco Holland, contesta esta compensação circunstanciadamente. A resposta à questão de saber se as condições da referida compensação estão preenchidas não é, por isso, simples nem rápida e pode exigir um importante processo de clarificação dos factos relativos ao crédito com o qual a mesma compensação é susceptível de ter sido efectuada e é por isso dificilmente compatível com os objectivos prosseguidos pelo Regulamento n.° 44/2001.

36      O Governo do Reino Unido realça que, em qualquer caso, para assegurar os objectivos do procedimento de declaração de executoriedade, a decisão em causa deve ser executória não apenas no momento em que foi proferida a decisão inicial mas também no momento em que foi proferida a decisão de executoriedade no Estado‑Membro requerido. Seria contrário aos objectivos do Regulamento n.° 44/2001 e à redacção do artigo 38.° do mesmo que o órgão jurisdicional desse Estado fosse obrigado a manter uma declaração de executoriedade quando a decisão em causa tenha sido cumprida no Estado‑Membro de origem e já não possa aí ser executada.

37      A este respeito, cumpre referir que nenhuma disposição do Regulamento n.° 44/2001 permite recusar ou revogar uma declaração de executoriedade de uma decisão que já foi cumprida, uma vez que essa circunstância não priva a decisão do seu carácter de título executivo, que constitui uma qualidade própria desse acto judicial.

38      Em contrapartida, a falta de executoriedade da decisão no Estado‑Membro de origem impede a declaração de executoriedade no Estado‑Membro requerido. Com efeito, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a executoriedade da decisão em causa no Estado‑Membro de origem constitui um requisito para a sua execução no Estado‑Membro requerido (v. acórdão de 29 de Abril de 1999, Coursier, C‑267/97, Colect., p. I‑2543, n.° 23). A este respeito, devendo o reconhecimento, em princípio, ter o efeito de atribuir às decisões a autoridade e a eficácia de que gozam no Estado‑Membro onde foram proferidas (v. acórdão de 4 de Fevereiro de 1988, Hoffmann, 145/86, Colect., p. 645, n.os 10 e 11), não há razão para atribuir a uma sentença, na execução, direitos que não lhe são atribuídos no Estado‑Membro de origem ou efeitos que uma sentença do mesmo tipo, directamente proferida no Estado‑Membro requerido, não teria (v. acórdão Apostolides, já referido, n.° 66).

39      Contudo, como referiu a advogada‑geral no n.° 18 das suas conclusões, o cumprimento de uma decisão judicial de modo algum lhe retira a sua força executiva e também não conduz a que lhe sejam reconhecidos, quando da declaração da sua executoriedade noutro Estado‑Membro, efeitos jurídicos que não teria no Estado‑Membro de origem. O reconhecimento dos efeitos dessa decisão no Estado‑Membro requerido, que constitui o próprio objecto do procedimento de declaração de executoriedade, diz respeito às características próprias da decisão em causa, abstraindo dos elementos de facto e de direito respeitantes ao cumprimento das obrigações que dela decorrem.

40      Este fundamento pode, em contrapartida, ser sujeito à análise do juiz da execução do Estado‑Membro requerido. Com efeito, segundo jurisprudência assente, uma vez esta decisão integrada na ordem jurídica do Estado‑Membro requerido, as regras nacionais deste último Estado relativas à execução aplicam‑se do mesmo modo que às decisões adoptadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais (v. acórdãos de 2 de Julho de 1985, Deutsche Genossenschaftsbank, 148/84, Recueil, p. 1981, n.° 18; de 3 de Outubro de 1985, Capelloni e Aquilini, 119/84, Recueil, p. 3147, n.° 16; e Hoffmann, já referido, n.° 27).

41      O Governo alemão afirma que razões de economia processual devem levar a que se considere que a concentração dos fundamentos de defesa assentes no cumprimento da decisão em causa na fase do processo de recurso da decisão de executoriedade permite evitar a fase suplementar do processo de execução no Estado‑Membro requerido. Se sucedesse de outro modo, esta decisão seria certamente declarada executória após uma análise formal, mas a execução coerciva da mesma teria em seguida de ser interrompida. Esta concentração dos fundamentos de defesa unicamente na fase do recurso da declaração de executoriedade aumentaria a eficácia deste procedimento e evitaria impor ao devedor uma situação em que seja declarada executória uma decisão que o condena no pagamento da sua dívida apesar de não poder ser executada.

42      Contudo, como foi referido nos n.os 27 a 30 do presente acórdão, na medida em que o procedimento de declaração de executoriedade consiste num controlo formal dos documentos apresentados pela parte requerente, um fundamento invocado em apoio do recurso interposto nos termos dos artigos 43.° ou 44.° do Regulamento n.° 44/2001, como o baseado no cumprimento da decisão em causa no Estado‑Membro de origem, alteraria as características deste procedimento e prolongaria a sua duração, contrariamente ao objectivo de eficácia e rapidez enunciado no décimo sétimo considerando deste regulamento.

43      Resulta do exposto que há que responder à questão submetida que o artigo 45.° do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que o órgão jurisdicional que conhece de um recurso interposto nos termos dos artigos 43.° ou 44.° deste regulamento recuse ou revogue uma declaração de executoriedade de uma decisão com base num fundamento diferente dos indicados nos artigos 34.° e 35.° deste, como o cumprimento dessa decisão no Estado‑Membro de origem.

 Quanto às despesas

44      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

O artigo 45.° do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que o órgão jurisdicional que conhece de um recurso interposto nos termos dos artigos 43.° ou 44.° deste regulamento recuse ou revogue uma declaração de executoriedade de uma decisão com base num fundamento diferente dos indicados nos artigos 34.° e 35.° deste, como o cumprimento dessa decisão no Estado‑Membro de origem.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.