CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 1 de Junho de 2010 1(1)

Processos apensos C‑57/09 e C‑101/09

Bundesrepublik Deutschland

contra

B (C‑57/09) e D (C‑101/09)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht (Alemanha)]

«Normas mínimas relativas à concessão do estatuto de refugiado a nacionais de países terceiros ou apátridas – Motivos de exclusão do estatuto de refugiado – artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da Directiva 2004/83/CE – Participação passada do requerente nas actividades de uma organização que figura na lista das pessoas, grupos ou entidades a quem é aplicável a Posição Comum 2001/931/PESC»





1.        Com dois despachos sucessivos, o Bundesverwaltungsgericht (Alemanha) submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 68.°, n.° 1, CE, e 234.° CE, uma série de questões prejudiciais que dizem respeito, por um lado, à interpretação do artigo 12.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional, bem como relativas ao respectivo estatuto, e relativas ao conteúdo da protecção concedida (a seguir «directiva») (2), e, por outro, à interpretação do artigo 3.° da mesma directiva. As questões foram suscitadas no âmbito dos litígios que opõem a República Federal da Alemanha, representada pelo Bundesministerium des Inneren (Ministério Federal do Interior), por sua vez representado pelo Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (Gabinete Federal para as Migrações e os Refugiados; a seguir «Bundesamt») a B (processo C‑57/09) e D (processo C‑101/09), relativamente ao indeferimento, pelo Bundesamt, do pedido de asilo apresentado por B e à revogação, pela mesma autoridade, do estatuto de refugiado inicialmente concedido a D.

I –    Quadro jurídico

A –    Direito internacional

1.      A Convenção de Genebra de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados.

2.        A Convenção de Genebra de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados (a seguir «Convenção de 1951» ou «Convenção») (3) foi aprovada por uma conferência especial da Organização das Nações Unidas, em 28 de Julho de 1951, tendo entrado em vigor em 22 de Abril de 1954. Esta Convenção, que foi complementada por um protocolo adoptado em 1967 que alargou o seu âmbito de aplicação, inicialmente circunscrito aos refugiados da segunda guerra mundial, define o conceito de «refugiado» e estabelece os direitos e obrigações conexos com o estatuto de refugiado. Actualmente, os Estados signatários são 146.

3.        O artigo 1.°, depois de definir, no ponto A, a quem se aplica o termo «refugiado» para os fins da Convenção, esclarece, nas alíneas a), b) e c) do ponto F, que

«As disposições desta Convenção não serão aplicáveis às pessoas acerca das quais existam razões ponderosas para pensar:

(a) Que cometeram um crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a Humanidade, segundo o significado dos instrumentos internacionais elaborados para prever disposições relativas a esses crimes;

(b) Que cometeram um grave crime de direito comum fora do país que deu guarida, antes de neste serem aceites refugiados;

(c) Que praticaram actos contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas» (4).

4.        O artigo 33.° da Convenção, com a epígrafe «Proibição de expulsar e de repelir» dispõe:

«Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou repelirá um refugiado, seja de que maneira for, para as fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas.

Contudo, o benefício da presente disposição não poderá ser invocado por um refugiado que haja razões sérias para considerar perigo para a segurança do país onde se encontra, ou que, tendo, sido objecto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave, constitua ameaça para a comunidade do dito país».

2.      As resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas

5.        Em 28 de Setembro de 2001, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (a seguir «Conselho de Segurança»), actuando nos termos do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, adoptou a Resolução 1373 (2001). Segundo o n.° 2, alínea c), da resolução, o Conselho de Segurança decidiu que todos os Estados devem «recus[ar] conceder refúgio àqueles que financiam, planeiam, apoiam ou praticam actos de terrorismo ou que proporcionam refúgio aos seus autores» (5). O n.° 3, alíneas f) e g), exorta os Estados «[a] adoptar, em conformidade com as disposições pertinentes do direito nacional e internacional, incluindo as normas internacionais relativas aos direitos humanos, as medidas adequadas para se assegurar, antes da concessão do estatuto de refugiado, que o requerente do estatuto de refugiado não planeou, nem facilitou a prática de actos de terrorismo nem dela participou» e «[a] assegurar, em conformidade com o direito internacional, que o estatuto de refugiado não seja abusivamente utilizado pelos autores de actos de terrorismo, nem pelos que planeiam ou facilitam tais actos e que não seja reconhecida a reivindicação de motivos políticos como fundamento de recusa dos pedidos de extradição de presumíveis terroristas». Por último, no n.° 5 da resolução, o Conselho de Segurança declara «que os actos, métodos e práticas terroristas são contrários aos fins e princípios das Nações Unidas e que financiar com conhecimento de causa actos de terrorismo, planeá‑los ou incitar à sua prática é igualmente contrário aos fins e princípios das Nações Unidas» (6).

6.        Encontram‑se declarações substancialmente do mesmo teor também em resoluções posteriores, relativas às ameaças à paz e à segurança internacionais causadas pelo terrorismo, a partir da Resolução 1377 (2001), que tem anexa uma Declaração do Conselho de Segurança a nível ministerial, na qual se reafirma, além disso, «a condenação inequívoca de todos os actos, métodos e práticas terroristas, por serem criminosos e injustificáveis, independentemente da sua motivação, em todas as suas formas e manifestações, onde quer que sejam praticados e quem quer que seja o seu autor» (7).

B –    Direito da União

1.      Direito primário

7.        Nos termos do artigo 2.° do TUE, «A União funda‑se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias [...]». O artigo 3.°, n.° 5, do TUE, dispõe que a União contribui para «a protecção dos direitos do Homem [...] bem como para a rigorosa observância e o desenvolvimento do direito internacional, incluindo o respeito dos princípios da Carta das Nações Unidas».

8.        Nos termos do primeiro parágrafo do n.° 1 do artigo 6.° do TUE, a União reconhece os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), que tem o mesmo valor jurídico que os Tratados. O artigo 18.° da Carta declara que «[é] garantido o direito de asilo, no quadro da Convenção [de 1951] [...] e nos termos do Tratado que institui a Comunidade Europeia [e do Tratado sob o Funcionamento da União Europeia]».

9.        Ao abrigo do disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 63.° CE, o Conselho adoptará, no prazo de cinco anos a contar da data de entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, medidas em matéria de asilo concordantes com a Convenção de 1951 bem como com os demais tratados pertinentes, em especial no que diz respeito às «normas mínimas em matéria de condições a preencher pelos nacionais de países terceiros que pretendam aceder ao estatuto de refugiado».

2.      A Posição Comum 2001/931/PESC

10.      De acordo com os seus «considerandos», a Posição Comum 2001/931/PESC, de 27 de Dezembro de 2001, relativa à aplicação de medidas específicas de combate ao terrorismo, adoptada nos termos dos artigos 15.° UE e 34.° UE, visa dar execução às medidas contra o financiamento do terrorismo previstas na referida Resolução 1373 (2001) do Conselho de Segurança (8). Nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, é aplicável «às pessoas, grupos ou entidades envolvidos em actos terroristas e enunciados no anexo». O n.° 2 dispõe que, para os efeitos da Posição Comum, entende‑se por «pessoas, grupos e entidades envolvidas em actos terroristas» «pessoas que pratiquem ou tentem praticar actos terroristas, neles participem ou os facilitem» e «grupos e entidades directa ou indirectamente possuídas ou controladas por essas pessoas; e pessoas, grupos e entidades que actuem em nome ou sob a orientação dessas pessoas, grupos e entidades, incluindo fundos obtidos a partir de bens directa ou indirectamente possuídos ou controlados por essas pessoas e por pessoas, grupos e entidades a elas associadas». O n.° 3 do artigo 1.° define o que é um «acto terrorista» e um «grupo terrorista», para efeitos da Posição Comum. Por força dos seus artigos 2.° e 3.°, «a Comunidade Europeia, actuando nos limites das competências que lhe são conferidas pelo Tratado que institui a Comunidade Europeia, ordena o congelamento de fundos e outros activos financeiros ou recursos económicos das pessoas, grupos e entidades enumerados no anexo» e «assegura que os fundos e outros activos financeiros ou recursos económicos ou financeiros de pessoas ou outros serviços conexos não sejam disponibilizados, directa ou indirectamente» em benefício dessas pessoas, grupos e entidades.

11.      Nos termos do artigo 1.° da Posição Comum 2002/340/PESC de 2 de Maio de 2002 (9), a lista de pessoas, grupos e entidades a que se aplica a Posição Comum 2001/931/PESC foi actualizada pela primeira vez, passando a incluir o «Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK)» e o «Exército/Frente/Partido Revolucionário Popular de Libertação (DHKP/C), [também conhecido como Devrimci Sol (Esquerda Revolucionária), Dev Sol]». Esta Posição Comum começou a produzir efeitos a partir da data da sua aprovação (artigo 2.°) (10).

3.      A Decisão‑Quadro 2002/475/JAI

12.      A Decisão‑Quadro 2002/475/JAI do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa à luta contra o terrorismo (11), fornece uma definição comum das infracções terroristas, das infracções imputáveis a um grupo terrorista e das actividades conexas, dispondo que cada Estado‑Membro adoptará as medidas necessárias para assegurar que essas infracções serão puníveis com sanções penais eficazes, proporcionadas e dissuasivas, susceptíveis de implicar a extradição. O seu artigo 2.°, intitulado «Infracções relativas a um grupo terrorista» dispõe que, para os efeitos da decisão‑quadro, «entende‑se por ‘grupo terrorista’ a associação estruturada de duas ou mais pessoas, que se mantém ao longo do tempo e actua de forma concertada, com o objectivo de cometer infracções terroristas». O n.° 2 deste artigo dispõe que cada Estado‑Membro «tomará as medidas necessárias para tornar puníveis os seguintes actos intencionais: a) Direcção de um grupo terrorista; b) Participação nas actividades de um grupo terrorista, incluindo pelo fornecimento de informações ou meios materiais, ou através de qualquer forma de financiamento das suas actividades, tendo conhecimento de que essa participação contribuirá para as actividades criminosas do grupo terrorista».

4.      A directiva

13.      Na reunião extraordinária realizada em Tampere, em 15 e 16 de Outubro de 1999, o Conselho Europeu acordou «trabalhar no sentido da criação de um sistema comum europeu de asilo, baseado numa aplicação integral e abrangente da Convenção de Genebra» que, num primeiro momento, incluísse designadamente, segundo o calendário definido no Tratado de Amesterdão e no Plano de Acção de Viena, a adopção de «normas comuns para um processo de asilo equitativo e eficaz» e «uma aproximação das normas em matéria de reconhecimento e de conteúdo do estatuto de refugiado» (12).

14.      Em conformidade com este objectivo programático, a directiva, segundo o seu sexto considerando, visa, por um lado, «assegurar que todos os Estados‑Membros apliquem critérios comuns de identificação [...] das pessoas que tenham efectivamente necessidade de protecção internacional» e, por outro, «assegurar que em todos os Estados‑Membros exista um nível mínimo de benefícios à disposição daquelas pessoas». Como se depreende dos seus décimo sexto e décimo sétimo considerandos, a directiva pretende «estabelecer normas mínimas relativas à configuração e conteúdo do estatuto de refugiado, a fim de auxiliar as instâncias nacionais competentes dos Estados‑Membros a aplicar a Convenção de Genebra» e «introduzir critérios comuns de reconhecimento como refugiados de requerentes de asilo, nos termos do artigo 1.° da Convenção de Genebra». De acordo com o terceiro considerando, a Convenção de Genebra e o protocolo de 1967 constituem «a pedra angular do regime jurídico internacional relativo à protecção dos refugiados» e o décimo quinto considerando reconhece que «a realização de consultas junto do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados pode fornecer orientações úteis destinadas aos Estados‑Membros para determinar o estatuto de refugiado em conformidade com o artigo 1.° da Convenção de Genebra [de 1951]». O oitavo considerando esclarece que «[c]onstitui característica das normas mínimas a possibilidade para os Estados‑Membros de prever ou manter disposições mais favoráveis relativamente a nacionais de países terceiros ou a apátridas requerentes de protecção internacional num Estado‑Membro, sempre que se considere que tal pedido é apresentado com base na qualidade de refugiado, na acepção do ponto A do artigo 1.° da Convenção de Genebra, ou de pessoa que, por outros motivos, tem necessidade de protecção internacional». Por último, nos termos do vigésimo segundo considerando da directiva, «[o]s actos contrários aos objectivos e princípios da Organização das Nações Unidas estão enunciados no preâmbulo e nos artigos 1.° e 2.° da Carta das Nações Unidas, estando incluídos, entre outros, nas resoluções daquela organização relativas às medidas visando eliminar o terrorismo internacional, segundo as quais, ‘os actos, métodos e práticas terroristas são contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas’ e ‘são igualmente contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas o financiamento, a planificação e a incitação, com conhecimento de causa, de tais actos terroristas’».

15.      Nos termos do seu artigo 1.°, epigrafado «Objecto e âmbito de aplicação», a directiva «tem por objectivo estabelecer normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional e ao conteúdo da protecção concedida». O artigo 2.° contém algumas definições para efeitos da directiva. Segundo a sua alínea c), entende‑se por «[r]efugiado», o «nacional de um país terceiro que, receando com razão ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a protecção desse país, ou o apátrida que, estando fora do país em que tinha a sua residência habitual, pelas mesmas razões que as acima mencionadas, não possa ou, em virtude do referido receio, a ele não queira voltar, e aos quais não se aplique o artigo 12.°».

16.      Com base no artigo 3.° da directiva, com a epígrafe «Normas mais favoráveis», os Estados‑Membros «podem aprovar ou manter normas mais favoráveis relativas à determinação das pessoas que preenchem as condições para beneficiar do estatuto de refugiado ou que sejam elegíveis para protecção subsidiária, bem como à determinação do conteúdo da protecção internacional, desde que essas normas sejam compatíveis com a presente directiva».

17.      O artigo 12.° da directiva, que tem a epígrafe «Exclusão» e está integrado no Capítulo III, intitulado «Condições para o reconhecimento como refugiado», dispõe nos n.os 2 e 3:

«2.      O nacional de um país terceiro ou o apátrida é excluído da qualidade de refugiado quando existam suspeitas graves de que:

a) Praticou crimes contra a paz, crimes de guerra ou crimes contra a humanidade, nos termos dos instrumentos internacionais que estabelecem disposições relativas a estes crimes;

b) Praticou crime grave de direito comum fora do país de refúgio, antes de ter sido admitido como refugiado, ou seja, na data em que foi emitida uma autorização de residência com base na concessão do estatuto de refugiado; poderão ser classificados como crimes de direito comum graves os actos particularmente cruéis ou desumanos, mesmo que praticados com objectivos alegadamente políticos;

c) Praticou actos contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas enunciados no preâmbulo e nos artigos 1.° e 2.° da Carta das Nações Unidas.

3.      O n.° 2 aplica‑se às pessoas que tenham instigado ou participado de outra forma na prática dos crimes ou actos aí referidos».

18.      Nos termos do artigo 14.°, n.° 3, alínea a), da directiva, integrado no Capítulo IV, que tem como título «Estatuto de refugiado», os Estados‑Membros revogam, suprimem ou recusam renovar o estatuto de refugiado do nacional de um país terceiro ou do apátrida se, após este ter recebido o estatuto de refugiado, for apurado pelo Estado‑Membro em questão que «a) deveria ter sido ou foi excluído da qualidade de refugiado, nos termos do artigo 12.°».

19.      O Capítulo VII, intitulado «Conteúdo da protecção internacional», contém disposições que definem as obrigações dos Estados‑Membros em relação aos beneficiários do estatuto de refugiado no que diz respeito, em particular, à concessão de autorizações de residência e de documentos de viagem, de acesso ao emprego, à educação, à habitação, à segurança social e a cuidados de saúde. Neste capítulo está integrado o artigo 21.°, epigrafado «Protecção contra a repulsão», cujo n.° 1 estabelece que os Estados‑Membros devem respeitar o princípio de não repulsão, de acordo com as suas obrigações internacionais.

C –    O direito nacional

20.      Nos termos do artigo 16a da Grundgesetz (Lei Fundamental) «as pessoas que são alvo de perseguições de carácter político beneficiam do direito de asilo». De acordo com as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, a legislação alemã relativa ao estatuto dos refugiados pode ser resumida, no que ao presente caso interessa, do seguinte modo.

21.      Inicialmente, o reconhecimento do estatuto de refugiado regia‑se pelo § 51 da Gesetz über die Einreise und den Aufenthalt von Ausländern im Bundesgebiet (Lei sobre a entrada e a residência dos estrangeiros no território federal, a seguir «Ausländerngesetz»). O n.° 3 deste § foi alterado, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2002, pela Terrorismusbekämpfungsgesetz (Lei relativa à luta contra o terrorismo), que introduziu os motivos de exclusão do estatuto dos refugiados, previstas no artigo 1.°, ponto F, da Convenção de Genebra.

22.      Depois da entrada em vigor, em 27 de Agosto de 2007, da Gesetz zur Umsetzung aufenthalts‑und asylrechtlicher Richtlinien der Europäischen Union (Lei de transposição das directivas da União Europeia em matéria de residência e de asilo, a seguir «Richtlinienumsetzungsgesetz») de 19 de Agosto de 2007, pela qual foi também transposta a Directiva 2004/83, os requisitos para o reconhecimento do estatuto de refugiado são os que resultam das disposições conjugadas do § 60, n.° 1 da Gesetz über den Aufenthalt, die Erwerbstätigkeit und die Integration von Ausländern im Bundesgebiet (Lei sobre a residência, o trabalho e a integração dos estrangeiros no território federal, a seguir «Aufenthaltsgesetz») e do § 3, n.° 1, da Asylverfahrensgesetz (Lei sobre o processo de asilo). Nos termos desta última disposição, «um estrangeiro é considerado refugiado na acepção da [Convenção de 1951] quando, no Estado de que tem a nacionalidade, esteja exposto aos riscos referidos no § 60, n.° 1, da [Aufenthaltsgesetz]».

23.      O § 3, n.° 2, pontos 2 e 3, da Asylverfahrensgesetz, que a partir de 27 de Agosto de 2007 substituiu o § 60, n.° 8, segundo período, da Aufenthaltsgesetz, o qual, por sua vez, havia substituído o § 51, n.° 3, segundo período, da Ausländergesetz, transpôs para o direito alemão o artigo 12.°, n.os 2 e 3, da directiva. Aquele § dispõe, inter alia, que um estrangeiro não beneficia do estatuto de refugiado, na acepção do n.° 1, quando existam suspeitas graves de que:

«2. Praticou um crime grave de direito comum fora do território nacional antes de neste ter sido admitido como refugiado, em especial um acto cruel, ainda que ao prosseguir objectivos alegadamente políticos, ou

3. Praticou actos contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas».

24.      Com base no § 3.°, n.° 2, segundo período, o previsto no primeiro período aplica‑se também a estrangeiros que tenham instigado ou participado de outra forma na prática de tal crime.

25.      O § 73, n.° 1, da Asylverfahrengesetz, conforme alterada, dispõe que o reconhecimento do direito de asilo e o estatuto de refugiado são imediatamente revogados se deixarem de estar reunidos os requisitos exigidos para esse efeito.

II – Processos nacionais, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

A –    O processo Bundesrepublik Deutschland/B (C‑57/09)

26.      B, nascido em 1975, é cidadão turco de origem curda. No fim de 2002, chegou à Alemanha e solicitou asilo. Nessa altura, declarou que na Turquia tinha simpatizado, logo como estudante, com o Dev Sol (actualmente DHKP/C) e que, entre o fim de 1993 e o início de 1995, apoiou a luta armada de guerrilha nas montanhas. Após ter sido detido em Fevereiro de 1995, foi vítima de graves maus tratos físicos, tendo‑lhe sido extorquida uma confissão sob tortura. Em Dezembro de 1995 foi condenado a pena de prisão perpétua e em 2001, após ter assumido a responsabilidade pelo homicídio de outro detido suspeito de ser um delator, foi de novo condenado a pena de prisão perpétua. No Outono de 2000 entrou em greve de fome e, em consequência dos danos que daí resultaram para a sua saúde, em Dezembro de 2002 foi‑lhe concedido um período de liberdade condicional, que aproveitou para abandonar a Turquia. Como resultado dessas vivências, sofre de um grave síndroma de stress pós‑traumático e, em consequência da greve de fome, de lesões cerebrais e de fenómenos de amnésia que lhes estão associados. Actualmente, o DHKP/C considera‑o um traidor.

27.      Em 14 de Setembro de 2004, o Bundesamt (13) indeferiu o pedido de asilo, por ter constatado que não estavam preenchidos os requisitos do § 51, n.° 1, da Ausländergesetz. O Bundesamt considerou que era aplicável o motivo de exclusão do § 51, n.° 3, segundo período, segunda alternativa, da Ausländergesetz (actualmente § 3.°, n.° 2, ponto 2, da Asylverfahrengesetz ). Ao mesmo tempo, o Bundesamt declarou que não se verificavam obstáculos à expulsão de B para a Turquia e declarou‑o passível dessa expulsão.

28.      Em 13 de Outubro de 2004, o Verwaltungsgericht de Gelsenkirchen anulou a decisão do Bundesamt, instando‑o a reconhecer o direito de asilo do recorrente e a verificar a existência de condições para B não ser expulso para a Turquia.

29.      Em 27 de Março de 2007, o Oberverwaltungsgericht für das Land Nordrhein‑Westfalen negou provimento ao recurso do Bundesamt, considerando que devia ser reconhecido a B o direito de asilo, ao abrigo do artigo 16.° A da Grundgesetz, bem como o estatuto de refugiado. Segundo esse tribunal, o motivo de exclusão previsto no § 51, n.° 3, segundo período, segunda alternativa, da Ausländergesetz, não se aplica quando se verifique que o estrangeiro já não representa qualquer perigo – por exemplo, por ter abandonado toda e qualquer actividade terrorista ou devido ao seu estado de saúde – e a sua aplicação exigiria uma apreciação global de cada caso, à luz do princípio da proporcionalidade.

30.      O Bundesamt interpôs recurso desta decisão no Bundesverwaltungsgericht, invocando a existência dos motivos de exclusão previstos no § 51, n.° 3, segundo período, da Ausländergesetz (§ 3, n.° 2, pontos 2 e 3, da Asylverfahrengesetz ) e alegando que o artigo 12.°, n.° 2, da directiva, que enumera as motivos de exclusão, faz parte dos princípios que, por força do § 3 do mesmo diploma, os Estados não podem derrogar. O Vertreter des Bundesinteresses (Comissário federal do governo) interveio no processo e contesta igualmente a interpretação das cláusulas de exclusão efectuada pelo tribunal de segunda instância.

B –    O processo Bundesrepublik Deutschland/D (C‑101/09)

31.      D, nascido em 1968, é cidadão turco de origem curda. Em Maio de 2001, chegou à Alemanha e solicitou asilo. Na altura, disse que em finais dos anos 80 foi detido e torturado três vezes, devido à sua actividade em prol do direito à autodeterminação dos curdos. Em 1990, aderiu ao PKK, tendo participado na luta armada de guerrilha e chegado a ser um alto representante do partido. Em finais de 1998, o PKK enviou‑o para o Norte do Iraque, onde permaneceu até 2001. Devido a divergências políticas com a direcção do partido, abandonou o PKK em Maio de 2000 e desde então é considerado traidor, tendo por isso recebido várias ameaças. D receia ser alvo de perseguições, tanto pelas autoridades turcas como pelo PKK.

32.      Em Maio de 2002, o Bundesamt (14) concedeu‑lhe asilo, com base na legislação em vigor na época. A seguir à entrada em vigor da Terrorismusbekämpfungsgesetz, em 2002, a Bundeskriminalamt (polícia criminal federal) sugeriu ao Bundesamt que iniciasse um processo de revogação do direito de asilo. Segundo as informações na posse da polícia federal, D teria sido, a partir de Fevereiro de 1999, um dos 41 elementos da direcção do PKK. Em Agosto de 2000, a Interpol de Ankara emitiu contra ele um mandato de captura, acusando‑o de, no período entre 1993 e 1998, ter participado em atentados que causaram a morte de 126 pessoas e do homicídio de dois guerrilheiros do PKK. Por decisão de 6 de Maio de 2004, o Bundesamt revogou o direito de asilo e o estatuto de refugiado de D, ao abrigo do § 73, n.° 1, da Asylverfahrengesetz. O Bundesamt considerou que pesavam sobre D fundadas suspeitas de ter cometido um crime grave de direito comum fora do território da República Federal da Alemanha e de ter praticado actos contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas, sendo por conseguinte aplicáveis os motivos de exclusão previstos inicialmente no § 51, n.° 3, segundo período, da Ausländergesetz, depois no § 60, n.° 8, segundo período, da Aufenthaltsgesetz e, por último, no § 3, n.° 2, da Asylverfahrengesetz.

33.      Em 29 de Novembro de 2005, o Verwaltungsgericht Gelsenkirchen anulou a decisão de revogação. Por acórdão de 27 de Março de 2007, o Oberverwaltungsgericht für das Land Nordrhein‑Westfalen negou provimento ao recurso interposto pelo Bundesamt. Seguindo um raciocínio análogo ao do acórdão, proferido nesse mesmo dia, pelo qual negou provimento ao recurso do Bundesmant interposto no processo que tinha por objecto o indeferimento do pedido de asilo de B, aquele tribunal considerou que, no caso de D, também não existiam os motivos de exclusão previstos pela legislação alemã.

34.      O Bundesamt interpôs recurso da referida decisão no Bundesverwaltungsgericht. O Vertreter des Bundesinteresses interveio no processo, contestando a tese defendida pelo tribunal de segunda instância.

C –    Questões prejudiciais

35.      Considerando que a solução dos litígios dependia da interpretação da directiva, o Bundesverwaltungsgericht, por despachos de 14 de Outubro de 2008 (C‑57/09) e de 25 de Novembro de 2008 (C‑101/09), suspendeu os processos e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes cinco questões prejudiciais em cada um dos processos:

«1. Estamos perante um crime grave de direito comum ou um acto contrário aos objectivos e princípios das Nações Unidas, na acepção do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, quando

[(processo C‑57/09) o requerente pertenceu a uma organização indicada na lista de pessoas, grupos e entidades que figura em anexo à Posição Comum do Conselho de [17 de Junho de 2002] (15) relativa à aplicação de medidas específicas de combate ao terrorismo, e que utiliza métodos terroristas, e o requerente apoiou activamente a luta armada desta organização?]

[(processo C‑101/09) o estrangeiro pertenceu, durante muitos anos, como combatente e funcionário ‑ durante algum tempo também como membro do órgão de direcção ‑ a uma organização (neste caso o PKK) que, na sua luta armada contra o Estado (neste caso a Turquia), tem, repetidamente, utilizado métodos terroristas e que está indicada na lista de pessoas, grupos e entidades que figura em anexo à Posição Comum do Conselho de [17 de Junho de 2002] relativa à aplicação de medidas específicas de combate ao terrorismo, e, desse modo, o estrangeiro apoiou activamente a sua luta armada numa posição de chefia?]

2.      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão prejudicial: a exclusão do reconhecimento [do estatuto de] refugiado, nos termos do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da Directiva 2004/83/CE, [está subordinada à condição a pessoa em causa] continua[r] a representar um perigo?

3.      Em caso de resposta negativa à segunda questão prejudicial: a exclusão do reconhecimento [do estatuto de] refugiado, nos termos do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da Directiva 2004/83/CE, [está subordinada a] um exame da proporcionalidade no caso concreto?

4.      Em caso de resposta afirmativa à terceira questão:

a)      Ao examinar a proporcionalidade deve ter‑se em conta que o [requerente (processo C‑57/09) ou estrangeiro (processo C‑101/09)] beneficia de protecção contra a expulsão, ao abrigo do artigo 3.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, ou nos termos das disposições nacionais?

b)      A exclusão é desproporcionada apenas em casos excepcionais que apresentam características particulares?

5.      É compatível com a Directiva 2004/83/CE, na acepção do seu artigo 3.°, que

[(processo C‑57/09) o requerente, apesar de existir um motivo de exclusão nos termos do seu artigo 12.°, n.° 2, [beneficie de um] direito [de] asilo ao abrigo do direito constitucional nacional?]

[(processo C‑101/09) o estrangeiro, apesar de existir um motivo de exclusão nos termos do seu artigo 12.°, n.° 2, e não obstante a revogação do estatuto de refugiado em aplicação do seu artigo 14.°, n.° 3, [beneficie do reconhecimento do] direito [de] asilo ao abrigo do direito constitucional nacional?]».

D –    Tramitação processual no Tribunal de Justiça

36.      Por despacho de 4 de Maio de 2009 do Presidente do Tribunal de Justiça, os processos C‑57/09 e C‑101/09 foram apensos para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão. Apresentaram alegações e observações escritas, nos termos do artigo 23.°, n.° 2, do Estatuto do Tribunal de Justiça, os recorridos B e D, o Reino da Suécia, o Reino dos Países Baixos, a República Francesa, o Reino Unido e a Comissão. Na audiência que se realizou em 9 de Março de 2009 foram ouvidos B, D, os governos dos países supra indicados, a Comissão e a República Federal da Alemanha.

III – Análise

A –    Observações preliminares

37.      Antes de passar à análise das questões prejudiciais, convém tecer algumas breves considerações.

38.      Antes de mais, saliento que as decisões de indeferimento e de revogação do direito de asilo e do estatuto de refugiado, tomadas contra B e D, foram adoptadas com base na legislação em vigor antes da transposição da directiva para o direito alemão (efectuada pela Richtlinienumsetzungsgesetz, que entrou em vigor em 27 de Agosto de 2007) e que a sua data (10 de Outubro de 2006) (16) é anterior ao termo do prazo fixado aos Estados‑Membros para a transposição da directiva. Apesar disso, o Bundesverwaltungsgericht entende que as questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça são pertinentes. Essencialmente, considera que se fosse aplicável a B e D algum dos motivos de exclusão previstos pelo artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da directiva, isso obstaria à anulação das decisões tomadas contra eles. No caso de D, em particular, o órgão jurisdicional de reenvio parte do pressuposto de que o artigo 14.°, n.° 3, da directiva, obriga à revogação do estatuto de refugiado reconhecido a quem devia ter sido excluído nos termos do artigo 12.°, mesmo que esse estatuto tenha sido concedido antes da entrada em vigor da directiva. Por conseguinte, segundo o mesmo órgão jurisdicional, mesmo que a medida de revogação decretada contra D fosse ilegítima por força das disposições vigentes nessa data, não poderia ser anulada em virtude do primado do direito da União, devendo ser imediatamente substituída por outra medida de conteúdo idêntico. Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio deixa em suspenso a questão de saber se, com base no direito alemão, a alteração da situação jurídica pode justificar uma revogação do reconhecimento do estatuto de refugiado. Não penso que os elementos expostos ponham em causa a admissibilidade do reenvio prejudicial. Em princípio, compete de facto ao juiz nacional apreciar a pertinência das questões submetidas ao Tribunal de Justiça, para resolver o litígio que foi chamado a conhecer. Quanto à competência do Tribunal de Justiça, como se trata de uma situação não abrangida ratione temporis pela directiva, limito‑me a remeter para o que o Tribunal de Justiça declarou recentemente, no n.° 48 do acórdão Aydin Salahadin Abdulla e o. (17).

39.      Observo além disso que, de acordo com o apuramento dos factos realizado pelo tribunal de segunda instância, vinculante no âmbito do recurso que lhe foi apresentado, o Bundesverwaltungsgericht reconheceu, relativamente a B e D, a existência dos pressupostos para o reconhecimento do estatuto de refugiado, nos termos não só das disposições do direito nacional aplicáveis antes da transposição da directiva mas também das disposições desta última, questionando‑se unicamente quanto à aplicação, contra eles, de um motivo de exclusão desse estatuto. Portanto, o Tribunal de Justiça não tem que se pronunciar sobre esses pressupostos. Nos tribunais nacionais ficaram provadas a adesão de B e D ao PKK e ao Dev sol, respectivamente, bem como a duração, o nível e a modalidade da sua participação nas actividades dessas organizações. Também nestes aspectos o Tribunal de Justiça tem que se limitar aos factos apurados pelos tribunais de primeira instância, nos processos nacionais.

B –    Quanto às questões prejudiciais

1.      Observações prévias

40.      Na base das questões prejudiciais apresentadas pelo Bundesverwaltungsgericht estão a tensão entre as obrigações dos Estados no combate ao terrorismo e a sua responsabilidade na aplicação dos instrumentos de defesa daqueles que pedem protecção internacional para escapar a perseguições nos seus países. A firme condenação dos actos de terrorismo internacional pela comunidade internacional e a adopção, ao abrigo do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, de medidas restritivas contra as pessoas ou organizações responsáveis por esses actos, têm incidência directa em aspectos substanciais do reconhecimento do estatuto de refugiado (18). As questões prejudiciais versam precisamente sobre o melindroso tema da exclusão desse estatuto de pessoas que, no passado, pertenceram a organizações constantes das listas anexas aos instrumentos comunitários de luta contra o terrorismo.

41.      Ao abordar estas questões, importa ter em conta a íntima relação entre a directiva e a Convenção de 1951, a natureza do direito dos refugiados e, mais em particular, a natureza e a finalidade dos motivos de exclusão do estatuto de refugiado.

a) A directiva e a Convenção de 1951

42.      A coerência da regulamentação da União com as obrigações internacionais assumidas pelos Estados‑Membros, designadamente com a Convenção de 1951, é uma condição primordial em matéria de asilo, que decorre da própria base jurídica da directiva (19) e da sua génese (20), além de se encontrar claramente expressa no seu preâmbulo (21) e ser evidente em muitas das suas disposições, que reproduzem, quase textualmente, o conteúdo dos correspondentes artigos da Convenção. Esta exigência foi, aliás, recentemente confirmada pelo Tribunal de Justiça (22).

43.      Deste ponto de vista, além das consultas com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (a seguir «ACNUR»), expressamente previstas no décimo quinto considerando da directiva (23), as referências interpretativas das disposições da directiva que têm origem no texto da Convenção são as Conclusões sobre a protecção internacional dos refugiados aprovadas pelo Comité Executivo do ACNUR, que precisam o conteúdo dos padrões de protecção estabelecidos pela Convenção (24), o Manual de Procedimentos e Critérios a Aplicar para Determinar o Estatuto de Refugiado (Handbook on Procedures and Criteria for Determining Refugees Status, a seguir «Handbook») (25) e as Directrizes sobre Protecção Internacional (Guidelines on International Protection, a seguir «Guidelines») adoptadas pelo Departamento de Protecção Internacional do ACNUR após aprovação sumária pelo Comité Executivo, que aprofundam temas concretos, destinando‑se a integrar o Handbook. A doutrina (26) não deixou de destacar que esta multiplicidade de testes, nalguns casos contrastantes entre si, a que se juntam as tomadas de posição, a vários títulos, do ACNUR (o parecer anexo às observações escritas de B é disso mesmo um exemplo), não facilita o desenvolvimento de uma prática de interpretação e de aplicação uniforme da Convenção pelos Estados Partes. No prosseguimento da nossa análise, procuraremos ter em conta as indicações que resultam das diversas fontes supramencionadas.

b) Natureza do direito dos refugiados

44.      Embora tradicionalmente considerado um ramo autónomo, o direito dos refugiados está estreitamente ligado ao direito internacional humanitário e ao direito internacional dos direitos do Homem, de tal modo que os progressos realizados pela comunidade internacional nesses domínios têm reflexos no conteúdo e no alcance da protecção internacional dos refugiados, num nexo de estreito inter‑relacionamento (27). Portanto, o carácter essencialmente humanitário do direito dos refugiados e a sua íntima conexão com a dinâmica evolutiva dos direitos do Homem aparecem naturalmente como pano de fundo sempre que é necessário interpretar e aplicar os instrumentos dessa protecção. De resto, o Tribunal de Justiça também recentemente se pronunciou neste sentido ao declarar, no n.° 54 do acórdão Aydin Salahadin Abdulla e o. (28), que a directiva deve ser interpretada no respeito dos direitos fundamentais e dos princípios reconhecidos na Carta.

45.      Neste contexto, cumpre recordar que o direito de procurar asilo contra perseguições é reconhecido como um direito fundamental da União e figura na Carta entre os direitos de liberdade.

c) Natureza e finalidade dos motivos de exclusão do estatuto de refugiado

46.      Os motivos de exclusão privam das garantias previstas pela Convenção de 1951 e pela directiva pessoas que têm necessidade de protecção internacional (29) e, nesse sentido, apresentam‑se como excepções ou limites à aplicação de uma regra humanitária. Dadas as potenciais consequências da sua aplicação, impõe‑se uma abordagem particularmente cuidadosa (30). O ACNUR tem reiteradamente afirmado a necessidade de os motivos de exclusão previstos pela Convenção de 1951 também serem interpretados restritivamente no contexto da luta contra o terrorismo (31).

47.      Quanto às finalidades dos motivos de exclusão, já nos trabalhos preparatórios da Convenção de 1951 se fez referência a dois objectivos distintos: por um lado, o de negar o estatuto de refugiado a quem, pela sua conduta, se tornou «indigno» da protecção internacional concedido pela Convenção e, por outro, o de evitar que essas pessoas possam invocar a aplicação do direito dos refugiados para se eximirem à justiça. Nesse sentido, os motivos de exclusão visam manter a integridade e a credibilidade do sistema da Convenção e devem, consequentemente, ser aplicados «escrupulosamente» (32).

2.      Quanto à primeira questão prejudicial

48.      Com a primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a participação de B e D, segundo as modalidades apontadas pelos tribunais de primeira instância, em organizações que figuram no texto actualizado do anexo à Posição Comum 2001/931 do Conselho e que utilizam, mesmo que só em parte, métodos terroristas, configura um crime grave de direito comum ou um acto contrário aos objectivos e princípios das Nações Unidas, na acepção do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da directiva.

49.      A resposta a esta questão exige, antes de mais, que se definam os conceitos de «crime grave de direito comum» e de «actos contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas», na acepção da directiva. Num segundo momento, importa apreciar em que termos esses conceitos se reportam às actividades de uma organização que figura nas listas de pessoas e grupos ou organizações aos quais se aplica a regulamentação da União em matéria de combate ao terrorismo. Por último, há que determinar se e em que condições a participação numa organização desse tipo constitui um «crime grave de direito comum» e/ou um «acto contrário aos objectivos e princípios das Nações Unidas».

a)      Quanto ao conceito de «crime grave de direito comum» a que se refere o artigo 12.°, n.° 2, alínea b), da directiva

50.      Para que uma determinada conduta corresponda às circunstâncias referidas no artigo 12.°, n.° 2, alínea b), da directiva, é necessário, antes de mais, que seja qualificada como «crime». A sua definição é particularmente difícil tanto no contexto da Convenção de 1951 como no da directiva, porque o termo tem diferentes conotações nos diferentes sistemas legais. Para efeitos da nossa análise, basta salientar que, dada a origem da disposição em causa – que reproduz literalmente o enunciado do artigo 1.°, ponto F, alínea b), da Convenção – e o objectivo da directiva acima referido, essa qualificação exige principalmente a aplicação de normas internacionais, embora também sejam tidos em consideração critérios utilizados no sistema legal em cujos termos o pedido de asilo é analisado e, eventualmente, princípios comuns às legislações dos Estados‑Membros ou decorrentes do direito da União.

51.      Dos trabalhos preparatórios da Convenção e de uma interpretação sistemática do artigo 1.°, ponto F, alínea b) (33), e, mais em geral, da natureza e do objectivo desta disposição, resulta que a aplicação do motivo de exclusão nela previsto implica a existência de um crime excepcionalmente grave. Esta leitura é confirmada pela interpretação das várias instâncias do ACNUR e pela prática dos Estados Partes (34), além de ser também partilhada pela doutrina (35).

52.      Concretamente, a apreciação da gravidade deve ser efectuada caso a caso, à luz de todas as circunstâncias atenuantes e agravantes e de qualquer outra circunstância subjectiva (36) ou objectiva (37) relevante, anterior ou posterior à conduta em causa (38) e segundo critérios internacionais e não locais. Essa apreciação deixa inevitavelmente uma ampla margem de discricionariedade à autoridade encarregada de a realizar.

53.      Entre os factores a ter em consideração, o ACNUR, nas suas Guidelines de 4 de Setembro de 2003 (a seguir «Guidelines de 2003») (39) cita, de modo não exaustivo: a natureza do acto, as consequências efectivas dele resultantes, o procedimento utilizado para o perseguir, a natureza da pena e se a maioria das jurisdições o consideraria um crime grave (40). Em particular, atende à pena prevista no Estado em que é analisado o pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado ou no qual a pena é realmente aplicada (41), embora não se trate de um elemento determinante per se, dado o seu carácter variável nas diferentes ordens jurídicas. Geralmente, são considerados crimes graves as ofensas contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas (42).

54.      A qualificação do crime como «de direito comum» é necessária para impedir que o estatuto de refugiado possa ser invocado para fugir a um processo ou à execução de uma pena no Estado de origem, destinando‑se a estabelecer uma distinção entre «fugitives from justice» (43) e aqueles que praticaram actos susceptíveis de receberem qualificação penal, motivados por objectivos políticos, com frequência directamente relacionados com o receio de perseguições. Nesse sentido, tal condição tem afinidades com o instituto da extradição, apesar de a circunstância de um crime ser considerado de direito comum num tratado de extradição, embora relevante, não ser por si só conclusiva para efeitos da apreciação a realizar com base no artigo 1.°, ponto F, alínea b), da Convenção de 1951 (44) e, por conseguinte, também não dever sê‑lo com base na directiva.

55.      Na apreciação da natureza política, ou não, de um crime, o ACNUR recomenda, antes de mais, a utilização de um critério de prevalência, com base no qual um crime deve ser considerado de direito comum quando nele predominam as motivações não políticas (por exemplo, razões pessoais ou de proveito próprio). Factores como a natureza do acto (45), o contexto em que foi praticado (46), os métodos (47), as motivações (48) e a proporcionalidade relativamente aos objectivos invocados são elementos relevantes para efeitos da apreciação da natureza política de um crime (49).

56.      Em particular, considera‑se que prevalecem os motivos não políticos se não existir um nexo de causalidade claro ou directo entre o crime cometido e os propósitos e objectivos políticos invocados, ou se o acto em questão for manifestamente desproporcionado relativamente aos objectivos visados (50). Em sentido análogo se manifestou o legislador comunitário que, ao reproduzir no artigo 12.°, n.° 2, alínea b), da directiva, o texto do artigo 1.°, ponto F, alínea b) da Convenção de 1951, precisou, codificando as indicações interpretativas do ACNUR, que «poderão ser classificados como crimes de direito comum graves os actos particularmente cruéis ou desumanos, mesmo que praticados com objectivos alegadamente políticos». São classificados como «actos particularmente cruéis», além dos crimes cuja supressão está prevista pelos instrumentos internacionais de protecção dos direitos do Homem e do direito humanitário, aqueles que envolvam o uso de violência excessiva ou indiscriminada (como, por exemplo, a utilização de engenhos explosivos), sobretudo quando dirigidos contra alvos civis.

57.      A complexidade e melindre deste exame – em que está implícita a ideia de um uso legítimo da força, embora dentro de certos limites – é inegável do ponto de vista ético, antes mesmo do jurídico e político. Tal apreciação dificilmente pode prescindir de um juízo de valor sobre as motivações subjacentes ao acto, que realisticamente será tido como um factor a considerar na ponderação das circunstâncias do caso (51). Daqui resulta inevitavelmente uma certa margem de discricionariedade para as autoridades encarregadas de analisar o pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado. Além disso, não está excluído que, em concreto, no âmbito dessa apreciação sejam tidos em conta interesses do Estado no qual o pedido é apresentado, como, por exemplo, os económicos, políticos ou militares.

b)       Quanto ao conceito de «actos contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas»

58.      A expressão «actos contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas», constante do artigo 1.°, ponto F, alínea c), da Convenção de 1951 e do artigo 12.°, n.° 2, alínea c), da directiva, não só é vaga como torna difícil a definição quer do tipo de actos que podem ser abrangidos nesta categoria quer dos sujeitos que podem praticá‑los. Relativamente à referida norma da Convenção, o artigo 12.°, n.° 2, alínea c), da directiva, especifica que os objectivos e princípios das Nações Unidas estão «enunciados no preâmbulo e nos artigos 1.° e 2.° da Carta das Nações Unidas».

59.      Os termos genéricos utilizados na Carta da ONU e a inexistência de uma prática de aplicação consolidada dos Estados, levaram a uma leitura restritiva do artigo 1.°, ponto F, alínea c), que teve confirmação nos trabalhos preparatórios da Convenção e da qual resulta que essa disposição «abrange principalmente violações dos direitos humanos que, não chegando a constituir crimes contra a humanidade, têm ainda assim carácter excepcional». Nos diversos documentos elaborados pelo ACNUR enfatiza‑se o carácter excepcional dessa disposição e adverte‑se contra o recurso abusivo à mesma (52). Assim, nas Guidelines de 2003, o ACNUR afirma que a referida disposição só se aplica «em circunstâncias extremas», em relação a actividades que «ataquem as próprias fundações de coexistência da comunidade internacional». Segundo o ACNUR, essas actividades devem ter uma dimensão internacional, como no caso dos «crimes capazes de afectar a paz internacional, a segurança e as relações pacíficas entre os Estados» assim como «violações graves e sistemáticas dos direitos humanos». Na Background Note on the Application of the Exclusion Clauses, de 4 de Setembro de 2003 (a seguir «Background Note») (53), o ACNUR esclarece que as remissões para os objectivos e princípios das Nações Unidas figuram em diversos documentos, como, por exemplo, convenções multilaterais celebradas sob a égide da Assembleia Geral das Nações Unidas ou resoluções do Conselho de Segurança; no entanto, considerar qualquer acção contrária a esses instrumentos como abrangida no âmbito de aplicação do artigo 1.°, ponto F, alínea c), não se coadunaria com o espírito e com os objectivos dessa disposição (54). Em minha opinião, o artigo 12.°, n.° 2, alínea c), deve ser interpretado no mesmo sentido.

60.      Além disso, colocou‑se ainda a questão das pessoas que podem ser responsabilizadas por esses actos. Como a Carta das Nações Unidas se aplica exclusivamente aos Estados, inicialmente considerou‑se que só pessoas no cume da hierarquia de um Estado ou entidades paraestatais estariam em condições de praticar actos susceptíveis de serem abrangidos na definição do artigo 1.°, ponto F, alínea c), da Convenção (55). No entanto, essa interpretação, que encontra sustentação tanto nos trabalhos preparatórios da Convenção (56) como no Handbook (57), parece ter sido ultrapassada na prática e a disposição em causa foi aplicada em concreto também a pessoas não investidas no exercício de poderes públicos (58).

c)      Quanto à aplicação do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), aos «actos de terrorismo»

61.      Uma das questões mais complexas e debatidas em matéria de aplicação dos motivos de exclusão a que se refere o artigo 1.°, ponto F, alíneas b) e c), da Convenção de 1951, é a que diz respeito aos actos de terrorismo. A dificuldade deve‑se em parte ao facto de, no estado actual, não existir uma definição de terrorismo internacionalmente reconhecida. Recentemente, algumas Resoluções da Assembleia‑geral das Nações Unidas (59) e do Conselho de Segurança (60) e a Convenção Internacional para Eliminação do Financiamento do Terrorismo (61) procuraram definir a natureza terrorista de um acto por referência à sua natureza (actos contra civis com a intenção de causar a morte ou ferimentos graves) e ao seu objectivo (semear o terror ou intimidar uma população, um grupo de pessoas ou particulares, coagir um governo ou uma organização a praticar ou a abster‑se de praticar qualquer acto). Na mesma linha situa‑se a referida Decisão‑Quadro 2002/475/JAI, cujo artigo 1.° fornece uma definição bastante explícita do conceito de «infracções terroristas».

62.      O elevado número de instrumentos internacionais que tratam de vários aspectos concretos do terrorismo, como o financiamento, ou comportamentos específicos comummente incluídos na categoria de actos terroristas como desvios, tomadas de reféns, atentados à bomba, crimes contra diplomatas ou o chamado «terrorismo nuclear» – e as numerosas resoluções do Conselho de Segurança nesta matéria têm inevitavelmente um impacto no direito dos refugiados e em especial nas questões que se prendem com a determinação do estatuto de refugiado. A este respeito, já se fez referência às Resoluções 1373 e 1269 do Conselho de Segurança, nas quais é recomendado aos Estados que se assegurem de que os requerentes de asilo não organizaram, participaram ou facilitaram a prática de actos de terrorismo e que recusem o estatuto de refugiado aos responsáveis por esses actos. Além disso, o Conselho de Segurança classifica como contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas os actos, práticas e métodos terroristas e exige a sua despolitização para efeitos tanto do reconhecimento do estatuto de refugiado como de extradição. O próprio legislador comunitário a isso se refere no preâmbulo da directiva, concretamente no vigésimo segundo considerando, ao afirmar que esses actos, práticas e métodos estão incluídos «entre outros, nas resoluções daquela organização relativas às medidas visando eliminar o terrorismo internacional, segundo as quais, ‘os actos, métodos e práticas terroristas são contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas’ e ‘são igualmente contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas o financiamento, a planificação e a incitação, com conhecimento de causa, de tais actos terroristas».

63.      Face a estas tomadas de posição deve no entanto ter‑se em conta, por um lado, que as resoluções do Conselho de Segurança nem sempre têm carácter vinculativo em todas as suas partes e que esse órgão tem que actuar de acordo com a Carta das Nações Unidas e com os objectivos e princípios da mesma, com a consequência, designadamente, de existirem limites à sua capacidade de interferir com as obrigações internacionais assumidas pelos Estados (62). Por outro lado, não se pode esquecer que a Assembleia Geral e o próprio Conselho de Segurança têm constantemente chamado a atenção dos Estados para o respeito dos instrumentos internacionais de protecção dos direitos humanos, incluindo a Convenção de 1951 e o princípio de non‑refoulement, no contexto da luta contra o terrorismo.

64.      Ora, como a doutrina não deixa de salientar, o direito dos refugiados assenta no sistema da Convenção de 1951, em cujo âmbito foram definidos padrões internacionais específicos, em especial no que respeita à determinação do estatuto de refugiado e às condições em que pode ser recusado o seu reconhecimento (63). É sobretudo a esse sistema, cuja coerência e organicidade deve ser assegurada e mantida na medida do possível, que se deve atender para apreciar se um determinado acto criminoso, independentemente de poder ser classificado numa categoria de infracções definida em função de características comuns, é relevante para efeitos da aplicação dos motivos de exclusão previstos no artigo 1.°, ponto F, alíneas b) e c), da Convenção.

65.      De igual modo, é sobretudo às regras desse sistema que nos devemos reportar na interpretação das disposições da directiva, mesmo quando se trate de aplicar conceitos que têm uma definição autónoma em actos jurídicos da União adoptados em domínios diferentes do direito dos refugiados.

66.      Por conseguinte, é com a extrema prudência que se deve ter em consideração o argumento da Comissão de que, para determinar se a participação numa organização terrorista constitui «crime grave de direito» comum na acepção do artigo 12.°, n.° 2, alínea b), há que remeter para as disposições da Decisão‑Quadro 2002/475/JAI. Com efeito, esta última foi aprovada num contexto – o da luta contra as actividades terroristas – diferente do das exigências de natureza essencialmente humanitária que norteiam a protecção internacional dos refugiados. O argumento da Comissão, embora ditado pelo desejo de promover o estabelecimento, a nível da União, de critérios uniformes na aplicação das disposições da Convenção de 1951, não tem em consideração que, com base na própria directiva, a aproximação das legislações e das práticas dos Estados‑Membros nesta matéria deve ser alcançada no respeito da Convenção e tendo em conta o carácter internacional das suas disposições.

67.      Dito isto, já foi referido que uma das características do sistema da Convenção consiste na sua abordagem casuística ao aplicar os motivos de exclusão previstos no artigo 1.°, ponto F, alíneas b) e c), abordagem essa que, por si só, não se coaduna com generalizações e categorizações. Por outro lado, também no contexto das Nações Unidas, não se deixou de salientar o risco de um recurso indiscriminado à qualificação de terrorismo (64).

68.      Por conseguinte, de acordo com as considerações precedentes, sou de opinião que, tal como o ACNUR sugeriu no documento elaborado para efeitos do presente processo, para além das definições há que ter em conta a natureza e a gravidade do acto.

69.      A interpretação recomendada pelo ACNUR, de aceitação geral tanto na doutrina como na prática, é no sentido de considerar os actos criminosos vulgarmente classificados como terroristas como desproporcionados em relação aos objectivos políticos invocados (65), na medida em que utilizam uma violência indiscriminada e são dirigidos contra civis ou pessoas sem qualquer ligação com os objectivos visados. Depois de apreciadas todas as circunstâncias relevantes do caso concreto, esses actos serão tendencialmente classificados como crimes de direito comum.

70.      Do mesmo modo, a orientação mais recente que tem prevalecido nas várias instâncias do ACNUR parece ser no sentido de considerar esses actos contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas na acepção do artigo 1.°, ponto F, alínea c), da Convenção, dada a sua natureza, os métodos utilizados e a sua gravidade. Como se viu, as Guidelines de 2003 e a Background Note propõem, no entanto, que se apure se têm uma dimensão internacional, especialmente em termos de gravidade, impacto e implicações para a paz e a segurança internacionais (66). Dentro destes limites, parece admissível distinguir entre terrorismo internacional e terrorismo interno. Também neste caso a apreciação deve ser efectuada à luz das circunstâncias relevantes.

71.      Em minha opinião, deve seguir‑se a mesma abordagem na aplicação dos motivos de exclusão previstos no artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da directiva.

d)      Participação numa organização que figura numa lista elaborada pela União no âmbito dos instrumentos de combate ao terrorismo, como motivo de exclusão nos termos do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c)

72.      O que ficou exposto leva‑me a excluir que o facto de o requerente de asilo figurar nas listas de pessoas implicadas em actos terroristas, elaboradas no contexto das medidas de combate ao terrorismo adoptadas pela União, possa, por si só, ter carácter decisivo ou mesmo só de presunção para aplicação dos motivos de exclusão previstos no artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da directiva. Como acima foi referido e como o Governo dos Países Baixos salientou, não existe qualquer relação entre esses instrumentos e a directiva, em particular no que se refere aos objectivos visados. Aliás, uma conclusão em contrário seria incompatível com os princípios da Convenção de 1951, que exigem uma apreciação atenta das situações susceptíveis de levar à recusa do reconhecimento do estatuto de refugiado, à luz das características específicas de cada caso concreto.

73.      A fortiori, não considero admissível inferir automaticamente que, pelo facto de o requerente ter pertencido, no passado, a um grupo ou a uma organização indicada nas referidas listas, existem as condições de aplicação dos motivos de exclusão. Sem formular um juízo de valor quanto à capacidade dessas listas – elaboradas de forma não isenta de críticas (67) – para reflectirem a realidade, frequentemente complexa, das organizações ou dos grupos que nelas figuram, basta salientar que a aplicação dos motivos de exclusão está subordinada ao apuramento da responsabilidade individual do sujeito em causa, relativamente ao qual têm que existir razões ponderosas para considerar que cometeu um crime grave de direito comum ou que foi culpado de um acto contrário aos objectivos e princípios das Nações Unidas nos termos do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da directiva, ou que, nos termos do n.° 3, instigou ou de outro modo concorreu para a prática desse crime ou acto.

74.      Ora, a menos que se recorra a presunções (68), a mera filiação voluntária do sujeito em causa numa organização não permite, per se, concluir que esteve efectivamente envolvido nas actividades que determinaram a inscrição dessa organização nas referidas listas (69).

75.      Aparte o que foi exposto em termos gerais, também é importante a referência, nos processos principais, à circunstância de B e D já terem abandonado há algum tempo os grupos em questão quando estes últimos foram incluídos nas listas referidas. De facto, como se viu, foi só a partir de 2 de Maio de 2002 que o PKK e o Dev sol passaram a figurar na lista em anexo à Posição Comum 2001/931. Segundo o declarado nos pedidos de reconhecimento do estatuto de refugiado, B pertenceu ao Dev sol de 1993 a 1995 e D foi membro do PKK entre 1990 e 1998. Em consequência, mesmo que se considerasse, com um automatismo que todos os governos intervenientes e a própria Comissão rejeitam, que a filiação voluntária num grupo que figura nas referidas listas é suficiente para constituir um comportamento relevante para efeitos de aplicação dos motivos de exclusão a que se refere o artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), não estariam reunidas essas condições no período de militância de B e de D no Dev sol e no PKK.

76.      Dito isto, em meu entender, a apreciação sobre a existência dos requisitos de aplicação dos motivos de exclusão previstos no artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da directiva, no caso de uma filiação passada do sujeito em causa num grupo implicado em actividades criminosas susceptíveis de serem classificadas como terroristas, desenvolve‑se em três fases.

77.      Na primeira fase, há que apreciar a natureza, a estrutura, a organização, as actividades e os métodos do grupo em questão, bem como o contexto político, económico e social da sua actuação no período em que o sujeito em causa pertenceu ao grupo. Se o facto de figurar numa lista elaborada a nível nacional, da União ou internacional pode ser um indício relevante, isso não dispensa as autoridades competentes do Estado em questão de procederem a esse apuramento (70).

78.      Num segundo momento, há que ver, utilizando critérios de imputação objectivos (comportamento material) e subjectivos (consciência e intencionalidade), se, tendo em conta o tipo de prova exigido pelo artigo 12.°, n.° 2, da directiva, existem elementos suficientes para declarar que o sujeito em causa foi pessoalmente responsável por actos imputáveis ao grupo no período em que a ele pertenceu. Para tanto, importa determinar o seu real papel na prática desses actos (instigação, participação na prática do acto, actividades de reconhecimento e de apoio logístico etc.), a sua posição no seio do grupo (envolvimento nos processos de decisão, exercício de cargos de direcção ou de representação, actividades de proselitismo e de recolha de fundos, etc.) o seu grau de conhecimento potencial ou real das actividades do grupo, eventuais pressões físicas ou psicológicas a que tenha estado sujeito ou outros factores com incidência no elemento subjectivo do comportamento (por ex., perturbação mental, menoridade, etc.) (71) ou alguma possibilidade efectiva de impedir a prática dos actos em questão ou de se dissociar dos mesmos (sem correr riscos para a sua própria integridade). Estes são apenas alguns dos elementos a ter em conta nesse exame, devendo o apuramento da responsabilidade individual do filiado ser realizado à luz de todas as circunstâncias do caso concreto (72).

79.      Na terceira fase, há que determinar se os actos pelos quais pode considerar‑se que essa responsabilidade existiu figuram entre os contemplados no artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da directiva, tendo em conta o disposto expressamente no n.° 3 do artigo 12.°, segundo o qual «O n.° 2 aplica‑se às pessoas que tenham instigado ou participado de outra forma na prática dos crimes ou actos aí referidos». Esta avaliação deve ser efectuada à luz do conjunto das circunstâncias agravantes e atenuantes e de qualquer outra circunstância relevante.

80.      Os critérios expostos e o conjunto de considerações até aqui desenvolvidas deveriam permitir orientar o órgão jurisdicional de reenvio relativamente ao objecto da primeira questão prejudicial. Porém, dos termos utilizados pelo referido órgão jurisdicional, resulta que o que este na realidade pretende, em cada um dos processos principais, é uma decisão sobre os casos concretos que lhe foram submetidos. Penso que o Tribunal de Justiça não deve acolher essa pretensão, essencialmente por duas ordens de razões.

81.      Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio é o único que conhece o conjunto das circunstâncias que caracterizam o caso em apreço, tal como ficaram estabelecidas na fase administrativa de exame dos pedidos apresentados por B e D e nas diversas fases do processo; determinar se os motivos de exclusão são concretamente oponíveis a B e D implica uma apreciação e uma ponderação atentas dessas circunstâncias.

82.      Em segundo lugar, a directiva estabelece regras comuns mínimas para a definição e conteúdo do estatuto de refugiado, a fim de auxiliar as autoridades nacionais competentes dos Estados‑Membros na aplicação da Convenção de 1951. A directiva não estabelece um regime uniforme na matéria (73), nem um processo centralizado de análise dos pedidos de reconhecimento do estatuto de refugiado. Cabe, portanto, às autoridades competentes e aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros, que têm de analisar esses pedidos, apreciar em concreto, à luz dos critérios comuns estabelecidos pela directiva e tal como interpretados pelo Tribunal de Justiça, a existência dos requisitos para o reconhecimento do referido estatuto, incluindo as condições da sua eventual exclusão.

3.      Quando à segunda questão prejudicial

83.      Com a segunda questão prejudicial, que é idêntica em ambos os despachos de reenvio, o tribunal a quo pergunta se, em caso de resposta afirmativa à primeira questão prejudicial, a exclusão do reconhecimento do estatuto de refugiado, nos termos do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da directiva, pressupõe que o requerente continua a representar um perigo. B e D propõem que o Tribunal responda afirmativamente, ao passo que o órgão jurisdicional de reenvio, todos os governos intervenientes e a Comissão se inclinam para uma resposta negativa (74).

84.      Concordo com esta última solução, que resulta de uma interpretação literal e teleológica do artigo 12.°, n.° 2, da directiva. Com efeito, deste artigo decorre claramente que é pressuposto da aplicação dos motivos de exclusão nele previstos a existência de um comportamento passado do requerente que integre os factos descritos e tenha sido anterior ao reconhecimento da sua qualidade de refugiado. É o que resulta em especial das formas verbais utilizadas – «praticou [abbia commesso]», na alínea b) e «praticou [si sia reso colpevole]», na alínea c) – e da precisão, na alínea b), de que o comportamento em questão deve ser anterior à concessão do estatuto de refugiado ao requerente, ou seja, como mais adiante se afirma na mesma disposição, antes «da data em que foi emitida uma autorização de residência com base na concessão do estatuto de refugiado».

85.      Em contrapartida, nem a disposição em causa nem a norma convencional correspondente contêm uma referência explícita ou implícita a um juízo de perigosidade social actual do requerente como condição adicional, à qual estaria sujeita a aplicação dos motivos de exclusão em questão. Essa omissão é coerente com os objectivos prosseguidos pelos motivos de exclusão, que consistem, como se viu, em evitar, por um lado, que quem tiver cometido crimes graves ou infracções não políticas possa eximir‑se à justiça invocando o direito dos refugiados e, por outro, que o estatuto de refugiado seja reconhecido a quem, devido ao seu comportamento, se tornou «indigno» de protecção internacional, independentemente do facto de já não representar um perigo.

86.      É verdade que, relativamente à aplicação do artigo 1.°, ponto F, alínea b), da Convenção de 1951, o ACNUR afirmou que, no caso de o requerente condenado por um crime grave de direito comum ter já cumprido a sua pena, ou lhe ter sido concedido um perdão ou ter beneficiado de uma amnistia, presume‑se que a cláusula de exclusão já não é aplicável, «a menos que se possa demonstrar que, apesar do perdão ou amnistia, o carácter criminoso do requerente ainda predomina» (75). Contudo, esta afirmação parece sugerir apenas que, nessas circunstâncias, o Estado interessado pode continuar a excluir o requerente do estatuto de refugiado devido à sua perigosidade social, num modo que lembra o mecanismo da excepção ao princípio de non‑refoulement a que se refere o artigo 33.°, n.° 2, da Convenção (76). Não se pode porém inferir, nem sequer num raciocínio a contrario, uma posição de carácter geral a favor de uma interpretação da norma que exclua, seja em que circunstâncias for, a aplicação do motivo de exclusão em questão no caso de o requerente já não representar um perigo.

87.      Por último, para responder à questão do órgão jurisdicional de reenvio, não me parece necessária nem oportuna uma análise comparativa dos artigos 12.°, n.° 2, e 21.°, n.° 2, da directiva, que prevê, com base no artigo 33.°, n.° 2, da Convenção de 1951, a excepção ao princípio de non‑refoulement. De facto, não se pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a possibilidade de negar o estatuto de refugiado a um requerente, com base em considerações sobre a sua perigosidade análogas às que podem autorizar os Estados‑Membros a derrogar o princípio de non‑refoulement; pergunta‑se apenas se a verificação da inexistência dessa perigosidade obsta à aplicação de um dos motivos de exclusão previstos no artigo 12.°, alíneas b) e c), da directiva.

88.      Com base nas considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda à segunda questão prejudicial no sentido de que a exclusão do estatuto de refugiado nos termos do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da directiva, não pressupõe que o requerente continue a representar um perigo.

4.      Quanto às terceira e quarta questões prejudiciais

89.      Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a exclusão do estatuto de refugiado, nos termos do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da directiva, pressupõe um exame da proporcionalidade. Com a quarta questão, colocada também em caso de resposta afirmativa à terceira questão, pergunta, por um lado, se, ao examinar a proporcionalidade deve ter‑se em conta que o requerente beneficia de protecção contra a expulsão, ao abrigo do artigo 3.° da CEDH, ou nos termos das disposições nacionais, e, por outro, se a exclusão é desproporcionada apenas em casos excepcionais que apresentam características particulares.

90.      Estas perguntas, que serão analisadas conjuntamente, suscitam também uma questão delicada e já há algum tempo debatida no contexto da Convenção de 1951: a aplicação do artigo 1.°, ponto F dessa Convenção implica uma ponderação entre a gravidade do crime ou do acto e as consequências da exclusão, de modo a assegurar uma aplicação dessa norma que seja proporcional ao seu objectivo? Apesar de os termos da questão parecerem ter‑se alterado em parte, com o alargamento e a consolidação da protecção dos direitos humanos, em especial da obrigação de protecção contra a tortura, com a evolução do direito penal internacional e do instituto da extradição (77) e com a tendência para um reconhecimento progressivo de uma jurisdição universal no que diz respeito aos crimes internacionais graves (78), o tema não perdeu actualidade.

91.      O ACNUR parece admitir essa ponderação no que se refere ao artigo 1.°, ponto F, alínea b), da Convenção de 1951, mas exclui‑a, em princípio, relativamente à alínea c) do mesmo artigo, dado o carácter particularmente grave dos actos contemplados por esta disposição (79). Muitos órgãos jurisdicionais dos Estados Partes já se pronunciaram em sentido contrário, mesmo no contexto da primeira disposição (80). Entre os intervenientes, os governos francês, alemão, do Reino Unido e dos Países Baixos rejeitam o exame da proporcionalidade, ao passo que o governo sueco e a Comissão se manifestaram a favor.

92.      Alguns governos intervenientes salientaram que nenhum elemento no texto do artigo 1.°, ponto F, da Convenção de 1951 e do artigo 12.°, n.° 2, da directiva, parece autorizar um exame da proporcionalidade. Julgo que é possível sustentar também que nada nesses artigos se lhe opõe. A necessidade desse exame foi, além disso, expressamente referida nos trabalhos preparatórios da Convenção da Dinamarca (81).

93.      Foi também argumentado, remetendo para a génese da directiva, que um dos argumentos contra o exame da proporcionalidade resultaria do facto de a proposta inicial da Comissão conter uma referência específica à proporcionalidade, que não foi retomada no texto final da directiva. Não considero este argumento particularmente revelador, dado que a omissão pode ser simplesmente atribuível à vontade do legislador comunitário de não se afastar do texto da Convenção de 1951 neste ponto e de deixar que a questão seja resolvida em sede de interpretação, permitindo desse modo uma maior adaptabilidade às possíveis alterações da prática aplicativa da Convenção.

94.      Foi ainda observado que, nos termos do artigo 1.°, ponto F, alíneas b) e c), da Convenção e do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da directiva, a exclusão depende unicamente de um comportamento passado do requerente, abstraindo da seriedade e da gravidade das ameaças de perseguição que sobre ele pesam. Mas mesmo esse argumento não me parece decisivo. Na realidade, já acima se viu que, geralmente, também são tidos em consideração elementos posteriores ao comportamento em causa – pelo menos no contexto da alínea b) – quando se aprecia se o mesmo é abrangido pelos motivos de exclusão em questão. Vários governos intervenientes, mesmo os que rejeitam um exame da proporcionalidade, incluem entre esses elementos, por exemplo, o facto de o requerente, militante activo de um grupo considerado responsável por actos terroristas, se ter dissociado e ter mantido claramente a sua distância do mesmo, enquanto o ACNUR considera factores relevantes e potencialmente idóneos, para impedir a exclusão, o cumprimento da pena ou o simples facto de ter decorrido um lapso de tempo significativo desde a prática do acto.

95.      O princípio da proporcionalidade desempenha um papel central na protecção dos direitos fundamentais e, em geral, na aplicação dos instrumentos do direito internacional humanitário. Estes instrumentos têm, além disso, que ser aplicados de forma flexível e dinâmica. Inserir elementos de rigidez na aplicação dos motivos de exclusão, mesmo com o objectivo de preservar a credibilidade do sistema de protecção internacional dos refugiados, não me parece desejável; pelo contrário, nesse domínio, considero que é fundamental manter a flexibilidade necessária, por um lado, para ter em conta os progressos realizados pela comunidade internacional na protecção dos direitos humanos e, por outro, para permitir uma abordagem assente no exame de todas as circunstâncias do caso, ainda que isso implique um sistema de dupla ponderação (no momento de apreciar a natureza suficientemente grave do comportamento para efeitos de uma exclusão e no momento de comparar essa gravidade com as consequências da exclusão).

96.      Para os efeitos da resposta a dar ao órgão jurisdicional de reenvio, parece‑me, além disso, que é possível distinguir, por um lado, a ponderação entre a gravidade do comportamento e as consequências de uma eventual exclusão e, por outro, a aplicação do princípio da proporcionalidade.

97.      Quanto ao primeiro aspecto, entra em linha de conta a circunstância de o requerente beneficiar de uma protecção efectiva contra o refoulement, seja por aplicação de instrumentos internacionais (82) ou por força do direito nacional. Quando essa protecção existe e é acessível em concreto, o requerente poderá ser excluído do estatuto de refugiado, que comporta uma série de direitos que vão além da protecção contra o refoulement e que, em princípio, devem ser negados àqueles que se mostram indignos de protecção internacional; pelo contrário, a exclusão não pode ser decretada no caso de o reconhecimento desse estatuto ser a única possibilidade de evitar a expulsão para um país no qual o requerente tem sérias razões para temer perseguições que possam pôr em risco a sua vida ou a sua integridade física ou tratamentos desumanos ou degradantes, em virtude da raça, religião, nacionalidade, pertença a um determinado grupo social ou opiniões políticas. No entanto, embora possa parecer inaceitável a possibilidade de não assegurar sequer a protecção mínima de non‑refoulement, considero que, na presença de determinados crimes de excepcional gravidade, essa ponderação não é admissível (83).

98.      Quanto ao segundo aspecto, penso que as autoridades competentes e os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros devem assegurar uma aplicação do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da directiva que seja proporcional ao seu objectivo e, de modo mais geral, à natureza humanitária do direito dos refugiados. Isto implica necessariamente que o apuramento da existência das condições de aplicação dessa disposição comporte uma apreciação global das circunstâncias do caso em apreço.

99.      Pelos motivos expostos, proponho que o Tribunal de Justiça responda às terceira e quarta questões prejudiciais no sentido indicado nos n.os 97 e 98 das presentes Conclusões.

5.      Quanto à quinta questão prejudicial

100. Com a quinta questão prejudicial, cuja formulação, com as adaptações decorrentes das características de cada processo, é substancialmente idêntica em ambos os despachos de reenvio, o Bundesverwaltungsgericht pergunta se é compatível com a directiva reconhecer a um requerente, excluindo do estatuto de refugiado nos termos do artigo 12.°, n.° 2, um direito a asilo ao abrigo do direito constitucional nacional.

101. A este respeito é de salientar, por um lado, que, em conformidade com a sua base jurídica, a directiva se limita a fixar normas mínimas comuns e que, por força do seu artigo 3.°, os Estados‑Membros têm a faculdade de introduzir ou manter em vigor disposições mais favoráveis para a determinação das pessoas que podem ser consideradas refugiados bem como para a definição dos elementos substanciais da protecção internacional, desde que essas disposições sejam compatíveis com as da directiva. Por outro lado, como já tive ocasião de sublinhar, a directiva define o estatuto de refugiado em conformidade com a Convenção de Genebra.

102. Como já foi referido, os motivos de exclusão têm um papel fundamental para preservar a credibilidade do sistema criado pela Convenção de 1951 e para evitar possíveis abusos. Nos casos em que haja lugar à sua aplicação, os Estados‑Membros são consequentemente obrigados, por força da Convenção e da directiva, a recusar ao requerente o estatuto de refugiado. Caso contrário, incumpririam não só as obrigações internacionais que assumiram mas também o disposto no artigo 3.° da directiva, que só permite normas mais favoráveis em sede de determinação do estatuto de refugiado desde que essas normas sejam compatíveis com a directiva.

103. A questão colocada pelo Bundesverwaltungsgericht versa sobre a possibilidade de os Estados‑Membros concederem protecção a uma pessoa ao abrigo de disposições nacionais. O órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se quanto à compatibilidade dessa protecção com a directiva quando, como parece ser o caso do direito de asilo garantido por força do § 16 A da constituição alemã, segundo as informações fornecidas por esse órgão jurisdicional, o seu conteúdo é definido por remissão para a Convenção de 1951. Ora, esta última, do mesmo modo que impõe aos Estados Partes que adoptem medidas especiais contra os requerentes excluídos, não proíbe que se lhes conceda a protecção eventualmente prevista nas disposições nacionais sobre o direito de asilo. E da directiva também não se pode deduzir tal proibição.

104. Contudo, é claro que, nesse caso, a situação jurídica dessas pessoas é regulada exclusivamente pelo direito nacional e – como aliás se afirma expressamente no nono considerando da directiva no que respeita ao «nacional de um país terceiro ou o apátrida, autorizado a permanecer em território dos Estados‑Membros, não por motivo de necessidade de protecção internacional mas, discricionariamente, por compaixão ou motivos humanitários» – não é abrangida pela directiva nem pela Convenção de Genebra.

105. Nestas circunstâncias, como a Comissão salientou, no meu entender com razão, o objectivo dos motivos de exclusão, de preservar a credibilidade do sistema de protecção internacional dos refugiados, ficaria comprometido se a protecção nacional assim concedida fosse susceptível de suscitar dúvidas quanto à sua origem e de permitir considerar que o seu titular goza do estatuto de refugiado nos termos da Convenção e da directiva. Cabe, portanto, ao Estado‑Membro que decide conceder asilo, com base nas disposições da sua própria legislação, a pessoas excluídas do estatuto de refugiado por força da directiva, adoptar as medidas que permitam distinguir claramente essa protecção da que é concedida com base na directiva e isto não tanto em termos de conteúdo, cuja determinação cabe, em minha opinião, ao Estado‑Membro em questão, como quanto à susceptibilidade de confusão sobre a fonte dessa protecção.

106. Com base no que antecede, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à quinta questão prejudicial no sentido de que a directiva, em especial o seu artigo 3.°, não se opõe a que um Estado‑Membro conceda ao nacional de um país terceiro ou a um apátrida excluído do estatuto de refugiado por força do artigo 12.°, n.° 2, da directiva, a protecção prevista pelas normas nacionais relativas ao direito de asilo, desde que essa protecção não possa ser confundida com a que é concedida aos refugiados com base na directiva.

IV – Conclusões

107. Com base nas considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Bundesverwaltungsgericht o seguinte:

«1.      Para efeitos da aplicação dos motivos de exclusão do estatuto de refugiado previstos no artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, se, no passado, o requerente tiver pertencido a um grupo que figura em listas elaboradas no âmbito das medidas da União de luta contra o terrorismo, as autoridades competentes dos Estados‑Membros devem ter em consideração a natureza, a estrutura, a organização, as actividades e os métodos do grupo em questão, bem como o contexto político, económico e social da actuação desse grupo no período em que o requerente a ele pertenceu. Além disso, devem verificar se, tendo em conta o tipo de prova exigido pelo artigo 12.°, n.° 2, da Directiva 2004/83, há elementos suficientes para apurar a responsabilidade pessoal do interessado nos actos imputáveis ao grupo, no período em que a ele pertenceu, à luz de critérios de imputação objectivos e subjectivos e das circunstâncias do caso em apreço. Por último, as referidas autoridades devem determinar se os actos pelos quais pode considerar‑se ter havido essa responsabilidade estão entre os contemplados no artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da Directiva 2004/83/CE, tendo em conta o disposto no n.° 3 deste artigo. Esta verificação deve ser efectuada à luz de todas as circunstâncias agravantes e atenuantes e de qualquer outra circunstância relevante.

Cabe às autoridades competentes dos Estados‑Membros encarregadas de examinar o pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado e aos órgãos jurisdicionais no âmbito de um recurso contra uma medida adoptada no final dessa análise, apreciar em concreto, à luz dos critérios comuns estabelecidos pela directiva, tal como interpretados pelo Tribunal de Justiça, a existência dos requisitos para o reconhecimento do estatuto de refugiado, incluindo as condições da sua eventual exclusão nos termos do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da Directiva 2004/83/CE.

2.      A exclusão do estatuto de refugiado nos termos do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da Directiva 2004/83/CE, não pressupõe que o requerente continue a representar um perigo.

3.      Para efeitos da aplicação do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da Directiva 2004/83/CE, as autoridades competentes ou os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros aos quais tenha sido apresentado um pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado devem proceder a uma ponderação entre a gravidade do comportamento que justifica a exclusão desse estatuto e as consequências dessa exclusão. Essa ponderação deve ser efectuada tendo em conta a possibilidade de o requerente beneficiar, a outro título, de uma protecção efectiva contra o refoulement. Se essa protecção estiver disponível e for acessível, o requerente deverá ser excluído; pelo contrário, a exclusão não pode ser decretada se o estatuto de refugiado for a única possibilidade de evitar a expulsão para um país onde o requerente tem sérias razões para recear perseguições que possam pôr em risco a sua vida ou a sua integridade física ou sofrer tratamentos desumanos ou degradantes, em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, pertença a um determinado grupo social ou opiniões políticas. Essa ponderação não é admitida no caso de crimes particularmente graves.

As autoridades competentes e os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros devem assegurar uma aplicação do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da directiva, que seja proporcional ao seu objectivo e, de um modo mais geral, à natureza humanitária do direito dos refugiados.

4.      A Directiva 2004/83/CE, em especial o seu artigo 3.°, não se opõe a que um Estado‑Membro conceda ao nacional de um país terceiro ou a um apátrida excluído do estatuto de refugiado por força do artigo 12.°, n.° 2, da directiva, a protecção prevista nas normas nacionais relativas ao direito de asilo, desde que essa protecção não possa ser confundida com a que é concedida aos refugiados com base na directiva.


1 – Língua original: italiano.


2 – JO L 304, p. 2.


3 – Recueil des traités des Nations Unies, I‑2545, vol. 189.


4 –      O texto português das disposições da Convenção de Genebra utilizado nas presentes Conclusões é o que se encontra disponível no site do Gabinete de Documentação e Direito Comparado do Ministério da Justiça português: http://www.gddc.pt/direitos‑humanos/textos‑internacionais‑dh/tidhuniversais/dr‑conv‑estatuto‑refugiados.html


5 – O texto português das disposições da Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas é o que está disponível no site da Direcção‑Geral da Política de Justiça do Ministério da Justiça português: http://www.dgpj.mj.pt/sections/relacoes‑internacionais/eventos/anexos4408/resolucao‑1373‑2001/downloadFile/file/Resolucao_13732001_PT.pdf?nocache=1236003551.3.


6 – No mesmo sentido ia já a Resolução 1269 (1999), de 19 de Outubro de 1999, do Conselho de Segurança das Nações Unidas.


7 – Por exemplo, na Resolução 1566 (2004) adoptada em 8 de Outubro de 2004, o Conselho de Segurança, sempre agindo ao abrigo do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, recorda que «os actos criminosos, inclusive contra civis, cometidos com a intenção de causar a morte ou lesões corporais graves ou de tomar reféns com o objectivo de gerar um estado de terror na população em geral, num grupo de pessoas ou numa determinada pessoa, ou intimidar uma população ou coagir um governo ou uma organização internacional a cometer ou a abster‑se de cometer determinados actos previstos e qualificados como delitos nos acordos, convenções e protocolos internacionais relativos ao terrorismo, não podem em circunstância alguma ser justificados por considerações de natureza política, filosófica, ideológica, racial, étnica, religiosa ou outras similares».


8 – JO L 344, p. 93.


9 – JO L 116, p. 75.


10 – No que se refere ao PKK, em Abril de 2004 o registo foi alterado da seguinte forma: «Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) (também conhecido pela designação KADEK; também conhecido pela designação KONGRA‑GEL)», v. Posição Comum 2003/309/PESC de 2 de Abril de 2004 (JO L 99, p. 61).


11 – JO L 164, p. 3.


12 – V. as conclusões da Presidência, disponíveis em: http://www.europarl.europa.eu/summits/.


13 – A decisão foi tomada pelo Bundesamt für die Anerkennung ausländischer Flüchtlinge (Gabinete Federal para o Reconhecimento dos direitos dos Refugiados Estrangeiros), que foi posteriormente substituído pelo Bundesamt.


14 – No caso de D, como no de B, a decisão foi tomada pelo Bundesamt für die Anerkennung ausländischer Flüchtlinge, que posteriormente se tornou no Bundesamt.


15 –      Posição Comum 2001/931, v. n.° 11 supra.


16 – A decisão de revogação no caso de D, datada de 6 de Maio de 2004, e a decisão de indeferimento no caso de B, datada de 14 de Setembro de 2004, são anteriores à própria entrada em vigor da directiva (20 de Outubro de 2004).


17 – Acórdão de 2 de Março de 2010, processos C‑175/08, C‑176/08 e C‑179/08 (ainda não publicado na Colectânea).


18 – Assim, por exemplo, a Resolução 1373/2001 declara que «os actos, métodos e práticas terroristas são contrários aos fins e princípios das Nações Unidas» e obsta a que os Estados concedam asilo àqueles que «financiam, planeiam, apoiam ou praticam actos de terrorismo». V. supra, n.os 5 e 6.


19 – Em especial o artigo 63.°, n.° 1, alínea c), CE, que figura entre as disposições com base nas quais a directiva foi adoptada.


20 – V. n.° 13, supra.


21 – V. n.° 14, supra.


22 – Acórdão Aydin Salahadin Abdulla e o., referido na nota 17, n.° 53.


23 – V. n.° 14, supra. A realização de consultas com o ACNUR já estava prevista na declaração n.° 17 anexa ao Tratado de Amesterdão. A importância do papel do ACNUR foi recentemente reiterada no Pacto Europeu sobre Imigração e Asilo de 2008 e na Proposta de Regulamento que cria um Gabinete Europeu de Apoio em Matéria de Asilo, aprovada pela Comissão em 18 de Fevereiro de 2009 [COM(2009) 66 final].


24 – Actualmente composto por 78 membros, representantes de Estados‑Membros das Nações Unidas ou membros das agências especializadas, o Comité Executivo foi criado em 1959 pelo Conselho Económico e Social das Nações Unidas, a pedido da Assembleia‑Geral.. As conclusões do Conselho Executivo são aprovadas por consenso. No site internet do ACNUR está disponível uma recolha temática das conclusões do Comité Executivo, actualizada até Agosto de 2009. Embora não sejam vinculativas, o respeito dessas conclusões insere‑se no âmbito da cooperação com o ACNUR, a que os Estados Partes se obrigaram nos termos do artigo 35.°, n.° 1, da Convenção.


25 – UNHCR, Handbook on Procedures and Criteria for Determining Refugees Status under the 1951 Convention and the 1967 Protocol relating to the Status of Refugees, 1 de Janeiro de 1992, disponível em: http://www.unhcr.org/refworld/docid/3ae6b3314.html. O Manual foi produzido pelo Comité Executivo em 1977. Também neste caso se trata de um texto que não vincula os Estados Partes, mas ao qual é no entanto reconhecida uma certa eficácia persuasiva: v. Hathaway, The Rights of Refugees under International Law, Cambridge University Press, 2005, pág. 114.


26 – Hathaway, op. cit., pp. 115 e 116.


27 – A alínea e) da Conclusão sobre protecção internacional n.° 81, de 1997, do Comité Executivo do ACNUR, exorta os Estados «to take all necessary measures to ensure that refugees are effectively protected, including through national legislation, and in compliance with their obligations under international human rights and humanitarian law instruments bearing directly on refugee protection, as well as through full cooperation with UNHCR in the exercise of its international protection function and its role in supervising the application of international conventions for the protection of refugees»; na alínea c) da Conclusão n.° 50, de 1988, o Comité Executivo afirma que «States must continue to be guided, in their treatment of refugees, by existing international law and humanitarian principles and practice bearing in mind the moral dimension of providing refugee protection».


28 – Referido supra, nota 17.


29 – Salvo casos excepcionais, a análise dos requisitos para reconhecimento do estatuto de refugiado antecede a da existência de motivos de exclusão («inclusion before exclusion»).


30 – Global consultations on International Protection, 3 e 4 de Maio de 2001, ponto 4 das Conclusões, disponível no site internet do ACNUR.


31 – Special Rapporteur on the promotion and the protection of human rights and fundamental freedoms while countering terrorism, relatório de 15 Agosto de 2007, n.° 71, disponível em: http://www.uchr.org/refworld/docid/472850e92.html.


32 – Neste sentido, v., inter alia, a Conclusão n.° 82 do Comité Executivo do ACNUR, de 1997, sobre a manutenção do asilo.


33 – Em particular, se essa disposição for lida à luz dos outros dois motivos de exclusão previstos nas alíneas a) e c) do mesmo artigo da Convenção.


34 – V., a propósito, o documento elaborado pelo ACNUR para efeitos do presente processo, junto às observações escritas de B, n.° 4.1.1.1.


35 – V., por exemplo, Grahl‑Madsen, Status of Refugees, vol. 1, p.294; Goodwin‑Gill e MacAdam, The Refugee in International Law, Oxford University Press, 3.ª ed., p. 117.


36 – Por exemplo, a idade na altura da prática do crime ou as condições económicas, sociais e culturais do requerente do estatuto de refugiado, em especial quando se trate de pessoas pertencentes a determinadas categorias (minorias étnicas ou religiosas, por exemplo).


37 – A este título, em minha opinião, são de considerar, por exemplo, a situação política, social e económica no Estado em que foi cometida a infracção bem como o nível de protecção dos direitos humanos.


38 – Segundo o Handbook, n.os 151 a 161, para efeitos de não aplicação do motivo de exclusão, também é relevante o facto de o requerente do estatuto de refugiado ter já cumprido a sua pena, no todo ou em parte, ou de lhe ter sido concedido um perdão ou ter beneficiado de uma amnistia.


39 – UNHCR, Guidelines on International Protection: Application of the Exclusion Clauses: Article 1F of the 1951 Convention relating to the Status of Refugees, 4 de Setembro de 2003, ponto 14.


40 – Ibidem.


41 – Segundo o Handbook, o crime deve, pelo menos, ser um «capital crime or a very grave punishable act», enquanto nas Conclusões das Global Consultations on International Protection de 3 e 4 de Maio de 2001 se qualifica como grave um crime a que corresponda um longo período de detenção (n.° 11). V., neste sentido, igualmente Gilbert, Current Issues in the Application of the Exclusion Clasues, 2001, disponível em: http://www.unhcr.org/3b389354b.html, p. 17.


42 – Goodwin‑Gill e McAdam, op. cit., pág. 177 e doutrina citada na nota 216.


43 – A expressão é utilizada nos trabalhos preparatórios da Convenção de 1951, com referência ao artigo 1.°, ponto F, alínea b).


44 – Guidelines de 2003, n.° 15.


45 – Alguns crimes, como por exemplo o roubo ou o tráfico de estupefacientes, mesmo que praticados com o objectivo de financiar a prossecução de objectivos políticos podem, dada a sua natureza, ser qualificados como não políticos.


46 – Dentro de certos limites, o homicídio ou a tentativa de homicídio podem ser avaliados de modo diferente, se tiverem ocorrido no contexto de uma guerra civil ou de uma insurreição.


47 – Tem importância, por exemplo, que o acto seja praticado contra objectivos civis ou militares ou mesmo políticos, ou que implique o recurso a uma violência cega ou sejam cometidas atrocidades.


48 – Para além da motivação individual, há que apreciar se existe um nexo de causalidade claro e directo com o objectivo político; neste sentido, v. Handbook, n.° 152, e Guidelines de 2003, n.° 15.


49 – V. Handbook, n.° 152; Guidelines de 2003, n.° 15.


50 – Ibidem.


51 – Por exemplo, um determinado acto pode ser apreciado de modo diverso se estiver inserido num contexto de oposição a regimes totalitários, colonialistas, racistas ou responsáveis por graves violações dos direitos humanos. Recorde‑se, em todo o caso, que, segundo o ACNUR, para um crime poder ser considerado político, os objectivos visados devem ser conformes com os princípios de protecção dos direitos humanos.


52 – O Alto Comissariado considera que, na maior parte dos casos, se aplicam sobretudo os motivos de exclusão previstos nas alíneas a) e b).


53 – Texto disponível em: http://www.unhcr.org/refworld/docid/3f5857d24.html.


54 – N.° 47.


55 – V. Goodwin‑Gill e McAdam, op. cit., p. 22, nota 143.


56 – Nos quais se pôs em evidência que a disposição em causa não era dirigida ao «homem da rua», v. Background Note, n.° 47.


57 – N.° 163.


58 – Nas Guidelines de 1996, o ACNUR refere a aplicação desse artigo, nos anos 50, aos autores de denúncias às autoridades de ocupação, com consequências extremas para as pessoas denunciadas, incluindo a morte, n.° 61, V. Gilbert, op. cit., p. 22, nota 144. Este autor parece todavia preferir uma leitura menos ampla da disposição em causa, sugerindo a sua aplicação apenas a pessoas com posições elevadas no Governo de um Estado ou num movimento rebelde que controle uma parte do território no interior de um Estado.


59 – V. Resolução 53/108 de 26 de Janeiro de 1999.


60 – V. n.° 5, supra.


61 – Anexa à Resolução 54/109 da Assembleia‑Geral das Nações Unidas, de 5 de Fevereiro de 2000.


62 – A este respeito, v., inter alia, Halberstam e Stein, The United Nations, The European Union and the King of Sweden: Economic sanctions and individual rights in a plural world order, in Common Market Law Review, 2009, p. 13 e segs.


63 – Goodwin‑Gill e McAdam, op. cit., p. 195.


64 – V. UN doc. E/CN.4/2004/4, Annex1 (Junho de 2003).


65 – V. Guidelines de 2003, n.° 15.


66 – A Background Note e as Guidelines de 2003 referem‑se a «egregious acts of international terrorism affecting global security». A Background Note esclarece além disso que «only the leaders of groups responsible for such atrocities would in principle be liable to exclusion under this provision», n.° 49. No mesmo sentido parece orientar‑se também o documento do ACNUR elaborado para efeitos do presente processo


67 – Como é sabido, entre fins de 2006 e os primeiros meses de 2008, pronunciando‑se sobre recursos apresentados por algumas organizações incluídas na referida lista, o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias anulou, essencialmente por falta de fundamentação e violação dos direitos de defesa, as decisões pelas quais o Conselho procedera à inscrição das organizações recorrentes, na parte que lhes dizia respeito; v., em especial, no que se refere ao PKK, acórdão de 3 de Abril de 2008, PKK/Conselho (T‑229/02, Colect., p. II‑45).


68 – Nas Guidelines de 2003, o ACNUR afirma que pode haver uma presunção de responsabilidade no caso de filiação voluntária em grupos «cujos objectivos, actividades e métodos são de natureza particularmente violenta». Não obstante, essa presunção pode sempre ser ilidida (n.° 19).


69 – Não se pode excluir, por exemplo, que os responsáveis por essas actividades fossem apenas algumas franjas extremistas com as quais o sujeito em causa nunca esteve em contacto ou então que este último pertenceu à organização num período anterior ou posterior à execução de estratégias terroristas, ou ainda que só esteve filiado até se dar conta dos métodos utilizados e se dissociar deles. A este respeito, vale a pena recordar que, no processo Van Duyn, o Tribunal de Justiça precisou, embora no diferente contexto das restrições à livre circulação dos trabalhadores justificadas por razões de ordem pública, que a filiação num grupo ou organização é considerada um acto voluntário e um comportamento pessoal do interessado quando reflecte uma participação nas actividades do grupo ou organização bem como uma identificação com os seus objectivos e propósitos (acórdão de 4 de Dezembro de 1974, Van Duyn, 41/74, Colect., p. 567, n.° 17).


70 – Apenas para dar alguns exemplos, o grupo em questão poderia estar fraccionado e ter no seu interior diversas células ou alas, eventualmente em conflito entre si, algumas moderadas e outras radicais, ou os seus objectivos e estratégias podem ter‑se alterado com o tempo, passando, por exemplo, da oposição política à guerrilha e vice‑versa, de privilegiar alvos militares a pôr em prática uma verdadeira estratégia terrorista, e por aí fora. Do mesmo modo, o contexto em que o grupo actua pode ter‑se alterado devido, por exemplo, a uma mudança da situação política ou a um alargamento da actividade do grupo, do âmbito local ou regional para o internacional.


71 – V. Guidelines de 2003.


72 – Segundo as Guidelines de 2003, por exemplo, os motivos de exclusão poderiam não ser aplicáveis no caso de o crime ter sido expiado (por ex. por cumprimento da pena ou por ter decorrido um lapso de tempo significativo desde a prática do acto). O ACNUR é mais cauteloso no caso de perdão ou amnistia posterior, particularmente em relação a crimes ou actos excepcionalmente graves (n.° 23).


73 – No Programa da Haia, que estabelece os objectivos e instrumentos no domínio da justiça e dos assuntos internos para o período 2005‑2010, o Conselho Europeu manifestou o seu compromisso com o desenvolvimento do sistema europeu comum de asilo mediante a modificação do quadro legislativo e o reforço da cooperação prática, em especial através da criação de um serviço europeu de apoio ao asilo. Todavia, como o Conselho europeu recentemente recordou no Pacto Europeu sobre a Imigração e o Asilo, de 2008, a concessão da protecção e, em especial, do estatuto de refugiado, são da competência de cada Estado‑Membro.


74 – No mesmo sentido se manifestou também o ACNUR no documento elaborado para os efeitos do presente processo.


75 – V. Handbook, n.° 157.


76 – V. Goodwin‑Gill e McAdam, op. cit., p. 174.


77 – Gilbert, op. cit., p. 5, sublinha que muitos dos tratados sobre a extradição prevêem a obrigação de extraditar ou de processar (aut dedere aut judicare) e que diversas convenções multilaterais sobre a repressão do terrorismo incluem cláusulas de exclusão da extradição sempre que exista o risco de persecução por motivos de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas e origens étnicas.


78 – Ibidem, p. 4.


79 – V. Guidelines de 2003. V. também Handbook de 1979, n.° 156. Não me parece, porém, que esta disposição decorra tão claramente do documento elaborado pelo ACNUR para efeitos do presente processo.


80 – V. Gilbert, op. cit., p. 18.


81 – V. também a nota 52 do documento elaborado pelo ACNUR para efeitos do presente processo.


82 – Por exemplo, por força do artigo 3.° da CEDH ou do artigo 3.° da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada em Nova Iorque em 10 de Dezembro de 1984.


83 – Para os culpados da prática desses crimes poderá eventualmente haver uma protecção informal do Estado do pedido, que pode também proceder criminalmente contra eles por força da jurisdição universal reconhecida em tratados multilaterais em relação a determinados crimes; neste sentido, v. Gilbert, op. cit., p. 19.