Palavras-chave
Sumário

Palavras-chave

1. Acção por incumprimento – Prova do incumprimento – Ónus da prova a cargo da Comissão

(Artigo 226.° CE)

2. Acção por incumprimento – Objecto do litígio – Determinação durante o procedimento pré‑contencioso

(Artigo 226.° CE)

3. Livre circulação de capitais – Restrições – Regulamentação nacional que institui a favor do Estado privilégios na gestão de empresas privatizadas

(Artigo 56.°, n.° 1, CE e 58.° CE)

Sumário

1. Quando a Comissão não juntou à petição o texto integral da legislação nacional objecto de uma acção por incumprimento, mas que, tanto na petição como no parecer fundamentado junto a esta, reproduziu e explicou, por diversas ocasiões, o teor das disposições da referida regulamentação na qual fundou a sua acção por incumprimento, e que, na sequência de um pedido expresso do Tribunal de Justiça, permitiu constatar a veracidade das alegações da Comissão quanto ao conteúdo das disposições da referida regulamentação, não se pode considerar que a Comissão se baseou em simples presunções sem apresentar os elementos de prova necessários para permitir ao Tribunal de Justiça apreciar o incumprimento imputado ao Estado‑Membro em causa. Por conseguinte, esta acção é admissível.

(cf. n. os  20, 22‑24)

2. O objecto de uma acção por incumprimento intentada nos termos do artigo 226.° CE é delimitado no parecer fundamentado da Comissão, de forma que a acção deve basear‑se nos mesmos fundamentos e argumentos deste parecer. No entanto, esta exigência não pode ir ao ponto de impor, em todos os casos, a coincidência perfeita entre o enunciado das acusações no dispositivo do parecer fundamentado e os pedidos formulados na petição, quando o objecto do litígio, tal como definido no parecer fundamentado, não tenha sido ampliado ou alterado. O facto de a Comissão ter indicado pormenorizadamente na petição as acusações que já tinha invocado em termos mais genéricos na notificação para cumprir e no parecer fundamentado, fazendo referência a outros direitos especiais detidos por um Estado‑Membro numa sociedade privatizada, não alterou o objecto do incumprimento alegado e, por conseguinte, não tem qualquer incidência no alcance do litígio.

(cf. n. os  25‑26, 29)

3. Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 56.° CE o Estado‑Membro que mantém numa sociedade gestora de participações sociais, criada no seguimento da fusão de várias empresas de capital exclusivamente público, direitos especiais a favor deste Estado e de outras entidades públicas, atribuídos em conexão com acções privilegiadas («golden shares») do Estado nesta sociedade, direitos especiais relativos à eleição de um terço do número total de administradores, à eleição de um número determinado de membros da comissão executiva escolhida de entre os membros do conselho de administração, à nomeação de pelo menos um dos administradores eleitos para se ocupar de certas matérias de administração, à adopção das deliberações da assembleia‑geral relativas:

– à aplicação dos resultados do exercício;

– às alterações dos estatutos e aumentos de capital;

– à limitação ou supressão do direito de preferência;

– à fixação de parâmetros para aumentos de capital;

– à emissão de obrigações ou outros valores mobiliários e à fixação do valor daquelas que o conselho de administração pode autorizar, bem como à limitação ou supressão do direito de preferência na emissão de obrigações convertíveis em acções e à fixação de parâmetros para emissões pelo conselho de administração de obrigações dessa natureza;

– à deslocação da sede para qualquer local do território nacional;

– à autorização da titularidade por accionistas que exerçam actividade concorrente com a actividade desenvolvida pelas sociedades controladas por esta sociedade, de acções ordinárias representativas de mais de 10% do capital social;

bem como à adopção de deliberações de aprovação dos objectivos gerais e dos princípios fundamentais das políticas desta sociedade, de definição dos princípios gerais de política de participações em sociedades ou agrupamentos e de aquisições e alienações, quando é exigível a aprovação prévia da assembleia‑geral.

Com efeito, a detenção pelo Estado destas acções privilegiadas, na medida em que confere a esse Estado uma influência na gestão da sociedade não justificada pela amplitude da participação que detém nesta sociedade, é susceptível de desencorajar os operadores de outros Estados‑Membros de efectuar investimentos directos nesta sociedade, na medida em que não podem concorrer na gestão e no controlo desta sociedade na proporção do valor das suas participações.

De igual modo, a detenção das acções específicas pode ter um efeito dissuasivo nos investimentos de carteira na sociedade na medida em que uma eventual recusa do Estado em causa de aprovar uma decisão importante, apresentada pelos órgãos da sociedade em causa como sendo do interesse desta, pode, com efeito, pesar sobre o valor das acções da referida sociedade e, por conseguinte, sobre a atractividade de um investimento nessas acções.

No que diz respeito às derrogações autorizadas pelo artigo 58.º CE, as exigências de segurança pública devem, nomeadamente enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, ser interpretadas em sentido estrito, de modo que o seu âmbito não pode ser determinado unilateralmente por cada Estado‑Membro sem fiscalização das instituições da União Europeia. Assim, a segurança pública apenas pode ser invocada em caso de ameaça real e suficientemente grave, que afecte um interesse fundamental da sociedade.

Por fim, no que se refere à proporcionalidade da restrição em questão, a incerteza criada pelo facto de nem uma lei nacional nem os estatutos da sociedade em causa estabelecerem critérios quanto às circunstâncias em que os referidos poderes especiais podem ser exercidos, constitui uma violação grave da liberdade de circulação de capitais, na medida em que confere às autoridades nacionais, no que diz respeito ao exercício de tais poderes, uma margem de apreciação tão discricionária que não pode ser considerada proporcionada aos objectivos prosseguidos.

(cf. n. os  6‑7, 60‑61, 72‑78 e disp.)