Processo C‑262/09

Wienand Meilicke e o.

contra

Finanzamt Bonn‑Innenstadt

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Finanzgericht Köln)

«Livre circulação de capitais – Imposto sobre o rendimento – Certificação do imposto das sociedades efectivamente pago sobre dividendos de origem estrangeira – Prevenção da dupla tributação dos dividendos – Crédito fiscal para dividendos pagos por sociedades residentes – Provas exigidas quanto ao imposto estrangeiro imputável»

Sumário do acórdão

1.        Livre circulação de capitais – Restrições – Legislação fiscal – Imposto sobre o rendimento – Tributação dos dividendos – Cálculo do crédito fiscal concedido a um sujeito passivo pelo seu rendimento global num Estado‑Membro por dividendos pagos por uma sociedade de capitais com sede noutro Estado‑Membro

(Artigos 56.° CE e 58.° CE)

2.        Livre circulação de capitais – Restrições – Legislação fiscal – Imposto sobre o rendimento – Tributação dos dividendos – Elementos de prova a fornecer por um sujeito passivo pelo seu rendimento global num Estado‑Membro a fim de obter um crédito fiscal por dividendos pagos por uma sociedade de capitais com sede noutro Estado‑Membro

(Artigos 56.° CE e 58.° CE)

3.        Livre circulação de capitais – Restrições – Legislação fiscal – Imposto sobre o rendimento – Tributação num Estado‑Membro dos dividendos pagos por uma sociedade de capitais com sede noutro Estado‑Membro

1.        Para o cálculo do montante do crédito fiscal a que tem direito um accionista sujeito a imposto num Estado‑Membro pelo seu rendimento global, relativamente a dividendos pagos por uma sociedade de capitais com sede noutro Estado‑Membro, os artigos 56.° CE e 58.° CE opõem‑se à aplicação, na falta de produção dos elementos de prova exigidos segundo a legislação do primeiro Estado‑Membro, de uma disposição nacional, por força da qual o imposto das sociedades que onera os dividendos de origem estrangeira é imputado no imposto sobre o rendimento do accionista na proporção do imposto das sociedades que onera os dividendos brutos distribuídos pelas sociedades do primeiro Estado‑Membro.

O cálculo do crédito fiscal deve ser efectuado em função da taxa de imposto dos lucros distribuídos por força do imposto das sociedades aplicável à sociedade distribuidora segundo o direito do seu Estado‑Membro de estabelecimento, sem que, todavia, o montante a imputar possa ultrapassar o montante do imposto sobre o rendimento a pagar no Estado‑Membro onde o accionista beneficiário é tributado pelo seu rendimento global sobre os dividendos recebidos por ele.

Com efeito, quando um Estado‑Membro adopta um sistema de prevenção ou de atenuação da tributação em cadeia ou da dupla tributação económica aplicável a dividendos pagos a residentes por sociedades residentes, deve tratar de modo equivalente os dividendos pagos a residentes por sociedades não residentes. Isso implica que, em tal situação, se transponha esse sistema nacional, na medida do possível, para os casos transfronteiriços.

(cf. n.os 29, 31, 34 e disp. 1)

2.        Quanto ao grau de precisão que os elementos de prova exigidos devem preencher para obter um crédito fiscal relativo a dividendos pagos por uma sociedade de capitais estabelecida num Estado‑Membro que não aquele onde o beneficiário é tributado pelo seu rendimento global, os artigos 56.° CE e 58.° CE opõem‑se à aplicação de uma disposição nacional, por força da qual o grau de pormenor e a forma de apresentação dos elementos de prova a apresentar por esse beneficiário devem ser os mesmos que os exigidos quando a sociedade distribuidora tem sede no Estado‑Membro de tributação desse beneficiário.

As autoridades fiscais deste último Estado‑Membro têm o direito de exigir ao referido beneficiário que forneça documentos justificativos que lhes permitam verificar, de forma clara e precisa, se as condições de obtenção de um crédito fiscal previsto pela legislação nacional estão reunidas sem ter de proceder a uma estimativa do referido crédito fiscal.

Uma legislação de um Estado‑Membro que impeça de forma absoluta as pessoas sujeitas a imposto nesse Estado‑Membro pelo seu rendimento global, que tenham investido em sociedades de capitais com sede noutro Estado‑Membro, de fornecer elementos de prova que respondam a critérios, designadamente de apresentação, diferentes dos previstos para os investimentos nacionais pela legislação do primeiro Estado‑Membro viola não apenas o princípio da boa administração mas, sobretudo, excede o necessário para prevenir o objectivo de eficácia dos controlos fiscais.

(cf. n.os 43, 53 e disp. 2)

3.        O princípio da efectividade opõe‑se a uma regulamentação nacional, conforme alterada, que, de forma retroactiva e sem prever um prazo transitório, não permite obter a imputação do imposto das sociedades estrangeiro que onerou os dividendos pagos por uma sociedade de capitais com sede noutro Estado‑Membro mediante a apresentação quer de uma certificação relativa a esse imposto, em conformidade com a legislação do Estado‑Membro onde o beneficiário desses dividendos é tributado pelo seu rendimento global, quer de documentos justificativos que permitam às autoridades fiscais desse Estado‑Membro verificar, de forma clara e precisa, se estão reunidas as condições de obtenção de uma vantagem fiscal. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar qual é o prazo razoável para a apresentação da referida certificação ou dos referidos documentos justificativos.

Com efeito, quanto à restituição de imposições nacionais indevidamente cobradas, quando as modalidades de restituição são alteradas pelo direito nacional de forma retroactiva, o princípio da efectividade exige que a nova legislação inclua um regime transitório que permita aos interessados dispor de um prazo suficiente, após a adopção desta, para poderem submeter os pedidos de reembolso que tinham o direito de apresentar ao abrigo da anterior legislação.

(cf. n.os 57, 59 e disp. 3)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

30 de Junho de 2011 (*)

«Livre circulação de capitais – Imposto sobre o rendimento – Certificação do imposto das sociedades efectivamente pago sobre dividendos de origem estrangeira – Prevenção da dupla tributação dos dividendos – Crédito fiscal para dividendos pagos por sociedades residentes – Provas exigidas quanto ao imposto estrangeiro imputável»

No processo C‑262/09,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Finanzgericht Köln (Alemanha), por decisão de 14 de Maio de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 13 de Julho de 2009, rectificado por decisão de 10 de Agosto de 2009, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de Setembro de 2009, no processo

Wienand Meilicke,

Heidi Christa Weyde,

Marina Stöffler

contra

Finanzamt Bonn‑Innenstadt,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, M. Ilešič, E. Levits (relator), M. Safjan e M. Berger, juízes,

advogado‑geral: V. Trstenjak,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 27 de Outubro de 2010,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de W. Meilicke, H. C. Weyde e M. Stöffler, por W. Meilicke e D. Rabback, Rechtsanwälte,

–        em representação do Finanzamt Bonn‑Innenstadt, por G. Sasonow e F. Mlosch, Prozessbevollmächtigte,

–        em representação do Governo alemão, por M. Lumma e C. Blaschke, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por R. Lyal e W. Mölls, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 13 de Janeiro de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 56.° CE e 58.° CE, que foram substituídos, a partir de 1 de Dezembro de 2009, pelos artigos 63.° TFUE e 65.° TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe W. Meilicke, H. C. Weyde e M. Stöffler, na qualidade de herdeiros de H. Meilicke, falecido em 3 de Maio de 1997, ao Finanzamt Bonn‑Innenstadt (a seguir «Finanzamt»), a propósito da tributação dos dividendos pagos ao de cujus, entre 1995 e 1997, por sociedades com sede na Dinamarca e nos Países Baixos.

 Quadro jurídico

 Direito comunitário

3        Inserido no capítulo 4, sob a epígrafe «Os capitais e os pagamentos», do título III, por sua vez intitulado «A livre circulação de pessoas, de serviços e de capitais», da parte III do Tratado CE, consagrada às políticas da Comunidade Europeia, o artigo 56.°, n.° 1, CE enuncia:

«No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados‑Membros e entre Estados‑Membros e países terceiros.»

4        O artigo 58.°, n.° 1, CE prevê:

«O disposto no artigo 56.° CE não prejudica o direito de os Estados‑Membros:

a)      Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

[...]»

5        O artigo 58.°, n.° 3, CE dispõe:

«As medidas e procedimentos a que se referem os n.os 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 56.°»

6        O artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados‑Membros no domínio dos impostos directos e indirectos (JO L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94), dispõe:

«1.      A autoridade competente de um Estado‑Membro pode solicitar à autoridade competente de um outro Estado‑Membro que lhe comunique as informações referidas no n.° 1 do artigo 1.°, no que se refere a um caso especial. […]»

 Direito alemão aplicável entre os anos de 1995 e 1997

7        Em conformidade com os §§ 1, 2 e 20 da Lei relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (Einkommensteuergesetz), de 7 de Setembro de 1990 (BGBl. 1990 I, p. 1898), conforme alterada pela Lei de 13 de Setembro de 1993 (BGBl. 1993 I, p. 1569, a seguir «EStG»), os dividendos recebidos por quem tenha residência e esteja, portanto, sujeito a imposto sobre o rendimento das pessoas singulares na Alemanha pelo seu rendimento global são tributáveis neste país, enquanto rendimentos de capitais.

8        Em conformidade com o § 27, n.° 1, da Lei relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (Körperschaftsteuergesetz), de 11 de Março de 1991 (BGBl. 1991 I, p. 638), na redacção dada pela Lei de 13 de Setembro de 1993 (a seguir «KStG»), os dividendos distribuídos por sociedades de capitais sujeitas a imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas na Alemanha pelo seu rendimento global são aí tributados em sede deste imposto, à taxa de 30%. Isto traduz‑se na distribuição de 70% dos lucros antes de imposto e num crédito fiscal de 30/70, isto é, de 3/7 dos dividendos recebidos.

9        Por força do disposto no § 36, n.° 2, segunda frase, ponto 3, da EStG, conforme interpretado à luz do acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Março de 2007, Meilicke e o. (C‑292/04, Colect., p. I‑1835), este crédito fiscal é aplicável aos dividendos recebidos de sociedades de capitais sujeitas a imposto na Alemanha ou noutro Estado‑Membro, pelo seu rendimento global. Por conseguinte, quem está sujeito a imposto na Alemanha pelo seu rendimento global beneficia do referido crédito fiscal, se receber dividendos de sociedades alemãs ou de sociedades estrangeiras.

10      Nos termos do § 36, n.° 2, segunda frase, ponto 3, quarto período, alínea b), da EStG, esse crédito do imposto das sociedades não é reconhecido, nomeadamente, quando não seja apresentada a certificação fiscal referida nos §§ 44 e seguintes da KStG.

11      O § 44 da KStG prevê:

«1.      A sociedade sujeita a imposto pelo seu rendimento global, que, por sua própria conta, efectua prestações aos sócios que sejam consideradas rendimentos na acepção do § 20, n.° 1, pontos 1 ou 2, da EStG é, sob reserva do n.° 2, obrigada a emitir, a pedido dos sócios, um certificado relativo ao imposto das sociedades segundo o modelo prescrito pela Administração, contendo as seguintes indicações:

1.      o nome e endereço do sócio;

2.      o montante dos pagamentos;

3.      a data do pagamento;

4.      o montante do imposto das sociedades imputável como crédito fiscal nos termos do § 36, n.° 2, ponto 3, primeira frase, da EStG;

5.      o montante do imposto das sociedades a reembolsar na acepção do § 52; basta que a indicação se refira a uma acção, a uma parte ou a um direito de gozo único;

6.      a proporção em que se considera que o pagamento utilizou o capital referido no § 30, n.° 2, ponto 1;

7.      a proporção em que se considera que o pagamento utilizou o capital referido no § 30, n.° 2, ponto 4.

[…]»

12      O § 175 do Código dos Impostos (Abgabenordnung), aditado pela Lei de 16 de Março de 1976 (BGBl. 1976 I, p. 613, e rectificação no BGBl. 1977 I, p. 269), na versão publicada em 1 de Outubro de 2002 (BGBl. 2002 I, p. 3866, e rectificação no BGBl. 2003 I, p. 61, a seguir «AO»), prevê:

«(1)      A liquidação deve ser estabelecida, anulada ou alterada,

[…]

2.      se ocorrer um facto com efeito fiscal para o passado (facto com efeito retroactivo).

Nos casos referidos na primeira frase, n.° 2, o prazo para determinação do imposto começa no termo do ano civil em que o facto ocorreu.

[…]»

13      Em 9 de Dezembro de 2004, o AO foi alterado, relativamente ao carácter definitivo das liquidações e respectivas alterações em caso de factos com efeito retroactivo, pela Lei relativa à transposição de directivas da União Europeia para o direito fiscal interno e à alteração de outras disposições (Gesetz zur Umsetzung von EU‑Richtlinien in nationales Steuerrecht und zur Änderung weiterer Vorschriften, BGBl. 2004 I, p. 3310, a seguir «AO alterado»). Nos termos do § 8 desse diploma de alteração, o § 175, n.° 2, segunda frase, do AO alterado tem a seguinte redacção:

«A emissão ou apresentação ulterior de uma declaração ou de um certificado não têm valor de facto com efeito retroactivo.»

14      Para delimitar o âmbito de aplicação temporal do § 175, n.° 2, segunda frase, do AO alterado, o § 97, n.° 9, terceiro parágrafo, da Lei de introdução ao Código dos Impostos (Einführungsgesetz zur Abgabenordnung), de 14 de Dezembro de 1976 (BGBl. 1976 I, p. 3341, e rectificação no BGBl. 1977 I, p. 667, a seguir «EGAO»), foi também alterado, tendo, desde então, a seguinte redacção:

«O § 175, n.° 2, segunda frase, do AO [alterado] é aplicável quando a declaração ou certificado é apresentado ou emitido após 28 de Outubro de 2004. […]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      H. Meilicke, residente na Alemanha, possuía acções de sociedades com sede nos Países Baixos e na Dinamarca. Entre 1995 e 1997, recebeu, por esse motivo, dividendos no montante total de 39 631,32 DEM, isto é, 20 263,17 euros.

16      Por carta de 30 de Outubro de 2000, os demandantes no processo principal pediram ao Finanzamt um crédito fiscal igual a 3/7 destes dividendos, a deduzir do imposto sobre o rendimento apurado em nome de H. Meilicke.

17      O Finanzamt indeferiu o requerimento, com o fundamento de que só o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas suportado por uma sociedade sujeita a esse imposto na Alemanha pelo seu rendimento global pode ser imputado no imposto sobre o rendimento.

18      Os demandantes no processo principal interpuseram recurso desta decisão para o Finanzgericht Köln (Tribunal Fiscal de Colónia), o qual, por decisão de 24 de Junho de 2004, submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O § 36, segundo parágrafo, n.° 3, da EStG [...], que apenas permite a dedução ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares de 3/7 dos rendimentos, na acepção do § 20, n.° 1, pontos 1 ou 2, da EStG, provenientes de pessoas colectivas ou associações sujeitas a imposto pela totalidade dos seus rendimentos, é compatível com os artigos 56.°, n.° 1, CE e 58.°, n.os 1, alínea a), e 3, CE?»

19      Na sequência do acórdão de 7 de Setembro de 2004, Manninen (C‑319/02, Colect., p. I‑7477), os demandantes no processo principal alteraram o seu pedido através de petições de 7 de Janeiro de 2005, 16 de Maio de 2007 e 23 de Novembro de 2007, reclamando um crédito fiscal pelo imposto das sociedades, já não no montante de 3/7 dos dividendos controvertidos, mas sim de 34/66 dos dividendos brutos de origem dinamarquesa e de 35/65 dos dividendos brutos de origem neerlandesa.

20      Com o acórdão Meilicke e o., já referido, o Tribunal de Justiça declarou:

«Os artigos 56.° CE e 58.° CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação fiscal por força da qual, por ocasião da distribuição de dividendos por uma sociedade de capitais, um accionista plenamente sujeito a imposto num Estado‑Membro beneficia de um crédito de imposto calculado em função da taxa de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas aplicada aos lucros distribuídos se a sociedade que os distribui tiver sede no mesmo Estado‑Membro, mas não se a referida sociedade tiver sede noutro Estado‑Membro.»

21      Na sequência deste acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio considera que há que reconhecer aos demandantes no processo principal o direito a dois créditos fiscais, calculados em função da taxa de imposto aplicada aos lucros distribuídos a título do imposto sobre as sociedades dos Estados‑Membros onde as sociedades distribuidoras têm sede.

22      O Finanzgericht Köln conclui, no entanto, que os montantes efectivamente pagos a título deste imposto nos Países Baixos e na Dinamarca não podem, na prática, ser determinados. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto ao caminho a seguir, em especial, relativamente ao cálculo concreto que deve permitir determinar o montante dos créditos fiscais que os recorrentes no processo principal podem pretender. A este respeito, o referido órgão jurisdicional concebe três soluções possíveis, a saber: em primeiro lugar, aplicar uma regra nacional que dispõe que o imposto sobre as sociedades que onera os dividendos de origem estrangeira é imputado ao imposto sobre o rendimento na proporção aplicável aos dividendos brutos distribuídos pelas sociedades nacionais; em segundo lugar, proceder a uma estimativa da taxa de imposto das sociedades estrangeiro que onera os dividendos de origem estrangeira; ou, em terceiro lugar, determinar tão exactamente quanto possível os montantes cobrados a título de imposto das sociedades estrangeiro. Nesta última hipótese, pergunta‑se quais são os elementos de prova necessários para poder proceder ao cálculo do crédito fiscal.

23      Nestas condições, o Finanzgericht Köln decidiu novamente suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A livre circulação de capitais prevista nos artigos 56.°, n.° 1, CE e 58.°, n.° 1, alínea a), e n.° 3, CE e os princípios da efectividade e do efeito útil obstam a um regime jurídico como o [previsto] no § 36, segundo parágrafo, segunda frase, n.° 3, da EStG (na redacção em vigor nos anos em litígio) – que, em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, permite deduzir um montante de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas igual a 3/7 dos dividendos brutos, desde que os mesmos não provenham de uma distribuição de dividendos em relação à qual se considere ter sido utilizado o capital próprio, na acepção do § 30, segundo parágrafo, n.° 1, da KStG (na redacção em vigor nos anos em litígio), apesar de não ser possível apurar qual o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas efectivamente pago sobre os dividendos recebidos por uma pessoa colectiva com sede noutro Estado‑Membro e de esse imposto poder ser nele mais elevado?

2)      A livre circulação de capitais […] e os princípios da efectividade e do efeito útil obstam a um regime jurídico – como o consagrado no § 36, segundo parágrafo, segunda frase, n.° 3, quarta frase, alínea b), da EStG (na redacção em vigor nos anos em litígio) – segundo o qual a dedução do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas exige a apresentação de um certificado relativo a esse imposto, na acepção dos §§ 44 e segs. da KStG (na redacção em vigor nos anos em litígio), que tem de indicar o montante do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas dedutível, bem como a composição da prestação de dividendos segundo as várias partes do capital próprio utilizável, com base numa estruturação do capital próprio na acepção do § 30 da KStG (na redacção em vigor nos anos em litígio), apesar de ser realmente impossível determinar o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas estrangeiro efectivamente pago para efeitos da dedução e de não ser possível obter o certificado relativo aos dividendos estrangeiros?

3)      A livre circulação de capitais […] obriga a que, quando seja de facto impossível apresentar um certificado relativo ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, na acepção do § 44 da KStG (na redacção em vigor nos anos em litígio), e quando não seja possível determinar [a taxa do] imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas relativo aos dividendos estrangeiros efectivamente pago, se proceda a uma estimativa d[a] mesm[a] e que, nessa estimativa, se tenham eventualmente também em consideração eventuais encargos fiscais indirectos pagos a montante?

4)      a)     Caso se responda negativamente à segunda questão prejudicial e seja[, portanto,] necessário um certificado relativo ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas:

Os princípios da efectividade e do efeito útil devem ser interpretados no sentido de que obstam a um regime jurídico como o consagrado no § 175, segundo parágrafo, segunda frase, d[o] AO [alterado], em conjugação com o artigo 97.°, § 9, terceiro parágrafo, da EGAO – segundo o qual a apresentação de um certificado relativo ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas deixa, a partir de 29 de Outubro de 2004, de ser considerado um facto com efeitos retroactivos, o que torna processualmente impossível a dedução do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas estrangeiro em sede de liquidação definitiva do imposto sobre o rendimento [devido na Alemanha], sem se prever um período transitório para requerer a dedução do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas estrangeiro?

b)      Caso se responda afirmativamente à segunda questão prejudicial e[, portanto,] não seja necessário um certificado relativo ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas:

A livre circulação de capitais prevista no artigo 56.° CE e os princípios da efectividade e do efeito útil devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime jurídico – como o consagrado no § 175, primeiro parágrafo, primeira frase, n.° 2, d[o] AO – que prevê a alteração do aviso de liquidação quando ocorra um facto com efeitos retroactivos, como a apresentação de um certificado relativo ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas –, tornando assim possível, relativamente a dividendos nacionais, a dedução do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, mesmo no caso de liquidação definitiva do imposto sobre o rendimento, ao passo que o mesmo não é possível em relação a dividendos estrangeiros, na falta de certificado relativo ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

24      Com esta questão, lida em conjugação com as duas seguintes, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 56.° CE e 58.° CE devem ser interpretados no sentido de que, na falta de apresentação dos elementos de prova exigidos pela legislação de um Estado‑Membro para poder beneficiar de um crédito fiscal relativo ao imposto das sociedades que onerou dividendos, se opõem à aplicação de uma disposição como a do § 36, n.° 2, segunda frase, ponto 3, da EStG, por força do qual o imposto das sociedades que onera os dividendos de origem estrangeira é imputado no imposto sobre o rendimento na proporção do imposto das sociedades que onera os dividendos brutos distribuídos pelas sociedades nacionais.

25      Na fundamentação do acórdão Meilicke e o., já referido, o Tribunal de Justiça começou por observar que o Finanzgericht Köln apresentou o seu pedido de decisão prejudicial antes da prolação do acórdão Manninen, já referido.

26      O Tribunal de Justiça recordou em seguida que, em conformidade com o n.° 54 do referido acórdão Manninen, o cálculo de um crédito fiscal concedido a um accionista sujeito a imposto na Finlândia pelo seu rendimento global que tenha recebido dividendos de uma sociedade estabelecida noutro Estado‑Membro deve ter em conta o imposto que essa sociedade efectivamente pagou, nos termos das regras gerais aplicáveis ao cálculo da matéria colectável e da taxa do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas nesse último Estado‑Membro (acórdão Meillicke e o., já referido, n.° 15).

27      Tendo em conta, por um lado, a pretensão dos demandantes no processo principal, de um crédito fiscal correspondente a 34/66 dos dividendos de origem dinamarquesa e a 35/65 dos dividendos de origem neerlandesa, e, por outro, a posição do Governo alemão segundo a qual, no caso de uma distribuição de dividendos de origem estrangeira, não se pode conceder um crédito fiscal no montante de 3/7 dos dividendos recebidos, visto que o mesmo deve estar relacionado com a taxa de imposto aplicável aos lucros distribuídos nos termos da legislação relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas do Estado‑Membro em cujo território a sociedade que distribui esses dividendos tem sede (acórdão Meilicke, já referido, n.os 16 e 17), o Tribunal de Justiça confirmou a jurisprudência resultante do acórdão Manninen, já referido.

28      Decorre do exposto que, com a sua resposta à questão prejudicial no acórdão Meilicke e o., já referido, recordada no n.° 20 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça excluiu que o cálculo do crédito fiscal a que tem direito um accionista sujeito a imposto num Estado‑Membro pelo seu rendimento global em relação a dividendos distribuídos por uma sociedade de capitais com sede noutro Estado‑Membro possa ser feito com outra base que não a taxa do imposto das sociedades relativa a lucros distribuídos aplicada à sociedade distribuidora segundo o direito do Estado‑Membro de estabelecimento.

29      Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que quando um Estado‑Membro adopte um sistema de prevenção ou de atenuação da tributação em cadeia ou da dupla tributação económica aplicável a dividendos pagos a residentes por sociedades residentes, deve tratar de modo equivalente os dividendos pagos a residentes por sociedades não residentes (v., neste sentido, acórdão de 15 de Julho de 2004, Lenz, C‑315/02, Colect., p. I‑7063, n.os 27 a 49; acórdão Manninen, já referido, n.os 29 a 55; e acórdão de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, C‑374/04, Colect., p. I‑11673, n.° 55).

30      Com efeito, no âmbito desses sistemas, a situação dos accionistas residentes num Estado‑Membro que recebem dividendos de uma sociedade com sede nesse mesmo Estado‑Membro é comparável às dos accionistas residentes no referido Estado que recebem dividendos de uma sociedade com sede noutro Estado‑Membro, na medida em que tanto os dividendos de origem nacional como os de origem estrangeira podem ser objecto, por um lado, no caso das sociedades accionistas, de uma tributação em cadeia e, por outro, no caso de accionistas finais, de uma dupla tributação económica (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Lenz, n.os 31 e 32, Manninen, n.os 35 e 36, e Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.° 56).

31      À luz desta jurisprudência, um Estado‑Membro como a República Federal da Alemanha é obrigado, atento o seu sistema de prevenção da dupla tributação económica, a conceder, no caso de dividendos pagos a residentes por sociedades não residentes, um tratamento equivalente ao previsto para os dividendos pagos a residentes por sociedades residentes. Isto implica que há que transpor esse sistema nacional, na medida do possível, para os casos transfronteiriços. Assim, nas situações para as quais não é possível uma tomada em consideração a nível nacional das tributações efectuadas indirectamente a montante a título de imposto sobre as sociedades, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar, essa tomada em consideração não se deve fazer relativamente a dividendos pagos a residentes por sociedades não residentes.

32      Num contexto como o do processo principal, a obrigação de um Estado‑Membro de neutralizar uma dupla tributação económica relativa a uma pessoa singular beneficiária última de dividendos de origem estrangeira é limitada à dedução do imposto das sociedades pago pela sociedade distribuidora por esses dividendos, segundo o direito do Estado‑Membro da sua sede, do imposto sobre o rendimento a pagar pelo accionista pelos mesmos dividendos.

33      Com efeito, como alegam o Finanzamt e o Governo alemão, a livre circulação de capitais, consagrada no artigo 56.°, n.° 1, CE, não pode ter por efeito impor aos Estados‑Membros ir além de uma anulação do imposto nacional sobre o rendimento devido pelo accionista relativamente aos dividendos de origem estrangeira recebidos e proceder a um reembolso de um montante que tenha a sua origem no sistema fiscal de outro Estado‑Membro (v., por analogia, acórdão de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C‑446/04, Colect., p. I‑11753, n.° 52), sob pena de o primeiro Estado‑Membro ver a sua autonomia fiscal restringida pelo exercício do poder fiscal do outro Estado‑Membro (v., designadamente, acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 47; acórdãos de 20 de Maio de 2008, Orange European Smallcap Fund, C‑194/06, Colect., p. I‑3747, n.° 30, e de 16 de Julho de 2009, Damseaux, C‑128/08, Colect., p. I‑6823, n.° 25).

34      Face ao exposto, há que responder à primeira questão colocada, lida em conjugação com as duas seguintes, que, para o cálculo do montante do crédito fiscal a que tem direito um accionista sujeito a imposto num Estado‑Membro pelo seu rendimento global relativamente a dividendos pagos por uma sociedade de capitais com sede noutro Estado‑Membro, os artigos 56.° CE e 58.° CE se opõem à aplicação, na falta de apresentação dos elementos de prova exigidos segundo a legislação do primeiro Estado‑Membro, de uma disposição como a do § 36, n.° 2, segunda frase, ponto 3, da EStG, por força da qual o imposto das sociedades que onera os dividendos de origem estrangeira é imputado no imposto sobre o rendimento do accionista na proporção do imposto das sociedades que onera os dividendos brutos distribuídos pelas sociedades do primeiro Estado‑Membro. O cálculo do crédito fiscal deve ser efectuado em função da taxa de imposto dos lucros distribuídos por força do imposto das sociedades aplicável à sociedade distribuidora segundo o direito do seu Estado‑Membro de estabelecimento, sem que, todavia, o montante a imputar possa ultrapassar o montante do imposto sobre o rendimento a pagar no Estado‑Membro onde o accionista beneficiário é tributado pelo seu rendimento global sobre os dividendos recebidos por ele.

 Quanto à segunda e terceira questões

35      Com as suas segunda e terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os artigos 56.° CE e 58.° CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à aplicação de uma disposição como a do § 36, n.° 2, segunda frase, ponto 3, quarta frase, alínea b), da EStG, por força da qual o grau de pormenor bem como a forma de apresentação dos elementos de prova a apresentar por um accionista tributado num Estado‑Membro pelo seu rendimento global para poder aí beneficiar de um crédito fiscal relativo à cobrança de dividendos pagos por uma sociedade de capitais com sede noutro Estado‑Membro devem ser os mesmos que os exigidos quando a sociedade distribuidora tem sede no primeiro Estado‑Membro. Em caso afirmativo, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre o grau de precisão que os elementos de prova apresentados devem possuir a fim de estabelecer a taxa de imposto das sociedades estrangeiro que onerou os dividendos tendo em vista determinar o montante do crédito fiscal a que o respectivo beneficiário tem direito e, se for caso disso, se os artigos 56.° CE e 58.° CE permitem ao juiz nacional fixar a referida taxa de imposto.

36      A fim de responder a estas questões, há que sublinhar, desde logo, que, sendo a taxa de imposto dos lucros distribuídos, a título de imposto das sociedades aplicáveis à sociedade distribuidora de dividendos, determinante para o cálculo do crédito fiscal a que o accionista tem direito no Estado‑Membro da sua residência, essa taxa deve ser determinada da forma o mais precisa possível. Assim, é de rejeitar que se baseie o cálculo desse crédito fiscal numa simples estimativa da taxa pertinente.

37      Há que concluir, em seguida, que é inerente ao princípio da autonomia fiscal dos Estados‑Membros que estes determinem quais são, segundo o sistema nacional que lhes é próprio, os elementos de prova exigidos para beneficiar de um crédito fiscal.

38      No entanto, o exercício dessa autonomia fiscal dos Estados‑Membros deve fazer‑se no respeito das exigências que decorrem do direito da União, designadamente as impostas pelas disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais.

39      A este respeito, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de clarificar que eventuais dificuldades quanto à determinação do imposto efectivamente pago noutro Estado‑Membro não podem justificar a criação de um obstáculo à livre circulação de capitais (v. acórdãos, já referidos, Manninen, n.° 54, e Test Claimants in the FII Group Litigation, n.° 70).

40      No caso concreto, é forçoso concluir que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, por força da qual o crédito fiscal só é concedido mediante a apresentação de uma certificação em conformidade com o regime interno do Estado‑Membro em causa, sem possibilidade de o accionista provar através de outros elementos e informações pertinentes o montante do imposto efectivamente pago pela sociedade distribuidora de dividendos, constitui uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais, proibida pelo n.° 3 do artigo 65.° TFUE (v., por analogia, acórdão de 27 de Janeiro de 2009, Persche, C‑318/07, Colect., p. I‑359, n.° 72).

41      É certo que decorre da jurisprudência que a necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais constitui uma razão imperiosa de interesse geral, susceptível de justificar uma restrição ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado, e que um Estado‑Membro pode aplicar medidas que permitam a verificação, de forma clara e precisa, do montante das despesas dedutíveis nesse Estado, que tenham sido realizadas noutro Estado‑Membro (v., nomeadamente, acórdãos de 15 de Maio de 1997, Futura Participations e Singer, C‑250/95, Colect., p. I‑2471, n.° 31, e de 10 de Março de 2005, Laboratoires Fournier, C‑39/04, Colect., p. I‑2057, n.° 24).

42      Todavia, para poder ser justificada, uma medida restritiva deve respeitar o princípio da proporcionalidade, no sentido de que deve ser adequada a garantir a realização do objectivo que prossegue e não deve ultrapassar o necessário para o alcançar (v., designadamente, acórdão de 18 de Dezembro de 2007, A, C‑101/05, Colect., p. I‑11531, n.os 55 e 56, e acórdão Persche, já referido, n.° 52).

43      Ora, uma legislação de um Estado‑Membro que impeça de forma absoluta as pessoas sujeitas a imposto nesse Estado‑Membro pelo seu rendimento global, que tenham investido em sociedades de capitais com sede noutro Estado‑Membro, de fornecer elementos de prova que respondam a critérios, designadamente de apresentação, diferentes dos previstos para os investimentos nacionais pela legislação do primeiro Estado‑Membro viola não apenas o princípio da boa administração mas, sobretudo, excede o necessário para prevenir o objectivo de eficácia dos controlos fiscais.

44      Com efeito, não se pode excluir, a priori, que os referidos accionistas estejam em condições de fornecer documentos justificativos pertinentes que permitam às autoridades fiscais do Estado‑Membro de tributação verificar, de forma clara e precisa, a realidade e a natureza das despesas efectuadas noutros Estados‑Membros (v., por analogia, acórdãos, já referidos, Laboratoires Fournier, n.° 25, e Persche, n.° 53).

45      Quanto ao ónus da prova e ao grau de precisão que os elementos de prova devem satisfazer a fim de beneficiar de um crédito fiscal relativo aos dividendos pagos por uma sociedade de capitais com sede noutro Estado‑Membro, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que as autoridades fiscais de um Estado‑Membro podem exigir ao contribuinte as provas que entenderem necessárias para apreciar se as condições de um benefício fiscal previsto pela legislação em causa estão reunidas e, consequentemente, se há ou não que conceder o referido benefício (v. acórdão de 10 de Fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C‑436/08 e C‑437/08, Colect., p. I‑0000, n.° 95 e jurisprudência referida).

46      Essa apreciação não deve ser feita de forma muito formalista, de modo que a apresentação de documentos justificativos que não têm o grau de pormenor e não se apresentam sob a forma de certificação relativa ao imposto sobre sociedades previstos na legislação do Estado‑Membro da tributação de um accionista que recebeu dividendos de uma sociedade de capitais com sede noutro Estado‑Membro, mas que permitem contudo às autoridades fiscais do Estado‑Membro de tributação verificar, de forma clara e precisa, se estão reunidas as condições de obtenção de uma vantagem fiscal, deve ser considerada por essas autoridades como equivalente à apresentação da referida certificação.

47      Só na falta de informações fornecidas pelo accionista interessado, como as referidas no número anterior do presente acórdão, é que as autoridades fiscais em causa podem recusar a vantagem fiscal pedida.

48      Com efeito, como o Tribunal de Justiça já declarou, a falha do fluxo de informação por parte do investidor não constitui um problema que tenha de ser resolvido pelo Estado‑Membro em questão (v. acórdão Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, já referido, n.° 98).

49      No contexto desse acórdão, relativo a uma sociedade beneficiária de dividendos, mas que também é aplicável a uma pessoa singular na mesma situação, o Tribunal de Justiça recorda ainda o alcance da Directiva 77/799, cujo objectivo é prevenir a fraude fiscal.

50      A este respeito, o facto de, relativamente aos dividendos distribuídos por sociedades estabelecidas em Estados‑Membros que não o que concede um crédito fiscal, a Administração Fiscal deste Estado‑Membro poder recorrer ao mecanismo de assistência mútua previsto na Directiva 77/799 não implica que esteja obrigada a dispensar a sociedade beneficiária dos dividendos de fazer prova do imposto pago pela sociedade distribuidora noutro Estado‑Membro (v. acórdão Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, já referido, n.° 100).

51      Com efeito, uma vez que a Directiva 77/799 prevê a faculdade de as autoridades fiscais nacionais solicitarem informações que elas próprias não podem obter, a referência, no artigo 2.°, n.° 1, desta mesma directiva, ao termo «pode» indica que, embora essas autoridades tenham a possibilidade de pedir informações à autoridade competente de outro Estado‑Membro, esse pedido de forma alguma constitui uma obrigação. Compete a cada Estado‑Membro apreciar os casos específicos em que não existem informações a respeito das transacções efectuadas pelos sujeitos passivos estabelecidos no seu território e decidir se esses casos justificam a apresentação de um pedido de informações a outro Estado‑Membro (acórdão Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, já referido, n.° 101 e jurisprudência referida).

52      Consequentemente, a Directiva 77/799 não exige às referidas autoridades fiscais que recorram ao mecanismo de assistência mútua nela previsto, sempre que as informações fornecidas por um sujeito passivo não sejam suficientes para verificar se a mesma preenche as condições fixadas pela legislação nacional para ter direito a um crédito fiscal (v., neste sentido, acórdão Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, já referido, n.° 102 e jurisprudência referida).

53      Face ao exposto, há que responder à segunda e terceira questões colocadas que, quanto ao grau de precisão que os elementos de prova exigidos devem preencher para obter um crédito fiscal relativo a dividendos pagos por uma sociedade de capitais estabelecida num Estado‑Membro que não aquele onde o beneficiário é tributado pelo seu rendimento global, os artigos 56.° CE e 58.° CE se opõem à aplicação de uma disposição como a do § 36, n.° 2, segunda frase, ponto 3, quarta frase, alínea b), da EStG, por força da qual o grau de pormenor e a forma de apresentação dos elementos de prova a apresentar por esse beneficiário devem ser os mesmos que os exigidos quando a sociedade distribuidora tem sede no Estado‑Membro de tributação desse beneficiário. As autoridades fiscais deste último Estado‑Membro têm o direito de exigir ao referido beneficiário que forneça documentos justificativos que lhes permitam verificar, de forma clara e precisa, se estão reunidas as condições de obtenção de um crédito fiscal previsto pela legislação nacional, sem ter de proceder a uma estimativa do referido crédito fiscal.

 Quanto à quarta questão

54      Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o princípio da efectividade deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação como as disposições conjugadas do § 175, n.° 2, segunda frase, do AO alterado e do § 97, n.° 9, terceiro parágrafo, da EGAO, que, de forma retroactiva e sem prever um período transitório, não permite a uma pessoa tributada no Estado‑Membro em causa pelo seu rendimento global obter a imputação do imposto das sociedades estrangeiro que onerou os dividendos pagos a essa pessoa por uma sociedade de capitais estabelecida noutro Estado‑Membro mediante a apresentação quer de uma certificação relativa a esse imposto, em conformidade com as exigências da legislação do primeiro Estado‑Membro, quer de documentos justificativos que permitam às autoridades fiscais deste verificar, de forma clara e precisa, se estão reunidas as condições de obtenção dessa vantagem fiscal.

55      A este respeito, há que recordar que, de acordo com jurisprudência assente, não havendo regulamentação da União na matéria, as vias processuais destinadas a salvaguardar os direitos que para os particulares decorrem do direito da União dependem da ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro, por força do princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros, na condição, porém, de não serem menos favoráveis do que as que regulam situações análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e de não tornarem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efectividade) (v. acórdãos de 7 de Janeiro de 2004, Wells, C‑201/02, Colect., p. I‑723, n.° 67, e de 19 de Setembro de 2006, i‑21 Germany e Arcor, C‑392/04 e C‑422/04, Colect., p. I‑8559, n.° 57).

56      No que se refere a este último princípio, o Tribunal de Justiça já considerou compatível com o direito da União a fixação de prazos razoáveis de recurso, sob pena de caducidade, no interesse da segurança jurídica que protege simultaneamente o contribuinte e a entidade administrativa em causa. Com efeito, esses prazos não podem impossibilitar, na prática, ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (acórdão de 17 de Novembro de 1998, Aprile, C‑228/96, Colect., p. I‑7141, n.° 19).

57      Além disso, quanto à restituição de imposições nacionais indevidamente cobradas, o Tribunal de Justiça precisou que, quando as modalidades de restituição são alteradas pelo direito nacional de forma retroactiva, o princípio da efectividade exige que a nova legislação inclua um regime transitório que permita aos interessados dispor de um prazo suficiente, após a adopção desta, para poderem submeter os pedidos de reembolso que tinham o direito de apresentar ao abrigo da anterior legislação (v., neste sentido, acórdãos de 11 de Julho de 2002, Marks & Spencer, C‑62/00, Colect., p. I‑6325, n.° 38, e de 24 de Setembro de 2002, Grundig Italiana, C‑255/00, Colect., p. I‑8003, n.° 37).

58      Ora, decorre da decisão de reenvio que as disposições conjugadas do § 175, n.° 2, segunda frase, do AO e do § 97, n.° 9, terceiro parágrafo, da EGAO, na versão de 9 de Dezembro de 2004, alteraram o direito nacional de forma retroactiva, sem que um regime transitório tenha permitido aos accionistas em causa invocar o seu direito a um crédito fiscal. Por conseguinte, o princípio da efectividade opõe‑se a essa alteração legislativa, uma vez que a mesma não concede aos contribuintes um prazo razoável para invocar o seu direito a um crédito fiscal durante um período transitório. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar esse prazo, a fim de permitir aos accionistas o exercício dos seus direitos, através da apresentação quer de uma certificação do imposto das sociedades na acepção da legislação nacional quer de documentos justificativos referidos no n.° 54 do presente acórdão.

59      Decorre do exposto que há que responder à quarta questão colocada que o princípio da efectividade se opõe a uma legislação nacional como a que resulta das disposições conjugadas do § 175, n.° 2, segunda frase, do AO alterado e do § 97, n.° 9, terceiro parágrafo, da EGAO alterada, que, de forma retroactiva e sem prever um prazo transitório, não permite obter a imputação do imposto das sociedades estrangeiro que onerou os dividendos pagos por uma sociedade de capitais com sede noutro Estado‑Membro mediante a apresentação quer de uma certificação relativa a esse imposto, em conformidade com a legislação do Estado‑Membro onde o beneficiário desses dividendos é tributado pelo seu rendimento global, quer de documentos justificativos que permitam às autoridades fiscais desse Estado‑Membro verificar, de forma clara e precisa, se estão reunidas as condições de obtenção de uma vantagem fiscal. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar qual é o prazo razoável para a apresentação da referida certificação ou dos referidos documentos justificativos.

 Quanto às despesas

60      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      Para o cálculo do montante do crédito fiscal a que tem direito um accionista sujeito a imposto num Estado‑Membro pelo seu rendimento global, relativamente a dividendos pagos por uma sociedade de capitais com sede noutro Estado‑Membro, os artigos 56.° CE e 58.° CE opõem‑se à aplicação, na falta de produção dos elementos de prova exigidos segundo a legislação do primeiro Estado‑Membro, de uma disposição como a do § 36, n.° 2, segunda frase, ponto 3, da Lei relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (Einkommensteuergesetz), de 7 de Setembro de 1990, conforme alterada pela Lei de 13 de Setembro de 1993, por força da qual o imposto das sociedades que onera os dividendos de origem estrangeira é imputado no imposto sobre o rendimento do accionista na proporção do imposto das sociedades que onera os dividendos brutos distribuídos pelas sociedades do primeiro Estado‑Membro.

O cálculo do crédito fiscal deve ser efectuado em função da taxa de imposto dos lucros distribuídos por força do imposto das sociedades aplicável à sociedade distribuidora segundo o direito do seu Estado‑Membro de estabelecimento, sem que, todavia, o montante a imputar possa ultrapassar o montante do imposto sobre o rendimento a pagar no Estado‑Membro onde o accionista beneficiário é tributado pelo seu rendimento global sobre os dividendos recebidos por ele.

2)      Quanto ao grau de precisão que os elementos de prova exigidos devem preencher para obter um crédito fiscal relativo a dividendos pagos por uma sociedade de capitais estabelecida num Estado‑Membro que não aquele onde o beneficiário é tributado pelo seu rendimento global, os artigos 56.° CE e 58.° CE opõem‑se à aplicação de uma disposição como a do § 36, n.° 2, segunda frase, ponto 3, quarta frase, alínea b), da Lei relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, de 7 de Setembro de 1990, conforme alterada pela Lei de 13 de Setembro de 1993, por força da qual o grau de pormenor e a forma de apresentação dos elementos de prova a apresentar por esse beneficiário devem ser os mesmos que os exigidos quando a sociedade distribuidora tem sede no Estado‑Membro de tributação desse beneficiário.

As autoridades fiscais deste último Estado‑Membro têm o direito de exigir ao referido beneficiário que forneça documentos justificativos que lhes permitam verificar, de forma clara e precisa, se estão reunidas as condições de obtenção de um crédito fiscal previsto pela legislação nacional, sem ter de proceder a uma estimativa do referido crédito fiscal.

3)      O princípio da efectividade opõe‑se a uma legislação nacional como a que resulta das disposições conjugadas do § 175, n.° 2, segunda frase, do Código dos Impostos (Abgabenordnung), conforme alterado pela Lei relativa à transposição de directivas da União Europeia para o direito fiscal interno e à alteração de outras disposições (Gesetz zur Umsetzung von EU‑Richtlinien in nationales Steuerrecht und zur Änderung weiterer Vorschriften), e do § 97, n.° 9, terceiro parágrafo, da Lei de introdução ao Código dos Impostos (Einführungsgesetz zur Abgabenordnung), de 14 de Dezembro de 1976, conforme alterada, que, de forma retroactiva e sem prever um prazo transitório, não permite obter a imputação do imposto das sociedades estrangeiro que onerou os dividendos pagos por uma sociedade de capitais com sede noutro Estado‑Membro mediante a apresentação quer de uma certificação relativa a esse imposto, em conformidade com a legislação do Estado‑Membro onde o beneficiário desses dividendos é tributado pelo seu rendimento global, quer de documentos justificativos que permitam às autoridades fiscais desse Estado‑Membro verificar, de forma clara e precisa, se estão reunidas as condições de obtenção de uma vantagem fiscal. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar qual é o prazo razoável para a apresentação da referida certificação ou dos referidos documentos justificativos.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.