Processo C‑90/09 P
General Química SA e o.
contra
Comissão Europeia
«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Sector dos produtos químicos para o tratamento da borracha – Decisão que declara uma infracção ao artigo 81.° CE – Grupo de empresas – Responsabilidade solidária de uma sociedade mãe pelas infracções às regras de concorrência cometidas pelas suas filiais – Imputação à sociedade‑mãe líder de um grupo»
Sumário do acórdão
1. Concorrência – Normas da União – Infracções – Imputação – Sociedade‑mãe e filiais – Unidade económica – Critérios de apreciação
(Artigos 81.° CE e 82.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2)
2. Concorrência – Normas da União – Infracções – Imputação – Sociedade‑mãe e filiais – Unidade económica – Critérios de apreciação
(Artigos 81.° CE e 82.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2)
3. Tramitação processual – Fundamentação dos acórdãos – Alcance
(Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 36.°)
4. Recurso de decisão do Tribunal Geral – Fundamentos – Erro de direito
(Artigo 225.° CE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 58.°, primeiro parágrafo)
1. No caso particular de uma sociedade‑mãe que detém 100% do capital da sua filial que cometeu uma infracção às regras da concorrência da União, por um lado, essa sociedade‑mãe pode exercer uma influência determinante sobre o comportamento dessa filial e, por outro, existe uma presunção ilidível segundo a qual essa sociedade‑mãe exerce efectivamente uma influência determinante no comportamento da sua filial. Nestas condições, basta que a Comissão prove que a totalidade do capital de uma filial é detida pela sua sociedade‑mãe para se presumir que esta última exerce uma influência determinante sobre a política comercial dessa filial. A Comissão pode, em consequência, considerar que a sociedade‑mãe é solidariamente responsável pelo pagamento da coima aplicada à sua filial, a menos que a sociedade‑mãe, à qual incumbe ilidir a presunção, apresente elementos de prova suficientes susceptíveis de demonstrar que a sua filial se comporta de forma autónoma no mercado.
Atendendo ao seu carácter ilidível, a referida presunção não conduz a uma atribuição automática da responsabilidade à sociedade‑mãe que detém a totalidade do capital social da sua filial, o que seria contrário ao princípio da responsabilidade pessoal em que assenta o direito da concorrência da União. Para ilidir esta presunção, incumbe à sociedade‑mãe submeter à apreciação do juiz da União quaisquer elementos relativos aos vínculos organizacionais, económicos e jurídicos entre ela e a sua filial susceptíveis de demonstrar que não constituem uma entidade económica única.
(cf. n.os 39‑40, 50‑52)
2. Uma sociedade holding pode ser considerada solidariamente responsável pelas infracções ao direito da concorrência da União cometidas por uma filial do seu grupo, cujo capital social ela não detém directamente, sempre que essa sociedade holding exerça uma influência determinante sobre a referida filial, mesmo que indirectamente, através de uma sociedade interposta. É esse, nomeadamente, o caso quando a filial não determina de forma autónoma o seu comportamento no mercado relativamente a esta sociedade interposta, a qual também não age de forma autónoma no mercado mas aplica, no essencial, as instruções que lhe são dadas pela sociedade holding. Com efeito, em tal situação, a sociedade holding, a sociedade interposta e a última filial do grupo fazem parte de uma mesma unidade económica e, portanto, constituem uma única empresa na acepção do direito da concorrência da União.
No caso particular em que uma sociedade holding detém 100 % do capital de uma sociedade interposta que, por sua vez, detém a totalidade do capital de uma filial do seu grupo, autora de uma infracção às regras da concorrência da União, existe uma presunção ilidível segundo a qual esta sociedade holding exerce uma influência determinante sobre o comportamento da sociedade interposta e indirectamente, através desta última, igualmente sobre o comportamento da referida filial. Por conseguinte, nesta situação específica, a Comissão tem o direito de obrigar a sociedade holding a pagar solidariamente a coima aplicada à última filial do grupo, a menos que a sociedade holding ilida a referida presunção, demonstrando que a sociedade interposta ou a referida filial se comportam de forma autónoma no mercado.
(cf. n.os 86‑89)
3. A fundamentação de um acórdão deve revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio do Tribunal Geral, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da decisão tomada e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional.
Um acórdão no qual o Tribunal de Primeira Instância se limite a formular uma simples afirmação de princípio, sem revelar de forma clara e inequívoca os motivos que o conduziram a essa conclusão e no qual não expõe as razões que fundamentam a referida conclusão, está ferido de falta de fundamentação.
(cf. n.os 59, 61‑62)
4. O Tribunal de Primeira Instância comete um erro de direito quando, ao analisar o comportamento de uma filial que praticou uma infracção às regras da concorrência da União, não examina quanto ao mérito os elementos de prova invocados para demonstrar a autonomia comercial de uma filial em relação à sua sociedade‑mãe e rejeita os argumentos das recorrentes fazendo uma simples referência a uma jurisprudência. A este respeito, uma vez que o Tribunal Geral é obrigado a apreciar todos os elementos relativos aos vínculos organizacionais, económicos e jurídicos entre a sociedade‑mãe e a filial, susceptíveis de provar que esta última se comporta de forma autónoma em relação à sua sociedade‑mãe e que estas duas sociedades não constituem uma entidade económica única, incumbe‑lhe tomar em consideração e examinar concretamente os elementos adiantados pelas recorrentes para demonstrar a autonomia da filial na execução da sua política comercial de modo a verificar se a Comissão cometeu um erro de apreciação ao considerar essas provas insusceptíveis de demonstrar que a filial não constitui uma entidade económica única.
Tal verificação impõe‑se ainda mais na medida em que a autonomia de uma filial na execução da sua política comercial faz parte dos elementos pertinentes que permitiram às sociedades recorrentes ilidir a presunção de influência determinante da sociedade‑mãe sobre o comportamento da filial, elementos cujo carácter e importância podem variar segundo as características próprias de cada caso concreto
(cf. n.os 75‑78)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
20 de Janeiro de 2011 (*)
«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Sector dos produtos químicos para o tratamento da borracha – Decisão que declara uma infracção ao artigo 81.º CE – Grupo de empresas – Responsabilidade solidária de uma sociedade‑mãe pelas infracções às regras de concorrência cometidas pelas suas filiais – Imputação à sociedade‑mãe líder de um grupo»
No processo C‑90/09 P,
que tem por objecto um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, interposto ao abrigo do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, entrado em 27 de Fevereiro de 2009,
General Química SA, com sede em Alava (Espanha),
Repsol Química SA, com sede em Madrid (Espanha),
Repsol YPF SA, com sede em Madrid (Espanha),
representadas por J. M. Jiménez-Laiglesia Oñate, e J. Jiménez-Laiglesia Oñate, abogados
recorrentes,
sendo a outra parte no processo:
Comissão Europeia, representada por F. Castillo de la Torre e E. Gippini Fournier, na qualidade de agentes, com domicílio no Luxemburgo,
recorrida em primeira instância,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),
composto por: A. Tizzano (relator), presidente de secção, J.-J. Kasel, M. Ilešič, E. Levits e M. Safjan, juízes,
advogado-geral: J. Mazák,
secretário: R. Şereş, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 29 de Abril de 2010,
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de Setembro de 2010,
profere o presente
Acórdão
1 Com o seu recurso, a General Química SA (a seguir «GQ»), a Repsol Química SA (a seguir «RQ») e a Repsol YPF SA (a seguir «RYPF») pedem a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias, de 18 de Dezembro de 2008, General Química e o./Comissão (T‑85/06, a seguir «acórdão recorrido»), no qual este último negou provimento ao recurso interposto da Decisão 2006/902/CE da Comissão, de 21 de Dezembro de 2005, relativa a um procedimento nos termos do artigo 81.º do Tratado CE e do artigo 53.º do Acordo EEE relativamente à Flexsys NV, Bayer AG, Crompton Manufacturing Company Inc. (ex-Uniroyal Chemical Company Inc.), Crompton Europe Ltd, Chemtura Corporation (ex‑Crompton Corporation), General Química SA, Repsol Química SA e Repsol YPF SA (Processo COMP/F/C.38.443 ‑ Produtos químicos para a indústria da borracha) (JO 2006 L 353, p. 50, a seguir «decisão controvertida»), que aplicou conjuntamente às referidas sociedades uma coima pela participação numa série de acordos e práticas concertadas.
Factos na origem do litígio
2 A GQ é uma sociedade de direito espanhola que produz determinados produtos químicos para o tratamento da borracha. É uma filial a 100 % da RQ, que é, ela própria filial a 100 % da RYPF.
3 Em 12 de Abril de 2005, a Comissão das Comunidades Europeias notificou aos recorrentes uma comunicação de acusações relativa a um processo nos termos do artigo 81.º CE e do artigo 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992 (JO 1994, L 1).
4 Na decisão controvertida, a Comissão declarou a RQ e a RYPF, denominadas colectivamente «Repsol», conjunta e solidariamente responsáveis pela infracção cometida pela GQ.
5 A este respeito, na referida decisão, a Comissão sustentou que uma sociedade‑mãe pode a priori ser considerada responsável pelo comportamento ilegal das suas filiais controladas a 100 %, mas que essa mesma sociedade pode, no entanto, ilidir a presunção de exercício efectivo de uma influência determinante sobre elas.
6 A Comissão precisou que tal ilisão de presunção não pode resultar da afirmação segundo a qual a sociedade‑mãe não participou directamente no acordo, ou não estava informada da existência deste nem incitou as suas filiais a adoptar um comportamento ilícito. A Comissão também considerou que a afirmação segundo a qual a RQ e a RYPF não assumiam a responsabilidade pela actividade quotidiana nem pela gestão operacional da GQ não era suficiente para ilidir a referida presunção.
7 Além disso, a Comissão observou que, no caso em apreço, o administrador único da GQ, ainda que tivesse delegado os seus poderes relativos à gestão operacional, continuou a comportar‑se como um «elo de ligação» entre a GQ e a RQ, através do qual as informações sobre as vendas, a produção e os resultados financeiros eram comunicadas à sociedade‑mãe. Além disso, os resultados financeiros da GQ eram consolidados nos da «Repsol», pelo que os lucros ou perdas da GQ se repercutiam nos lucros ou perdas do grupo.
8 Nestas circunstâncias, a Comissão considerou, no artigo 1.º, alínea f) a h), da decisão controvertida, que as recorrentes tinham participado, entre 31 de Outubro de 1999 e 30 de Junho de 2000, numa série de acordos e práticas concertadas que tiveram por objecto a fixação dos preços e a troca de informações confidenciais sobre certos produtos químicos destinados ao tratamento da borracha à escala do Espaço Económico Europeu, em violação do artigo 81.º CE e do artigo 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992.
9 Por conseguinte, no artigo 2.º, alínea d), da referida decisão, a Comissão aplicou à GQ, à RQ e à RYPF, solidariamente, uma coima de 3,38 milhões de euros.
Tramitação do processo no Tribunal de Primeira Instância e o acórdão recorrido
10 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 8 de Março de 2006, as recorrentes interpuseram um recurso com base no artigo 230.º CE, pedindo a anulação parcial da decisão controvertida.
11 Em apoio do seu recurso invocaram três fundamentos. O primeiro era relativo a um erro manifesto de apreciação e à falta de fundamentação quanto à responsabilidade solidária das recorrentes. Os segundo e terceiro fundamentos, que não serão analisados a seguir uma vez que não são invocados no recurso, diziam, respectivamente, respeito a vários erros de direito que a Comissão cometeu no cálculo da coima, bem como a um erro de apreciação, à falta de fundamentação e à violação do princípio da igualdade de tratamento na aplicação da comunicação sobre a cooperação.
12 Quanto ao primeiro fundamento, o Tribunal de Primeira Instância recordou em primeiro lugar, no n.º 58 do acórdão recorrido, a jurisprudência do Tribunal de Justiça que resulta dos acórdãos de 25 de Outubro de 1983, AEG Telefunken/Comissão (107/82, Recueil, p. 3151, n.º 49) e de 16 de Novembro de 2000, Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão (C‑286/98 P, Colect., p. I‑9925, n.º 26), segundo a qual, o facto de uma filial ter personalidade jurídica distinta não é suficiente para afastar a possibilidade de o seu comportamento ser imputado à sociedade‑mãe, nomeadamente quando a referida filial não determina de forma autónoma esse comportamento no mercado mas aplica, no essencial, as instruções que lhe são dadas pela sua sociedade-mãe.
13 Em seguida, no n.º 59 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância observou que, segundo jurisprudência igualmente consolidada, no caso especial em que uma sociedade-mãe controla a 100 % a sua filial, autora de um comportamento infractor, existe uma presunção ilidível segundo a qual a referida sociedade‑mãe exerce efectivamente uma influência determinante sobre o comportamento da sua filial (por referência ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Setembro de 2006, Avebe/Comissão, T‑314/01, Colect., p. II‑3085, n.º 136 e jurisprudência referida), de modo que as duas sociedades constituem uma única empresa na acepção do artigo 81.º CE (por referência ao acórdão do Tribunal de 15 de Junho de 2005, Tokai Carbon e o./Comissão, dito «Tokai II», T‑71/03, T‑74/03, T‑87/03 e T‑91/03, n.º 59). Incumbe, pois, à sociedade‑mãe que impugna perante o juiz comunitário uma decisão da Comissão que lhe aplica uma coima por uma infracção cometida pela sua filial, ilidir essa presunção apresentando elementos de prova susceptíveis de demonstrar a autonomia desta última, tendo, a este respeito, o Tribunal de Primeira Instância feito referência ao acórdão Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, já referido (n.º 29).
14 O Tribunal de Primeira Instância precisou ainda, no n.º 60 do acórdão recorrido, que, embora o Tribunal de Justiça tenha invocado, no referido acórdão Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, outras circunstâncias além da detenção a 100 % do capital da filial, fê-lo com o único objectivo de expor todos os elementos nos quais o Tribunal de Primeira Instância baseou o raciocínio que seguiu no acórdão recorrido no âmbito daquele processo, e não para fazer depender a referida presunção da existência de indícios suplementares.
15 O Tribunal de Primeira Instância concluiu, assim, no n.º 62 do acórdão recorrido, que basta que a Comissão prove que a totalidade do capital de uma filial é detida pela sua sociedade‑mãe para que seja aplicável a presunção segundo a qual esta última exerce uma influência determinante sobre o comportamento da referida filial no mercado. A Comissão pode, por conseguinte, decidir que uma sociedade‑mãe é solidariamente responsável pelo pagamento da coima aplicada à sua filial em razão dos acordos ilegais nos quais a mesma foi parte, ainda que se conclua que a referida sociedade‑mãe não participou directamente nesses acordos, a menos que a esta última prove que a sua filial se comporta de forma autónoma no mercado.
16 Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância constatou, no n.º 63 do acórdão recorrido, que, no caso em apreço, «a Comissão não ignorou a jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância quando se limitou a fazer referência à determinação a 100% do capital da GQ pelas suas sociedades‑mãe […] para imputar a essas sociedades os actos anticoncorrenciais desta última».
17 Em seguida, o Tribunal de Primeira Instância realçou, no n.º 65 do acórdão recorrido, que a RYPF e a RQ não submeteram à sua apreciação nenhum elemento relativo aos vínculos organizacionais, económicos e jurídicos entre estas e a GQ, susceptíveis de demonstrar a autonomia comercial e operacional desta filial.
18 Pelo contrário, o Tribunal de Primeira Instância constatou, no n.º 66 do acórdão recorrido, que militavam a favor da existência de uma entidade única os elementos realçados pela Comissão no n.º 262 dos fundamentos da decisão controvertida, concretamente, que o administrador único da GQ continuava a actuar como «elo de ligação» entre a RQ, que a RYPF consolidava as contas da GQ e da RQ ao nível do grupo e, por fim, que a RQ e a RYPF tinham respondido conjuntamente à comunicação de acusações.
19 Além disso, nos n.os 68 e 69 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância decidiu que o facto de, em 22 de Outubro de 2002, a RQ ter ordenado à GQ que cessasse qualquer prática susceptível de constituir uma infracção às regras da concorrência, na sequência da inspecção que teve lugar nas instalações desta última sociedade, em 27 de Setembro de 2002, era, por si só, suficiente para provar a influência determinante exercida pela RYPF e pela RQ sobre a política da GQ, não apenas no mercado, mas também relativamente ao comportamento infractor que é objecto da decisão controvertida.
20 Para ser exaustivo, o Tribunal de Primeira Instância examinou, nos n.os71 a 76 do acórdão recorrido se, no âmbito da decisão controvertida, a Comissão tinha cometido um erro de apreciação no que diz respeito aos elementos de prova apresentados pelas recorrentes ou se os tinha erradamente ignorado, nos seguintes termos:
«71 A este respeito, deve referir‑se que o facto de as actividades da filial diferirem, completamente até, das actividades do grupo, ou a circunstância de a sociedade‑mãe ter tentado, de resto sem sucesso, revender a sua filial não são suficientes para ilidir a presunção de responsabilidade que pesa sobre a RQ e a RYPF. Com efeito, os grupos de empresas e as holdings, apesar de exercerem, frequentemente, actividades diferentes e, por vezes, venderem algumas das suas filiais, já foram considerados uma empresa única para efeitos do disposto no artigo 81.º CE (v., neste sentido, acórdão de 27 de Setembro de 2006, Akzo Nobel/Comissão, T‑330/01, Colect., p. II‑3389, n.os 78 e 82).
72 Além disso, em resposta ao pedido de documentos apresentado pelas requerentes, a Comissão apresentou ao Tribunal um documento que incluía as actas do conselho de administração da RQ de 1998 a 2000 onde figuravam os resultados financeiros da GQ e uma deliberação relativa à venda da participação da GQ na Silquímica, SA e à venda de bens imóveis da GQ. Este documento abona, no essencial, a favor das conclusões a que a Comissão chegou na decisão [controvertida]. Com efeito, se o conselho de administração da RQ intervém de forma significativa em diversos aspectos essenciais da estratégia da GQ, tais como a venda de bens imóveis ou a venda de uma participação, reservando‑se o poder de tomar a decisão final sobre estas matérias, resulta daí que exerce uma influência decisiva sobre o comportamento da GQ.
73 Quanto ao argumento relativo à inexistência de situações de sobreposição na composição dos órgãos das sociedades requerentes, ressalta da carta de 5 de Abril de 2004 enviada pela GQ à Comissão e apresentada pelas requerentes durante a fase pré‑contenciosa que o Sr. [confidencial] acumulou as funções de presidente do conselho de administração da GQ de 1996 a 2000 e de membro do conselho de administração da RQ de 1998 a 1999. Além disso, importa salientar que, quando questionadas sobre esta matéria na audiência, as recorrentes admitiram, pelo menos implicitamente, que essa sobreposição havia, de facto, ocorrido.
74 Do mesmo modo, os argumentos relativos ao facto de que a Comissão não examinou, na decisão [controvertida], os elementos factuais que demonstram que apenas os executivos da GQ decidiam e davam execução à política comercial da sociedade, sem que a RQ fosse dela previamente informada ou desse a sua autorização, não podem ser acolhidos atenta a jurisprudência supra‑citada. O mesmo se pode dizer acerca das alegações de que as informações prestadas pela GQ à RQ não diziam respeito à política comercial, mas sim aos resultados financeiros da filial.
75 Quanto à relação entre a GQ e a Repsol Italia, cabe referir que, na decisão [controvertida], a Comissão rejeita acertadamente o argumento, apresentado pelas requerentes, relativo a um pretenso conflito de interesses entre a GQ e as suas sociedades‑mãe ao declarar que a RYPF consolida as contas do grupo composto por diversas filiais, entre as quais a GQ e a Repsol Italia. Além disso, a Comissão também tem razão quando conclui que essa relação reforça a presunção de que existe uma empresa única.
76 Nestas circunstâncias, deve concluir‑se, como fez a Comissão no [n.º] 264 [dos fundamentos] da decisão [controvertida], que as recorrentes não conseguiram ilidir a presunção de responsabilidade das sociedades‑mãe.»
21 Por fim, no n.º 77 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância precisou que nenhum dos argumentos adiantados a título subsidiário pelas sociedades recorrentes era susceptível de pôr em causa a decisão controvertida.
22 Em especial, nos n.os 78 a 83 do referido acórdão, o Tribunal de Primeira Instância decidiu que, como se pode deduzir da jurisprudência pertinente na matéria, a presunção de responsabilidade fundada na detenção do capital é aplicável não só nos casos em que existe uma relação directa entre a sociedade‑mãe e a sua filial, mas também nos casos em que, como no caso em apreço, esta relação é indirecta devido à existência de uma filial interposta.
23 Com base nestas considerações, no n.º 84 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou o primeiro fundamento invocado em apoio do recurso de anulação.
24 Tendo igualmente julgado improcedentes os outros fundamentos, o Tribunal de Primeira Instância, no n.º 157 do acórdão recorrido, negou provimento ao recurso na íntegra.
Pedidos das partes
25 No seu recurso, as recorrentes pedem que o Tribunal de Justiça se digne:
– anular o acórdão recorrido, na medida em que rejeitou o fundamento relativo ao erro manifesto de apreciação e à falta de fundamentação quanto à responsabilidade solidária das recorrentes;
– anular os artigos 1.º, alínea g) e h), e 2.º, alínea d), da decisão controvertida, na parte em que a mesma diz respeito à RYPF e à RQ enquanto conjunta e solidariamente responsáveis por uma infracção ao artigo 81.º, n.º 1, CE, cometida pela GQ e, subsidiariamente, na parte em que esta decisão visa a RYPF, e
– em ambos os casos, reduzir de modo adequado a sanção aplicada.
26 A Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:
– negar provimento ao recurso, e
– condenar as recorrentes nas despesas;
Quanto ao recurso
27 As recorrentes invocam dois fundamentos em apoio do seu recurso, relativos a erros de direito quanto à imputação, respectivamente, à RQ e à RYPF, da responsabilidade por uma infracção ao artigo 81.º, n.º 1, CE cometida pela GQ.
Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros de direito quanto à imputação à RQ da responsabilidade por uma infracção ao artigo 81.º, n.º 1, CE cometida pela GQ
28 O primeiro fundamento invocado pelas recorrentes divide-se, no essencial, em três partes.
Quanto ao primeiro fundamento, relativo ao facto de o Tribunal de Primeira Instância ter aplicado erradamente a presunção de influência determinante de uma sociedade‑mãe sobre o comportamento de uma filial controlada a 100 %
– Argumentos das partes
29 Segundo as recorrentes, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito na medida em que considerou, erradamente, que para imputar a uma sociedade-mãe a responsabilidade por um comportamento ilícito de uma filial, cujo capital detém a 100 %, a Comissão podia ter em conta um critério que não apresente nenhum nexo com a infracção cometida por essa filial.
30 É certo que o acórdão de 10 de Setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão (C‑97/08 P, Colect., p. I‑8237), confirma a legitimidade da aplicação de uma presunção a este respeito. Contudo, a Comissão está igualmente obrigada a apresentar indícios suplementares para poder imputar a essa sociedade-mãe o comportamento da sua filial.
31 Por conseguinte, como resulta dos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 2005, Daimler Chrysler/Comissão (T‑325/01, Colect., p. II‑3319, n.º 218), e de 26 de Abril de 2007, Bolloré/Comissão (T‑109/02, T‑118/02, T‑122/02, T‑125/02, T‑126/02, T‑128/02, T‑129/02, T‑132/02 e T‑136/02, Colect., p. II 947, n.º 132), e, em certa medida, do acórdão do Tribunal de Justiça, Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, já referido, a Comissão não pode deixar de verificar, em todos os casos, se essa sociedade‑mãe exerceu um poder efectivo de direcção sobre a sua filial e se, no essencial, essa filial aplicou as instruções recebidas.
32 Segundo a Comissão, esta tese é contrária à jurisprudência constante. Com efeito, nos acórdãos, já referidos, AEG Telefunken/Comissão, Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão e Akzo Nobel e o./Comissão, o Tribunal de Justiça confirmou a existência de uma presunção por força da qual uma filial controlada a 100 % pela sua sociedade‑mãe segue uma política definida pelos mesmos órgãos estatutários que estabelecem a política desta última. Isso permite imputar à sociedade‑mãe a responsabilidade por uma infracção cometida pela sua filial, mesmo na falta de indícios quanto ao envolvimento da referida sociedade‑mãe nos factos constitutivos da infracção cometida.
33 Contrariamente ao que defendem as recorrentes, o recurso a tal presunção não pressupõe uma inversão do ónus da prova, levando apenas a estabelecer o nível de prova exigido para poder imputar a uma sociedade-mãe a responsabilidade pelas actividades colusórias nas quais a sua filial está implicada.
– Apreciação do Tribunal de Justiça
34 Importa realçar a título preliminar que, segundo jurisprudência constante, o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento (v., nomeadamente, acórdãos de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.º 112; de 10 de Janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze e o., C‑222/04, Colect., p. I‑289, n.º 107, e de 11 de Julho de 2006, FENIN/Comissão, C‑205/03 P, Colect., p. I‑6295, n.º 25).
35 O Tribunal de Justiça precisou igualmente que o conceito de empresa, situado neste contexto, deve ser entendido no sentido de que designa uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou colectivas (acórdãos de 14 de Dezembro de 2006, Confederación Española de Empresarios de Estaciones de Servicio, C‑217/05, Colect., p. I‑11987, n.º 40; Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.º 55, e de 1 de Julho de 2010, Knauf Gips/Comissão, C‑407/08 P, ainda não publicado na Colectânea, n.º 64).
36 Quando uma tal entidade económica infringe as regras da concorrência, incumbe‑lhe, de acordo com o princípio da responsabilidade pessoal, responder por essa infracção (acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.º 56 e jurisprudência referida).
37 No que diz respeito à questão de saber em que circunstâncias uma pessoa colectiva que não é a autora da infracção, pode, ainda assim, ser sancionada, resulta de jurisprudência constante que o comportamento de uma filial pode ser imputado à sociedade‑mãe, designadamente quando, apesar de ter personalidade jurídica distinta, essa filial não determina de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplica, no essencial, as instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe, atendendo em especial aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem essas duas entidades jurídicas (acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.º 58 e jurisprudência referida).
38 Com efeito, nessa situação, uma vez que a sociedade‑mãe e a sua filial fazem parte de uma mesma unidade económica e, portanto, formam uma única empresa na acepção do artigo 81.° CE, a Comissão pode dirigir à sociedade‑mãe uma decisão que aplica coimas, sem que seja necessário demonstrar o envolvimento pessoal desta última na infracção (v., neste sentido, acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.º 59).
39 A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que, no caso especial em que uma sociedade‑mãe detém 100% do capital da sua filial que tenha cometido uma infracção às regras da concorrência da União, por um lado, essa sociedade‑mãe pode exercer uma influência determinante sobre o comportamento dessa filial e, por outro, existe uma presunção ilidível segundo a qual essa sociedade‑mãe exerce efectivamente tal influência (v. acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, n.º 60 e jurisprudência referida).
40 Nestas condições, basta que a Comissão prove que a totalidade do capital de uma filial é detida pela sua sociedade‑mãe para se presumir que esta última exerce uma influência determinante sobre a política comercial dessa filial. A Comissão pode, em consequência, considerar que a sociedade‑mãe é solidariamente responsável pelo pagamento da coima aplicada à sua filial, a menos que a sociedade‑mãe, à qual incumbe ilidir a presunção, apresente elementos de prova suficientes susceptíveis de demonstrar que a sua filial se comporta de forma autónoma no mercado (v. acórdãos já referidos Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, n.º 29, e Akzo Nobel e o./Comissão, n.º 61).
41 Assim, contrariamente ao que alegam as recorrentes, como acertadamente salientou o Tribunal de Primeira Instância no n.° 60 do acórdão recorrido, embora seja verdade que o Tribunal de Justiça, nos n.os 28 e 29 do acórdão Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, já referido, tenha invocado outras circunstâncias, além da detenção de 100 % do capital da filial, como a não contestação da influência exercida pela sociedade‑mãe sobre a política comercial da sua filial e a representação comum das duas sociedades durante o procedimento administrativo, também é verdade que tais circunstâncias foram referidas pelo Tribunal de Justiça apenas com o objectivo de apresentar todos os elementos em que o Tribunal de Primeira Instância baseou o seu raciocínio nesse processo, e não para fazer depender a aplicação da supra‑referida presunção da apresentação de indícios suplementares relativos a uma influência efectivamente exercida pela sociedade‑mãe sobre a sua filial (v., neste sentido, acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.º 62).
42 Resulta de todas estas considerações que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro jurídico ao declarar, nos n.os 59 a 63 do acórdão recorrido, que, quando uma sociedade‑mãe detém 100% do capital da sua filial, existe uma presunção ilidível segundo a qual a sociedade‑mãe exerce uma influência determinante sobre o comportamento da sua filial.
43 Por conseguinte, a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.
Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa a erros de apreciação da existência de uma influência determinante de uma sociedade‑mãe sobre o comportamento de uma filial controlada a 100 %.
– Argumentos das partes
44 As recorrentes alegam, em primeiro lugar, que, mesmo que a Comissão pudesse presumir uma influência determinante efectivamente exercida pela sociedade-mãe sobre o comportamento de uma filial cujo capital detém a 100 %, o Tribunal de Primeira Instância incorreu, ainda assim, num erro de direito relativo às regras aplicáveis em matéria de prova, ao limitar excessivamente as possibilidade de ilisão desta presunção, introduzindo, deste modo, um regime de responsabilidade automática que é contrário ao princípio da responsabilidade pessoal.
45 Em segundo lugar, no que respeita à apreciação dos elementos de prova apresentados para ilidir a referida presunção, as recorrentes alegam que os elementos analisados pelo Tribunal de Primeira Instância no n.º 66 do acórdão recorrido não permitem concluir pela existência de uma entidade económica única.
46 Em terceiro lugar, defendem que, nos n.os 68 e 69 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou a comunicação através da qual a RQ, na sequência da inspecção efectuada pela Comissão, ordenou a todas as sociedades do seu grupo, entre as quais a GQ, que cessassem quaisquer práticas susceptíveis de constituir uma infracção, na medida em que esta comunicação não comprovava que a RQ tinha tido conhecimento do comportamento censurado à GQ.
47 Em quarto lugar, os mesmos números do acórdão recorrido estão igualmente feridos de erro de qualificação jurídica e de fundamentação, na medida em que a referida comunicação não bastava para demonstrar a existência de uma unidade económica entre a RQ e a GQ.
48 Por seu lado, a Comissão alega que, no que diz respeito à ilisão da presunção de que a sociedade‑mãe exerce uma influência determinante sobre a sua filial, o acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, forneceu um certo número de indicações que confirmam a legitimidade do raciocínio do Tribunal de Primeira Instância. Com efeito, neste acórdão, o Tribunal de Justiça decidiu que, para apreciar se uma filial determina de forma autónoma o seu comportamento no mercado devem examinar-se todos os elementos pertinentes relativos aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem essa filial à sua sociedade-mãe.
49 Ora, segundo a Comissão, as recorrentes não demonstraram que o Tribunal de Primeira Instância cometeu erros na apreciação destes elementos.
– Apreciação do Tribunal de Justiça
50 No que diz respeito à primeira acusação, baseada no erro de direito que o Tribunal de Primeira Instância cometeu ao reduzir as possibilidades de uma sociedade-mãe ilidir a presunção de influência determinante sobre o comportamento de uma filial cujo capital detém a 100 %, deve realçar-se que, no n.º 65 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância declarou acertadamente que incumbe à sociedade‑mãe submeter à sua apreciação quaisquer elementos relativos aos vínculos organizacionais, económicos e jurídicos entre ela própria e a sua filial, que possam demonstrar que as mesmas não constituem uma entidade económica única.
51 Resulta, com efeito, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para ilidir a presunção de que uma sociedade-mãe, que detém 100 % do capital social da sua filial, exerce efectivamente uma influência determinante sobre esta, incumbe à sociedade‑mãe submeter à apreciação do juiz da União quaisquer elementos relativos aos vínculos organizacionais, económicos e jurídicos entre ela e a sua filial, que possam demonstrar que não constituem uma entidade económica única (v. acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.º 65).
52 Importa, além disso, precisar que, contrariamente ao que defendem as recorrentes, e atendendo ao seu carácter ilidível, a referida presunção, uma vez que pode, em cada caso concreto, ser ilidida recorrendo a todos os elementos referidos pelo Tribunal de Primeira Instância, não conduz a uma atribuição automática da responsabilidade à sociedade-mãe que detém a totalidade do capital social da sua filial, o que seria contrário ao princípio da responsabilidade pessoal em que assenta o direito da concorrência da União.
53 Por conseguinte, esta acusação deve ser julgada improcedente.
54 No que diz respeito às segunda e terceira acusações, baseadas, respectivamente, num erro cometido pelo Tribunal de Primeira Instância na medida em que os elementos analisados no n.º 66 do acórdão recorrido não permitem concluir pela existência de uma entidade económica única, e numa desvirtuação, nos n.os 68 e 69 deste acórdão, da ordem comunicada pela RQ à GQ, na medida em que essa ordem não demonstra que a RQ tinha tido conhecimento do comportamento censurado à GQ, importa realçar que essas acusações resultam de uma leitura errada das passagens pertinentes do referido acórdão.
55 Com efeito, por um lado, contrariamente ao que afirmam as recorrentes, o Tribunal de Primeira Instância não concluiu pela existência de uma entidade económica baseando-se nos elementos analisados no n.º 66 do acórdão recorrido. Limitou-se simplesmente a constatar que estes elementos, já tomados em conta pela Comissão no n.º 262 dos fundamentos da decisão controvertida, militavam a favor da existência de uma entidade única e, portanto, não permitiam ilidir a presunção que recaía sobre a RQ.
56 Por outro lado, nos n.os 68 e 69 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância não deduziu da ordem comunicada à GQ pela RQ, que esta última conhecia de certa forma o comportamento infractor censurado à GQ, mas considerou que a afirmação das recorrentes, que confirma a comunicação à GQ da referida ordem, era, por si só, suficiente para provar que a RQ exercia uma influência determinante sobre a política da GQ.
57 Nestas condições, as segunda e terceira acusações devem ser julgadas improcedentes.
58 Na sua quarta acusação, no essencial, as recorrentes imputam ao Tribunal de Primeira Instância, uma falta de fundamentação, por este não ter indicado suficientemente as razões pelas quais, no n.º 69 do acórdão recorrido, considerou que a referida afirmação das recorrentes respeitante à ordem comunicada à GQ pela RQ era suficiente, por si só, para provar que esta última exercia efectivamente uma influência determinante sobre a política da GQ.
59 A este respeito importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação de um acórdão deve revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio do Tribunal Geral, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da decisão tomada e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional (v. acórdão de 2 de Abril de 2009, France Télécom/Comissão, C‑202/07 P, Colect., p. I‑2369, n.º 29 e jurisprudência referida).
60 No caso em apreço, no n.º 69 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância limitou-se a considerar que a comunicação na qual a RQ ordenou à GQ que cessasse qualquer prática susceptível de constituir uma infração às regras de concorrência, na sequência da inspecção que teve lugar nas instalações da GQ, em 27 de Setembro de 2002, era, por si só, suficiente para provar que a RQ exercia uma influência determinante sobre a política da GQ, não apenas no mercado, mas também no que diz respeito ao comportamento infractor objecto da decisão controvertida.
61 Ao agir deste modo, o Tribunal de Primeira Instância limitou-se a formular uma simples afirmação de princípio, sem revelar de forma clara e inequívoca os motivos que o conduziram a essa conclusão.
62 Daqui decorre que o acórdão recorrido está ferido de falta de fundamentação na medida em que o Tribunal de Primeira Instância não expôs as razões que fundamentam a referida conclusão.
63 Por conseguinte, a acusação é procedente, devendo a segunda parte do primeiro fundamento ser julgada improcedente quanto ao restante.
Quanto à terceira parte do primeiro fundamento, relativa a erros de direito e de fundamentação no exame dos elementos apresentados pelas recorrentes com vista a ilidir a presunção de influência determinante da RQ sobre o comportamento da GQ.
– Argumentação das partes
64 As recorrentes formulam várias acusações relativas às apreciações feitas pelo Tribunal de Primeira Instância a título exaustivo nos n.os 71 a 75 do acórdão recorrido.
65 Em primeiro lugar, no n.º 71 do referido acórdão, o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou a circunstância de que a GQ exercia actividades diferentes das da RQ, além de que, não atribuiu, erradamente, nenhuma importância às diversas tentativas da RQ de ceder a GQ a terceiros, entre 1993 e 2004. Com efeito, esses elementos constituem uma prova flagrante da falta de interesse da RQ pela actividade da GQ.
66 Em segundo lugar, contrariamente às apreciações do Tribunal de Primeira Instância, que figuram no n.º 72 do acórdão recorrido, o facto de as actas das reuniões do conselho de administração da RQ fazerem referência à GQ apenas em duas ocasiões, num período de oito anos compreendido entre 1998 e 2005, demonstra a total falta de influência e de intervenção da RQ na actividade da GQ.
67 Em terceiro lugar, segundo as recorrentes, a existência de uma sobreposição entre os órgãos administrativos da RQ e da GQ, salientada pelo Tribunal de Primeira Instância no n.º 73 do acórdão recorrido, dizia respeito a apenas uma pessoa, revestindo por isso um carácter puramente marginal.
68 Em quarto lugar, no n.º 74 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou, erradamente, sem os analisar, por um lado, os elementos que demonstram que apenas os dirigentes da GQ determinavam e executavam a política comercial desta sociedade e, por outro, as alegações segundo as quais as informações transmitidas à RQ pela GQ apenas diziam respeito aos resultados financeiros desta última.
69 Em quinto lugar, no que diz respeito às relações entre a GQ e a sociedade Repsol Italia, o Tribunal de Primeira Instância cometeu igualmente um erro ao considerar, no n.º 75 do acórdão recorrido, que a consolidação de contas efectuada pela RYPF ao nível do grupo apoiava a tese da Comissão, ao passo que a relação de agência não exclusiva que existia entre a GQ e esta sociedade provava a autonomia comercial da GQ.
70 A Comissão responde que as recorrentes não demonstraram a existência de circunstâncias excepcionais susceptíveis de ilidir a presunção de exercício de uma influência determinante da sociedade‑mãe sobre a sua filial, circunstâncias que, segundo a Comissão, o Tribunal de Primeira Instância, erradamente, não analisou ou desvirtuou. Os argumentos invocados pelas recorrentes a este respeito têm um carácter muito geral e não têm fundamento.
– Apreciação do Tribunal de Justiça
71 Deve, desde já, recordar‑se que, segundo jurisprudência assente, resulta dos artigos 225.°, n.° 1, CE e 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, que o Tribunal Geral é o único competente para, por um lado, apurar a matéria de facto, excepto nos casos em que a inexactidão material das suas conclusões resulta dos documentos que lhe foram apresentados, e, por outro, para apreciar esses factos. Quando o Tribunal Geral tiver apurado ou apreciado os factos, o Tribunal de Justiça é competente, por força do artigo 225.° CE, para exercer a fiscalização da qualificação jurídica desses factos e das consequências jurídicas daí extraídas pelo Tribunal Geral (v., nomeadamente, acórdãos de 6 de Abril de 2006, General Motors/Comissão, C‑551/03 P, Colect., p. 3173, n.º 51; de 22 de Maio de 2008, Evonik Degussa/Comissão, C‑266/06 P, n.º 72, e de 3 de Setembro de 2009, Moser Baer India/Conselho, C‑535/06 P, Colect., p. I‑7051, n.º 31).
72 Assim, o Tribunal de Justiça não é competente para apurar os factos nem, em princípio, para examinar as provas a que o Tribunal Geral atendeu para fixar a matéria de facto. Com efeito, tendo essas provas sido obtidas regularmente e os princípios gerais de direito e as regras de processo aplicáveis em matéria de ónus e de produção da prova sido respeitados, compete exclusivamente ao Tribunal Geral apreciar o valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos. Essa apreciação não constitui, portanto, excepto em caso de desvirtuação desses elementos, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (acórdãos General Motors/Comissão, já referido, n.º 52; de 21 de Setembro de 2006, Technische Unie/Comissão, C‑113/04 P, Colect., p. I‑8831, n.º 83; e de 31 de Janeiro de 2008, Angelidis/Parlamento, C‑103/07 P, n.º 46).
73 Antes de mais, no caso em apreço, no que respeita às acusações relativas a uma pretensa desvirtuação, no n.º 71 do acórdão recorrido, do exercício pela GQ, ainda antes da sua entrada no grupo da RQ, de actividades diferentes da RQ e às tentativas da RQ vender a GQ entre 1993 e 2004, por um lado, e aos pretensos erros de qualificação jurídica dos factos analisados nos n.os 72, 73 e 75 deste acórdão, por outro lado, deve constatar-se que com estas acusações as recorrentes apenas visam pôr em causa a apreciação dos elementos de prova efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância contestando o valor que este atribuiu aos elementos que teve em conta na sua análise.
74 Nestas condições, na realidade, as recorrentes não alegam uma desvirtuação dos factos nos quais o Tribunal de Primeira Instância se baseou para chegar às suas conclusões, nem um erro de qualificação jurídica desses factos, pelo que importa, atendendo à jurisprudência referida nos n.os71 e 72 do presente acórdão, rejeitar as referidas acusações por inadmissíveis.
75 Em seguida, no que diz respeito à acusação na qual as recorrentes procuram demonstrar o carácter insuficiente, ou mesmo contraditório, do raciocínio do Tribunal de Primeira Instância, bem como o erro de direito que este cometeu na parte da fundamentação do acórdão recorrido relativa à rejeição dos elementos de prova apresentados pelas recorrentes para demonstrar a autonomia comercial e operacional da GQ em relação à RQ, importa realçar que, no n.º 74 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância não examinou estes elementos de prova quanto ao mérito, tendo rejeitado os argumentos das recorrentes fazendo uma simples referência à jurisprudência que tinha sido anteriormente referida no acórdão recorrido.
76 Observe-se, no entanto, que, longe de fornecer elementos susceptíveis de afastar tais argumentos sem proceder a uma análise específica dos mesmos, a jurisprudência referida nos n.os 58 a 60 do acórdão recorrido, na realidade, obrigava o Tribunal de Primeira Instância, como ele próprio indicou no n.º 65 desse acórdão, a apreciar todos os elementos relativos aos vínculos organizacionais, económicos e jurídicos entre a RQ e a GQ susceptíveis de provar que esta última se comportava de forma autónoma em relação à sua sociedade-mãe e que, portanto, estas duas sociedades não constituíam uma entidade económica única.
77 Tal verificação impunha-se ainda mais na medida em que a autonomia da GQ na execução da sua política comercial faz parte, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, dos elementos pertinentes que permitiram às recorrentes ilidir a presunção de influência determinante da RQ sobre o comportamento da GQ, elementos cujo carácter e importância podem variar segundo as características próprias de cada caso concreto (v., neste sentido, acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.os 73 e 74).
78 O Tribunal de Primeira Instância estava, portanto, obrigado a tomar em consideração e a examinar concretamente os elementos que foram adiantados pelas recorrentes para demonstrar a autonomia da GQ na execução da sua política comercial para verificar se a Comissão tinha cometido um erro de apreciação ao ter considerado essas provas como insusceptíveis de demonstrar, no caso em apreço, que a filial não constituía, juntamente com a RQ, uma entidade económica única.
79 Resulta do acima exposto que, como realçou o advogado‑geral no n.º 49 das suas conclusões, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao afirmar, no n.º 74 do acórdão recorrido, que os argumentos apresentados com o objectivo de provar a existência dessa autonomia não podiam proceder «tendo em conta a jurisprudência referida», sem que se procedesse a um exame concreto dos elementos alegados pelas recorrentes.
80 Por conseguinte, há que julgar procedente a presente acusação, sendo a terceira parte do primeiro fundamento julgada improcedente quanto ao restante.
Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro de direito na imputação à RYPF da responsabilidade por uma infracção ao artigo 81.º, n.º 1, CE cometida pela GQ
– Argumentos das partes
81 Através do seu segundo fundamento, as recorrentes defendem que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar automaticamente extensiva a responsabilidade da filial, autora da infracção, à sociedade líder do grupo ao qual esta filial pertence.
82 Ao decidir dessa forma, o Tribunal de Primeira Instância imputou a responsabilidade à RYPF devido à incapacidade da RQ de refutar a sua responsabilidade pelo comportamento da GQ. Daqui decorre que a responsabilidade pelas infracções cometidas por uma filial é sistematicamente imputada à sociedade-mãe líder do grupo ao qual essa filial pertence, sem que se tenham em consideração as circunstâncias próprias de cada caso concreto, nomeadamente, o número de sociedades interpostas, a natureza ou as actividades destas últimas, bem como os seus vínculos jurídicos e económicos.
83 Segundo a Comissão, a jurisprudência recente do Tribunal de Primeira Instância confirma que a presunção de que é exercida uma influência determinante sobre uma filial é aplicável à sociedade líder do grupo ainda que o seu controlo sobre esta filial tenha um carácter «distante» e «indirecto».
– Apreciação do Tribunal de Justiça
84 A resposta ao presente fundamento implica que se determine, e eventualmente em que condições, a Comissão pode imputar a uma sociedade líder de um grupo (a seguir «sociedade holding»), no caso concreto a RYPF, a responsabilidade solidária por uma infracção ao direito da concorrência da União cometida por uma sociedade, no caso concreto a GQ, cujo capital é integralmente detido por uma sociedade intermédia do mesmo grupo, no caso concreto, a RQ, por sua vez controlada a 100 % pela sociedade holding.
85 A este respeito, importa realçar que, em conformidade com a jurisprudência constante recordada nos n.os 34 a 38 do presente acórdão, a Comissão pode, em certas hipóteses, adoptar uma decisão que aplica a uma sociedade uma coima por uma infracção ao direito da concorrência da União, sem que seja necessário provar o seu envolvimento directo nessa infracção, nomeadamente, quando uma filial, ainda que tenha uma personalidade jurídica distinta, não determine de forma autónoma o seu comportamento no mercado mas aplique, no essencial, as instruções que lhe são dadas pela sua sociedade‑mãe.
86 Por conseguinte, à luz destas considerações, não se pode excluir que uma sociedade holding possa ser considerada solidariamente responsável pelas infracções ao direito da concorrência da União cometidas por uma filial do seu grupo, cujo capital social ela não detém directamente, sempre que essa sociedade holding exerça uma influência determinante sobre a referida filial, mesmo que indirectamente, através de uma sociedade interposta. É esse, nomeadamente, o caso quando a filial não determina de forma autónoma o seu comportamento no mercado relativamente a esta sociedade interposta, a qual também não age de forma autónoma no mercado mas aplica, no essencial, as instruções que lhe são dadas pela sociedade holding.
87 Com efeito, em tal situação, a sociedade holding, a sociedade interposta e a última filial do grupo fazem parte de uma mesma unidade económica e, portanto, constituem uma única empresa na acepção do direito da concorrência da União.
88 Daqui resulta que, como realçou o advogado‑geral nos n.os 62 e 63 das suas conclusões, no caso particular em que uma sociedade holding detém 100 % do capital de uma sociedade interposta que, por sua vez, detém a totalidade do capital de uma filial do seu grupo, autora de uma infracção às regras da concorrência da União, existe uma presunção ilidível, segundo a qual esta sociedade holding exerce uma influência determinante sobre o comportamento da sociedade interposta e indirectamente, através desta última, igualmente sobre o comportamento da referida filial.
89 Por conseguinte, nesta situação específica, a Comissão tem o direito de obrigar a sociedade holding a pagar solidariamente a coima aplicada à última filial do grupo, a menos que a sociedade holding ilida a referida presunção, demonstrando que a sociedade interposta ou a referida filial se comportam de forma autónoma no mercado (v., por analogia, acórdãos já referidos Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, n.º 29, e Akzo Nobel e o./Comissão, n.º 61).
90 Decorre do acima exposto que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu um erro de direito ao decidir, no n.º 81 do acórdão recorrido, que a presunção de responsabilidade baseada na detenção, por uma sociedade, da totalidade do capital de outra sociedade, é aplicável, não apenas nos casos em que existe uma relação directa entre a sociedade‑mãe e a sua filial, mas igualmente nos casos em que, como no caso em apreço, essa relação é indirecta tendo em conta a interposição de uma outra sociedade. Foi portanto, acertadamente que o Tribunal de Primeira Instância decidiu, no essencial, nos n.os 64 e 80 do referido acórdão, que a Comissão podia considerar as recorrentes solidariamente responsáveis, nomeadamente devido à participação de 100 % da RQ na GQ e à participação de 100 % da RYPF na RQ.
91 Por conseguinte, há que julgar improcedente o segundo fundamento do recurso.
92 Resulta do acima exposto que o acórdão recorrido deve ser anulado na parte em que nega provimento ao recurso das recorrentes em que se pede a anulação da decisão controvertida, na medida em que, por um lado, o Tribunal não expôs as razões nas quais se baseou para chegar à conclusão segundo a qual a comunicação da RQ, em que se ordenava à GQ que cessasse quaisquer práticas susceptíveis de constituir uma infracção às regras da concorrência, era, por si só, suficiente para provar que a RQ exercia uma influência determinante sobre a política da GQ, não apenas no mercado, mas também no que diz respeito ao comportamento infractor objecto da decisão controvertida e na medida em que, por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância não apreciou concretamente os elementos apresentados pelas recorrentes para demonstrar a autonomia da GQ na determinação e execução da sua política comercial.
93 É negado provimento ao recurso quanto ao restante.
Quanto ao recurso no Tribunal de Primeira Instância
94 Em conformidade com o artigo 61.°, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça, este último pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado. É o que sucede no caso em apreço.
Argumentos das partes
95 Em primeiro lugar, as recorrentes defendem que, na sequência da inspecção de 27 de Setembro de 2002 nas instalações da GQ, a RQ ordenou, em 22 de Outubro de 2002, a todas as sociedades do seu grupo, entre as quais a GQ, que cessassem quaisquer práticas susceptíveis de constituir uma infracção às regras da concorrência da União.
96 Tal circunstância demonstra que a RQ e a RYPF não participaram nos comportamentos infractores censurados à GQ, não tiveram contacto com nenhuma das empresas implicadas nos acordos em causa, não participaram na elaboração das decisões desta, nem na sua aplicação, nem no controlo da sua execução, não foram informadas por outras empresas dos factos em causa e, por fim, também não foram informadas pela GQ destes comportamentos.
97 Em segundo lugar, as recorrentes alegam que a RYPF e a RQ forneceram à Comissão, no âmbito do procedimento pré-contencioso, documentos destinados a ilidir a presunção de responsabilidade que sobre elas recai no que diz respeito aos referidos comportamentos, ao apresentarem a prova da autonomia comercial e operacional da GQ. Esses elementos de prova foram, contudo, erradamente apreciados, ou mesmo ignorados, pela Comissão.
98 Em especial, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação das provas materiais, pelo facto de a GQ gozar de uma autonomia total para operar no mercado, uma vez que os dirigentes desta sociedade beneficiavam de uma delegação total e de uma procuração para exercer todas as competências de direcção, de gestão e de administração. Além disso, a Comissão também não realçou que o fornecimento de informações à RQ pela GQ se limitava a dar conta dos resultados tendo em conta os orçamentos e planos estratégicos ou comerciais decididos pelos dirigentes da GQ.
99 Por seu lado, a Comissão defende que as recorrentes não conseguiram ilidir a presunção de responsabilidade que recai sobre a RQ.
Apreciação do Tribunal de Justiça
100 Para apreciar as presentes acusações há que verificar se a Comissão cometeu um erro de apreciação ao não ao ter considerado, por um lado, que a ordem comunicada à GQ pela RQ demonstra que esta última não conhecia a infracção em questão e não participou nela, nem incitou a sua filial a praticá-la e, por outro, que os elementos de prova fornecidos, respeitantes à autonomia dos dirigentes da GQ na determinação e execução da política comercial desta sociedade demonstram que ela fixava de forma autónoma o seu comportamento no mercado.
101 No que diz respeito, em primeiro lugar, à ordem dada à GQ pela RQ, importa realçar que, como resulta dos autos, esta ordem era de carácter geral, uma vez que não era exclusivamente destinada à GQ, mas a todas as sociedades do grupo, e que foi comunicada dois anos e meio após a cessação do comportamento anticoncorrencial censurado à GQ.
102 É certo que tais elementos militam a favor de uma falta de conhecimento da infracção censurada à GQ, da não participação nesta infracção ou ainda da não instigação à sua prática. Contudo, contrariamente ao que defendem as recorrentes, não é o facto de a sociedade-mãe ter incitado a sua filial a cometer uma infracção às regras da concorrência da União, nem o facto de a primeira estar directamente implicada nessa infracção cometida pela segunda, mas o facto de estas duas sociedades constituírem uma mesma unidade económica e, portanto, formarem uma única empresa na acepção do artigo 81.º CE que permite à Comissão aplicar uma coima à referida sociedade‑mãe (v., neste sentido, acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.os 59 e 77).
103 Deve, por conseguinte assinalar-se que, no caso presente, a mera circunstância de a RQ, por um lado, apenas ter tido conhecimento da infracção depois da inspecção de 27 de Setembro de 2002 nas instalações da GQ e, por outro, não ter participado directamente nesta infracção nem incitado à sua prática, não é susceptível de demonstrar que estas duas sociedades não constituem uma mesma unidade económica. Essa circunstância não é, portanto, suficiente para ilidir a presunção de que a RQ exerceu efectivamente uma influência determinante sobre os comportamentos da GQ.
104 No que diz respeito, em segundo lugar, aos argumentos relativos à pretensa autonomia dos dirigentes da GQ na determinação e execução da política comercial desta sociedade, é de realçar que os elementos adiantados a este respeito pelas recorrentes não demonstram que a GQ determinava autonomamente o seu comportamento no mercado e, portanto, que não constituía uma unidade económica juntamente com a RQ. Com efeito, embora seja certo que determinados documentos apresentados pelas recorrentes demonstram que numerosas competências de gestão, de direcção e de administração da GQ tinham sido delegadas aos dirigentes desta, outros elementos dos autos revelam, em contrapartida, a existência de uma interferência significativa da RQ em vários aspectos da estratégia e da política comercial da GQ.
105 Refira-se, a este respeito, antes de mais, a declaração do secretário do Conselho de Administração da RQ, de 7 de Junho de 2005, que contém passagens das numerosas actas de reuniões do Conselho de Administração desta sociedade, redigidas entre 1998 e 2005. Resulta deste documento que o Conselho de Administração da RQ interveio de modo significativo, entre 1998 e 2000, em certos aspectos essenciais da política da GQ, nomeadamente para autorizar, em 17 de Abril de 1998, a venda da participação da GQ na sociedade Silquímica SA e, em 28 de Janeiro de 1999, a venda de bens imobiliários da GQ.
106 Observe-se, em seguida, que, no caso em apreço, como realçou a Comissão no n.º 262 da fundamentação da decisão controvertida, sem que a esse respeito as recorrentes a contradissessem efectivamente, o administrador único da GQ, designado pela RQ era, devido ao seu comportamento constante, um elo de ligação entre essas duas sociedades, por intermédio do qual as informações relativas às vendas, produção e resultados financeiros eram comunicadas à RQ.
107 Por fim, ainda quanto às trocas entre os dirigentes da GQ e os da RQ, o facto, confirmado pelas próprias recorrentes, de fornecer informações a respeito da fase de execução dos planos estratégicos e comerciais constitui um indício suplementar da existência de controlo por parte da RQ sobre as decisões elaboradas e executadas pelos dirigentes da GQ.
108 Neste contexto, em contrapartida, não tem nenhuma importância o facto de algumas destas informações se referirem aos resultados financeiros a respeito dos orçamentos anuais da GQ, na medida em que cada sociedade‑mãe é obrigada a consolidar as contas ao nível do seu grupo.
109 À luz destas considerações, deve concluir-se que a Comissão não cometeu um erro de apreciação ao considerar que os elementos fornecidos pelas recorrentes relativos, por um lado, ao facto de a RQ não ter tido conhecimento da infracção em questão, nem participado nela, nem incitado a sua filial a cometê-la e, por outro lado, às modalidades de determinação e de execução da política comercial da GQ, tomadas em consideração juntamente com os outros elementos pertinentes dos autos, não demonstram que esta determinava de forma autónoma o seu comportamento no mercado e, portanto, não permitem ilidir a presunção segundo a qual a RQ exercia uma influência determinante sobre o comportamento da GQ.
110 Por conseguinte, as acusações invocadas a este respeito pelas recorrentes em apoio do recurso de anulação devem ser julgadas improcedentes.
111 Deve, portanto, ser negado provimento ao recurso de anulação.
Quanto às despesas
112 Nos termos do artigo 122.°, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.
113 Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do mesmo regulamento, aplicável ao presente recurso nos termos do seu artigo 118.°, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Todavia, por força do artigo 69.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do mesmo diploma, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal de Justiça pode determinar que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.
114 No caso em apreço, tendo as recorrentes, no essencial, obtido vencimento no âmbito do recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância, mas tendo sido parcialmente vencidas no âmbito do recurso de anulação, há que decidir que cada uma das partes suportará as suas próprias despesas relativas à presente instância e que as recorrentes suportarão a totalidade das despesas relativas ao processo em primeira instância.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:
1) O acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Dezembro de 2008, General Química e o. /Comissão (T‑85/06), é anulado na parte em que nega provimento ao recurso da General Química SA, Repsol Química SA e Repsol YPF SA destinado à anulação da Decisão 2006/902/CE da Comissão, de 21 de Dezembro de 2005, relativa a um procedimento nos termos do artigo 81.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia e do artigo 53.º do Acordo EEE relativamente à Flexsys NV, Bayer AG, Crompton Manufacturing Company Inc. (ex-Uniroyal Chemical Company Inc.), Crompton Europe Ltd, Chemtura Corporation (ex‑Crompton Corporation), General Química SA, Repsol Química SA e Repsol YPF SA. (Processo COMP/F/C.38.443 — Produtos químicos para a indústria da borracha), na medida em que, por um lado, o Tribunal não expôs as razões nas quais se baseou para chegar à conclusão segundo a qual a comunicação da Repsol Química SA, em que se ordenava à General Química SA que cessasse quaisquer práticas susceptíveis de constituir uma infracção às regras da concorrência era, por si só, suficiente para provar que a Repsol Química SA exercia uma influência determinante sobre a política da General Química SA, não apenas no mercado, mas também no que diz respeito ao comportamento infractor objecto da decisão 2006/902, e na medida em que, por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância não apreciou concretamente os elementos apresentados pela General Química SA, pela Repsol Química SA e pela Repsol YPF SA para demonstrar a autonomia da General Química SA na determinação e execução da sua política comercial.
2) É negado provimento ao recurso quanto ao restante.
3) É negado provimento ao recurso interposto pela General Química SA, pela Repsol Química SA e pela Repsol YPF SA no Tribunal de Primeira Instância.
4) Cada parte suportará as suas próprias despesas relativas à presente instância sendo a General Química SA, a Repsol Química SA e a Repsol YPF SA condenadas na totalidade das despesas relativas ao processo em primeira instância.
Assinaturas
* Língua do processo: espanhol.