CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

N. JÄÄSKINEN

apresentadas em 8 de dezembro de 2011 ( 1 )

Processo C‑520/10

Lebara Ltd

contra

The Commissioners for Her Majesty’s Revenue & Customs

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo First‑tier Tribunal, Tax Chamber (Reino Unido)]

«Tributação — Sexta Diretiva IVA — Artigo 2.° — Artigo 6.°, n.o 4 — Prestação de serviços — Pessoas a quem os serviços são prestados — Serviços de telecomunicações — Cartões telefónicos pré‑pagos contendo informações que permitem o acesso a chamadas telefónicas internacionais — Comercialização de cartões telefónicos através de distribuidores — Normas que regulam a aplicação do IVA — Agente da Comissão — Serviços de distribuição — Prestação única»

I – Introdução

1.

O Tribunal de Justiça é frequentemente chamado a pronunciar‑se sobre o tratamento correto em matéria de tributação do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) de operações complexas; uma tarefa que pode ser particularmente difícil no domínio das tecnologias modernas. O presente litígio no First Tier Tribunal, Tax Chamber, que opõe a Lebara Ltd (a seguir «Lebara») e os Commissioners for Her Majesty’s Revenue & Customs do Reino Unido (a seguir «HMRC»), tem por objeto a complexa questão da sujeição a IVA na cadeia de fornecimento dos serviços de telecomunicações.

2.

As diferenças contidas nas observações apresentadas no presente processo ilustram as dificuldades em obter uma resposta correta única às questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional nacional. Há quatro possíveis formas de resolver o problema que são, todas elas, até certo ponto, juridicamente corretas, mas nenhuma isenta de dificuldades. Por conseguinte, cabe ao Tribunal de Justiça encontrar uma solução que seja compatível com os princípios fundamentais do direito da UE em matéria de IVA, e que seja exequível na prática, tanto para os sujeitos passivos como para as Administrações governamentais responsáveis pela sua aplicação no dia a dia.

II – Quadro jurídico

3.

Nos termos do primeiro e segundo parágrafos do artigo 2.° da Primeira Diretiva IVA ( 2 ):

«O princípio do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado consiste em aplicar aos bens e aos serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e dos serviços, qualquer que seja o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior à fase de tributação.

Em cada transação, o imposto sobre o valor acrescentado, calculado sobre o preço do bem ou do serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto sobre o valor acrescentado que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.»

4.

O artigo 2.°, n.o 1, da Sexta Diretiva IVA sujeita ao IVA «as entregas de bens e as prestações de serviços, efetuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade» ( 3 ).

5.

Nos termos do artigo 5.°, n.o 1, da Sexta Diretiva IVA ( 4 ), entende‑se por «entrega de um bem» a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário.

6.

O artigo 6.° da Sexta Diretiva IVA dispõe:

«1.   Por ‘prestação de serviços’ entende‑se qualquer prestação que não constitua uma entrega de bens na aceção do artigo 5.° ( 5 )

[...]

4.   Quando um sujeito passivo que atua em seu próprio nome, mas por conta de outrem, participa numa prestação de serviços, considera‑se que recebeu e forneceu pessoalmente os serviços em questão. [...]» ( 6 )

7.

O artigo 9.° da Sexta Diretiva IVA, contido no seu título VI intitulado «Lugar das operações tributáveis» dispõe que:

«1.   Por «lugar da prestação de serviços» entende‑se o lugar onde o prestador dos mesmos tenha a sede da sua atividade económica ou um estabelecimento estável a partir do qual os serviços são prestados ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar do seu domicílio ou da sua residência habitual ( 7 ).

2.   Todavia:

[...]

e)

Por lugar das prestações de serviços a seguir referidas, efetuadas a […] a sujeitos passivos estabelecidos na Comunidade, mas fora do país do prestador, entende‑se o lugar onde o destinatário tenha a sede da sua atividade económica ou um estabelecimento estável para o qual o serviço tenha sido prestado ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar do seu domicílio ou da sua residência habitual:

[...]

por «prestações de serviços de telecomunicações» entende‑se as prestações de serviços que possibilitem a transmissão, a emissão ou a receção de sinais, texto, imagem e som ou de informações de todo o tipo através de fios, da rádio, de meios óticos ou de outros meios eletromagnéticos, incluindo a cessão ou a concessão com elas correlacionadas de direitos de utilização de instalações de transmissão, emissão ou receção. A prestação de serviços de telecomunicações na aceção da presente disposição inclui a disponibilização do acesso a redes de informação mundiais ( 8 ).

[...]»

8.

O artigo 10.°, n.os 1 e 2, da Sexta Diretiva IVA ( 9 ), contido no seu título VII epigrafado «Facto gerador e exigibilidade do imposto», refere:

«1.   Para efeitos do disposto na presente diretiva:

a)

Por facto gerador do imposto entende‑se o facto mediante o qual são preenchidas as condições legais necessárias à exigibilidade do imposto.

b)

Por exigibilidade do imposto entende‑se o direito que o fisco pode fazer valer, nos termos da lei, a partir de um determinado momento, face ao devedor, relativamente ao pagamento do imposto, ainda que o pagamento possa ser diferido.

2.   O facto gerador do imposto ocorre, e o imposto é exigível, no momento em que se efetuam a entrega do bem ou a prestação de serviços. [...]

Todavia, em caso de pagamentos por conta antes da entrega de bens ou da prestação de serviços, o imposto torna‑se exigível no momento da cobrança e em relação ao montante recebido.

[...]»

9.

O artigo 21.°, n.o 1, da Sexta Diretiva IVA, sob a epígrafe «Devedor do imposto à Fazenda Pública» ( 10 )

1.   No regime interno, o imposto sobre o valor acrescentado é devido:

a)

Pelos sujeitos passivos que efetuem entregas de bens ou prestações de serviços tributáveis, com exceção dos casos referidos nas alíneas b) e c);

No caso de as entregas de bens ou prestações de serviços tributáveis serem efetuadas por um sujeito passivo que não se encontre estabelecido no território do país, os Estados‑Membros podem prever, nas condições por eles fixadas, que o devedor do imposto é o destinatário das entregas de bens ou prestações de serviços tributáveis;

b)

Pelos sujeitos passivos destinatários de serviços referidos no n.o 2, alínea e), do artigo 9.°, ou pelos destinatários de serviços referidos nos pontos C, D, E e F do artigo 28.°B que estejam registados no território do país para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado, se os serviços forem prestados por um sujeito passivo não estabelecido no território do país ( 11 );

[...]»

III – Litígio no processo principal e questões prejudiciais.

10.

A Lebara, uma sociedade estabelecida no Reino Unido, explora no território do Reino Unido, ao abrigo de um contrato de locação, um comutador telefónico a fim de prestar serviços de telecomunicações. O comutador está, por sua vez, ligado à rede telefónica internacional. O modelo de negócio da Lebara impõe o reencaminhamento de chamadas telefónicas efetuadas por utilizadores finais, que se encontram em toda a UE, para o seu comutador no Reino Unido e depois para a rede telefónica internacional. As chamadas prosseguem para os destinos desejados pelos clientes, que se encontram, todos eles, fora da UE.

11.

A Lebara leva a cabo esta atividade ao abrigo de três séries de acordos contratuais. A primeira consiste no acordo entre a Lebara e um ou mais prestadores de serviços telefónicos internacionais. A segunda é constituída pelos acordos celebrados entre a Lebara e operadores locais em diversos Estados‑Membros, através dos quais estes operadores locais se obrigam a encaminhar as chamadas locais de utilizadores finais para os comutadores telefónicos da Lebara situados no Reino Unido.

12.

A terceira série é constituída por acordos entre a Lebara e os distribuidores ( 12 ) estabelecidos em diversos Estados‑Membros diferentes do Reino Unido. Estas operações constituem o objeto do pedido de decisão prejudicial.

13.

Nos termos dos acordos, a Lebara vende cartões telefónicos a distribuidores por um valor inferior ao seu «valor nominal». O cerne do acordo entre a Lebara e os seus distribuidores consiste no facto de estes últimos promoverem e venderem os cartões telefónicos no respetivo Estado‑Membro de estabelecimento e, assim, facilitar o consumo, pelos utilizadores finais, das chamadas telefónicas internacionais de baixo custo da Lebara.

14.

Os acordos também contêm disposições sobre a duração das chamadas, os países de destino para os quais as chamadas podem ser efetuadas, as tarifas a cobrar, a imagem de marca dos cartões telefónicos (que é normalmente o nome do distribuidor, e a assistência fornecida pela Lebara para a conceção do cartão e os materiais de comercialização) e o apoio ao cliente. Em conformidade com este último, os cartões ostentam um número de telefone para apoio ao cliente que permite aos utilizadores finais aceder ao distribuidor e, em alguns Estados‑Membros, contactar diretamente a Lebara. Assim, o distribuidor desempenha o papel de ponto de contacto com os utilizadores finais em caso de dificuldades, mesmo que só a Lebara possa solucionar o problema.

15.

Os cartões telefónicos fornecidos pela Lebara têm praticamente a mesma forma de um cartão de crédito. Os cartões também exibem um valor nominal, expresso na moeda do Estado‑Membro do distribuidor, normalmente em euros, que é superior ao preço que distribuidor pago por esses cartões pelo distribuidor à Lebara por esses cartões, juntamente com um número de série único e um código PIN oculto.

16.

Os cartões ficam inativos até o distribuidor contactar a Lebara, pedir a ativação do cartão e fornecer à Lebara o número de série respetivo. A Lebara ativa, em seguida, os cartões correspondentes aos números de série correspondentes, desde que o preço do cartão telefónico tenha sido pago ou então que a conta que o distribuidor tenha com Lebara tenha crédito ( 13 ).

17.

Os cartões telefónicos só podem ser utilizados para fazer chamadas telefónicas internacionais. Permitem ao titular fazer chamadas telefónicas até ao valor nominal referido no cartão.

18.

Os utilizadores finais têm acesso às chamadas telefónicas internacionais de baixo custo mediante a execução de três atos físicos. Em primeiro lugar, raspam a barra que figura no cartão que adquiriram ao distribuidor para revelar o código PIN. Em segundo lugar, marcam o número local indicado, que estabelece automaticamente o contacto com o comutador telefónico da Lebara no Reino Unido. O número telefónico é impresso no cartão. Em terceiro lugar, introduzem o código PIN. Para efetuar uma chamada telefónica, é suficiente possuir esta informação. Não é necessário ter consigo o cartão, e a sua presença física também não é exigida para a utilização das chamadas telefónicas. O utilizador final fica então habilitado a marcar o número para o destino desejado fora da UE. A chamada é reencaminhada da central telefónica da Lebara para um dos prestadores de serviços telefónicos internacionais com quem a Lebara celebrou um contrato.

19.

A Lebara interpôs no First‑tier Tribunal do Reino Unido, Tax Chamber, recurso de uma decisão do HMRC que impunha à Lebara que contabilizasse como «resgate» serviços prestados, pela Lebara a título oneroso, aos utilizadores finais, relativos ao mês de março de 2005. Os HMRC consideram que a Lebara tinha fornecido uma primeira prestação tributável quando vendeu os cartões telefónicos aos distribuidores, e uma segunda prestação de serviços de telecomunicações, a título oneroso, quando os utilizadores finais fizeram chamadas telefónicas internacionais que foram reencaminhadas através dos comutadores da Lebara.

20.

No entender dos HMRC, o lugar da prestação de serviços desta segunda prestação foi o Reino Unido, tendo em conta que os utilizadores finais utilizaram os cartões telefónicos na sua qualidade de particulares, e não de empresas, pelo que a Lebara estava ainda obrigada a cobrar IVA sobre o fornecimento dos cartões telefónicos aos utilizadores finais. Não obstante, os HMRC reconheceram que a venda de cartões telefónicos aos distribuidores, enquanto sujeitos passivos de IVA, dava lugar a uma prestação separada no Estado‑Membro onde os distribuidores estavam estabelecidos.

21.

A Lebara objetou que, se estivesse obrigada a cobrar IVA sobre o fornecimento dos cartões telefónicos aos utilizadores finais, daí resultaria necessariamente uma dupla tributação, em violação do direito da UE. Isso porque o IVA já tinha sido pago sobre a venda dos cartões telefónicos pelos distribuidores às autoridades fiscais do Estado‑Membro de estabelecimento dos distribuidores, segundo «mecanismo de autoliquidação» ( 14 ).

22.

Os HMRC negaram que o pagamento de IVA sobre o fornecimento de cartões telefónicos pela Lebara a utilizadores finais violasse o direito da UE. Alegaram que isso era uma consequência da falta de harmonização a nível da UE do tratamento dos vales, que os HMRC eram consequentemente livres de tributar o fornecimento dos cartões telefónicos. Os HMRC também alegaram que havia um risco de não tributação se a posição da Lebara fosse aceite, e não de dupla tributação.

23.

O First‑tier Tribunal, Tax Chamber, do Reino Unido submeteu ao Tribunal de Justiça duas questões prejudiciais.

1.

Num caso em que um sujeito passivo («comerciante A») vende cartões telefónicos representativos do direito de receber serviços de telecomunicações dessa pessoa, deve o artigo 2.°, n.o 1, da Sexta Diretiva IVA ser interpretado no sentido de que o comerciante A efetua duas prestações para efeitos de IVA: uma no momento da venda inicial do cartão telefónico pelo comerciante A a outro sujeito passivo («comerciante B») e outra no momento da sua utilização (ou seja, a sua utilização por uma pessoa — o utilizador final — para efetuar chamadas telefónicas)?

2.

Em caso afirmativo, como deve (em conformidade com a legislação da UE em matéria de IVA) ser aplicado o IVA através da cadeia de fornecimento, na qual o comerciante A vende o cartão telefónico ao comerciante B, o comerciante B revende o cartão telefónico no Estado‑Membro B e o mesmo é, por fim, comprado pelo utilizador final no Estado‑Membro B, sendo então utilizado por este utilizador para realizar chamadas telefónicas?

24.

A Lebara, os Governo grego, neerlandês, do Reino Unido, e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Todos eles participaram na audiência, que se realizou em 13 de outubro de 2011.

IV – Análise

A – Observações preliminares

1. O cartão telefónico da Lebara no contexto da legislação da UE em matéria de IVA

25.

Em primeiro lugar, é importante salientar que os cartões telefónicos só podem ser utilizados para fazer chamadas telefónicas através do sistema da Lebara. Não podem ser utilizados, por exemplo, para pagamento de outros bens e serviços fornecidos pela Lebara ou por terceiros. A este respeito, os cartões telefónicos distinguem‑se da situação em que o crédito disponível num cartão SIM pré‑pago pode ser utilizado para pagamentos de finalidade múltipla. Pelo contrário, os cartões telefónicos da Lebara assemelham‑se aos frequentemente denominados «vales de uso único» («single purpose vales») ( 15 ).

26.

No entanto, os cartões telefónicos da Lebara distinguem‑se de todos os tipos de vales porque a sua apresentação não é necessária para aceder ao serviço em questão. Basta recordar o código PIN e o número telefónico local que encaminha as chamadas para os comutadores da Lebara. Por outras palavras, os cartões telefónicos não são certificados ao portador que representam um contravalor específico que pode ser utilizado para pagamento de algo, e que devem ser apresentados fisicamente para poderem ser utilizados.

27.

Também é questionável se os cartões telefónicos podem ser considerados meios de pagamento ou dinheiro digital. O valor nominal do cartão telefónico é expresso numa quantia de dinheiro, mas não representa nenhum poder de compra abstrato. Pelo contrário, reflete um número preciso de minutos de chamadas telefónicas internacionais para cada destino, conforme predefinido pela política de preços da Lebara. O cartão telefónico só é válido por um período limitado de tempo. Após o termo do referido prazo, não pode ser utilizado.

28.

De facto, uma descrição precisa do acordo seria a de que a ativação do cartão telefónico cria no sistema da Lebara uma conta de cliente temporária, com crédito até uma certa quantidade de unidades de tempo de conversação telefónica correspondente ao valor nominal do cartão telefónico. Essa conta pode ser utilizada por qualquer pessoa que se identifique com o código PIN correspondente à conta.

29.

Portanto, na minha opinião, os cartões telefónicos não são um meio de pagamento, mas um dispositivo que facilita a utilização do direito de acesso a serviços de telecomunicações e que o cliente recebe mediante o pagamento do preço ao distribuidor ou ao seu retalhista, consoante o caso.

2. Que serviço presta a Lebara?

30.

Desde logo, basta observar que os cartões telefónicos não funcionam como bens, estando antes relacionados com a prestação de serviços. Além disso, a identificação do serviço prestado é o ponto de partida para resolver qualquer litígio em matéria de IVA relativo à prestação de um serviço ao longo de uma cadeia de operações. Isto porque, nos termos do artigo 2.° da Sexta Diretiva IVA, são as prestações de serviços que «estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado». Por outras palavras, não pode ser cobrada nenhuma taxa enquanto não for identificada a prestação de um serviço.

31.

Os dados disponíveis confirmam a análise defendida pela advogada‑geral V. Trstenjak, e aceite pelo Tribunal de Justiça, no acórdão MacDonald Resorts ( 16 ). A jurisprudência do Tribunal de Justiça refere que, para determinar a prestação relevante (de um serviço), em que um sujeito passivo realiza um conjunto de operações, devem tomar‑se em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação e, de facto, todas as operações ( 17 ). Como afirmou recentemente o Tribunal de Justiça, «a tomada em conta da realidade económica constitui um critério fundamental para a aplicação do sistema comum do IVA» ( 18 ). É necessário, portanto, ter em conta outros fatores para além da simples venda de cartões telefónicos, para identificar a prestação relevante.

32.

De acordo com a jurisprudência constante, ao passo que cada prestação de um serviço deve normalmente ser considerada distinta e independente, as prestações de um serviço constituídas por uma só prestação no plano económico não devem ser artificialmente decompostas. Para evitar isso, devem ser tidas em conta as características essenciais da operação. A «intenção final» com que os utilizadores efetuaram o pagamento do cartão telefónico é determinante ( 19 ). Além disso, o Tribunal de Justiça aplicou recentemente estes princípios ao contexto do fornecimento de serviços de telecomunicações. No acórdão Everything Everywhere ( 20 ) foi decidido que, para efeitos de cobrança do imposto sobre o valor acrescentado, as despesas adicionais faturadas por um prestador de serviços de telecomunicações aos seus clientes não constituíam a contrapartida de uma prestação de serviços distinta e independente da prestação de serviços principal que consiste em fornecer serviços de telecomunicações.

33.

Como salienta o Governo grego, existe uma só prestação sempre que um ou mais elementos constituam o serviço principal, ao passo que um ou mais elementos devem, pelo contrário, ser considerados serviços acessórios que partilham do tratamento fiscal que o serviço principal. Um serviço deve ser considerado acessório de um serviço principal se não constituir, para a clientela, um fim em si, mas um meio de beneficiar das melhores condições do serviço principal ( 21 ).

34.

A abordagem aqui descrita para determinar a prestação relevante para efeitos do artigo 2.° ( 22 ), no caso de operações múltiplas na prestação de um serviço, foi estabelecida há algum tempo atrás, no acórdão Faaborg‑Gelting Linien ( 23 ). Neste acórdão foi decidido que as operações consistentes no serviço de refeições a bordo de ferry‑boats que efetuam carreiras entre portos não constituíam uma entrega de bens, mas uma prestação de serviços nos termos da Sexta Diretiva IVA, porque o serviço de restauração se caracteriza por ser um conjunto de elementos e de atos, dos quais o fornecimento de comida é apenas um componente, e que, nesse conjunto, os serviços predominam em larga medida ( 24 ).

35.

Tendo em conta todos os factos e operações relevantes e, além disso, a «intenção final» do utilizador final ao adquirir um cartão telefónico, o serviço relevante é o direito de aceder a chamadas telefónicas internacionais que são mais económicas do que as disponíveis através da central telefónica local no Estado‑Membro onde o cartão é adquirido, e mesmo em qualquer outra parte. Conforme foi salientado pelo Governo neerlandês, a posse de um cartão telefónico não é uma finalidade em si mesma para os utilizadores finais ( 25 ). O que interessa ao consumidor são as chamadas telefónicas internacionais de baixo custo que o cartão permite.

36.

O cartão permite fazer essas chamadas indicando, no texto escrito no cartão, o número telefónico local que reencaminha automaticamente a chamada local do utilizador final para a central no Reino Unido da Lebara, e mediante fornecimento do código PIN oculto. Além de proporcionar, de modo limitado, serviços de apoio ao cliente, para o consumidor, o cartão não tem nenhuma outra finalidade. Como referi, os utilizadores finais não necessitam de possuir o cartão telefónico para fazer a chamada telefónica se se recordarem da informação aí contida.

37.

Portanto, com base na abordagem estabelecida para interpretação do artigo 2.° da Sexta Diretiva IVA, a Lebara fornece um direito de acesso a serviços de telecomunicações aos utilizadores finais. Existe uma ligação direta entre os utilizadores finais e a Lebara, através do pagamento de uma contrapartida pelos utilizadores finais aos distribuidores ou aos seus retalhistas, e a sua posterior transmissão à Lebara. A existência de uma ligação direta também é evidente na exigência de que os utilizadores finais marquem um código PIN que é recebido pelos comutadores da Lebara e que prova a compra do cartão.

B – Interpretação das relações jurídicas na perspetiva da legislação da UE em matéria de IVA

1. As questões submetidas e a abordagem à sua resposta

38.

O órgão jurisdicional de reenvio submeteu duas questões. A primeira é bastante precisa, ao passo que a segunda é mais geral. No entanto, a meu ver, a primeira questão baseia‑se em certas presunções implícitas que abrangem aspetos, tanto de facto, como de direito. Além disso, não é possível responder à primeira questão sem fazer uma análise exaustiva das relações entre a Lebara, os seus distribuidores (e eventuais retalhistas) e os utilizadores finais, na perspetiva da legislação da UE em matéria de IVA. Esta análise deve necessariamente abordar as questões centrais da natureza da prestação, do facto gerador do imposto, do valor tributável e do lugar da prestação de serviços. Estas questões serão consideradas nos números que se seguem, nos quais se examinam as quatro soluções alternativas propostas nas observações escritas apresentadas pelas partes e pelos intervenientes.

2. Opção 1: Duas prestações de serviços sucessivas

a) Resumo da posição do Governo do Reino Unido

39.

O Governo do Reino Unido considera que o artigo 2.°, n.o 1, da Sexta Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que, ao emitir cartões telefónicos, um comerciante fornece duas prestações: uma no momento da venda inicial do cartão telefónico e a outra no momento da utilização das chamadas telefónicas. Em seu entender, no estado atual da harmonização do direito da UE, os Estados‑Membros têm liberdade de escolha de qual das duas prestações deve ser sujeita a IVA. Na medida em que daí possa resultar uma não tributação ou uma tributação dupla, isso resulta da falta de harmonização nesta área, que só poderá ser sanada por legislação relativa ao tratamento dos vales de valor nominal em toda a União Europeia.

40.

O Governo do Reino Unido alega ainda que, nesta análise, o lugar da prestação de serviços deve ser o Reino Unido. Isto porque se presume que os utilizadores não são sujeitos passivos. O lugar da prestação de serviços é, portanto, determinado pelo artigo 9.°, n.o 1, da Sexta Diretiva IVA, e não pelo artigo 9.°, n.o 2, alínea e). Além disso, o facto gerador do imposto ocorre no momento da utilização das chamadas telefónicas pelos utilizadores finais.

41.

Por último, segundo a proposta do Governo do Reino Unido, a contrapartida pelo acesso a chamadas telefónicas de baixo custo consistiria no preço pago pelos distribuidores à Lebara pelos cartões telefónicos. Porém, o valor tributável teria de ser ajustado se fossem feitas menos chamadas do que as permitidas pelo cartão. A parte não utilizada do valor nominal do cartão telefónico não seria tomada em consideração na determinação do valor tributável. Assim, por exemplo, se um cartão telefónico tem um valor nominal de 15 euros, que é adquirido por um distribuidor por 10 euros, o valor tributável será de 5 euros, e não de 10 euros, se só for utilizada metade do cartão telefónico.

b) Apreciação

42.

Desde logo, a minha conclusão de que a prestação relevante é o acesso ao direito de fazer chamadas telefónicas a baixo preço, fornecida pela Lebara aos utilizadores finais, não significa que eu aceite o modelo proposto pelo Governo do Reino Unido. Mais especificamente, não significa que aceite o argumento de que a Lebara fornece duas prestações, uma aos distribuidores dos cartões telefónicos, e outra aos utilizadores finais, pela mesma contrapartida.

43.

Em primeiro lugar, o conceito de «prestação dupla» para o mesmo serviço é alheio ao regime jurídico da UE em matéria de IVA. Se fosse adotada, seriam infringidos os princípios fundamentais da legislação da UE em matéria de IVA, e criar‑se‑iam problemas de segurança jurídica e de dupla tributação ou de não tributação ( 26 ).

44.

Além disso, embora a prestação relevante não seja a entrega de um cartão telefónico, mas a concessão do direito de acesso aos serviços de telecomunicações da Lebara, esta conclusão não permite ao Reino Unido invocar o artigo 9.°, n.o 1, da Sexta Diretiva IVA e cobrar IVA sobre todas as operações realizadas entre a Lebara e os seus distribuidores. Não se pode pressupor que todos os utilizadores finais sejam sujeitos não passivos para os efeitos do artigo 9.°, n.o 2, alínea e), da Sexta Diretiva IVA, porque é razoável presumir que sujeitos passivos com ligações a países terceiros específicos podem querer utilizar os serviços da Lebara. Nessas circunstâncias, o lugar da prestação de serviços deslocar‑se‑ia, nos termos do artigo 9.°, n.o 2, alínea e), para o Estado‑Membro do cliente. Outros utilizadores seriam, no entanto, consumidores particulares, pelo que o tratamento para efeitos do IVA da prestação fornecida pela Lebara a tais utilizadores finais continuaria a ser regulada pelo artigo 9.°, n.o 1.

45.

A Lebara não pode identificar todos os seus utilizadores finais, ou mesmo nenhum destes, porque são clientes dos distribuidores ou dos retalhistas destes últimos. Em minha opinião, um Estado‑Membro não deve poder basear a sua competência fiscal em presunções que não possam ser ilididas nem verificadas. Além disso, aceitar o argumento do Governo do Reino Unido de que todos os utilizadores finais dos serviços da Lebara são sujeitos não passivos, excluiria esta presunção do alcance da fiscalização jurisdicional ( 27 ).

3. Opção 2: Duas prestações de serviços paralelas

a) Resumo da posição do Governo neerlandês

46.

O Governo neerlandês também propõe uma análise nos termos da qual o modelo de negócio em questão implica duas prestações de serviços, mas só uma destas é fornecida pela Lebara. Se for esse o caso, existe uma prestação única de serviços de telecomunicações pela Lebara aos utilizadores finais, combinada com uma prestação acessória de serviços de distribuição pelos distribuidores à Lebara.

47.

No entender do Governo neerlandês, nas circunstâncias do processo principal, o artigo 2.°, n.o 1, da Sexta Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que o prestador de serviços de telecomunicações (a seguir «comerciante A») fornece uma prestação, que consiste no fornecimento de serviços de telecomunicações ao utilizador final. O fornecimento do cartão telefónico pelo prestador (comerciante A) ao distribuidor (a seguir «comerciante B»), independentemente e separadamente dos serviços de telecomunicações, não constitui uma prestação de serviços na aceção do artigo 2.°, n.o 1, da Sexta Diretiva IVA. Todavia, o distribuidor (comerciante B) presta serviços de distribuição ao prestador (comerciante A).

48.

O Governo neerlandês conclui que o prestador (comerciante A) está sujeito ao pagamento de IVA no Estado‑Membro onde está estabelecido, quanto à prestação dos serviços de telecomunicações aos utilizadores finais, que se presume não serem sujeitos passivos. O IVA é devido no momento em que o distribuidor paga o montante do valor nominal do cartão telefónico ao prestador, mediante um pagamento em conta.

49.

Portanto, o valor tributável é, em seu atender, diferente e superior ao do Governo do Reino Unido. Segundo o modelo proposto pelo Governo neerlandês, o valor tributável do serviço prestado pela Lebara seria o valor nominal do cartão telefónico, independentemente de o distribuidor ou o retalhista venda os cartões telefónicos a um preço superior ou inferior ao valor nominal. Além disso, o facto gerador do imposto não é, segundo o Governo neerlandês, a utilização das chamadas telefónicas (conforme proposto pelo Governo do Reino Unido) mas a venda de cartões telefónicos pela Lebara aos seus distribuidores. Por seu lado, o valor tributável sobre do serviço acessório prestado pelos distribuidores à Lebara consiste na diferença entre o valor nominal dos cartões telefónicos e o preço que o distribuidor paga à Lebara no momento da aquisição. Por outras palavras, considera‑se que o distribuidor cobrou essa diferença como contrapartida pelo serviço que presta à Lebara.

b) Apreciação

50.

Esta solução apresenta diversos problemas, além da dificuldade que já assinalei, relativa à presunção (infundada) de que todos os utilizadores finais dos cartões da Lebara são sujeitos não passivos. Embora partilhe do entendimento de que a entrega dos cartões telefónicos pela Lebara ao distribuidor não constitui uma prestação de serviços independente, e que o fornecimento dos cartões, enquanto tal, é um ato irrelevante para efeitos de IVA, não posso concordar com os argumentos apresentados pelo Governo neerlandês na audiência, segundo os quais a participação do distribuidor ou do seu retalhista na operação final com os utilizadores finais não constitui nenhum tipo de prestação de serviços daqueles a estes.

51.

E, mais importante, é que o modelo proposto pelo Governo neerlandês não tem em conta o facto de, na legislação da EU relativa ao IVA se aplicarem diferentes regras consoante um intermediário forneça uma prestação em seu próprio nome ou em nome do comitente ( 28 ). Estas regras não podem ser ignoradas ao determinar a sujeição da Lebara a IVA no presente litígio.

52.

Assim, por exemplo, se A vende algo a C, e B atua em nome próprio como intermediário realizando a operação com C, B não está a prestar a A serviços de distribuição separados. Em vez disso, B constitui simplesmente um elo na cadeia de fornecimento.

53.

Mas se existe uma operação entre A e C, e A utiliza B como prestador de serviços de distribuição que atua na operação em nome e por conta de A, B fornece a A uma prestação de serviços separada. A operação entre A e B constitui, para efeitos da legislação em matéria de IVA, um contributo para a prestação fornecida por A a C.

54.

No entanto, para que A possa deduzir o IVA cobrado sobre os serviços de distribuição prestados por B, este último teria de apresentar a A uma fatura separada da qual conste a sua comissão. Uma consequência lógica do esquema proposto pelo Governo neerlandês seria a eliminação da faturação separada da comissão dos distribuidores, a qual é necessária para uma cobrança correta do IVA, porque a comissão seria constituída pela diferença entre as contrapartidas que o distribuidor recebe e paga pelos cartões telefónicos ( 29 ).

55.

Um problema ainda mais grave que o modelo do Governo neerlandês suscita refere‑se ao facto de este modelo levar a uma tributação excessiva no caso de os cartões telefónicos serem vendidos ao utilizador final por um preço inferior ao do valor nominal. De igual modo, uma parte da contrapartida não seria tributada se os cartões telefónicos fossem vendidos a um preço superior ao valor nominal. O mesmo problema estender‑se‑ia necessariamente ao IVA cobrado sobre os serviços de distribuição.

4. Opção 3: Uma única cadeia de fornecimento

a) Resumo das posições da Lebara e da Comissão,

56.

O modelo proposto pela Comissão e que é, no essencial, partilhado pela Lebara é sólido, mas não isento de falhas. A sua posição pode ser resumida da seguinte forma.

57.

Quando um sujeito passivo (a seguir «comerciante A») vende a outro sujeito passivo (a seguir «comerciante B»), cujo local de atividade se situa noutro Estado‑Membro, cartões telefónicos que representam o direito de receber serviços de telecomunicações, e a seguir o comerciante B vende o cartão telefónico para respetivo consumo pelos utilizadores finais, o comerciante A fornece uma única prestação de serviços tributável no momento da venda ao comerciante B. A posterior aquisição e utilização do cartão por um utilizador final não constitui uma prestação tributável fornecida pelo comerciante A ao utilizador final, mas pelo comerciante B ao utilizador final.

58.

Nesta hipótese, o comerciante B está sujeito ao mecanismo de autoliquidação do IVA relativo à contrapartida que paga ao comerciante A. O comerciante B também está sujeito ao IVA cobrado sobre a contrapartida que recebe o utilizador final. O IVA é cobrado sobre as duas prestações, no Estado‑Membro onde está situado o local de atividade do comerciante B. No entanto, o comerciante B pode deduzir o IVA por ele pago no âmbito das suas relações comerciais com o comerciante A quando declarar à administração fiscal do respetivo Estado‑Membro no caso da venda dos serviços de telecomunicações aos utilizadores finais. Por outras palavras, o comerciante B deduz o imposto pago a montante.

b) Apreciação

59.

Este modelo reflete a ideia de uma cadeia de fornecimento do produtor ao consumidor final, passando pelas diferentes fases do mercado. O valor acrescentado em cada uma das fases do mercado é tributado, e o modelo conduz à aplicação correta do IVA quanto ao local da tributação e da taxa de imposto aplicada ao consumo.

60.

Porém, subsiste o problema de o próprio cartão telefónico não ter uma função independente enquanto bem ou serviço. Por outro lado, não se pode concluir que os utilizadores finais estejam a comprar aos distribuidores um direito a serviços de telecomunicações, porque o serviço não foi em nenhum momento plenamente transferido da Lebara para os seus distribuidores.

61.

Os acordos de comercialização concluídos entre a Lebara e os distribuidores mostram que a função do distribuidor consiste em promover a venda dos cartões telefónicos a utilizadores finais, diretamente ou através de retalhistas. Além disso, um elemento fundamental da legislação da UE em matéria de IVA é o facto de se tratar de um imposto sobre o consumo ( 30 ). Como já expliquei, o objetivo essencial das operações entre a Lebara e os seus distribuidores era facilitar o consumo, não pelos distribuidores, mas pelos utilizadores finais. Nenhuma análise pode afirmar, segundo a ordem normal dos factos, que as chamadas telefónicas de baixo custo são consumidas pelos distribuidores.

62.

É verdade que o distribuidor pode desempenhar o papel de um utilizador final e utilizar o cartão telefónico fornecido que é pago e ativado, mas esta não é a verdadeira finalidade económica do acordo entre os distribuidores e a Lebara. Se um distribuidor utilizasse um cartão telefónico para fazer chamadas telefónicas internacionais, esse seria um autofornecimento tributável, desde que o cartão telefónico fosse utilizado para fins não comerciais. Isto está regulado no artigo 6.°, n.o 2, alínea b), da Sexta Diretiva IVA ( 31 ).

63.

Os factos também não alicerçam a ideia de que os distribuidores concebem e comercializam os seus próprios serviços de telecomunicações, e depois os aplicam subcontratando à Lebara os necessários serviços de acesso à rede.

64.

É claramente a Lebara quem cria, através da sua rede contratual, uma rede de telecomunicações entre o utilizador final e o comutador da Lebara, e a partir desta, através dos prestadores de serviços telefónicos internacionais, para os destinatários das chamadas telefónicas no exterior da UE. A este respeito, não é admissível a comparação dos distribuidores da Lebara com os operadores de redes de telecomunicações móveis virtuais, conforme sugerido pela Comissão na audiência no Tribunal de Justiça.

65.

Por último, nas suas observações escritas, a Lebara salientou o facto de os utilizadores finais desconhecerem, e não terem qualquer forma de saber, que o acesso às chamadas telefónicas internacionais de baixo custo que adquiriram aos distribuidores ou retalhistas é fornecido pela Lebara. A Lebara também sublinhou a inexistência de obrigações contratuais diretas entre o utilizador final e a Lebara.

66.

Relativamente ao primeiro argumento, a alteração do nome de modo a ocultar a identidade do prestador não altera de forma alguma a «intenção final» do utilizador final quando este adquire os cartões, que é a de fazer as chamadas telefónicas internacionais de baixo custo. Relativamente ao último argumento, o artigo 2.° da Sexta Diretiva IVA não foi redigido a pensar na existência de relações contratuais entre o utilizador final e o prestador, mas sim no fluxo da contrapartida entre o utilizador final e o prestador. Conforme referiu o Tribunal de Justiça no acórdão Town e County Factors ( 32 ), a metodologia que consiste em fazer depender a existência de uma relação jurídica da exigibilidade das obrigações que incumbem ao prestador de serviços comprometeria o efeito útil da Sexta Diretiva ( 33 ). A contrapartida passa dos utilizadores finais para a Lebara, através dos retalhistas e dos distribuidores. Além disso, existe uma ligação direta entre os utilizadores finais e a Lebara porque o código PIN confere ao utilizador final o acesso direto aos comutadores da Lebara.

67.

Em resumo, se o Tribunal de Justiça aceitasse o modelo proposto pela Comissão e pela Lebara, isso exigiria, no mínimo, uma interpretação flexível da relação jurídica entre a Lebara e os seus distribuidores que, além do mais, não encontra apoio na jurisprudência do Tribunal de Justiça. Não resulta de nenhuma análise que a Lebara preste aos seus distribuidores o mesmo serviço que estes últimos prestam aos utilizadores finais.

5. Opção 4: Prestação de serviços por um sujeito passivo que atua em seu próprio nome mas por conta de outrem

a) Resumo da posição alternativa da Comissão

68.

Em alternativa, a Comissão alega ainda que, nos termos do artigo 6.°, n.o 4, da Sexta Diretiva IVA, quando os sujeitos passivos, que atuem em seu próprio nome, mas por conta de outrem, intervenham numa prestação de serviços, considera‑se que receberam e forneceram pessoalmente os serviços em questão. Assim, deve considerar‑se que os distribuidores da Lebara (que claramente atuam em seu próprio nome) receberam as prestações da Lebara numa primeira operação tributável, e que as forneceram aos utilizadores finais numa segunda operação.

b) Apreciação

69.

O Tribunal de Justiça decidiu recentemente que o artigo 6.°, n.o 4, da Sexta Diretiva IVA cria uma ficção jurídica de duas prestações de serviços idênticas fornecidas consecutivamente. Segundo essa ficção, considera‑se que o operador que intervém na prestação de serviços e que é o comissário, recebeu, num primeiro momento, os serviços em causa do operador por conta do qual atua, que é o comitente, antes de, num segundo momento, prestar pessoalmente esses serviços ao cliente. Daí resulta que, no que diz respeito à relação jurídica entre o comitente e o comissário, os seus respetivos papéis de prestador de serviços e de pagador são ficticiamente invertidos para efeitos do IVA ( 34 ).

70.

A meu ver, esta ficção constitui a chave para a resolução do presente processo. Para efeitos de IVA, os distribuidores devem ser considerados comissários que atuam em seu próprio nome, mas por conta da Lebara, que é o comitente. A Comissão refere corretamente que o artigo 6.°, n.o 4, da Sexta Diretiva IVA leva à cobrança do IVA da mesma forma que o modelo das duas prestações numa única cadeia. Acrescento que, através do artigo 6.°, n.o 4, da Sexta Diretiva IVA se obtém o mesmo resultado sem distorcer a realidade do serviço prestado pela Lebara, e do destinatário respetivo.

71.

Os distribuidores não são, de facto, destinatários de um direito de acesso a serviços de telecomunicações, mas o artigo 6.°, n.o 4, da Sexta Diretiva IVA constitui um mandato do legislador da UE para a aplicação de uma ficção deste tipo quando um distribuidor atua em seu próprio nome, mas por conta de outrem. E deste modo se obtém igualmente a cobrança do imposto no devido Estado‑Membro correto e à taxa correta. No caso presente, no Estado‑Membro onde o distribuidor está situado, uma vez que o valor tributável corresponde ao montante pago pelos distribuidores à Lebara e que o facto gerador do imposto se verifica quando os cartões telefónicos são ativados. Além disso, o artigo 6.°, n.o 4, permite a emissão correta de faturas ao e pelo sujeito passivo que intervém na prestação de serviços ( 35 ).

72.

Todavia, a Lebara salientou que os distribuidores não atuam como seus agentes e que o órgão jurisdicional nacional já decidiu que os distribuidores atuam em seu próprio nome. Por outras palavras, isto sugere que o acordo entre a Lebara e os seus distribuidores não reflete uma relação em que os distribuidores atuam como mandatários «secretos» ou comissários nos termos do artigo 6.°, n.o 4, da Sexta Diretiva IVA.

73.

O que se pede no presente processo de decisão prejudicial é, no entanto, a interpretação do significado do artigo 6.°, n.o 4, da Sexta Diretiva IVA por referência ao direito da UE, e não às leis de direito nacional sobre o contrato de agência, ou a qualquer outro elemento de direito civil nacional, ou mesmo ao direito fiscal nacional. Além disso, pode ser atribuído ao artigo 6.°, n.o 4, enquanto disposição de direito fiscal, um significado que pode não coincidir necessariamente com os conceitos paralelos resultantes de qualquer elemento de direito civil nacional. Em meu entendimento, o artigo 6.°, n.o 4, da Sexta Diretiva IVA não se limita às situações em que haja relações no âmbito de um contrato de agência, conhecido ou não, com base no direito do Estado‑Membro em questão que é, no presente processo, o Reino Unido. Os requisitos do artigo 6.°, n.o 4, estão preenchidos quando estejam reunidos os três critérios (participação na prestação de serviço, em nome do próprio comerciante e por conta de outrem).

74.

O facto de não ser formulada no pedido de decisão prejudicial uma questão específica sobre o significado do artigo 6.°, n.o 4, da Sexta Diretiva IVA, não impede que o Tribunal de Justiça examine essa questão. É jurisprudência assente que, embora, no plano formal, o órgão jurisdicional nacional tenha limitado as suas questões à interpretação de um número restrito de disposições, tal circunstância não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação do direito da União que lhe possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões ( 36 ). De facto, isto resulta da amplitude da segunda questão prejudicial. Além disso, a decisão do Tribunal de Justiça no processo Henfling e o. ( 37 ), sobre a abordagem da interpretação do artigo 6.°, n.o 4, da Sexta Diretiva IVA é posterior a quaisquer resultados a que o First‑tier Tribunal, Tax Chamber, poderá ter chegado relativamente ao artigo 6.°, n.o 4 ( 38 ).

75.

Quanto à interpretação do direito da UE do artigo 6.°, n.o 4, da Sexta Diretiva IVA, parece‑me que, no presente processo, se deve considerar que os distribuidores atuam por conta da Lebara pelos seguintes motivos. Em primeiro lugar, a entrega dos cartões telefónicos aos distribuidores não significa que seja transferido qualquer risco económico da Lebara. Isto porque, aparentemente, os distribuidores não têm de pagar cartões telefónicos não ativados. Concluo, com base nas alegações da Lebara, que os distribuidores não pagam qualquer preço à Lebara se não conseguirem, quando fazem a promoção dos cartões, vendê‑los a utilizadores finais. Quando isto acontece, não pedem a sua ativação. Por outras palavras, em termos económicos, atuam por conta da Lebara.

76.

Além disso, os distribuidores participam na prestação de um direito de acesso a serviços de telecomunicações efetuada pela Lebara ao utilizador final. Responsabilizam‑se, em seu próprio nome, mas por conta da Lebara, pela distribuição do acesso a chamadas telefónicas de baixo custo, juntamente com a transferência da contrapartida paga pelo utilizador final à Lebara. Além disso, cabe aos distribuidores que tomam as necessárias medidas (a saber, o pagamento e a comunicação à Lebara do número de série) ativar a conta temporária de cliente que o cartão telefónico representa.

77.

Por conseguinte, a meu ver, a forma mais defensável de classificação dos facto do presente processo é concluir que a Lebara presta aos utilizadores finais serviços que consistem no direito de acesso a serviços de telecomunicações mediante um pré‑pagamento que pode ser considerado uma conta de cliente temporária até um certo montante de unidades de tempo telefónicas. Os distribuidores participam nestas prestações em seu próprio nome, mas por conta da Lebara. Portanto, nos termos do artigo 6.°, n.o 4, da Sexta Diretiva IVA, considera‑se que os distribuidores receberam o serviço da Lebara e o forneceram aos utilizadores finais. Isto conduz ao tratamento em matéria de IVA acima explicado nos números 70 e 71.

78.

Observo, no entanto, que, no acórdão Henfling e o., o Tribunal de Justiça remeteu a questão da observância do artigo 6.°, n.o 4, quanto aos factos nesse processo, ao órgão jurisdicional nacional. O Tribunal de Justiça limitou‑se a emitir orientações do tipo da que desenvolvi aqui sobre os fatores a tomar em conta na aplicação do artigo 6.°, n.o 4 ( 39 ). Assim sendo, a questão de saber se os factos do presente processo preenchem os requisitos do artigo 6.°, n.o 4, poderá ser remetida para a decisão do órgão jurisdicional nacional, tendo devidamente em conta as conclusões do Tribunal de Justiça sobre os diversos pontos suscitados no presente processo, a necessidade de preservar a integridade dos princípios estabelecidos da legislação da UE em matéria de IVA, e o significado autónomo ao nível da UE a dar ao artigo 6.°, n.o 4, distinto dos conceitos que resultam do direito nacional.

V – Resumo

79.

Das quatro alternativas acima apresentadas, sugiro ao Tribunal de Justiça que afaste o modelo proposto pelo Governo do Reino Unido porque pode conduzir à dupla tributação ou à não tributação. Além disso, leva à conclusão de que o lugar da prestação de serviços e, consequentemente, a competência para efeitos do IVA, deve ser determinado com base na presunção, que não pode ser objeto da fiscalização jurisdicional, de que todos os utilizadores finais são sujeitos não passivos.

80.

O mesmo se diga igualmente quanto ao modelo proposto pelo Governo neerlandês. Além disso, esse modelo pode conduzir, consoante os casos, a uma tributação excessiva ou demasiado reduzida do IVA, uma vez que o valor tributável, tanto da prestação do direito ao serviço de telecomunicações, como dos serviços de distribuição separados, resulta do valor nominal dos cartões telefónicos. Este pode ser superior ou inferior ao preço pago pelos utilizadores finais por esses cartões.

81.

O modelo da cadeia de fornecimento proposto pela Lebara e pela Comissão leva ao resultado final correto, mas à custa da distorção da relação entre a Lebara e os seus distribuidores, uma vez que exige que o Tribunal de Justiça considere que a Lebara vende o direito de acesso às suas chamadas telefónicas de baixo custo aos seus distribuidores. Em vez disso, o recurso à ficção jurídica criada pelo artigo 6.°, n.o 4, da Sexta Diretiva IVA adequar‑se‑ia mais corretamente à realidade do modelo de negócio que foi apresentado ao Tribunal de Justiça no presente processo. Não obstante, para a hipótese de o Tribunal de Justiça discordar das minhas conclusões relativas ao artigo 6.°, n.o 4, sugiro, em alternativa, que seja acolhida a proposta da Comissão e da Lebara, nos termos da qual a venda do cartão telefónico pela Lebara aos seus distribuidores constitui uma prestação única, e a venda posterior pelos distribuidores uma prestação separada.

VI – Conclusão

82.

Com base nas considerações que precedem, proponho a seguinte resposta às questões prejudiciais submetidas pelo First‑tier Tribunal, Tax Chamber:

Quando um sujeito passivo («comerciante A») vende a outro sujeito passivo («comerciante B») cartões telefónicos que contêm informação que permite ao seu comprador («utilizador final C») aceder e receber serviços de telecomunicações de A até ao montante especificado no cartão (na condição de A ter recebido de B a contrapartida acordada entre estes), o comerciante A presta ao utilizador final C um serviço que consiste num direito de acesso a serviços de telecomunicações mediante um pré‑pagamento. Todavia, com base no artigo 6.°, n.o 4, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios ‑ Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, se o comerciante B participar em seu próprio nome, mas por conta do comerciante A, na prestação desse serviço ao utilizador final C, questão que compete ao órgão jurisdicional nacional resolver, deverá considerar‑se, para efeitos de IVA, que o comerciante B recebeu essa prestação de serviço do comerciante A e a forneceu ao utilizador final C.

83.

Se o Tribunal de Justiça decidir não acolher esta proposta, ou se o órgão jurisdicional nacional não puder concluir que os distribuidores atuam por conta da Lebara, sugiro, em alternativa, a seguinte resposta às questões prejudiciais submetidas pelo First‑tier Tribunal, Tax Chamber:

Quando um sujeito passivo («comerciante A») vende a outro sujeito passivo («comerciante B») cartões telefónicos que representam o direito a uma prestação de serviços de telecomunicações pelo comerciante A e, posteriormente, o comerciante B vende o cartão telefónico ao utilizador final C, que faz as chamadas telefónicas internacionais representadas no cartão telefónico, o comerciante A fornece uma prestação única tributável de serviços de telecomunicações no momento da venda ao comerciante B. A posterior aquisição e utilização do cartão por um utilizador final não constitui uma nova prestação tributável fornecida pelo comerciante A.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Primeira Diretiva 67/227/CEE do Conselho, de 11 de abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (JO L 71, p. 1301; EE 09 F1 p. 3; a seguir «Primeira Diretiva»). O artigo 2.° consta atualmente do artigo 1.°, n.o 2, da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, que altera a Diretiva 2006/112/CE no que diz respeito ao lugar das prestações de serviços (JO L 44, p. 11) (a seguir «Diretiva IVA») (JO L 347, p. 1). A Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Diretiva IVA»), é aplicável ratione temporis ao presente processo. Foi substituída pela Diretiva IVA. Por uma questão de clareza, será feita referência, ao longo das presentes conclusões, à Sexta Diretiva IVA e às disposições equivalentes da Diretiva IVA.

( 3 ) V. atual artigo 2.°, n.o 1, da Diretiva IVA.

( 4 ) O artigo 5.°, n.o 1, da Sexta Diretiva IVA corresponde atualmente ao artigo 14.°, n.o 1, da Diretiva IVA.

( 5 ) Atual artigo 24.° da Diretiva IVA.

( 6 ) Atual artigo 28.° da Diretiva IVA.

( 7 ) Esta disposição consta atualmente, em substância, dos artigos 44.° e 45.° da Diretiva IVA.

( 8 ) A disposição contida no décimo travessão do artigo 9.°, n.o 2, alínea e), da Sexta Diretiva IVA foi inserida pela Diretiva 1999/59/CE, de 17 de junho de 1999, que altera a Diretiva 77/388/CEE no que se refere ao regime do imposto sobre o valor acrescentado aplicável aos serviços de telecomunicações (JO L 162, p. 63). V. atuais artigos 369.° A a 369.° K da Diretiva IVA.

( 9 ) V. atuais artigos 62.°, 63.° e 65.° da Diretiva IVA.

( 10 ) V. atual título XI, capítulo 1, secção 1, epigrafado «Devedores do imposto ao fisco», que inclui os artigos 193.° a 205.°

( 11 ) O artigo 21.°, n.o 1 [28.°G], da Sexta Diretiva IVA foi alterado pelo artigo 1.°, n.o 4, da Diretiva 2000/65/CE do Conselho, de 17 de outubro de 2000 que altera a Diretiva 77/388/CEE no que diz respeito à determinação do devedor do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 269, p. 44).

( 12 ) O advogado da Lebara explicou na audiência que os distribuidores não prestam eles próprios serviços de telecomunicações. São distribuidores de serviços de telecomunicações e podem adquirir estes serviços a outros prestadores de serviços diferentes da Lebara.

( 13 ) Nas suas alegações apresentadas na audiência, o advogado da Lebara referiu que os distribuidores pagam os cartões telefónicos antes de estes serem ativados, e os vendem depois de terem sido ativados. A sequência indicada foi o pagamento integral, seguido da ativação, e depois da venda. Contudo, a Lebara refere, nas suas observações escritas, que, para obstar ao risco de furto, os cartões telefónicos não podiam ser utilizados para fazer uma chamada telefónica durante o período em que eram enviados pela Lebara a um distribuidor. Depois de os receber, o distribuidor pedia à Lebara que ativasse os cartões telefónicos. O distribuidor era responsável pelo pagamento à Lebara dos cartões telefónicos logo que estes fossem ativados. Se os cartões telefónicos fossem a seguir roubados, ou o distribuidor não os pagasse, eram desativados pela Lebara. Estas posições não são totalmente coerentes no que diz respeito ao momento no tempo em que o pagamento é efetuado pelos distribuidores à Lebara. Contudo, a questão parece ser resolvida pelo despacho de reenvio. Este refere que «a Lebara ativava os cartões telefónicos se a conta do distribuidor junto da Lebara tivesse crédito; caso contrário, pedia ao distribuidor que fizesse um pagamento antes de os ativar».

( 14 ) Segundo o «mecanismo de autoliquidação», previsto no artigo 21.°, n.o 1, da Sexta Diretiva IVA, se o prestador A e o comprador B não estiverem estabelecidos no território do mesmo Estado‑Membro, a obrigação de declarar o imposto é invertida, pelo que é o destinatário da prestação que está obrigado a pagar o IVA e não o prestador. Isto significa que B está obrigado a cobrar o IVA devido sobre a operação e a declará‑lo às autoridades fiscais do Estado‑Membro de B. Conforme já referido, o artigo 21.°, n.o 1, está atualmente contido na secção 1 do capítulo 1, título X, da Diretiva IVA, epigrafada «Devedores do imposto perante o Fisco», que engloba os artigos 193.° a 205.°

( 15 ) Neste sentido, uma pequena alteração dos factos poderia tornar a solução jurídica deste acórdão inaplicável a uma situação semelhante. Assim, o presente acórdão não é necessariamente relevante para problemas mais complexos em matéria de IVA, relativos a vales de uso múltiplo ou a situações em que a contrapartida pelas entregas de bens ou prestações de serviços é paga utilizando o crédito pré‑pago ou por conta sobre ligações telefónicas móveis ou fixas.

( 16 ) Acórdão de 16 de dezembro de 2010, MacDonald Resorts (C-270/09, Colet., p. I-13179, n.o 18).

( 17 ) Acórdãos de 22 de outubro de 1998, Madgett e Baldwin (C-308/96 e C-94/97, Colet., p. I-6229, n.os 23 e 24); de 25 de fevereiro de 1999, CPP (C-349/96, Colet., p. I-973, n.os 26 a 32); de 3 de setembro de 2009, RCI Europe (C-37/08, Colet., p. I-7533, n.os 23 a 25); de 27 de outubro de 2005, Levob Verzekeringen e OV Bank (C-41/04, Colet., p. I-9433, n.os 17 a 26); e MacDonald Resorts, já referido na nota 16, n.o 18.

( 18 ) Acórdão de 7 de outubro de 2010, Loyalty Management UK e Baxi Group (C-53/09 e C-55/09, Colet., p. I-9187, n.o 39).

( 19 ) Neste sentido, v. acórdão MacDonald Resorts, já referido na nota 16, n.o 22.

( 20 ) Acórdão de 2 de dezembro de 2010, Everything Everywhere (C-276/09, Colet., p. I-12359).

( 21 ) Acórdãos Madgett e Baldwin, já referido na nota 17, n.o 24; e CPP, já referido na nota 17, n.o 30.

( 22 ) V., por exemplo, acórdão MacDonald Resorts, já referido na nota 16, n.os 24 e 32, onde foi declarado que as operações para a aquisição de direitos a pontos em programas de opções relativos a direitos de utilização periódica (time share) de complexos turísticos eram «operações preliminares» realizadas poder vir a obter o «verdadeiro serviço», que implicava um direito de utilização periódica de uma residência, o direito de alojamento num hotel ou outro serviço; no acórdão Madgett e Baldwin, já referido na nota 17, n.os 24 e 25, foi decidido que as prestações adquiridas a terceiros, e que não constituíam uma finalidade em si mesma, mas um meio de beneficiar das melhores condições do serviço principal desse operador, eram puramente acessórias; v. também acórdão Levob Verzekeringen e OV Bank, já referido na nota 17, n.os 17 a 26, onde foi decidido que havia uma prestação de serviços única, e não duas, quando, depois da venda inicial, um programa informático funcional foi especificamente adaptado às necessidades do comprador.

( 23 ) Acórdão de 2 de maio de 1996, Faaborg‑Gelting Linien (C-231/94, Colet., p. I-2395).

( 24 ) Acórdão Faaborg‑Gelting Linien, já referido na nota 23, n.o 14.

( 25 ) Acórdão MacDonald Resorts, já referido na nota 16, n.o 24.

( 26 ) Se o Estado‑Membro do distribuidor sujeitasse ao imposto a utilização das chamadas telefónicas, e o Estado‑Membro do prestador de serviços entendesse que a entrega dos cartões telefónicos era o facto gerador do imposto, nenhum deles cobraria IVA na situação de facto em apreço. Também seria contrário ao princípio fundamental da legislação em matéria de IVA, previsto no artigo 2.° da Sexta Diretiva IVA, de que o IVA é um imposto sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e dos serviços.

( 27 ) De igual modo, no acórdão MacDonald Resorts, já referido na nota 16, o Tribunal de Justiça rejeitou uma solução que teria permitido ao sujeito passivo em causa nesse acórdão, fazer a sua própria apreciação do parque de alojamentos disponíveis para efeitos de cálculo do IVA. Mais genericamente, o Tribunal de Justiça decidiu que os tribunais dos Estados‑Membros devem poder «aplicar efetivamente […] os princípios e as regras do direito comunitário pertinentes» no âmbito do exercício da fiscalização jurisdicional. V. acórdão de 21 de janeiro de 1999, Upjohn (C-120/97, Colet., p. I-223, n.o 36). V., mais recentemente, parecer 1/09, de 8 de março de 2011, Colet., p. I‑1137, qual o Tribunal de Justiça observou, no ponto 85, que «as funções atribuídas, respetivamente, aos órgãos jurisdicionais nacionais e ao Tribunal de Justiça são essenciais à preservação da própria natureza do direito instituído pelos Tratados».

( 28 ) V. artigos 6.°, n.o 4, e 9.°, n.o 2, alínea e), sétimo travessão, da Sexta Diretiva IVA.

( 29 ) V. artigo 18.°, n.o 1, alínea a), da Sexta Diretiva, nos termos do qual, para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve, «relativamente à dedução prevista no n.o 2, alínea a), do artigo 17.°, possuir uma fatura emitida nos termos do n.o 3 do artigo 22.°» V. atual artigo 178.°, alínea a), da Diretiva IVA.

( 30 ) V., recentemente, acórdão RCI Europe, já referido na nota 17, n.o 39.

( 31 ) O artigo 6.°, n.o 2, alínea b), da Sexta Diretiva IVA as prestações de serviços a título gratuito efetuadas pelo sujeito passivo, para seu uso privado ou do seu pessoal ou, em geral, para fins estranhos à própria empresa são equiparadas a prestações de serviços efetuadas a título oneroso. V. atual artigo 26.°, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA.

( 32 ) Acórdão de 17 de setembro de 2002, Town e County Factors (C-498/99, Colet., p. I-7173).

( 33 ) Acórdão Town e County Factors, já referido na nota 40, n.o 21).

( 34 ) Acórdão de 14 de julho de 2011, Henfling e o. (C-464/10, Colet., p. I-6219, n.o 35).

( 35 ) V. Terra, B. e Kajus, J., European VAT Directives, 2011, secção 10.2.1.4.

( 36 ) Acórdão de 5 de maio de 2011, McCarthy (C‑434/09, Colet.. p. I‑3375, n.o 24).

( 37 ) Já referido na nota 34.

( 38 ) O pedido de decisão prejudicial submetido ao Tribunal de Justiça no presente processo é de 22 de outubro de 2010, ao passo que o processo Henfling e o. foi decidido no ano seguinte, em 14 de julho de 2011.

( 39 ) Já referido na nota 34. V., em especial, n.os 42 e 43.