ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública)

12 de Maio de 2010 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal da Função Pública – Função pública – Recrutamento – Concurso geral – Decisão que declara a não aprovação do candidato na prova oral – Recusa da Comissão de dar cumprimento a uma medida de organização do processo»

No processo T‑560/08 P,

que tem por objecto um recurso do acórdão do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Primeira Secção) de 14 de Outubro de 2008, Meierhofer/Comissão (F‑74/07, ainda não publicado na Colectânea), e que visa a anulação deste acórdão,

Comissão Europeia, representada por J. Currall e B. Eggers, na qualidade de agentes, assistidos por B. Wägenbaur, advogado,

recorrente,

sendo a outra parte no processo

Stefan Meierhofer, residente em Munique (Alemanha), representado por H.‑G. Schiessl, advogado,

recorrente em primeira instância,

O TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública),

composto por: M. Jaeger (relator), presidente, A. W. H. Meij e M. Vilaras, juízes,

secretário: B. Pastor, secretário adjunto,

vistos os autos e após a audiência de 13 de Janeiro de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        No seu recurso interposto nos termos do artigo 9.° do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, a Comissão das Comunidades Europeias pede a anulação do acórdão do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Primeira Secção) de 14 de Outubro de 2008, Meierhofer/Comissão (F‑74/07, ainda não publicado na Colectânea, a seguir «acórdão recorrido»), com o qual este anulou a decisão de 19 de Junho de 2007 do júri do concurso EPSO/AD/26/05 que confirmava a não aprovação do recorrente em primeira instância na prova oral do referido concurso.

 Antecedentes do litígio e quadro jurídico

2        Como resulta do acórdão recorrido (n.os 8 a 11), Stefan Meierhofer, recorrente em primeira instância, de nacionalidade alemã, participou no concurso geral EPSO/AD/26/05 (a seguir «concurso»), cujo anúncio tinha sido publicado no Jornal Oficial da União Europeia em 20 de Julho de 2005 (JO C 178 A, p. 3). Após ter sido aprovado nos testes de pré‑selecção e nas provas escritas, S. Meierhofer participou na prova oral em 29 de Março de 2007.

3        Por carta de 10 de Maio de 2007, o presidente do júri do concurso informou S. Meierhofer de que tinha obtido 24,5 pontos na prova oral, não atingindo, portanto, o mínimo exigido de 25/50, e de que não podia figurar na lista de reserva (a seguir «decisão de 10 de Maio de 2007»).

4        Por carta de 11 de Maio de 2007, S. Meierhofer apresentou um pedido de reexame da decisão de 10 de Maio de 2007, considerando, por referência ao resumo que ele próprio tinha redigido na sequência da prova oral, que tinha respondido correctamente a pelo menos 80% das questões colocadas durante essa prova. Requereu assim uma verificação da classificação da sua prova oral, bem como, a título subsidiário, uma explicação sobre as classificações obtidas em cada uma das questões colocadas nessa prova.

5        Por carta de 19 de Junho de 2007, o presidente do júri do concurso informou S. Meierhofer de que, após reexame da sua candidatura, o júri não tinha encontrado motivos para alterar os seus resultados (a seguir «decisão de 19 de Junho de 2007»). Nessa carta, S. Meierhofer era também informado, por um lado, de que, no que respeitava aos seus conhecimentos específicos, o número de respostas insatisfatórias excedia o número de respostas satisfatórias e, por outro lado, de que a prova oral tinha decorrido segundo os critérios especificados no anúncio de concurso e que, tendo em conta o segredo dos trabalhos do júri imposto pelo artigo 6.° do Anexo III do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto»), não era possível fornecer aos candidatos a grelha de classificação nem a repartição das classificações obtidas na prova oral.

6        O anúncio de concurso, no seu título «B. Desenrolar do concurso», contém as seguintes regras relativamente à prova oral e à inscrição na lista de reserva:

«3. Prova oral – Classificação

e)      Entrevista com o júri, efectuada na língua principal do candidato, a fim de apreciar a aptidão dos candidatos para o exercício das funções descritas no título A, ponto I. Esta entrevista incidirá, nomeadamente, nos conhecimentos específicos relacionados com o domínio em causa e nos conhecimentos sobre a União Europeia, respectivas instituições e políticas. Serão igualmente examinados os conhecimentos da segunda língua. Esta entrevista destina‑se também a avaliar a capacidade de adaptação dos candidatos ao trabalho na administração pública europeia, num ambiente multicultural.»

7        Por outro lado, o artigo 6.° do anexo III do Estatuto dispõe:

«Os trabalhos do júri são secretos.»

 Tramitação em primeira instância e acórdão recorrido

8        Por petição entrada na Secretaria do Tribunal da Função Pública em 3 de Julho de 2007, S. Meierhofer interpôs recurso de anulação das decisões de 10 de Maio de 2007 e de 19 de Junho de 2007, pedindo ainda que fossem dirigidas à Comissão uma série de intimações.

9        No âmbito das medidas de organização do processo, decididas em aplicação do artigo 55.° do seu Regulamento de Processo, o Tribunal da Função Pública convidou a Comissão, no relatório preparatório da audiência enviado às partes em 7 de Fevereiro de 2008, a apresentar, antes da audiência:

«a)      a grelha de classificação e a repartição das classificações da prova oral [...] do recorrente, a que se refere a decisão de 19 de Junho de 2007, que não deferiu o seu pedido de reexame,

b)      qualquer outro elemento relativo à apreciação da qualidade da prestação do recorrente na prova oral,

c)      uma lista de classificação não nominativa dos outros candidatos que obtiveram uma classificação eliminatória na prova oral,

d)      os cálculos que levaram ao resultado exacto de 24,5/50 para a classificação do recorrente na prova oral.»

10      Este mesmo relatório preparatório da audiência esclarecia que a comunicação a S. Meierhofer dos elementos acima referidos seria feita na medida em que essa comunicação fosse conciliável com o princípio do segredo dos trabalhos do júri e/ou após a omissão, se necessário, de certas indicações cuja divulgação violasse tal princípio.

11      Em resposta a estas medidas de organização do processo, por carta entrada na Secretaria do Tribunal da Função Pública em 18 de Fevereiro de 2008, a Comissão transmitiu, como se pedia no relatório preparatório da audiência, alínea c), um quadro não nominativo das classificações eliminatórias dos candidatos não aprovados na prova oral. Porém, a Comissão não apresentou os elementos visados pelas alíneas a), b) e d) do referido relatório, invocando, em substância, que, na falta de provas de uma violação das normas que regem os trabalhos do júri, o mero fundamento relativo ao dever de fundamentação não justificava, tendo em conta o segredo dos trabalhos do júri, a apresentação dos outros elementos e documentos solicitados.

12      No n.° 16 in fine do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública fez a seguinte observação:

«Aliás, a Comissão observou que não era obrigada a apresentar tais elementos e documentos, quer o Tribunal [da Função Pública] proceda através de medidas de organização do processo, como no caso em apreço, quer, até, através de diligências de instrução.»

13      S. Meierhofer apresentou na Secretaria do Tribunal da Função Pública, em 20 de Março de 2008, observações relativas às medidas de organização do processo dirigidas à Comissão e nomeadamente sobre a reacção desta às ditas medidas.

14      Por carta de 19 de Maio de 2008, a Comissão replicou a estas observações, só lhe tendo sido entregue uma cópia das mesmas no momento da audiência de 23 de Abril de 2008.

15      No acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública começou por constatar que o recurso se devia considerar dirigido unicamente contra a decisão de 19 de Junho de 2007, uma vez que, quando um candidato a um concurso solicita o reexame de uma decisão tomada por um júri, é a decisão tomada por este último após reexame da situação do candidato que constitui o acto que lhe causa um prejuízo (n.os 19 e 20 do acórdão recorrido). Seguidamente, após ter examinado e acolhido o primeiro fundamento invocado por S. Meierhofer, relativo à violação do dever de fundamentação (v. n.os 30 a 55 do acórdão recorrido), o Tribunal da Função Pública anulou a decisão de 19 de Junho de 2007 e condenou a Comissão nas despesas, julgando improcedentes os outros pedidos de S. Meierhofer, uma vez que o juiz é manifestamente incompetente para dirigir intimações às instituições comunitárias.

16      Para efeitos do presente recurso, em primeiro lugar, importa realçar que o Tribunal da Função Pública lembrou que qualquer decisão individual tomada em cumprimento do Estatuto e que afecte interesses deve ser fundamentada e que o dever de fundamentação tem por objecto, por um lado, permitir ao Tribunal exercer a sua fiscalização da legalidade da decisão e, por outro, fornecer ao interessado as indicações necessárias para determinar se a decisão é ou não correcta e lhe permitir apreciar a oportunidade da interposição de um recurso. Acrescentou, porém, remetendo para o acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 1996, Parlamento/Innamorati (C‑254/95 P, Colect., p. I‑3423, n.os 24 a 28), que, no que respeita às decisões tomadas por um júri de concurso, o dever de fundamentação deve ser conciliado com o respeito do segredo que envolve os trabalhos do júri, por força do artigo 6.° do anexo III do Estatuto, segredo este que foi instituído com o objectivo de assegurar a independência dos júris de concurso e a objectividade dos seus trabalhos. Assim, o respeito desse segredo opõe‑se tanto à divulgação das atitudes individuais de cada membro do júri como à revelação de quaisquer elementos relacionados com apreciações de carácter pessoal ou comparativo respeitantes aos candidatos e que a exigência de fundamentação das decisões de um júri de concurso deve tomar em consideração a natureza dos trabalhos em causa, os quais, na fase do exame das aptidões dos candidatos, são, antes de mais, de natureza comparativa e, por esse facto, abrangidos pelo segredo inerente a esses trabalhos (n.os 30 e 31 do acórdão recorrido).

17      O Tribunal da Função Pública sublinhou que, de acordo com a jurisprudência, «a comunicação das classificações obtidas nas diferentes provas» constitui uma fundamentação suficiente das decisões do júri (acórdão Parlamento/Innamorati, n.° 16, supra, n.° 31; acórdãos do Tribunal Geral de 21 de Maio de 1996, Kaps/Tribunal de Justiça, T‑153/95, ColectFP, pp. I‑A‑233 e II‑663, n.° 81; de 2 de Maio de 2001, Giulietti e o./Comissão, T‑167/99 e T‑174/99, ColectFP, pp. I‑A‑93 e II‑441, n.° 81; de 23 de Janeiro de 2003, Angioli/Comissão, ColectFP, pp. I‑A‑13 e II‑73, n.° 69, e de 31 de Maio de 2005, Gibault/Comissão, T‑294/03, ColectFP, pp. I‑A‑141 e II‑635, n.° 39) (n.° 32 do acórdão recorrido).

18      Em segundo lugar, o Tribunal da Função Pública esclareceu o alcance da jurisprudência na matéria (n.° 34 do acórdão recorrido).

19      Além disso, o Tribunal da Função Pública remeteu para a jurisprudência existente em matéria de não aprovação na fase escrita de um concurso, nos termos da qual o candidato recebe, na prática, uma explicação bastante completa sobre a sua não aprovação, obtendo não só as diferentes classificações individuais como também a fundamentação da classificação individual eliminatória que levou à sua exclusão das fases ulteriores de um concurso, bem como outros elementos (acórdãos do Tribunal Geral de 25 de Junho de 2003, Pyres/Comissão, T‑72/01, ColectFP, pp. I‑A‑169 e II‑861, n.° 70, de 17 de Setembro de 2003, Alexandratos e Panagiotou/Conselho, T‑233/02, ColectFP, pp. I‑A‑201 e II‑989, n.° 31, e de 14 de Julho de 2005, Le Voci/Conselho, T‑371/03, ColectFP, pp. I‑A‑209 e II‑957, n.os 115 a 117; acórdãos do Tribunal da Função Pública de 13 de Dezembro de 2007, Van Neyghem/Comissão, F‑73/06, ainda não publicado na Colectânea, n.os 72, 79 e 80, e de 4 de Setembro de 2008, Dragoman/Comissão, F‑147/06, ainda não publicado na Colectânea, n.os 21, 82 e 83) (n.° 39 do acórdão recorrido).

20      A este propósito, o Tribunal da Função Pública salientou o facto de, embora os correctores das provas escritas poderem não ser conhecidos dos interessados, encontrando‑se, assim, ao abrigo das ingerências e pressões a que se refere o acórdão Parlamento/Innamorati, n.° 16, supra, contrariamente aos membros do júri presentes na fase oral, esta circunstância não justifica objectivamente a existência de diferenças consideráveis entre as exigências de fundamentação em caso de não aprovação na fase escrita, tais como estas exigências resultam da jurisprudência lembrada no n.° 39 do acórdão recorrido, e as defendidas pela Comissão em caso de não aprovação na prova oral, que, nomeadamente no caso em apreço, consistiriam em apenas fornecer ao recorrente a sua classificação individual eliminatória.

21      Em terceiro lugar, o Tribunal da Função Pública observou que, embora a ponderação entre o dever de fundamentação e o respeito do princípio do segredo dos trabalhos do júri, em especial quanto à questão de saber se a comunicação de uma única classificação individual eliminatória a um candidato eliminado na fase oral satisfaz esse dever, penda mais frequentemente a favor do princípio do segredo dos trabalhos do júri, poderá não ser esse o caso quando se verifiquem circunstâncias particulares, tanto mais quanto a jurisprudência recente a respeito do Regulamento (CE) n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43), demonstra uma evolução a favor da transparência (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 2007, Suécia/Comissão, C‑64/05 P, Colect., p. I‑11389, e de 1 de Julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho, C‑39/05 P e C‑52/05 P, Colect., p. I‑4723) (n.° 40 do acórdão recorrido).

22      Em quarto lugar, o Tribunal da Função Pública explicou as diferentes razões pelas quais o presente caso devia ser considerado um no qual se verificam circunstâncias particulares na acepção do n.° 21, supra (n.os 42 a 48 do acórdão recorrido).

23      Em quinto lugar, o Tribunal da Função Pública deduziu as consequências decorrentes da existência destas circunstâncias particulares e declarou que, se a comunicação ao recorrente da classificação individual eliminatória que obteve na prova oral, a saber, a classificação de 24,5/25, constituía mais do que um simples esboço de fundamentação, o qual, segundo a jurisprudência (v. acórdão do Tribunal Geral de 6 de Novembro de 1997, Berlingieri Vinzek/Comissão, T‑71/96, ColectFP, pp. I‑A‑339 e II‑921, n.° 79), poderia ser completado através de esclarecimentos adicionais no decurso da instância, esta classificação não bastava, em contrapartida, nas circunstâncias do caso em apreço, para satisfazer plenamente o dever de fundamentação. Assim, a recusa da Comissão de apresentar qualquer informação complementar implicava, no entender do Tribunal da Função Pública, a violação de tal dever (n.° 49 do acórdão recorrido).

24      A este respeito, esse Tribunal, admitindo embora que não lhe competia determinar os elementos de informação que a Comissão devia comunicar ao interessado para satisfazer o seu dever de fundamentação, observou nomeadamente que certas indicações complementares, como as classificações intercalares para cada um dos critérios de avaliação estabelecidos no anúncio de concurso e as fichas de avaliação, com omissão dos elementos abrangidos pelo segredo dos trabalhos do júri, deveriam ter sido comunicadas a S. Meierhofer, sem divulgar as atitudes dos membros individuais do júri relativamente a apreciações de carácter pessoal ou comparativo respeitantes aos candidatos (n.os 50 e 51 do acórdão recorrido).

25      Seguidamente, afirmou que a recusa da Comissão de comunicar estes elementos de informação, sequer exclusivamente ao Tribunal da Função Pública, teve como consequência não permitir a este exercer plenamente a sua fiscalização (n.° 51 do acórdão recorrido).

26      Por outro lado, o Tribunal da Função Pública sublinhou que a se seguir o raciocínio da Comissão, segundo o qual elementos como os visados no n.° 25, supra, seriam irrelevantes, tal equivaleria a retirar ao juiz da União qualquer possibilidade de fiscalização da classificação da fase oral. Ora, segundo esse Tribunal, sendo embora certo que este não pode efectivamente substituir a apreciação dos membros do júri pela sua própria apreciação, deve poder verificar, por referência ao dever de fundamentação, que estes classificaram o recorrente com base nos critérios de avaliação indicados no anúncio de concurso e que não foi cometido nenhum erro no cálculo da classificação do interessado; de igual modo, deve poder exercer uma fiscalização limitada sobre a relação entre as apreciações dos membros do júri e as suas classificações numéricas (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 1987, Kolivas/Comissão, 40/86, Colect., p. 2643, n.° 11; acórdãos do Tribunal da Função Pública Van Neyghem/Comissão, já referido no n.° 19, supra, n.° 86, e de 11 de Setembro de 2008, Coto Moreno/Comissão, F‑127/07, ainda não publicado na Colectânea, n.os 34 e 36). Para este efeito, deve adoptar as medidas de organização do processo que lhe pareçam adequadas, tendo em conta as particularidades do processo, indicando à instituição recorrida, se for caso disso, que as respostas só serão transmitidas ao interessado na medida em que isso seja compatível com o princípio do segredo dos trabalhos do júri (n.° 52 do acórdão recorrido).

27      Em sexto e último lugar, o Tribunal da Função Pública registou a recusa da Comissão de lhe fornecer os elementos de informação pedidos no âmbito das medidas de organização do processo e, tendo considerado que as razões invocadas pela Comissão para justificar esta recusa não eram convincentes, concluiu que a decisão de 19 de Junho de 2007 devia ser anulada por violação do dever de fundamentação (v. n.os 53 a 55 do acórdão recorrido).

 Quanto ao presente recurso

 Tramitação processual e pedidos das partes

28      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de Dezembro de 2008, a Comissão interpôs o presente recurso.

29      Após a apresentação da contestação por S. Meierhofer, em 17 de Março de 2009, a Comissão, por carta de 6 de Abril de 2009, pediu que lhe fosse permitido replicar, nos termos do artigo 143.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

30      Tendo o Presidente da Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública deferido este pedido por decisão de 15 de Abril de 2009, foi apresentada réplica, tendo a fase escrita sido encerrada em 20 de Julho de 2009.

31      Por carta de 18 de Agosto de 2009, a Comissão apresentou um pedido nos termos do artigo 146.° do Regulamento de Processo, indicando os motivos pelos quais pretendia ser ouvida no âmbito da fase oral do processo.

32      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública) deferiu este pedido e deu início à fase oral.

33      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas orais do Tribunal na audiência de 13 de Janeiro de 2010.

34      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o acórdão recorrido;

–        condenar cada uma das partes a suportar as suas próprias despesas.

35      S. Meierhofer conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        a título subsidiário, negar provimento ao recurso por falta de fundamentação;

–        condenar a Comissão nas despesas das partes nos processos em ambas as instâncias.

36      Na audiência, S. Meierhofer renunciou à questão prévia de admissibilidade relativa à interposição extemporânea do presente recurso, o que ficou lavrado na acta.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade

37      A título liminar e embora S. Meierhofer já não invoque que o presente recurso foi interposto extemporaneamente, há que lembrar que os prazos de recurso são de ordem pública e as partes e o juiz não podem dispor deles, uma vez que foram instituídos para assegurar a transparência e a segurança das situações jurídicas. Assim, compete ao Tribunal examinar, mesmo oficiosamente, se o recurso foi interposto nos prazos previstos (v. acórdão do Tribunal Geral de 28 de Janeiro de 2004, OPTUC/Comissão, T‑142/01 e T‑283/01, Colect., p. I‑329, n.° 30 e jurisprudência aí referida).

38      O prazo de dois meses para a interposição de recurso do acórdão recorrido por parte da Comissão começou a correr a partir da sua recepção em 16 de Outubro de 2008. Acrescido de um prazo de dilação fixo de dez dias nos termos do artigo 102.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, terminou, pois, em 26 de Dezembro de 2008 à meia‑noite. Importa, assim, concluir que o recurso, entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 de Dezembro de 2008, foi interposto em tempo útil.

39      Por outro lado, na sua contestação, S. Meierhofer excepciona a inadmissibilidade do recurso por a Comissão já não demonstrar interesse em agir, uma vez que a referida instituição cumpriu já as obrigações que o acórdão recorrido implicava a seu respeito, tendo comunicado a S. Meierhofer as classificações intercalares da sua prova oral.

40      A Comissão replicou a esta excepção, invocando a obrigação de dar execução ao acórdão recorrido que decorre do artigo 233.° CE, bem como o facto de o artigo 9.°, segundo parágrafo, do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça não subordinar a possibilidade de interposição de recurso por uma instituição comunitária à existência de um interesse em agir.

41      A este respeito, importa lembrar, antes de mais, que, de acordo com a jurisprudência assente relativa aos recursos interpostos pela instituição recorrida em primeira instância de uma decisão que tinha sido favorável ao funcionário, a admissibilidade do recurso é condicionada pela existência de um interesse em agir, o qual [pres]supõe que o recurso possa, pelo seu resultado, conferir um benefício à parte que o [interpôs] (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 2000, Parlamento/Richard, C‑174/99 P, Colect., p. I‑6189, n.° 33, e de 3 Abril de 2003, Parlamento/Samper, C‑277/01 P, Colect., p. I‑3019, n.° 28).

42      Assim, a Comissão invoca erradamente a jurisprudência de acordo com a qual, por força do artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, por um lado, as instituições da União não têm que fazer prova do seu interesse para poderem interpor recurso de um acórdão do Tribunal Geral e, por outro lado, não cabe ao juiz da União controlar as opções feitas a este respeito pelas instituições. Com efeito, esta mesma jurisprudência lembra claramente que a referida disposição do Estatuto do Tribunal de Justiça não é aplicável aos litígios que opõem a Comunidade aos seus agentes (acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, Colect., p. I‑4125, n.os 171 e 172).

43      No caso presente, importa observar que a Comissão tem efectivamente interesse em agir.

44      A este respeito, há que lembrar que, com o acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública anulou a decisão de 19 de Junho de 2007 por violação do dever de fundamentação (v. n.° 27, supra). Donde resulta que, para se conformar com este acórdão e lhe dar plena execução, a Comissão estava obrigada a adoptar uma nova decisão, no sentido de inscrever ou não o nome de S. Meierhofer na lista de reserva do concurso. Esta nova decisão substituiria a de 19 de Junho de 2007, anulada pelo acórdão recorrido.

45      Importa constatar que a Comissão não tomou tal decisão. É certo que, na sequência do acórdão recorrido, comunicou a S. Meierhofer as classificações intercalares por este obtidas na prova oral. Todavia, o ofício que comunica as referidas classificações não contém qualquer decisão formal de inscrever ou não o nome do interessado na lista de reserva. Por conseguinte, salvo anulação do acórdão recorrido, a Comissão deverá adoptar essa nova decisão, que S. Meierhofer poderá, eventualmente, impugnar em novo recurso. Em contrapartida, se o presente recurso for julgado procedente e o acórdão recorrido for anulado, a decisão de 19 de Junho de 2007 retomará todos os seus efeitos e deverá ser objecto de novo exame à luz dos fundamentos do recurso de S. Meierhofer.

46      É certo que, sendo a comunicação das classificações intercalares irreversível, não é necessário, na segunda hipótese invocada no n.° 45, supra, apreciar se deve ser tomada uma medida de instrução tendente à apresentação das referidas classificações. Todavia, tal apenas tem como consequência tornar eventualmente sem objecto o fundamento relativo à violação do dever de fundamentação invocado por S. Meierhofer no recurso na origem do acórdão recorrido. Em contrapartida, os outros fundamentos por ele invocados nesse mesmo recurso, mas não apreciados pelo Tribunal da Função Pública, deverão, nessa hipótese, ser apreciados.

47      Por outro lado, a anulação do acórdão recorrido proporcionará sempre à Comissão um benefício certo, na medida em que, se vier a ser negado provimento ao recurso em primeira instância, a Comissão ficará assim ao abrigo de qualquer pedido de indemnização formulado por S. Meierhofer em razão do prejuízo que afirma ter sofrido devido à decisão de 19 de Junho de 2007 (v., neste sentido, acórdãos Parlamento/Richard, n.° 41, supra, n.° 34, e Parlamento/Samper, n.° 41, supra, n.° 31).

48      À luz das precedentes considerações, a excepção de inadmissibilidade suscitada por S. Meierhofer deve ser julgada improcedente.

 Quanto ao mérito

49      Em apoio do seu recurso, a Comissão invoca, no essencial, três fundamentos relativos, o primeiro, à não tomada em consideração do alcance do dever de fundamentação, o segundo, à incompatibilidade da fiscalização das apreciações feitas pelos membros do júri com o direito comunitário e, o terceiro, à violação de determinadas regras processuais no âmbito das medidas de organização do processo tomadas em primeira instância e da apreciação de provas.

50      Importa examinar em primeiro lugar o terceiro fundamento.

 Argumentos das partes

51      A Comissão alega que o Tribunal da Função Pública considerou erradamente que ela tinha recusado, em termos gerais, a apresentação dos documentos pedidos. Muito pelo contrário, a Comissão limitou‑se, por um lado, a afirmar que esses documentos eram irrelevantes para efeitos do litígio submetido ao Tribunal da Função Pública e, por outro, a sublinhar que esses documentos tinham um carácter particularmente sensível. Assim, quer na audiência quer nas observações de 19 de Maio de 2008, requereu ao Tribunal da Função Pública que solicitasse a apresentação dos referidos documentos através de uma medida de instrução, sob a forma de despacho, e não por intermédio de uma simples medida de organização do processo tomada nos termos do artigo 55.° do Regulamento de Processo da Tribunal da Função Pública.

52      A Comissão esclarece que, não obstante o Regulamento de Processo do Tribunal da Função Pública, diversamente do do Tribunal Geral, não prever a possibilidade de ser tomada uma medida de instrução que ordene às partes no litígio a apresentação de documentos, o artigo 24.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, aplicável ao Tribunal da Função Pública, ter‑lhe‑ia permitido adoptar tal despacho, esta disposição prevendo, nomeadamente, que o juiz da União pode solicitar às partes a apresentação de todos os documentos e o fornecimento de todas as informações que considere úteis.

53      Por outro lado, a Comissão acrescenta que o Regulamento de Processo do Tribunal da Função Pública contém, no seu artigo 44.°, n.° 2, uma disposição que teria permitido, no caso presente, a adopção de um despacho que respondesse às suas preocupações decorrentes do carácter sensível dos documentos pedidos. Contudo, admitiu na audiência no Tribunal Geral não ter expressamente invocado a referida disposição no Tribunal da Função Pública.

54      Em primeiro lugar, S. Meierhofer retorque que o recurso da decisão do Tribunal da Função Pública interposto no Tribunal Geral só pode assentar em fundamentos relativos a irregularidades processuais cometidas em primeira instância que tenham lesado os interesses da parte em questão.

55      Ora, independentemente da questão de saber se o Tribunal da Função Pública se encontra na posição de poder ou não adoptar uma medida de instrução como a pedida pela Comissão, a falta de tal medida não lesou de modo algum os interesses da Comissão, uma vez que a sua adopção e aplicação teriam, quando muito, levado o Tribunal da Função Pública a se convencer de que a prestação de S. Meierhofer tinha sido avaliada correctamente. Sem embargo, a apresentação dos documentos pedidos em nada teria alterado o facto de a decisão de 19 de Junho de 2007 não conter fundamentação suficiente para justificar a não inscrição de S. Meierhofer na lista de reserva do concurso.

56      Em segundo lugar, no entender de S. Meierhofer, o eventual erro processual cometido pelo Tribunal da Função Pública não teria qualquer consequência, porquanto a Comissão, escudando‑se no dever de confidencialidade decorrente do artigo 6.° do anexo III do Estatuto, não teria apresentado os documentos pedidos.

57      Em terceiro lugar, S. Meierhofer alega que o Tribunal da Função Pública não estava obrigado a tomar uma medida de organização do processo ou de instrução, uma vez que o artigo 55.°, n.° 2, do seu Regulamento de Processo prevê simplesmente que «pode» ordenar medidas de organização do processo e o artigo 58.°, n.° 1, do mesmo diploma dispõe que as medidas de instrução são decididas pelo Tribunal da Função Pública. Por outro lado, respondendo a várias perguntas do Tribunal Geral, S. Meierhofer esclareceu, na audiência, que, em sua opinião, as medidas de organização do processo e de instrução visam o mesmo objectivo, ou seja, permitir ao juiz dispor de todos os elementos necessários ao tratamento da causa. Por conseguinte, a forma que revistam não tem especial importância.

58      Por último, o artigo 44.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal da Função Pública não confere qualquer direito subjectivo às partes, uma vez que se limita a proibir que o Tribunal comunique a uma parte documentos considerados confidenciais pela outra antes de se ter pronunciado sobre o carácter confidencial destes documentos.

 Apreciação do Tribunal Geral

59      Em primeiro lugar, importa realçar que, como enunciado no n.° 49 do acórdão recorrido, a decisão de 19 de Junho de 2007 não enferma de total ausência de fundamentação, na medida em que a nota global eliminatória tinha efectivamente sido comunicada a S. Meierhofer, mas sim de insuficiente fundamentação. Logo, podiam ser apresentados esclarecimentos adicionais no decurso da instância e tornarem sem objecto o fundamento relativo ao vício de insuficiente fundamentação, não esquecendo, todavia, que a Comissão não estava autorizada a substituir a motivação inicial errada por uma motivação inteiramente nova (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Berlingieri Vinzek/Comissão, n.° 23, supra, n.° 79, e de 28 de Abril de 2004, Pascall/Conselho, T‑277/02, ColectFP, pp. I‑A‑137 e II‑621, n.° 31).

60      Em segundo lugar, é verdade que a acta da audiência no Tribunal da Função Pública não contém elementos relativos ao comportamento que a Comissão teria tido caso esse Tribunal tivesse adoptado uma medida de instrução que ordenasse a apresentação dos documentos em causa. Assim, não permite ao Tribunal Geral verificar a natureza das considerações tecidas pela Comissão a respeito desta questão na audiência. Porém, resulta claramente dos n.os 20 a 23 das observações da Comissão de 19 de Maio de 2008 que a recusa que opôs à apresentação dos documentos em causa, em razão do seu carácter sensível, só podia visar as medidas efectivamente adoptadas pelo Tribunal da Função Pública, a saber, medidas de organização do processo, sem, contudo, permitir ajuizar desde logo a reacção que a Comissão teria tido perante uma medida de instrução ordenada pelo Tribunal da Função Pública.

61      Em terceiro lugar, importa notar que a apreciação da oportunidade de adopção de uma medida de organização do processo ou de uma medida de instrução é da competência do Tribunal e não das partes, podendo estas, eventualmente, contestar a escolha feita em primeira instância no âmbito de um recurso.

62      Este raciocínio não é infirmado pelo acórdão do Tribunal Geral de 27 de Outubro de 1994, Fiatagri e New Holland Ford/Comissão (T‑34/92, Colect., p. II‑905), invocado pela Comissão. De facto, é verdade que, no n.° 27 do referido acórdão, esse Tribunal entendeu que, não tendo as requerentes apresentado o mais leve indício susceptível de pôr em causa a presunção de validade de que gozam os actos das instituições, não lhe competia ordenar as medidas de instrução requeridas. Todavia, procedendo deste modo, o Tribunal Geral pronunciou‑se quanto à oportunidade de adoptar as medidas de instrução requeridas. Assim, este acórdão confirma, no mínimo de modo tácito, mas necessariamente, que cabe ao juiz, e não às partes, apreciar se a adopção de uma medida de instrução é necessária para a decisão que o órgão jurisdicional deve proferir, o que a Comissão parece negar no presente caso. Contudo, embora seja verdade que uma parte não tem o direito de exigir ao juiz da União a adopção de uma medida de instrução, é também verdade que o juiz não pode extrair consequências da ausência, nos autos, de determinados elementos enquanto não tiver esgotado os meios previstos no seu Regulamento de Processo para obter da parte em causa a sua apresentação.

63      Em quarto lugar, importa observar que, como lembrado pela Comissão na audiência perante o Tribunal Geral, o recurso em primeira instância tinha sido apresentado antes de 1 de Novembro de 2007, data da entrada em vigor do Regulamento de Processo do Tribunal da Função Pública nos termos do artigo 121.° desse mesmo regulamento. Todavia, tendo começado a instrução do processo com o envio às partes do relatório preparatório para a audiência em 7 de Fevereiro de 2008, é pacífico que foi inteiramente tramitado sob a alçada do dito Regulamento de Processo. Assim, há que lembrar brevemente as diferenças existentes entre o Regulamento de Processo do Tribunal da Função Pública e o do Tribunal Geral no que concerne às medidas da organização do processo e às medidas de instrução.

64      Verifica‑se que um dos critérios consagrados pelo Regulamento de Processo do Tribunal da Função Pública para distinguir estas duas categorias de medidas reside no facto de as medidas de organização do processo (previstas nos artigos 55.° e 56.° do referido regulamento) terem sempre por destinatárias as partes, ao passo que as medidas de instrução (previstas nos artigos 57.° e 58.° do dito regulamento) também podem ter terceiros por destinatários. Trata‑se de um critério diferente do enunciado pelo Tribunal Geral na sua jurisprudência, de acordo com a qual as medidas de organização do processo (visadas no artigo 64.° do Regulamento de Processo) têm como objectivo assegurar uma boa tramitação das fases escrita ou oral do processo e facilitar a produção da prova, bem como determinar os pontos sobre os quais as partes devem completar a sua argumentação ou que necessitam de instrução, ao passo que as medidas de instrução (visadas nos artigos 65.° a 67.° do Regulamento de Processo) se destinam a permitir provar a veracidade das alegações factuais feitas por uma parte em apoio dos seus fundamentos (acórdão do Tribunal Geral de 18 de Janeiro de 2005, Entorn/Comissão, T‑141/01, Colect., p. II‑95, n.os 129 e 130).

65      Por outro lado, no que toca à forma das medidas, o artigo 56.° do Regulamento de Processo do Tribunal da Função Pública esclarece que as medidas de organização do processo são levadas ao conhecimento das partes pelo secretário. Nos termos do artigo 58.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal da Função Pública, o mesmo vale para as medidas de instrução, excepto as que respeitam à prova testemunhal, à peritagem e à inspecção in loco, que devem ser tomadas por despacho.

66      Donde se conclui que o capítulo III do título II do Regulamento de Processo do Tribunal da Função Pública, diversamente do capítulo III do título II do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, não contém uma base jurídica expressa que permita a adopção de um despacho que ordene a uma das partes a apresentação de documentos a título de medidas de instrução.

67      Sem que seja necessário pronunciar‑se quanto à questão de saber se a adopção de tal despacho é, contudo, permitida ao Tribunal da Função Pública por força do artigo 24.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, há que constatar que esta possibilidade está prevista, pelo menos em determinadas circunstâncias, no artigo 44.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal da Função Pública, disposição para a qual, de resto, remete o artigo 56.° do Regulamento de Processo do Tribunal da Função Pública, cuja aplicação é prevista «sem prejuízo» do aí disposto.

68      Nos termos do artigo 44.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal da Função Pública:

«Quando o Tribunal [da Função Pública] for chamado a verificar, em relação a uma ou mais partes, o carácter confidencial de um documento que possa ser pertinente para decidir um litígio, esse documento não é comunicado às partes antes de essa verificação terminar. O Tribunal [da Função Pública] pode pedir a apresentação do referido documento mediante despacho.»

69      Uma disposição análoga encontra‑se no artigo 67.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, com excepção da menção a uma actuação mediante despacho, que seria supérflua, na medida em que o dito regulamento prevê já, no artigo 66.°, n.° 1, segundo parágrafo, que estas medidas são tomadas mediante despacho.

70      Donde resulta que, no artigo 44.°, n.° 2, do seu Regulamento de Processo, o Tribunal da Função Pública dispõe de um instrumento para responder às situações, como a do caso em apreço, nas quais uma das partes pretende que não sejam transmitidas as informações confidenciais que constam dos documentos que foi chamada a apresentar, por aplicação do princípio do contraditório, à parte contrária.

71      Com efeito, esta disposição permite ordenar, mediante despacho, a apresentação de documentos alegadamente confidenciais, não deixando, porém, de obrigar o Tribunal da Função Pública a verificar se a parte que alega o carácter confidencial dos mesmos tem fundamentos para se opor à sua comunicação à parte contrária, devendo a decisão final ser tomada pelo juiz.

72      Donde decorre que, apesar das diferenças existentes entre o Regulamento de Processo do Tribunal Geral e o do Tribunal da Função Pública, não deixa de ser possível a este último seguir o mesmo procedimento que é seguido pelo Tribunal Geral, em conformidade com o qual, quando uma parte informe ao juiz que entende não se encontrar na posição de poder dar cumprimento às medidas de organização do processo, posto que determinados documentos solicitados são confidenciais, este pode adoptar um despacho que ordene a essa parte a apresentação dos documentos em causa, devendo, porém, prever que não serão transmitidos à parte contrária nessa fase (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 8 de Julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão, T‑48/05, Colect., p. II‑1585, n.os 54 e 55, e de 18 de Março de 2009, Shanghai Excell M & E Enterprise e Shanghai Adeptech Precision/Conselho, T‑299/05, ainda não publicado na Colectânea, n.os 24 a 26).

73      A este respeito, deve, é certo, observar‑se que nem o Estatuto do Tribunal de Justiça nem o Regulamento de Processo do Tribunal da Função Pública, à semelhança, aliás, dos Regulamentos de Processo do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral, prevêem a possibilidade de aplicar uma sanção no caso de não cumprimento de tal despacho, sendo a única reacção possível face a tal recusa a de que o órgão jurisdicional daí retire as consequências na decisão que ponha termo à instância (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Junho de 1980, M./Comissão, 155/78, Recueil, p. 1797, n.os 20 e 21), o que foi feito pelo Tribunal da Função Pública no acórdão recorrido.

74      Mas é também certo que, antes de poder proceder desse modo, o Tribunal da Função Pública estava obrigado a esgotar todos os instrumentos à sua disposição para obter a apresentação dos documentos em causa. Tanto mais quanto a Comissão, além dos argumentos relativos à alegada falta de relevância destes documentos, tinha claramente fundamentado a sua recusa de comunicação, invocando o seu carácter confidencial.

75      Embora incumbisse ao Tribunal da Função Pública, e não à Comissão, verificar se este carácter confidencial se opunha verdadeiramente a que os documentos em causa fossem juntos aos autos e comunicados à outra parte, também é certo que o Tribunal da Função Pública deveria ter aplicado a disposição do seu Regulamento de Processo prevista para esse efeito.

76      Assim, a Comissão podia licitamente insistir, no Tribunal da Função Pública, no carácter alegadamente confidencial dos documentos que lhe tinham sido pedidos. Em tais circunstâncias, o Tribunal da Função Pública deveria ter recorrido à disposição do seu Regulamento de Processo que lhe permite, eventualmente, ter em conta o referido carácter confidencial e adoptar, sendo caso disso, as medidas adequadas para garantir a sua protecção.

77      Por outro lado, o facto de a Comissão, tal como ela própria admitiu na audiência no Tribunal Geral em resposta a uma pergunta que lhe foi colocada, nunca ter feito expressamente referência, em primeira instância, ao artigo 44.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal da Função Pública é irrelevante, tendo esse Tribunal o dever de escolher, por iniciativa própria, o instrumento processual adequado para completar devidamente a instrução dos autos. Ora, no caso presente, tal como a Comissão igualmente afirmou na referida audiência sem ser contradita por S. Meierhofer, o artigo antes referido do Regulamento de Processo do Tribunal da Função Pública permite a adopção de um despacho que ordene a apresentação de um documento alegadamente confidencial.

78      À luz das precedentes considerações, há que julgar procedente o terceiro fundamento do presente recurso e, com base em tal, anular o acórdão recorrido, sem que seja necessário apreciar os outros dois fundamentos deste recurso.

 Quanto à remessa do processo ao Tribunal da Função Pública

79      Nos termos do artigo 13.°, n.° 1, do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal Geral anula a decisão do Tribunal da Função Pública e decide do litígio. Remete o processo para o Tribunal da Função Pública se não estiver em condições de ser julgado.

80      No presente caso, tendo o Tribunal da Função Pública decidido unicamente do mérito de um dos fundamentos invocados por S. Meierhofer, o Tribunal Geral considera que o presente litígio não está em condições de ser julgado. Por conseguinte, há que remeter o processo ao Tribunal da Função Pública.

81      Sendo o processo remetido ao Tribunal da Função Pública, importa reservar para final a decisão quanto às despesas do presente recurso.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública)

decide:

1)      O acórdão o Tribunal da Função Pública da União Europeia (Primeira Secção) de 14 de Outubro de 2008, Meierhofer/Comissão (F‑74/07, ainda não publicado na Colectânea), é anulado.

2)      O processo é remetido ao Tribunal da Função Pública.

3)      Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

Jaeger

Meij

Vilaras

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Maio de 2010.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.