Processo C‑168/09

Flos SpA

contra

Semeraro Casa e Famiglia SpA

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale di Milano)

«Propriedade industrial e comercial – Directiva 98/71/CE – Protecção legal de desenhos e modelos – Artigo 17.° – Obrigação de cumulação da protecção de desenhos e modelos com a dos direitos de autor – Legislação nacional que exclui ou torna inoponível durante um determinado período a protecção dos direitos de autor de desenhos e modelos que caíram no domínio público antes da sua entrada em vigor – Princípio da protecção da confiança legítima»

Sumário do acórdão

1.        Aproximação das legislações – Desenhos e modelos – Directiva 98/71 – Princípio da cumulação da protecção de desenhos e modelos com a dos direitos de autor

(Directiva 98/71 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 17.°; Directiva 93/98 do Conselho, artigos 1.°, n.° 1, e 10.°, n.° 2)

2.        Aproximação das legislações – Desenhos e modelos – Directiva 98/71 – Princípio da cumulação da protecção de desenhos e modelos com a dos direitos de autor

(Directiva 98/71 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 17.°)

1.        O artigo 17.° da Directiva 98/71, relativa à protecção legal de desenhos e modelos, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro que exclui da protecção dos direitos de autor desse Estado Membro os desenhos e modelos que foram objecto de registo num ou com efeitos num Estado Membro e que caíram no domínio público antes da data da entrada em vigor dessa legislação, embora satisfaçam todas as condições exigidas para beneficiar dessa protecção.

Resulta claramente da redacção do artigo 17.° da Directiva 98/71, e mais especialmente da utilização do termo «igualmente» que consta do primeiro período deste artigo, que a protecção dos direitos de autor deve ser concedida a todos os desenhos e modelos que tenham sido objecto de registo no ou com efeitos no Estado‑Membro em causa.

A vontade do legislador da União de conceder esta protecção resulta ainda do oitavo considerando da Directiva 98/71 que consagra, na falta de harmonização da legislação sobre direitos de autor, o princípio da cumulação da protecção específica dos desenhos e modelos pelo registo e da protecção do direito de autor.

Além disso, a possibilidade de os Estados‑Membros determinarem o alcance e as condições de obtenção da protecção dos direitos de autor também não pode ter a ver com o prazo dessa protecção, dado que esse prazo já foi objecto de harmonização ao nível da União através da Directiva 93/98 relativa à harmonização do prazo de protecção dos direitos de autor e de certos direitos conexos.

A este respeito, o artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 93/98 prevê a protecção dos direitos de autor sobre obras literárias ou artísticas, na acepção do artigo 2.° da Convenção de Berna para a protecção das obras literárias e artísticas, durante toda a vida do autor da obra e 70 anos após a sua morte. O artigo 10.°, n.° 2, da mesma directiva dispõe que esse prazo de protecção se aplica a todas as obras e a todos os objectos que, em 1 de Julho de 1995, eram protegidos pelos direitos de autor pelo menos num Estado‑Membro.

Daqui resulta que, por força do artigo 17.° da Directiva 98/71, os desenhos e modelos que foram objecto de registo num ou com efeitos num Estado‑Membro e que preenchiam as condições de obtenção da protecção dos direitos de autor previstas pelos Estados‑Membros, designadamente a relativa ao grau de originalidade, e em relação aos quais o prazo de protecção fixado no artigo 1.° da Directiva 93/98, conjugado com o artigo 10.°, n.° 2, da mesma, não tinha ainda terminado, deviam beneficiar da protecção dos direitos de autor deste Estado‑Membro.

A este respeito, resulta claramente do artigo 10.°, n.° 2, da Directiva 93/98 que a aplicação dos prazos de protecção previstos por esta pode ter como consequência, nos Estados‑Membros cuja legislação previa um prazo de protecção mais curto, ficarem de novo protegidos obras ou objectos já caídos no domínio público. Esta consequência resulta da vontade expressa do legislador da União e esta solução foi adoptada para atingir o mais rapidamente possível o objectivo de harmonização das legislações nacionais que regulam os prazos de protecção dos direitos de autor e dos direitos conexos, enunciado, designadamente, no segundo considerando da mesma directiva, e evitar que certos direitos se extingam em determinados Estados‑Membros, quando são protegidos noutros.

Há que considerar que este raciocínio deve igualmente ser aplicado no que respeita ao renascimento da protecção dos direitos de autor de desenhos e modelos anteriormente protegidos por outros direitos de propriedade intelectual.

(cf. n.os 37‑44, disp. 1)

2.        O artigo 17.° da Directiva 98/71, relativa à protecção legal de desenhos e modelos, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que exclui, quer por um período substancial de dez anos quer na íntegra, da protecção dos direitos de autor os desenhos e modelos que, embora satisfaçam todas as condições exigidas para beneficiar dessa protecção, tenham caído no domínio público antes da data da entrada em vigor dessa legislação, em relação a qualquer terceiro que tenha fabricado ou comercializado no território nacional produtos realizados segundo os referidos desenhos e modelos, independentemente da data em que esses actos foram realizados.

No que respeita, em primeiro lugar, à medida legislativa que prevê um período transitório tendo em vista uma categoria determinada de terceiros a fim de proteger os seus interesses legítimos, resulta dos princípios do respeito dos direitos adquiridos e da protecção da confiança legítima que o artigo 17.° da Directiva 98/71 não se opõe a essa disposição, desde que a mesma não tenha por efeito diferir durante um período substancial a aplicação da nova regulamentação de protecção dos direitos de autor de desenhos e modelos de modo a impedir que a mesma se aplique na data prevista por esta directiva.

A este respeito, a apreciação da compatibilidade da duração deste período transitório assim como da categoria dos terceiros visada pela referida medida legislativa deve ser efectuada à luz do princípio da proporcionalidade.

Assim, a medida legislativa adoptada por um Estado‑Membro deve ser adequada a alcançar o objectivo pretendido pela legislação nacional e necessária para esse efeito, ou seja, garantir o respeito do equilíbrio entre, por um lado, os direitos adquiridos e a confiança legítima dos terceiros visados e, por outro, os interesses dos titulares dos direitos de autor. Por outro lado, há que zelar para que a mesma não vá além do que é necessário para assegurar esse equilíbrio.

Para este efeito, a referida medida só poderá ser considerada adequada se visar uma categoria de terceiros que possa invocar o princípio da protecção da confiança legítima, isto é, pessoas que já tenham realizado actos de exploração de desenhos e modelos que pertenciam ao domínio público à data da entrada em vigor da legislação que transpôs para o direito interno do Estado‑Membro em causa o artigo 17.° da Directiva 98/71.

Além disso, essa medida legislativa deve limitar‑se ao período de utilização dos referidos desenhos e modelos por esses terceiros que lhes seja necessário para a cessação progressiva da actividade na medida em que esta se baseie no uso anterior dos referidos desenhos e modelos, ou para o escoamento das existências. A medida não irá além do que é necessário para garantir o equilíbrio dos direitos em presença se não diferir o benefício da protecção dos direitos de autor durante um período substancial.

No que se refere, em segundo lugar, a uma medida legislativa que elimina a moratória e institui a inoponibilidade ilimitada da protecção dos direitos de autor para os produtos criados segundo desenhos e modelos que se encontravam no domínio público antes da entrada em vigor da legislação nacional que transpõe a Directiva 98/71, resulta do que precede que tal medida esvazia da sua substância o artigo 17.° desta directiva, uma vez que tem como consequência impedir, de modo genérico, a aplicação da nova protecção, ou seja, a dos direitos de autor. Esta medida também não visa limitar a categoria dos terceiros que podem invocar o princípio da protecção da confiança legítima. Pelo contrário, alarga a aplicação da inoponibilidade dos direitos de autor, uma vez que, nos termos dessa disposição, não é necessário que o terceiro tenha iniciado a exploração dos referidos desenhos e modelos antes da entrada em vigor da legislação nacional que transpõe a referida directiva.

(cf. n.os 55‑60, 64‑65, disp. 2)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

27 de Janeiro de 2011 (*)

«Propriedade industrial e comercial – Directiva 98/71/CE – Protecção legal de desenhos e modelos – Artigo 17.° – Obrigação de cumulação da protecção de desenhos e modelos com a dos direitos de autor – Legislação nacional que exclui ou torna inoponível durante um determinado período a protecção dos direitos de autor de desenhos e modelos que caíram no domínio público antes da sua entrada em vigor – Princípio da protecção da confiança legítima»

No processo C‑168/09,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Tribunale di Milano (Itália), por decisão de 12 de Março de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 12 de Maio de 2009, no processo

Flos SpA

contra

Semeraro Casa e Famiglia SpA,

sendo intervenientes:

Assoluce – Associazione nazionale delle Imprese degli Apparecchi di Illuminazione,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues, presidente de secção, A. Arabadjiev, A. Rosas, U. Lõhmus (relator) e A. Ó Caoimh, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 22 de Abril de 2010,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Flos SpA, por G. Casucci e N. Ferretti, avvocati,

–        em representação da Semeraro Casa e Famiglia SpA, por G. Floridia e F. Polettini, avvocati,

–        em representação da Assoluce – Associazione nazionale delle Imprese degli Apparecchi di Illuminazione, por C. Galli, M. Bogni e C. Paschi, avvocati,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Fiorentino, avvocato dello Stato,

–        em representação da Comissão Europeia, por H. Krämer e S. La Pergola, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 24 de Junho de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 17.° e 19.° da Directiva 98/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1998, relativa à protecção legal de desenhos e modelos (JO L 289, p. 28).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Flos SpA (a seguir «Flos»), sociedade que se dedica à produção de candeeiros design, e a Semeraro Casa e Famiglia SpA (a seguir «Semeraro») a respeito de uma violação dos direitos de autor de que a primeira afirma ser titular relativamente a um modelo de candeeiro denominado «Arco».

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Directiva 93/98/CEE

3        A Directiva 93/98/CEE do Conselho, de 29 de Outubro de 1993, relativa à harmonização do prazo de protecção dos direitos de autor e de certos direitos conexos (JO L 290, p. 9), refere, no seu segundo considerando, que as disparidades entre as legislações nacionais em matéria de prazos de protecção dos direitos de autor e dos direitos conexos são susceptíveis de entravar a livre circulação das mercadorias, bem como a livre prestação de serviços, e falsear as condições de concorrência no mercado comum e que é necessário, por isso, na perspectiva do bom funcionamento do mercado interno, harmonizar as legislações dos Estados‑Membros de modo que os prazos de protecção sejam idênticos em toda a União Europeia.

4        O artigo 1.°, n.° 1, da mesma directiva prevê a protecção dos direitos de autor sobre obras literárias ou artísticas, na acepção do artigo 2.° da Convenção de Berna para a protecção das obras literárias e artísticas (Acto de Paris de 24 de Julho de 1971), na versão resultante da alteração de 28 de Julho de 1979, durante toda a vida do autor e 70 anos após a sua morte.

5        O artigo 10.° da referida directiva, sob a epígrafe «Aplicação no tempo», dispõe, nos seus n.os 1 a 3:

«1.      Quando num determinado Estado‑Membro, à data referida no n.° 1 do artigo 13.°, já esteja a decorrer um prazo de protecção mais longo que o previsto na presente directiva, esta não terá por efeito reduzir o prazo de protecção naquele Estado‑Membro.

2.      Os prazos de protecção previstos na presente directiva aplicam‑se a todas as obras e outras produções protegidas pela legislação de pelo menos um Estado‑Membro, na data a que se refere o n.° 1 do artigo 13.° ao abrigo das disposições aplicáveis em matéria de direitos de autor ou de direitos conexos, ou que correspondam aos critérios de protecção previstos na Directiva 92/100/CEE [do Conselho, de 19 de Novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual (JO L 346, p. 61)].

3.      A presente directiva não prejudica os actos de exploração realizados antes da data prevista no n.° 1 do artigo 13.° Os Estados‑Membros adoptarão as disposições necessárias para proteger em especial os direitos adquiridos de terceiros.»

6        Nos termos do artigo 13.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Directiva 93/98, os Estados‑Membros deviam pôr em vigor até 1 de Julho de 1995, o mais tardar, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento ao disposto nos artigos 1.° a 11.° da mesma directiva.

 Directiva 98/71

7        Nos termos do segundo e terceiro considerandos da Directiva 98/71, as diferenças existentes entre as legislações dos Estados‑Membros em matéria de protecção legal de desenhos e modelos produzem efeitos directos sobre o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno no que se refere aos produtos que incorporam desenhos e modelos e podem dar origem a distorções da concorrência no mercado interno, pelo que, para o correcto funcionamento do mercado interno, é necessário aproximar as legislações dos Estados‑Membros em matéria de protecção de desenhos e modelos.

8        Nos termos do oitavo considerando da referida directiva, «na falta de harmonização dos direitos de autor, é importante estabelecer o princípio da cumulação da protecção ao abrigo da legislação em matéria de protecção específica dos desenhos e modelos registados com a protecção do direito de autor, deixando simultaneamente aos Estados‑Membros a liberdade de fixarem o alcance da protecção ao abrigo dos direitos de autor e as condições em que é conferida essa protecção».

9        O artigo 12.° da mesma directiva, intitulado «Direitos conferidos pelo registo», dispõe:

«1.      O registo de um desenho ou modelo confere ao seu titular o direito exclusivo de o utilizar e de proibir a sua utilização por terceiros, sem o seu consentimento. Essa utilização abrange, em especial, o fabrico, a oferta, a colocação no mercado, a importação, a exportação ou a utilização de um produto em que esse desenho ou modelo foi incorporado, ou a que foi aplicado, bem como a armazenagem desse produto para os mesmos fins.

2.      Quando, nos termos da legislação de um Estado‑Membro, os actos referidos no n.° 1 não possam ser impedidos antes da data de entrada em vigor das disposições necessárias para dar cumprimento à presente directiva, os direitos conferidos pelo direito sobre o desenho ou modelo não podem ser invocados para proibir a prossecução desses actos por quem lhes tenha dado início antes da referida data.»

10      O artigo 17.° da Directiva 98/71 sob a epígrafe «Relação com o direito de autor», prevê:

«Qualquer desenho ou modelo protegido por um registo num Estado‑Membro de acordo com a presente directiva beneficia igualmente da protecção conferida pelo direito de autor desse Estado a partir da data em que o desenho ou modelo foi criado ou definido sob qualquer forma. Cada Estado‑Membro determinará o âmbito dessa protecção e as condições em que é conferida, incluindo o grau de originalidade exigido.»

11      O artigo 19.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da mesma directiva refere que os Estados‑Membros deviam pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à directiva o mais tardar em 28 de Outubro de 2001.

 Directiva 2001/29/CE

12      O artigo 1.° da Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO L 167, p. 10), intitulado «Âmbito de aplicação», refere, no n.° 1, que esta directiva tem por objectivo a protecção jurídica do direito de autor e dos direitos conexos no âmbito do mercado interno, com especial ênfase na sociedade da informação.

13      O artigo 2.° da mesma directiva dispõe, sob a epígrafe «Direito de reprodução»:

«Os Estados‑Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de reproduções, directas ou indirectas, temporárias ou permanentes, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, cabe:

a)      Aos autores, para as suas obras;

[…]»

 Legislação nacional

14      A protecção dos desenhos e modelos é concedida nos termos do Decreto Real n.° 1411, de 25 de Agosto de 1940, que contém disposições legislativas em matéria de patentes para modelos industriais (Gazzetta ufficiale n.° 247, de 21 de Outubro de 1940). Na versão aplicável até 19 de Abril de 2001, o artigo 5.° deste decreto real previa:

«Podem ser objecto de patente para modelos e desenhos ornamentais os novos modelos ou desenhos susceptíveis de conferir a determinados produtos industriais uma ornamentação especial através da forma ou de uma combinação particular de linhas, de cores ou de outros elementos. As disposições relativas ao direito de autor não se aplicam aos modelos e desenhos acima mencionados [...]»

15      O artigo 2.°, n.° 1, ponto 4, da Lei n.° 633, de 22 de Abril de 1941, relativa à protecção dos direitos de autor e de outros direitos conexos (Gazzetta ufficiale n.° 166, de 16 de Julho de 1941, a seguir «Lei n.° 633/1941»), na versão aplicável até 19 de Abril de 2001, sujeitava a protecção dos direitos de autor no que respeita aos desenhos e modelos à condição da «cindibilidade» («scindibilità»), dispondo que gozam da protecção deste direito «as obras [...], mesmo aplicadas à indústria, sempre que o seu valor artístico seja cindível do carácter industrial do produto ao qual estão associadas».

16      O artigo 22.° do Decreto Legislativo n.° 95, de 2 de Fevereiro de 2001, relativo à implementação da Directiva 98/71/CE (GURI n.° 79, de 4 de Abril de 2001, a seguir «Decreto Legislativo n.° 95/2001»), que entrou em vigor em 19 de Abril de 2001, alterou o artigo 2.°, n.° 1, ponto 4, da Lei n.° 633/1941, suprimindo a condição de «cindibilidade» e acrescentando ao elenco das obras protegidas, num novo n.° 10, as «obras de desenho industrial que possuem um carácter criativo e um valor artístico intrínseco».

17      O Decreto Legislativo n.° 164, de 12 de Abril de 2001, relativo à implementação da Directiva 98/71/CE (GURI n.° 106, de 9 de Maio de 2001, a seguir «Decreto Legislativo n.° 164/2001»), ao aditar um artigo 25.° bis ao Decreto Legislativo n.° 95/2001, introduziu, transitoriamente, uma moratória de dez anos, a contar de 19 de Abril de 2001, durante a qual «a protecção conferida a desenhos e modelos na acepção do artigo 2.°, n.° 1, ponto 10, da Lei [n.° 633/1941] não é oponível unicamente a quem, antes da referida data, procurou fabricar, oferecer ou comercializar produtos realizados em conformidade com desenhos e modelos que eram ou que entretanto caíram no domínio público».

18      Esta disposição foi posteriormente retomada no artigo 239.° do Código da Propriedade Industrial italiano (a seguir «CPI»), promulgado em 2005.

19      O artigo 4.°, n.° 4, do Decreto‑Lei n.° 10, de 15 de Fevereiro de 2007, sobre o cumprimento de obrigações comunitárias e internacionais (GURI n.° 38, de 15 de Fevereiro de 2007), convertido em lei pela Lei n.° 46, de 6 de Abril de 2007, suprimiu designadamente a moratória de dez anos instituída pelo Decreto Legislativo n.° 164/2001, alterando o artigo 239.° do CPI. Esse artigo, assim alterado, dispunha:

«A protecção concedida aos desenhos e modelos industriais na acepção do artigo 2.°, n.° 1, ponto 10, da Lei [n.° 633/1941] não é oponível aos produtos realizados segundo desenhos ou modelos que eram ou que caíram no domínio público antes da data da entrada em vigor do Decreto Legislativo [n.° 95/2001].»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

20      Em 23 de Novembro de 2006, a Flos demandou a Semeraro no Tribunale di Milano por ter importado da China e comercializado em Itália candeeiros designados «Fluida», que, em seu entender, imitavam todas as características estilísticas e estéticas do candeeiro Arco, obra de design industrial de cujos direitos patrimoniais a Flos considera ser titular.

21      Resulta da decisão de reenvio que, num processo de medidas provisórias que antecedeu a acção principal que deu lugar a essa decisão, se verificou que o candeeiro Arco, criado em 1962 e que caiu no domínio público antes de 19 de Abril de 2001, beneficiava da protecção dos direitos de autor sobre obras de design industrial nos termos da Lei n.° 633/1941, conforme alterada pelo Decreto Legislativo n.° 95/2001, e que o modelo de candeeiro importado pela Semeraro «imitava servilmente todas as características estilísticas e estéticas» do mesmo. O juiz das medidas provisórias determinou então, por despacho de 29 de Dezembro de 2006, a apreensão dos candeeiros importados e proibiu a Semeraro de continuar a comercializá‑los.

22      No que respeita à acção principal, o órgão jurisdicional de reenvio refere que, após a propositura desta acção, ocorreram alterações legislativas no que respeita à protecção dos direitos de autor de obras de design industrial que suscitam dúvidas quanto à sua conformidade com a Directiva 98/71, e mais particularmente com o princípio da cumulação das protecções instituído pelo artigo 17.° da mesma.

23      Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio remete a este respeito para o artigo 239.° do CPI, conforme alterado pelo artigo 4.°, n.° 4, do Decreto‑Lei n.° 10, de 15 de Fevereiro de 2007.

24      Nestas circunstâncias, o Tribunale di Milano decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Os artigos 17.° e 19.° da Directiva 98/71[...] devem ser interpretados no sentido de que, em aplicação de uma lei [...] de um Estado‑Membro que – por força dessa directiva – introduziu na sua ordem jurídica a protecção do direito de autor relativamente aos desenhos e modelos, a possibilidade concedida a esse Estado‑Membro de determinar autonomamente [o âmbito dessa protecção e as condições em que é conferida] pode abranger também a exclusão de tal protecção em relação a desenhos e modelos que – apesar de possuírem os requisitos estabelecidos para a protecção conferida pelo direito de autor – se deve considerar que caíram no domínio público antes da data de entrada em vigor das disposições legais que introduziram na ordem jurídica interna a protecção do direito de autor relativamente aos desenhos e modelos, por nunca terem sido registados como desenhos ou modelos ou por o seu registo já ter caducado em tal data?

2)      Em caso de resposta negativa à [primeira questão], os artigos 17.° e 19.° da Directiva [98/71] devem ser interpretados no sentido de que, em aplicação de uma lei nacional de um Estado‑Membro que – por força dessa directiva – introduziu na sua ordem jurídica a protecção do direito de autor relativamente aos desenhos e modelos, a possibilidade concedida a esse Estado‑Membro de determinar autonomamente o âmbito dessa protecção e as condições em que é conferida pode abranger também a exclusão de tal protecção em relação a desenhos e modelos que – apesar de possuírem os requisitos estabelecidos para a protecção conferida pelo direito de autor – se deve considerar que caíram no domínio público antes da data de entrada em vigor das disposições legais que introduziram na ordem jurídica interna a protecção do direito de autor relativamente aos desenhos e modelos, e isto no caso de um terceiro – não autorizado pelo titular do direito de autor sobre esses desenhos e modelos – já ter produzido e comercializado nesse Estado produtos realizados em conformidade com esses desenhos e modelos?

3)      Em caso de resposta negativa [à primeira e segunda questões], os artigos 17.° e 19.° da Directiva [98/71] devem ser interpretados no sentido de que, em aplicação de uma lei nacional de um Estado‑Membro que – por força dessa directiva – introduziu na sua ordem jurídica a protecção do direito de autor relativamente aos desenhos e modelos, a possibilidade concedida a esse Estado‑Membro de determinar autonomamente o âmbito dessa protecção e as condições em que é conferida pode abranger também a exclusão de tal protecção em relação a desenhos e modelos que – apesar de possuírem os requisitos estabelecidos para a protecção conferida pelo direito de autor – se deve considerar que caíram no domínio público antes da data de entrada em vigor das disposições legais que introduziram na ordem jurídica interna a protecção do direito de autor relativamente aos desenhos e modelos, e isto no caso de um terceiro – não autorizado pelo titular do direito de autor sobre esses desenhos e modelos – já ter produzido e comercializado nesse Estado produtos realizados em conformidade com esses desenhos e modelos, se essa exclusão for determinada para um período substancial (igual a dez anos)?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Observações preliminares

25      A Semeraro e a Comissão Europeia manifestam dúvidas quanto à pertinência do artigo 19.° da Directiva 98/71 para a resolução do litígio no processo principal, uma vez que este artigo se limita a fixar o prazo no termo do qual os Estados‑Membros deviam dar cumprimento às disposições desta directiva.

26      A este respeito, há que realçar que a decisão de reenvio não contém esclarecimentos quanto à pertinência, para a resolução do litígio no processo principal, do termo do prazo para transposição da Directiva 98/71. Com efeito, na fundamentação do presente pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio remete unicamente para o artigo 17.° desta directiva.

27      Assim, importa considerar que as questões foram submetidas essencialmente a respeito do artigo 17.° da mesma directiva e, por consequência, compete ao Tribunal de Justiça dar resposta às mesmas tendo unicamente em conta este artigo.

 Quanto à primeira questão

28      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 17.° da Directiva 98/71 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que exclui da protecção dos direitos de autor os desenhos e modelos que se encontrem ou tenham caído no domínio público antes da data da entrada em vigor das disposições legislativas que introduziram esta protecção na ordem jurídica interna desse Estado, ou porque nunca foram registados como tais, ou porque o seu registo deixou de produzir efeitos nessa data, embora preencham todas as condições exigidas para beneficiar dessa protecção.

29      O órgão jurisdicional de reenvio encara assim duas hipóteses, a saber, por um lado, a de os desenhos e modelos que, antes da data da entrada em vigor da legislação nacional que transpôs a Directiva 98/71, ou seja, 19 de Abril de 2001, se encontrem no domínio público por falta de registo como desenhos e modelos e, por outro, a de, antes dessa data, os mesmos terem caído no domínio público pelo facto de a protecção resultante do registo ter deixado de produzir efeitos.

30      A este propósito, embora a Flos tenha mencionado na audiência que não tinha registado como desenho ou modelo o candeeiro em causa no processo principal, a decisão de reenvio não contém nenhum esclarecimento a este respeito.

31      Deve, por isso, responder‑se à primeira questão tendo em conta as duas hipóteses mencionadas no n.° 29 do presente acórdão. É ao órgão jurisdicional de reenvio que cabe verificar se o referido candeeiro foi registado ou não como desenho ou modelo.

32      Quanto à primeira hipótese, ou seja, a de os desenhos ou modelos nunca terem sido objecto de registo como tais, cumpre referir que, nos termos do artigo 17.° da Directiva 98/71, apenas um desenho ou modelo que tenha sido objecto de registo num ou com efeitos num Estado‑Membro, em conformidade com as disposições desta directiva, pode beneficiar, ao abrigo da mesma, da protecção concedida pela legislação sobre direitos de autor desse Estado.

33      Daqui resulta que não são abrangidos pelo âmbito de aplicação do referido artigo os desenhos e modelos que antes da data da entrada em vigor da legislação nacional que transpôs a Directiva 98/71 para a ordem jurídica de um Estado‑Membro estavam no domínio público devido à falta de registo.

34      Contudo, não se pode excluir que a protecção dos direitos de autor de obras que possam constituir desenhos ou modelos não registados possa resultar de outras directivas em matéria de direitos de autor, designadamente da Directiva 2001/29, na medida em que as condições em que esta se aplica estejam preenchidas, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

35      Quanto à segunda hipótese, ou seja, a de os desenhos ou modelos terem caído no domínio público pelo facto de a protecção resultante do registo ter deixado de produzir efeitos, há que recordar que, embora o primeiro período do artigo 17.° da Directiva 98/71 disponha que um desenho ou modelo que tenha sido objecto de registo num ou com efeitos num Estado‑Membro beneficia igualmente da protecção concedida pela legislação sobre direitos de autor desse Estado a partir da data em que o desenho ou modelo foi criado ou estabelecido sob qualquer forma, o segundo período do mesmo artigo permite que os Estados‑Membros determinem o alcance e as condições de obtenção da protecção, incluindo o grau de originalidade exigido.

36      Contudo, este segundo período não pode ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros têm a faculdade de conceder ou não a protecção dos direitos de autor a um desenho ou modelo que tenha sido objecto de registo num ou com efeitos num Estado‑Membro se esse desenho ou modelo preencher as referidas condições de obtenção.

37      Com efeito, resulta claramente da redacção do artigo 17.° desta directiva, e mais especialmente da utilização do termo «igualmente» que consta do primeiro período deste artigo, que a protecção dos direitos de autor deve ser concedida a todos os desenhos e modelos que tenham sido objecto de registo no ou com efeitos no Estado‑Membro em causa.

38      A vontade do legislador da União de conceder esta protecção resulta ainda do oitavo considerando da Directiva 98/71 que consagra, na falta de harmonização da legislação sobre direitos de autor, o princípio da cumulação da protecção específica dos desenhos e modelos pelo registo e da protecção do direito de autor.

39      Além disso, a possibilidade de os Estados‑Membros determinarem o alcance e as condições de obtenção da protecção dos direitos de autor também não pode ter a ver com o prazo dessa protecção, dado que esse prazo já foi objecto de harmonização ao nível da União através da Directiva 93/98.

40      A este respeito, o artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 93/98 prevê a protecção dos direitos de autor sobre obras literárias ou artísticas, na acepção do artigo 2.° da Convenção de Berna para a protecção das obras literárias e artísticas, durante toda a vida do autor da obra e 70 anos após a sua morte. O artigo 10.°, n.° 2, da mesma directiva dispõe que esse prazo de protecção se aplica a todas as obras e a todos os objectos que, em 1 de Julho de 1995, eram protegidos pelos direitos de autor pelo menos num Estado‑Membro.

41      Daqui resulta que, por força do artigo 17.° da Directiva 98/71, os desenhos e modelos que foram objecto de registo num ou com efeitos num Estado‑Membro e que preenchiam as condições de obtenção da protecção dos direitos de autor previstas pelos Estados‑Membros, designadamente a relativa ao grau de originalidade, e em relação aos quais o prazo de protecção fixado no artigo 1.° da Directiva 93/98, conjugado com o artigo 10.°, n.° 2, da mesma, não tinha ainda terminado, deviam beneficiar da protecção dos direitos de autor deste Estado‑Membro.

42      A este respeito, como o Tribunal de Justiça concluiu nos n.os 18 a 20 do acórdão de 29 de Junho de 1999, Butterfly Music (C‑60/98, Colect., p. I‑3939), resulta claramente do artigo 10.°, n.° 2, da Directiva 93/98 que a aplicação dos prazos de protecção previstos por esta pode ter como consequência, nos Estados‑Membros cuja legislação previa um prazo de protecção mais curto, ficarem de novo protegidos obras ou objectos já caídos no domínio público. O Tribunal de Justiça considerou que esta consequência resulta da vontade expressa do legislador da União e que esta solução foi adoptada para atingir o mais rapidamente possível o objectivo de harmonização das legislações nacionais que regulam os prazos de protecção dos direitos de autor e dos direitos conexos, enunciado, designadamente, no segundo considerando da mesma directiva, e evitar que certos direitos se extingam em determinados Estados‑Membros, quando são protegidos noutros.

43      Há que considerar que este raciocínio deve igualmente ser aplicado no que respeita ao renascimento da protecção dos direitos de autor de desenhos e modelos anteriormente protegidos por outros direitos de propriedade intelectual. Com efeito, tendo em conta o segundo e terceiro considerandos da Directiva 98/71, a legislação nacional que a transpõe não pode excluir, sem prejudicar a aplicação uniforme desta directiva na totalidade do território da União e o bom funcionamento do mercado interno para os produtos que incorporam desenhos ou modelos, a protecção dos direitos de autor de desenhos e modelos que, embora pertencendo ao domínio público antes da data da entrada em vigor desta legislação, apresentem nessa data todas as condições exigidas para beneficiar de tal protecção.

44      Consequentemente, há que responder à primeira questão que o artigo 17.° da Directiva 98/71 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que exclui da protecção dos direitos de autor desse Estado‑Membro os desenhos e modelos que foram objecto de registo num ou com efeitos num Estado‑Membro e que caíram no domínio público antes da data da entrada em vigor dessa legislação, embora satisfaçam todas as condições exigidas para beneficiar dessa protecção.

 Quanto à segunda e terceira questões

45      Com a segunda e terceira questões, que devem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o artigo 17.° da Directiva 98/71 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que exclui, quer por um período substancial, isto é, durante dez anos, quer totalmente, da protecção dos direitos de autor os desenhos e modelos que, embora satisfaçam todas as condições exigidas para beneficiar dessa protecção, caíram no domínio público antes da data da entrada em vigor desta legislação, no caso de terceiros que tenham fabricado e comercializado no território nacional produtos realizados segundo os referidos desenhos e modelos.

46      No que respeita ao renascimento da protecção de um direito de propriedade intelectual, ou seja, o direito de autor, de desenhos e modelos que se encontravam no domínio público, a Flos, o Governo italiano e Comissão, nas suas observações escritas, bem como a Semeraro na audiência, afirmam que esta protecção é susceptível de dar lugar a um conflito entre, por um lado, os interesses legítimos dos titulares e dos beneficiários dos direitos de autor e, por outro, os interesses de terceiros de boa fé que, tendo em conta a natureza livre destes desenhos e modelos, tenham fabricado e comercializado produtos realizados de acordo com os mesmos.

47      É certo que uma legislação nacional que transpôs a Directiva 98/71, como o Decreto Legislativo n.° 164/2001, que aditou o artigo 25.° bis ao Decreto Legislativo n.° 95/2001, e o artigo 239.° do CPI, que estabeleceu uma moratória de dez anos que torna a protecção dos desenhos e modelos em causa inoponível a uma categoria de terceiros que tenham realizado produtos segundo esses desenhos e modelos antes de 19 de Abril de 2001, é susceptível de dar lugar por parte dos terceiros fabricantes desses produtos a uma confiança legítima quanto ao facto de poderem continuar essa exploração.

48      Contudo, no que respeita à aplicação da protecção dos direitos de autor aos desenhos e modelos, a Directiva 98/71, ao contrário do artigo 10.°, n.° 3, da Directiva 93/98, não contém nenhuma disposição expressa relativa à sua aplicabilidade no tempo com vista a proteger os direitos adquiridos e a confiança legítima de terceiros.

49      A este propósito, importa referir que o artigo 12.°, n.° 2, da Directiva 98/71, que se refere à prossecução de actos de exploração de desenhos e modelos por qualquer pessoa que tenha dado início aos referidos actos antes da data da entrada em vigor das disposições nacionais que transpõem esta directiva, respeita unicamente aos direitos conferidos pelo registo do desenho ou do modelo, conforme resulta da própria redacção desta disposição, e, por consequência, não pode ser aplicado à protecção dos direitos de autor.

50      Contudo, a inexistência de uma disposição que vise expressamente a protecção, a favor de terceiros, dos direitos adquiridos e da confiança legítima em face do renascimento da protecção dos direitos de autor prevista no artigo 17.°, da Directiva 98/71 não pode excluir a aplicação do princípio do respeito dos direitos adquiridos e do princípio da protecção da confiança legítima, os quais fazem parte dos princípios fundamentais do direito da União.

51      A este respeito, cumpre recordar que, em conformidade com o princípio segundo o qual as leis que alteram uma disposição legislativa se aplicam, salvo derrogação, aos efeitos futuros das situações criadas no domínio da lei antiga (v., designadamente, acórdãos de 14 de Abril de 1970, Brock, 68/69, Recueil, p. 171, n.° 6, Colect. 1969‑1970, p. 315; de 10 de Julho de 1986, Licata/CES, 270/84, Colect., p. 2305, n.° 31; e Butterfly Music, já referido, n.° 24), os actos executados antes da entrada em vigor de uma nova legislação continuam a ser regidos pela lei anterior. Assim, o renascimento da protecção dos direitos de autor não tem incidência nos actos de exploração definitivamente executados por um terceiro antes da data em que esses direitos se tornaram aplicáveis.

52      Em contrapartida, em virtude do referido princípio, a aplicação desta protecção dos direitos de autor aos efeitos futuros de situações não definitivamente fixadas significa que a mesma tem incidência sobre os direitos de terceiros de prosseguirem a exploração de um objecto que é novamente abrangido pela protecção de um direito de propriedade intelectual (v., neste sentido, acórdão Butterfly Music, já referido, n.° 24).

53      Importa igualmente recordar que é jurisprudência assente que o princípio da protecção da confiança legítima não pode ser alargado a ponto de impedir, de uma forma genérica, que uma nova regulamentação se aplique aos efeitos futuros de situações criadas no domínio da regulamentação anterior (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 14 de Janeiro de 1987, Alemanha/Comissão, 278/84, Colect., p. 1, n.° 36; de 20 de Setembro de 1988, Espanha/Conselho, 203/86, Colect., p. 4563, n.° 19; de 22 de Fevereiro de 1990, Busseni, C‑221/88, Colect., p. I‑495, n.° 35; e Butterfly Music, já referido, n.° 25).

54      No presente caso, o Estado‑Membro em causa adoptou dois tipos de medidas legislativas destinadas a proteger os direitos adquiridos e a confiança legítima de determinada categoria de terceiros.

55      No que respeita, em primeiro lugar, à medida legislativa que prevê um período transitório tendo em vista uma categoria determinada de terceiros a fim de proteger os seus interesses legítimos, resulta dos princípios do respeito dos direitos adquiridos e da protecção da confiança legítima que o artigo 17.° da Directiva 98/71 não se opõe a essa disposição, desde que a mesma não tenha por efeito diferir durante um período substancial a aplicação da nova regulamentação de protecção dos direitos de autor de desenhos e modelos de modo a impedir que a mesma se aplique na data prevista por esta directiva (v., neste sentido, acórdão Butterfly Music, já referido, n.os 23 e 28).

56      A este respeito, a apreciação da compatibilidade da duração deste período transitório assim como da categoria dos terceiros visada pela referida medida legislativa deve ser efectuada à luz do princípio da proporcionalidade.

57      Assim, a medida legislativa adoptada pelo Estado‑Membro em causa deve ser adequada a alcançar o objectivo pretendido pela legislação nacional e necessária para esse efeito, ou seja, garantir o respeito do equilíbrio entre, por um lado, os direitos adquiridos e a confiança legítima dos terceiros visados e, por outro, os interesses dos titulares dos direitos de autor. Por outro lado, há que zelar para que a mesma não vá além do que é necessário para assegurar esse equilíbrio.

58      Para este efeito, a referida medida só poderá ser considerada adequada se visar uma categoria de terceiros que possa invocar o princípio da protecção da confiança legítima, isto é, pessoas que já tenham realizado actos de exploração de desenhos e modelos que pertenciam ao domínio público à data da entrada em vigor da legislação que transpôs para o direito interno do Estado‑Membro em causa o artigo 17.° da Directiva 98/71.

59      Além disso, essa medida legislativa deve limitar‑se ao período de utilização dos referidos desenhos e modelos por esses terceiros que lhes seja necessário para a cessação progressiva da actividade na medida em que esta se baseie no uso anterior dos referidos desenhos e modelos, ou para o escoamento das existências.

60      A medida não irá além do que é necessário para garantir o equilíbrio dos direitos em presença se não diferir o benefício da protecção dos direitos de autor durante um período substancial.

61      No caso concreto, no que respeita à definição da categoria de terceiros em relação aos quais está prevista a inoponibilidade temporária da protecção dos direitos de autor, as disposições do Decreto Legislativo n.° 95/2001 e do artigo 239.° do CPI podem ser consideradas adequadas uma vez que visam unicamente as pessoas que adquiriram os seus direitos antes da entrada em vigor das disposições nacionais que transpõem a Directiva 98/71.

62      Em contrapartida, a inoponibilidade durante um período transitório de dez anos não se mostra justificada pela necessidade de garantir os interesses económicos dos terceiros de boa fé, uma vez que se afigura que um período mais curto seria igualmente susceptível de permitir uma cessação progressiva da actividade dentro dos limites da utilização anterior e, por maioria de razão, o escoamento das existências.

63      Além disso, afigura‑se que uma moratória de dez anos da protecção dos direitos de autor ultrapassa o que é necessário, uma vez que, deduzindo dez anos ao período de protecção de uma obra, ou seja, em princípio, 70 anos após a morte do autor, a aplicação da protecção dos direitos de autor é diferida durante um período substancial.

64      No que se refere, em segundo lugar, ao artigo 4.°, n.° 4, do Decreto‑Lei n.° 10, de 15 de Fevereiro de 2007, que elimina a moratória e institui a inoponibilidade ilimitada da protecção dos direitos de autor para os produtos criados segundo desenhos e modelos que se encontravam no domínio público antes de 19 de Abril de 2001, resulta do que precede que tal medida esvazia da sua substância o artigo 17.° da Directiva 98/71, uma vez que tem como consequência impedir, de modo genérico, a aplicação da nova protecção, ou seja, a dos direitos de autor. Esta medida também não visa limitar a categoria dos terceiros que podem invocar o princípio da protecção da confiança legítima. Pelo contrário, alarga a aplicação da inoponibilidade dos direitos de autor, uma vez que, nos termos dessa disposição, não é necessário que o terceiro tenha iniciado a exploração dos referidos desenhos e modelos antes de 19 de Abril de 2001.

65      Tendo em conta o conjunto das considerações precedentes, há que responder à segunda e terceira questões que o artigo 17.° da Directiva 98/71 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que exclui, quer por um período substancial de dez anos quer na íntegra, da protecção dos direitos de autor os desenhos e modelos que, embora satisfaçam todas as condições exigidas para beneficiar dessa protecção, tenham caído no domínio público antes da data da entrada em vigor dessa legislação, em relação a qualquer terceiro que tenha fabricado ou comercializado no território nacional produtos realizados segundo os referidos desenhos e modelos, independentemente da data em que esses actos foram realizados.

 Quanto às despesas

66      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      O artigo 17.° da Directiva 98/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1998, relativa à protecção legal de desenhos e modelos, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que exclui da protecção dos direitos de autor desse Estado‑Membro os desenhos e modelos que foram objecto de registo num ou com efeitos num Estado‑Membro e que caíram no domínio público antes da data da entrada em vigor dessa legislação, embora satisfaçam todas as condições exigidas para beneficiar dessa protecção.

2)      O artigo 17.° da Directiva 98/71 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que exclui, quer por um período substancial de dez anos quer na íntegra, da protecção dos direitos de autor os desenhos e modelos que, embora satisfaçam todas as condições exigidas para beneficiar dessa protecção, tenham caído no domínio público antes da data da entrada em vigor dessa legislação, em relação a qualquer terceiro que tenha fabricado ou comercializado no território nacional produtos realizados segundo os referidos desenhos e modelos, independentemente da data em que esses actos foram realizados.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.