Processos apensos C‑570/07 e C‑571/07
José Manuel Blanco Pérez
e
María del Pilar Chao Gómez
contra
Consejería de Salud y Servicios Sanitarios
e
Principado de Asturias
(pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Tribunal Superior de Justicia de Asturias)
«Artigo 49.° TFUE – Directiva 2005/36/CE – Liberdade de estabelecimento – Saúde pública – Farmácias – Proximidade – Fornecimento de medicamentos à população – Autorização de exploração – Repartição territorial das farmácias – Instituição de limites assentes num critério de densidade demográfica – Distância mínima entre as farmácias – Candidatos que exerceram a actividade profissional numa parte do território nacional – Prioridade – Discriminação»
Sumário do acórdão
1. Liberdade de estabelecimento – Restrições – Legislação nacional que exige uma autorização administrativa prévia para a abertura de novas farmácias numa determinada região
(Artigo 49.° TFUE)
2. Liberdade de estabelecimento – Restrições – Legislação nacional que exige uma autorização administrativa prévia para a abertura de novas farmácias numa determinada região
[Artigo 49.° TFUE; Directiva 85/432 do Conselho, artigo 1.°, n.os 1 e 2; Directiva 2005/36 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 45.°, n.° 2, alíneas e) e g)]
1. O artigo 49.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que, em princípio, não se opõe a uma legislação nacional, como a em causa nos processos principais, que impõe limites à emissão de autorizações para o estabelecimento de novas farmácias, estipulando que:
- em cada zona farmacêutica, em princípio, só pode ser criada uma nova farmácia por módulo de 2 800 habitantes;
- só pode ser criada uma farmácia adicional quando seja ultrapassado este limiar, sendo essa farmácia criada para uma fracção superior a 2 000 habitantes; e
- cada farmácia deve respeitar uma distância mínima relativamente às farmácias já existentes, sendo essa distância, regra geral, de 250 metros.
Contudo, o artigo 49.° TFUE opõe‑se a essa legislação nacional na medida em que as regras de base de 2 800 habitantes ou de 250 metros impeçam, nas zonas geográficas com características demográficas particulares, a criação de um número suficiente de farmácias susceptível de assegurar uma assistência farmacêutica adequada, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar.
Com efeito, um Estado‑Membro pode entender que há um risco de penúria de farmácias em determinadas partes do seu território e, consequentemente, de falta de fornecimento seguro e de qualidade de medicamentos, logo, pode aprovar, atendendo a esse risco, legislação que preveja que só pode ser criada uma farmácia relativamente a um determinado número de habitantes, de modo a repartir as farmácias de forma equilibrada no território nacional. Para determinar se a legislação nacional prossegue de forma coerente e sistemática o objectivo de assegurar um fornecimento seguro e de qualidade de medicamentos à população, compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se as autoridades competentes fizeram uso das medidas de ajustamento, previstas nessa legislação, que permitem: 1.º, atenuação das consequências da aplicação da regra de base de 2 800 habitantes, 2.º, autorizar, em função da concentração da população, uma distância inferior entre as farmácias e aumentar dessa forma o número de farmácias disponíveis nas zonas com forte concentração de população, e 3.º, interpretar a regra geral como uma regra que permite conceder uma autorização para a criação de uma farmácia a uma distância inferior a 250 metros não só em casos efectivamente excepcionais mas também cada vez que se verifica o risco de a aplicação estrita da regra geral de 250 metros não assegurar o acesso adequado a assistência farmacêutica em determinadas zonas geográficas de forte concentração demográfica.
Por outro lado, dado que, ao abrigo da margem de apreciação de que os Estados‑Membros beneficiam em matéria de protecção da saúde pública, um Estado‑Membro pode considerar que o sistema «de mínimos», que fixa um mínimo de farmácias em determinadas zonas geográficas, não permite alcançar, com a mesma eficácia que o sistema actual, o objectivo de assegurar um fornecimento seguro e de qualidade de medicamentos nas zonas pouco atractivas, não se pode considerar que a legislação nacional em causa tenha ultrapassado o necessário para alcançar o objectivo prosseguido.
(cf. n.os 75‑76, 78, 84, 95, 98, 100‑102, 105‑106, 112‑113, disp. 1)
2. O artigo 49.° TFUE, em conjugação com o artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Directiva 85/432, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a certas actividades do sector farmacêutico, e o artigo 45.°, n.° 2, alíneas e) e g), da Directiva 2005/36 relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais, deve ser interpretado no sentido de que se opõe aos critérios previstos num legislação nacional, de acordo com os quais são seleccionados os titulares de novas farmácias, e que estabelecem, em primeiro lugar, um acréscimo de 20% para os méritos profissionais relativos à actividade profissional obtidos numa determinada parte do território nacional e, em segundo lugar, que em caso de empate resultante da aplicação da tabela as autorizações são concedidas segundo uma ordem que dá prioridade aos farmacêuticos que tenham exercido a sua actividade profissional na referida parte do território nacional.
Com efeito, esses critérios são naturalmente mais fáceis de respeitar pelos farmacêuticos nacionais, que exercem a sua actividade mais frequentemente no território nacional, do que pelos farmacêuticos nacionais de outros Estados‑Membros, que exercem essa actividade mais frequentemente noutro Estado‑Membro.
(cf. n.os 21, 122‑125, disp. 2)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)
1 de Junho de 2010 (*)
«Artigo 49.° TFUE – Directiva 2005/36/CE – Liberdade de estabelecimento – Saúde pública – Farmácias – Proximidade – Fornecimento de medicamentos à população – Autorização de exploração – Repartição territorial das farmácias – Instituição de limites assentes num critério de densidade demográfica – Distância mínima entre as farmácias – Candidatos que exerceram a actividade profissional numa parte do território nacional – Prioridade – Discriminação»
Nos processos apensos C‑570/07 e C‑571/07,
que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentados pelo Tribunal Superior de Justicia de Asturias (Espanha), por decisões de 26 de Outubro e 22 de Outubro de 2007, entrados no Tribunal de Justiça em 24 de Dezembro e 27 de Dezembro de 2007, nos processos
José Manuel Blanco Pérez,
María del Pilar Chao Gómez
contra
Consejería de Salud y Servicios Sanitarios (C‑570/07),
Principado de Asturias (C‑571/07),
sendo intervenientes:
Federación Empresarial de Farmacéuticos Españoles (C‑570/07),
Plataforma para la Libre Apertura de Farmacias (C‑570/07),
Celso Fernández Gómez (C‑571/07),
Consejo General de Colegios Oficiales de Farmacéuticos de España,
Plataforma para la Defensa del Modelo Mediterráneo de Farmacias,
Muy Ilustre Colegio Oficial de Farmacéuticos de Valencia,
Asociación Nacional de Grandes Empresas de Distribución (ANGED)
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),
composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts e E. Levits, presidentes de secção, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, E. Juhász, G. Arestis, A. Borg Barthet, M. Ilešič, J. Malenovský (relator), U. Lõhmus, A. Ó Caoimh e L. Bay Larsen, juízes,
advogado‑geral: M. Poiares Maduro,
secretário: M. Ferreira, administradora principal,
vistos os autos e após a audiência de 19 de Maio de 2009,
vistas as observações apresentadas:
– em representação de J. M. Blanco Pérez, de M. P. Chao Gómez e da Plataforma para la Libre Apertura de Farmacias, por D. Cueva Díaz, abogado,
– em representação da Consejería de Salud y Servicios Sanitarios e do Principado de Asturias, por R. Paredes Ojanguren, abogado,
– em representação da Federación Empresarial de Farmacéuticos Españoles, por R. Ariño Sánchez, abogado,
– em representação do Consejo General de Colegios Oficiales de Farmacéuticos de España, por A. Garcia Castillo, C. Ruixo Claramunt, M. Troncoso Ferrer e I. Igartua Arregui, abogados,
– em representação da Plataforma para la Defensa del Modelo Mediterráneo de Farmacias e do Muy Ilustre Colegio Oficial de Farmacéuticos de Valencia, por E. Navarro Varona e E. Garcia Aguado, abogados,
– em representação da Asociación Nacional de Grandes Empresas de Distribución (ANGED), por J. Pérez‑Bustamante Köster, abogado,
– em representação do Governo espanhol, por J. M. Rodríguez Cárcamo, na qualidade de agente,
– em representação do Governo belga, por L. Van den Broeck, na qualidade de agente,
– em representação do Governo helénico, por K. Georgiadis, S. Alexandridou e V. Karra, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo francês, por G. de Bergues e B. Messmer, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. Fiengo, avvocato dello Stato,
– em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer e T. Kröll, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e A. P. Antunes, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo eslovaco, por J. Čorba, na qualidade de agente,
– em representação da Comissão Europeia, por E. Traversa, R. Vidal Puig e G. Luengo, na qualidade de agentes,
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 30 de Setembro de 2009,
profere o presente
Acórdão
1 Os pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a interpretação do artigo 49.° TFUE.
2 Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem J. M. Blanco Pérez e M. P. Chao Gómez à Consejería de Salud y Servicios Sanitarios (Autoridade da Saúde e dos Serviços Sanitários) (C‑570/07) e ao Principado de Asturias (C‑571/07), relativamente a um concurso para emissão de autorizações para o estabelecimento de novas farmácias na Comunidade Autónoma das Astúrias.
Quadro jurídico
Regulamentação da União
3 Nos termos do vigésimo sexto considerando da Directiva 2005/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais (JO L 253, p. 34), que reproduz, no essencial, o segundo considerando da Directiva 85/432/CEE do Conselho, de 16 de Setembro de 1985, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a certas actividades do sector farmacêutico (JO L 253, p. 34; EE 06 F3 p. 25):
«A presente directiva não assegura a coordenação de todas as condições de acesso às actividades do domínio farmacêutico e do seu exercício. Nomeadamente, a repartição geográfica das farmácias e o monopólio de distribuição de medicamentos devem continuar a ser matéria da competência dos Estados‑Membros. A presente directiva em nada altera as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros que proíbem às sociedades o exercício de determinadas actividades de farmácia ou o sujeitam a determinadas condições.»
4 O artigo 1.° desta directiva dispõe:
«A presente directiva estabelece as regras segundo as quais um Estado‑Membro que subordina o acesso a uma profissão regulamentada ou o respectivo exercício no seu território à posse de determinadas qualificações profissionais […] reconhece, para o acesso a essa profissão e para o seu exercício, as qualificações profissionais adquiridas noutro ou em vários outros Estados‑Membros […] que permitem ao seu titular nele exercer a mesma profissão.»
5 O artigo 45.° da referida directiva, sob a epígrafe «Exercício das actividades profissionais de farmacêutico», dispõe:
«1. Para efeitos da presente directiva, as actividades de farmacêutico são as actividades cujo acesso e exercício estejam sujeitos, num ou mais Estados‑Membros, a condições de qualificação profissional e possam ser executadas pelos titulares de um dos títulos de formação enumerados no ponto 5.6.2 do anexo V.
2. Os Estados‑Membros assegurarão que os titulares de um título de formação em farmácia, de nível universitário ou reconhecido como equivalente, que satisfaça as condições do artigo 44.°, estejam habilitados, pelo menos, para o acesso e o exercício das actividades seguintes, sob reserva, se for caso disso, da exigência de experiência profissional complementar:
a) Preparação da forma farmacêutica dos medicamentos;
b) Fabrico e controlo de medicamentos;
c) Controlo de medicamentos num laboratório de ensaio de medicamentos;
d) Armazenamento, conservação e distribuição de medicamentos na fase do comércio por grosso;
e) Preparação, ensaio, armazenamento e distribuição de medicamentos em farmácias abertas ao público;
f) Preparação, ensaio, armazenamento e distribuição de medicamentos em hospitais;
g) Difusão de informações e conselhos sobre medicamentos.
[…]
5. Quando, à data de 16 de Setembro de 1985, um Estado‑Membro tiver realizado um concurso de prestação de provas destinado a seleccionar, de entre os titulares referidos no n.° 2, aqueles que seriam designados para se tornarem titulares das novas farmácias cuja criação tenha sido decidida no âmbito de um sistema nacional de repartição geográfica, esse Estado‑Membro pode, em derrogação do n.° 1, manter tal concurso e a ele sujeitar os nacionais dos Estados‑Membros que possuam um dos títulos de formação de farmacêutico referidos no ponto 5.6.2 do anexo V ou que beneficiem do disposto no artigo 23.° [relativo aos direitos adquiridos].»
6 Os n.os 2 e 5 do artigo 45.° da Directiva 2005/36 reproduzem, no essencial, os n.os 1 a 3 do artigo 1.° da Directiva 85/432.
Legislação nacional
7 Resulta do artigo 103.°, n.° 3, da Lei geral 14/1986 sobre a saúde (Ley General de Sanidad 14/1986), de 25 de Abril de 1986 (BOE n.° 102, de 29 de Abril de 1986, p. 15207), que as farmácias estão sujeitas à planificação sanitária nas condições definidas pela legislação especial sobre os medicamentos e as farmácias.
8 O artigo 2.° da Lei 16/1997 relativa à regulação das farmácias (Ley de Regulación de los Servicios de las Oficinas de Farmacia 16/1997), de 25 de Abril de 1997 (BOE n.° 100, de 26 de Abril de 1997, p. 13450), prevê:
«1. [A] fim de organizar a assistência farmacêutica à população, as Comunidades Autónomas, às quais compete assegurar a referida assistência, fixam os critérios específicos de planificação para a autorização das farmácias.
[…]
2. A planificação das farmácias é efectuada tendo em atenção a densidade demográfica, as características geográficas e a dispersão da população, com vista a garantir a acessibilidade e a qualidade do serviço e um suficiente fornecimento de medicamentos de acordo com necessidades sanitárias de cada território.
O ordenamento territorial destes estabelecimentos é realizado com base em módulos de população e na distância entre as farmácias, determinados pelas Comunidades Autónomas, em conformidade com os critérios gerais acima mencionados. Em qualquer caso, as normas de ordenamento do território devem garantir uma assistência farmacêutica adequada a toda a população.
3. O módulo de população mínimo para permitir a abertura de farmácias é, em regra, de 2 800 habitantes por estabelecimento. Em função da concentração da população, as Comunidades Autónomas podem estabelecer módulos de população superiores, não podendo ultrapassar o limite de 4 000 habitantes por farmácia. Quando se ultrapasse estas proporções, pode ser criada uma nova farmácia para uma fracção superior a 2 000 habitantes.
Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, as Comunidades Autónomas podem fixar módulos de população inferiores para as zonas rurais, turísticas, de montanha ou para as zonas nas quais, em razão das suas características geográficas, demográficas ou sanitárias, a aplicação dos critérios gerais não permita assegurar a assistência farmacêutica.
4. A distância mínima entre as farmácias, atendendo a critérios geográficos e de dispersão da população, deve ser, em geral, de 250 metros. Em função da concentração da população, as Comunidades Autónomas podem autorizar distâncias inferiores; de qualquer modo, as Comunidades Autónomas podem estabelecer restrições à instalação de farmácias na proximidade dos centros de saúde.»
9 Em execução desta legislação, a Comunidade Autónoma das Astúrias aprovou o Decreto 72/2001 relativo às farmácias e postos farmacêuticos do Principado das Astúrias (Decreto 72/2001 regulador de las oficinas de farmacia y botiquines en el Principado de Asturias), de 19 de Julho de 2001 (BOPA n.° 175, de 28 de Julho de 2001, p. 10135).
10 O artigo 1.°, n.° 1, primeiro parágrafo, deste decreto prevê:
«O território da Comunidade Autónoma é dividido em zonas farmacêuticas que coincidem, regra geral, com as zonas de base do sistema de saúde estabelecidas no âmbito da planificação sanitária do Principado das Astúrias.»
11 Segundo as indicações dadas pela Consejería de Salud y Servicios Sanitarios e pelo Principado de Asturias, a Comunidade Autónoma das Astúrias está dividida em 68 zonas de base do sistema de saúde que coincidem, regra geral, com zonas farmacêuticas.
12 O artigo 2.° deste mesmo decreto enuncia:
«1. Em cada zona farmacêutica, o número de farmácias deve corresponder ao módulo de população de 2 800 habitantes por farmácia. Quando se ultrapasse esta proporção pode ser criada uma nova farmácia para uma fracção superior a 2 000 habitantes.
2. Em todas as zonas de base do sistema de saúde e em todos os concelhos pode existir pelo menos uma farmácia.»
13 O artigo 3.° do Decreto 72/2001 prevê:
«Para efeitos do presente decreto, o cálculo da população deve ser feito com base nos dados resultantes da última revisão do recenseamento do município.»
14 O artigo 4.° deste decreto dispõe:
«1. A distância mínima entre as instalações das farmácias deve ser, em geral, de 250 metros, independentemente da zona farmacêutica a que pertençam.
2. Esta distância mínima de 250 metros deve ser observada também em relação aos centros de saúde de qualquer zona farmacêutica, sejam estes públicos ou privados com convenção de assistência extra‑hospitalar ou hospitalar, com realização de consultas externas ou dotados de serviços de urgência, e quer estes estejam em funcionamento ou em fase de construção.
Este requisito de distância em relação aos centros de saúde não é aplicável nas zonas farmacêuticas com uma única farmácia nem nas localidades que contem actualmente com uma única farmácia e em relação às quais não seja previsível, dadas as suas características, a abertura de novas farmácias.
[…]»
15 O procedimento de concessão de autorização de abertura rege‑se pelos artigos 6.° a 17.° do Decreto 72/2001.
16 Segundo estes preceitos, a Comunidade Autónoma das Astúrias é obrigada a abrir oficiosamente, pelo menos uma vez por ano, um procedimento para emissão de autorizações para o estabelecimento de novas farmácias, para levar em conta a evolução da densidade demográfica.
17 O aviso de abertura do concurso indica a zona farmacêutica e, se for caso disso, o município e a localidade da instalação da farmácia. Após a publicação do aviso, os farmacêuticos interessados apresentam os seus requerimentos e os documentos comprovativos dos seus méritos. Em seguida, uma comissão composta por membros da administração, da ordem profissional e das associações profissionais reúne‑se para avaliar os méritos dos candidatos.
18 Após a concessão da autorização, o farmacêutico adjudicatário é obrigado a indicar o local em que exercerá a sua actividade. As autoridades competentes verificam se os critérios de planificação territorial impostos pela legislação são respeitados.
19 Em seguida, o Decreto 72/2001 estabelece, num anexo, uma tabela de méritos que indica os critérios com base nos quais são avaliados, no procedimento supramencionado, os candidatos que requereram a atribuição da titularidade de uma nova farmácia.
20 A tabela de méritos avalia os candidatos, nomeadamente, em função da sua formação, da sua experiência profissional e da sua experiência académica.
21 O Decreto 72/2001 prevê ainda, nos pontos 4 a 7 desse anexo:
«4. A experiência profissional como farmacêutico titular ou co‑titular de uma farmácia ou qualquer outro tipo de méritos não são tidos em conta quando tenham servido anteriormente para obter uma autorização de instalação.
[…]
6. Os méritos profissionais relativos à actividade profissional obtidos no Principado das Astúrias são calculados com um acréscimo de 20%.
7. Em caso de empate resultante da aplicação da tabela, as autorizações são concedidas em conformidade com a seguinte ordem de prioridade:
a) farmacêuticos que não tenham sido titulares de farmácias;
b) farmacêuticos que tenham sido titulares de farmácias em zona farmacêutica ou município de população inferior a 2 800 habitantes;
c) farmacêuticos que tenham exercido a sua actividade profissional no Principado das Astúrias;
[…]»
Litígios nos processos principais e questões prejudiciais
22 Em 2002, a Comunidade Autónoma das Astúrias decidiu abrir, em consonância com os artigos 6.° a 17.° do Decreto 72/2001, um procedimento para conceder autorizações de instalação de novas farmácias.
23 A Consejería de Salud y Servicios Sanitarios tomou, em 14 de Junho de 2002, a decisão de abrir um concurso para emissão de autorizações para o estabelecimento de farmácias na Comunidade Autónoma das Astúrias (BOPA n.° 145, de 24 de Junho de 2002, p. 8145, a seguir «decisão de 14 de Junho de 2002»).
24 As regras do concurso previam a abertura de 24 novas farmácias em função, nomeadamente, da densidade demográfica, da dispersão da população, da distância entre as farmácias e dos grupos populacionais mínimos.
25 Os recorrentes nos processos principais, farmacêuticos diplomados, pretendiam abrir uma nova farmácia na Comunidade Autónoma das Astúrias, sem terem de se sujeitar ao regime de planificação territorial decorrente do Decreto 72/2001.
26 Consequentemente, no âmbito do primeiro processo principal, impugnaram judicialmente a decisão de 14 de Junho de 2002, bem como a do Consejo de Gobierno del Principado de Astúrias, de 10 de Outubro de 2002, que confirmou a decisão anterior.
27 No segundo processo principal, estes mesmos recorrentes interpuseram no Tribunal Superior de Justicia de Asturias um recurso em que impugnam a decisão implícita sobre a reclamação apresentada contra o Decreto 72/2001, especialmente contra os seus artigos 2.°, 4.°, 6.° e 10.°, e contra o seu anexo relativo à tabela de méritos.
28 Nestes dois processos, os referidos recorrentes contestaram a legalidade das decisões supramencionadas e do Decreto 72/2001, com o fundamento de que têm o efeito de impedir o acesso dos farmacêuticos às novas farmácias na Comunidade Autónoma das Astúrias. Em sua opinião, o decreto prevê critérios inadmissíveis para a selecção de titulares de novas farmácias.
29 Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se o regime previsto pelo Decreto 72/2001 constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento incompatível com o artigo 49.° TFUE.
30 Nestas circunstâncias, o Tribunal Superior de Justicia de Asturias decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial no processo C‑570/07:
«O artigo [49.° TFUE] opõe‑se ao disposto nos artigos 2.°, 3.° e 4.° do [Decreto 72/2001] e nos pontos 4, 6 e 7 do anexo do referido decreto?»
31 No processo C‑571/07, o Tribunal Superior de Justicia de Asturias decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«O artigo [49.° TFUE] opõe‑se ao disposto na legislação da Comunidade Autónoma […] das Astúrias relativamente à autorização de instalação de farmácias?»
32 Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 28 de Fevereiro de 2008, os processos C‑570/07 e C‑571/07 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.
Quanto à admissibilidade
33 O Consejo General de Colegios Oficiales de Farmacéuticos de España assim como os Governos espanhol, helénico, francês e italiano contestam a admissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial.
34 Alegam, em primeiro lugar, que o órgão jurisdicional de reenvio não fornece nenhum esclarecimento sobre a situação fáctica dos recorrentes nos processos principais. Alegam, em seguida, que o mesmo não indica claramente as disposições nacionais em causa nem explica suficientemente os motivos que o levaram a interrogar‑se sobre a compatibilidade dessas disposições com o artigo 49.° TFUE. Sustentam, por último, que as questões submetidas são hipotéticas, pois os litígios nos processos principais envolvem dois nacionais espanhóis. Na falta de um elemento transfronteiriço, essas questões não apresentam, pois, nenhum nexo com o direito da União.
35 A este respeito, importa recordar que compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais chamados a conhecer do litígio e que devem assumir a responsabilidade pela decisão judicial a proferir apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que colocam ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões tenham por objecto a interpretação do direito da União, o Tribunal é, em princípio, obrigado a decidir (v., neste sentido, acórdãos de 13 de Março de 2001, PreussenElektra, C‑379/98, Colect., p. I‑2099, n.° 38, e de 10 de Março de 2009, Hartlauer, C‑169/07, Colect., p. I‑1721, n.° 24).
36 Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar‑se a responder a uma questão submetida à sua apreciação por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não disponha dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe foram submetidas (v., neste sentido, acórdãos de 5 de Dezembro de 2006, Cipolla e o., C‑94/04 e C‑202/04, Colect., p. I‑11421, n.° 25, e de 7 de Junho de 2007, van der Weerd e o., C‑222/05 a C‑225/05, Colect., p. I‑4233, n.° 22).
37 Em face desta jurisprudência, há que observar em primeiro lugar que, nas decisões de reenvio, o órgão jurisdicional nacional fundamentou a sua decisão de que era necessário submeter questões prejudiciais, sublinhando que a legalidade das normas em causa nos processos principais depende da interpretação que o Tribunal de Justiça vier a dar ao artigo 49.° TFUE.
38 Em segundo lugar, não é manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tenha nenhuma relação com a realidade ou com o objecto dos litígios nos processos principais ou que o problema seja de natureza hipotética.
39 É certo que é ponto assente que os recorrentes nos processos principais são de nacionalidade espanhola e que todos os elementos dos litígios nos processos principais estão circunscritos ao interior de um único Estado‑Membro. Contudo, como resulta da jurisprudência, mesmo nestas circunstâncias a resposta do Tribunal pode ser útil ao órgão jurisdicional de reenvio, designadamente no caso de o direito nacional impor que um cidadão espanhol beneficie dos mesmos direitos que os que um cidadão de outro Estado‑Membro diferente do Reino de Espanha extrairia do direito da União na mesma situação (v., designadamente, acórdãos de 30 de Março de 2006, Servizi Ausiliari Dottori Commercialisti, C‑451/03, Colect., p. I‑2941, n.° 29, e Cipolla e o., já referido, n.° 30).
40 Além disso, embora uma legislação nacional como a em causa nos processos principais – que é indistintamente aplicável aos nacionais espanhóis e aos nacionais de outros Estados‑Membros –, regra geral, só seja susceptível de ser abrangida pelas disposições relativas às liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado na medida em que seja aplicável a situações que tenham um nexo com as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, não se pode excluir de modo algum que nacionais estabelecidos em Estados‑Membros diferentes do Reino de Espanha tenham estado ou estejam interessados em explorar farmácias na Comunidade Autónoma das Astúrias (v., nesse sentido, acórdão de 11 de Março de 2010, Attanasio Group, C‑384/08, ainda não publicado na Colectânea, n.os 23, 24 e jurisprudência referida).
41 Em terceiro lugar, importa observar que as decisões de reenvio descrevem suficientemente o quadro jurídico e factual dos litígios nos processos principais e que as indicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio permitem determinar o alcance das questões submetidas. Assim, essas decisões deram às partes a efectiva possibilidade de apresentar observações nos termos do artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, como o comprova, aliás, o conteúdo das observações apresentadas nos presentes processos.
42 Nestas condições, os pedidos de decisão prejudicial devem ser julgados admissíveis.
Quanto ao mérito
Observações preliminares
43 Em primeiro lugar, importa recordar que, nos termos do artigo 168.°, n.° 7, TFUE, tal como é precisado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça e pelo vigésimo sexto considerando da Directiva 2005/36, o direito da União não afecta a competência dos Estados‑Membros para regularem os seus sistemas de segurança social e para adoptarem, em particular, disposições destinadas a organizar serviços de saúde como os estabelecimentos farmacêuticos. Contudo, no exercício desta competência, os Estados‑Membros devem respeitar o direito da União, designadamente as disposições do Tratado relativas às liberdades fundamentais, disposições essas que comportam a proibição de os Estados‑Membros introduzirem ou manterem restrições injustificadas ao exercício dessas liberdades no domínio dos cuidados da saúde (v., neste sentido, acórdãos Hartlauer, já referido, n.° 29; de 19 de Maio de 2009, Comissão/Itália, C‑531/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 35; e Apothekerkammer des Saarlandes e o., C‑171/07 e C‑172/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 18).
44 Assim sendo, na apreciação do respeito desta obrigação, importa ter em conta que a saúde e a vida das pessoas ocupam o primeiro lugar entre os bens e interesses protegidos pelo Tratado e que cabe aos Estados‑Membros decidir o nível a que pretendem assegurar a protecção da saúde pública, bem como o modo como esse nível deve ser alcançado. Dado que o mesmo pode variar de um Estado‑Membro para outro, há que reconhecer aos Estados‑Membros uma margem de apreciação (v., neste sentido, acórdãos de 11 de Setembro de 2008, Comissão/Alemanha, C‑141/07, Colect., p. I‑6935, n.° 51, e Apothekerkammer des Saarlandes e o., já referido, n.° 19).
45 Em segundo lugar, refira‑se que nem a Directiva 2005/36 nem nenhum outro diploma de aplicação das liberdades fundamentais prevêem regras de acesso às actividades do sector farmacêutico destinadas a fixar as condições em que podem ser criadas novas farmácias no território dos Estados‑Membros.
46 É certo que o artigo 45.°, n.° 5, da Directiva 2005/36 prevê que, quando, à data de 16 de Setembro de 1985, um Estado‑Membro tiver realizado um concurso de prestação de provas destinado a seleccionar os farmacêuticos que serão designados para se tornarem titulares das novas farmácias cuja criação tenha sido decidida no âmbito de um sistema nacional de repartição geográfica, o referido Estado‑Membro pode manter tal concurso e a ele sujeitar também os nacionais dos outros Estados‑Membros.
47 Ora, quanto a este aspecto, é pacífico que, nessa data, existia semelhante concurso em Espanha e que o procedimento em causa nos processos principais corresponde a esse concurso. Consequentemente, o Estado‑Membro em questão pode manter esse procedimento e a ele sujeitar todos os farmacêuticos, desde que as regras atinentes ao mesmo estejam em conformidade com o direito da União.
48 Por conseguinte, daqui não se conclui que as regras que disciplinam o procedimento em causa se subtraem às disposições do Tratado no que respeita às exigências relativas à repartição territorial das farmácias, dado este elemento continuar fora do âmbito de aplicação da Directiva 2005/36.
49 Com efeito, a directiva em causa tem como objectivo, de acordo com o seu artigo 1.°, estabelecer regras sobre o reconhecimento das qualificações profissionais, com vista a permitir aos titulares dessas qualificações exercer uma profissão regulamentada, por conta própria ou por conta de outrem. Em contrapartida, a directiva não inclui regras sobre o estabelecimento de farmácias, nem sobre as condições para a respectiva exploração, nem, mais precisamente, sobre a respectiva repartição territorial.
50 Aliás, esta observação é corroborada pelo vigésimo sexto considerando da Directiva 2005/36, nos termos do qual esta última não assegura a coordenação de todas as condições de acesso às actividades do domínio farmacêutico, pelo que, em especial, a repartição das farmácias no território continua a ser da competência dos Estados‑Membros.
51 Nestas condições, as regras de direito interno em causa, relativas à repartição territorial, devem ser apreciadas à luz das disposições do Tratado, nomeadamente do seu artigo 49.°
Quanto à primeira parte das questões prejudiciais, relativa às condições principais atinentes à densidade demográfica e à distância mínima entre as farmácias
52 Na primeira parte das suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 49.° TFUE se opõe a uma legislação nacional, como a em causa nos processos principais, que impõe limites à emissão de autorizações para o estabelecimento de novas farmácias, estipulando que:
– em cada zona farmacêutica, em princípio, só pode ser criada uma nova farmácia por módulo de 2 800 habitantes;
– só pode ser criada uma farmácia adicional quando seja ultrapassado este limiar, sendo essa farmácia criada para uma fracção superior a 2 000 habitantes; e
– cada farmácia deve respeitar uma distância mínima relativamente às farmácias já existentes, sendo essa distância, regra geral, de 250 metros.
Quanto à existência de uma restrição à liberdade de estabelecimento
53 Segundo jurisprudência assente, constitui uma restrição ao artigo 49.° TFUE qualquer medida nacional que, embora aplicável sem discriminação em razão da nacionalidade, seja susceptível de afectar ou de tornar menos atractivo o exercício, pelos nacionais da União, da liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado (v., neste sentido, acórdãos de 14 de Outubro de 2004, Comissão/Países Baixos, C‑299/02, Colect., p. I‑9761, n.° 15, e de 21 de Abril de 2005, Comissão/Grécia, C‑140/03, Colect., p. I‑3177, n.° 27).
54 Pertence a esta categoria, em especial, uma legislação nacional que subordina o estabelecimento de uma empresa de outro Estado‑Membro à concessão de uma autorização prévia, uma vez que esta é susceptível de perturbar o exercício, por essa empresa, da liberdade de estabelecimento, impedindo‑a de exercer livremente as suas actividades por intermédio de um estabelecimento estável. Com efeito, a referida empresa corre o risco, por um lado, de suportar os encargos administrativos e financeiros suplementares que a concessão de tal autorização implica. Por outro, o sistema de autorização prévia exclui do exercício de uma actividade por conta própria os operadores económicos que não cumprem certas exigências antecipadamente determinadas, cuja observância condiciona a concessão da autorização (v., neste sentido, acórdão Hartlauer, já referido, n.os 34 e 35).
55 Por outro lado, uma legislação nacional constitui uma restrição quando subordina o exercício de uma actividade a uma condição atinente às necessidades económicas ou sociais que essa actividade tem de satisfazer, uma vez que tem o efeito de limitar o número de prestadores de serviços (v., neste sentido, acórdão Hartlauer, já referido, n.° 36).
56 Nos litígios nos processos principais, há que observar, em primeiro lugar, que a legislação nacional subordina a criação de uma nova farmácia à emissão de uma autorização administrativa prévia e que, além disso, esta só é concedida aos candidatos aprovados num concurso.
57 Em segundo lugar, essa legislação apenas permite, em cada zona farmacêutica, a criação de uma nova farmácia por módulo de população de 2 800 habitantes, só podendo ser criada uma nova farmácia se este limiar for ultrapassado, farmácia esta que é criada para uma fracção superior a 2 000 habitantes.
58 Em terceiro lugar, a referida legislação obsta a que os farmacêuticos possam exercer uma actividade económica por conta própria num local da sua livre escolha, pois são obrigados a observar, em geral, uma distância mínima de 250 metros relativamente às farmácias já existentes.
59 Estas regras têm, assim, o efeito de perturbar e tornar menos atractivo o exercício, por farmacêuticos de outros Estados‑Membros, das suas actividades no território espanhol, por intermédio de um estabelecimento estável.
60 Consequentemente, uma legislação nacional como a em causa nos processos principais constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento na acepção do artigo 49.° TFUE.
Quanto à justificação da restrição à liberdade de estabelecimento
61 Segundo jurisprudência assente, as restrições à liberdade de estabelecimento, aplicáveis sem discriminação em razão da nacionalidade, podem ser justificadas por razões imperiosas de interesse geral, desde que sejam adequadas para garantir a realização do objectivo por elas prosseguido e não ultrapassem o necessário para alcançar esse objectivo (acórdãos, já referidos, Hartlauer, n.° 44, e Apothekerkammer des Saarlandes e o., n.° 25).
62 Nos processos principais, importa observar, em primeiro lugar, que as regras em causa são aplicáveis sem discriminação em razão da nacionalidade.
63 Em segundo lugar, resulta do artigo 52.°, n.° 1, TFUE que a protecção da saúde pública pode justificar restrições às liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado, como a liberdade de estabelecimento (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Hartlauer, n.° 46, e Apothekerkammer des Saarlandes e o., n.° 27).
64 Mais precisamente, as restrições à liberdade de estabelecimento podem ser justificadas pelo objectivo de assegurar um fornecimento seguro e de qualidade de medicamentos à população (acórdãos, já referidos, Comissão/Itália, n.° 52, e Apothekerkammer des Saarlandes e o., n.° 28).
65 A importância do dito objectivo é confirmada pelos artigos 168.°, n.° 1, TFUE e 35.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, segundo os quais, nomeadamente, na definição e execução de todas as políticas e acções da União Europeia, será assegurado um elevado nível de protecção da saúde.
66 Daqui se conclui que o objectivo de assegurar um fornecimento seguro e de qualidade de medicamentos à população é susceptível de justificar uma legislação nacional como a em causa nos processos principais.
67 Em terceiro lugar, há que verificar se essa legislação é adequada a garantir esse objectivo.
68 A este respeito, refira‑se em primeiro lugar que, tendo em conta a margem de apreciação a que se aludiu no n.° 44 do presente acórdão, o facto de um Estado‑Membro impor regras mais estritas, em matéria de protecção da saúde pública, do que as estabelecidas por outro Estado‑Membro não significa que essas regras sejam incompatíveis com as disposições do Tratado relativas às liberdades fundamentais (v., neste sentido, acórdão de 10 de Fevereiro de 2009, Comissão/Itália, C‑110/05, Colect., p. I‑519, n.° 65 e jurisprudência referida).
69 Consequentemente, para a resolução dos presentes processos não é determinante a circunstância de os Estados‑Membros preverem regras divergentes nesse domínio e, mais especificamente, que alguns deles não restrinjam o número de farmácias que podem ser criadas no território nacional, ao passo que outros limitam o respectivo número, sujeitando‑as a regras de planificação geográfica.
70 Em segundo lugar, recorde‑se que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os estabelecimentos e infra‑estruturas sanitárias podem ser objecto de planificação. A mesma pode incluir uma autorização prévia para a instalação de novos prestadores de cuidados de saúde, quando esta se revele indispensável para colmatar eventuais lacunas no acesso às prestações de cuidados de saúde e para evitar a abertura de estruturas em duplicado, de modo a assegurar uma assistência sanitária que se adapte às necessidades da população, cubra todo o território e tenha em conta as regiões geograficamente isoladas ou que de outra forma se encontrem numa situação desfavorecida (v., por analogia, acórdãos de 12 de Julho de 2001, Smits e Peerbooms, C‑157/99, Colect., p. I‑5473, n.os 76 a 80; de 16 de Maio de 2006, Watts, C‑372/04, Colect., p. I‑4325, n.os 108 a 110; e Hartlauer, já referido, n.os 51 e 52).
71 Ora, esta conclusão é plenamente transponível para os prestadores de cuidados de farmácia.
72 Em terceiro lugar, importa observar que há aglomerações que podem ser vistas por numerosos farmacêuticos como muito rendíveis e, por isso, mais atractivas, como as situadas nas zonas urbanas. Em contrapartida, outras partes do território nacional podem ser consideradas menos atractivas, como as zonas rurais, geograficamente isoladas ou que de outra forma se encontrem numa situação desfavorecida.
73 Nestes termos, não se pode excluir que, na falta completa de regulação, os farmacêuticos se concentrem nas localidades julgadas atractivas, de modo que algumas outras localidades menos atractivas enfermem de um número insuficiente de farmacêuticos susceptíveis de assegurar uma assistência farmacêutica segura e de qualidade.
74 Em quarto lugar, recorde‑se que, quando subsistem incertezas quanto à existência ou à importância de riscos para a saúde das pessoas, o Estado‑Membro pode tomar medidas de protecção sem ter de aguardar que a realidade desses riscos seja plenamente demonstrada (acórdão Apothekerkammer des Saarlandes e o., já referido, n.° 30).
75 Nestas circunstâncias, um Estado‑Membro pode entender que há um risco de penúria de farmácias em determinadas partes do seu território e, consequentemente, e de falta de fornecimento seguro e de qualidade de medicamentos.
76 Logo, um Estado‑Membro pode aprovar, atendendo a esse risco, legislação que preveja que só pode ser criada uma farmácia relativamente a um determinado número de habitantes (v. n.° 57 do presente acórdão).
77 Com efeito, essa condição pode ter como consequência canalizar a implantação de farmácias para partes do território nacional em que o acesso ao serviço farmacêutico é lacunar, uma vez que, ao impedir os farmacêuticos de se implantar em zonas já providas de um número suficiente de farmácias, os insta assim a instalarem‑se em zonas em que há penúria de farmácias.
78 Daqui se conclui que a referida condição é susceptível de repartir as farmácias de forma equilibrada no território nacional, garantindo, assim, a toda a população o acesso adequado a assistência farmacêutica e, consequentemente, aumentando a segurança e a qualidade do fornecimento de medicamentos à população.
79 Seguidamente, importa observar que há o risco de que apenas a condição ligada aos módulos de população não consiga evitar a concentração de farmácias, numa zona geográfica determinada segundo essa condição, em determinadas localidades atractivas dessa zona. Ora, essa concentração de farmácias pode levar à abertura de estruturas em duplicado, ao passo que outras partes da mesma zona podem enfermar de penúria de farmácias.
80 Nestas circunstâncias, um Estado‑Membro pode prever condições adicionais destinadas a impedir essa concentração, estabelecendo, por exemplo, uma condição como a dos processos principais, que impõe distâncias mínimas entre as farmácias.
81 Com efeito, esta condição, por natureza, permite evitar essa concentração, sendo assim susceptível de repartir as farmácias de forma mais equilibrada numa zona geográfica determinada.
82 Consequentemente, a condição relativa à distância mínima reforça a certeza dos pacientes de que disporão de uma farmácia nas proximidades e, por conseguinte, de acesso fácil e rápido a assistência farmacêutica adequada.
83 Semelhantes condições de acesso tanto mais podem ser consideradas necessárias quanto é certo que, por um lado, a administração de medicamentos se pode revelar urgente e, por outro, a clientela das farmácias inclui pessoas de mobilidade reduzida, como idosos ou pessoas gravemente doentes.
84 Assim, a condição relativa à distância mínima mostra‑se complementar da relativa aos módulos de população e, por isso, pode contribuir para a concretização do objectivo de repartir as farmácias de forma equilibrada no território nacional, garantindo deste modo a toda a população um acesso adequado a assistência farmacêutica e, consequentemente, aumentando a segurança e a qualidade do fornecimento de medicamentos à população.
85 Por último, importa observar que a prossecução do objectivo pretendido pelas duas condições supramencionadas é reforçada através de determinados critérios que, nos termos do Decreto 72/2001, são aplicados na fase da selecção dos titulares de novas farmácias.
86 Com efeito, segundo o ponto 7, alínea b), do anexo desse decreto, em caso de empate resultante da aplicação da tabela de méritos mediante a qual são seleccionados os titulares de novas farmácias, as autorizações são concedidas segundo uma ordem que dá prioridade, após as categorias de farmacêuticos constantes do referido ponto 7, alínea a), aos farmacêuticos que tenham sido titulares de farmácias em zonas ou municípios de população inferior a 2 800 habitantes.
87 Dado que as zonas geográficas de população inferior a 2 800 habitantes são geralmente zonas consideradas menos atractivas pelos farmacêuticos (v. n.° 72 do presente acórdão), a referida condição de emissão de uma autorização destina‑se a encorajar os farmacêuticos a implantar‑se nessas zonas, na perspectiva de serem recompensados ulteriormente quando da concessão de outras autorizações de instalação de novas farmácias.
88 Contudo, os recorrentes nos processos principais e a Plataforma para la Libre Apertura de Farmacias alegam que o regime em causa nos processos principais não pode ser considerado adequado para alcançar o objectivo invocado, pois tem a consequência de determinados farmacêuticos serem privados de todo o acesso à actividade profissional por conta própria, ao passo que os farmacêuticos estabelecidos no mercado beneficiam de lucros desproporcionados.
89 Semelhante argumentação não pode ser acolhida.
90 Com efeito, há que referir, em primeiro lugar, que a liberdade de estabelecimento dos operadores económicos tem de ser ponderada face aos imperativos de protecção da saúde pública e que a gravidade dos objectivos prosseguidos pode justificar restrições que tenham consequências negativas, mesmo consideráveis, para alguns operadores (v., neste sentido, acórdão de 17 de Julho de 1997, Affish, C‑183/95, Colect., p. I‑4315, n.os 42 e 43).
91 Em seguida, resulta dos autos que as autoridades competentes organizam, pelo menos uma vez por ano, um procedimento para emissão de autorizações para o estabelecimento de novas farmácias, em função da evolução demográfica. Assim, com a decisão de 14 de Junho de 2002, a Comunidade Autónoma das Astúrias deu início a um procedimento para atribuir autorizações de instalação de 24 novas farmácias no seu território a partir de 2002.
92 Por último, segundo o ponto 4 do anexo do Decreto 72/2001, nem a experiência profissional como farmacêutico titular ou co‑titular de uma farmácia nem qualquer outro tipo de méritos são tidos em conta quando tenham servido anteriormente para obter uma autorização de instalação. Da mesma forma, o ponto 7, alínea a), desse mesmo anexo enuncia que, em caso de empate resultante da aplicação da tabela, as autorizações são concedidas segundo uma ordem que dá prioridade aos farmacêuticos que não tenham sido titulares de farmácias.
93 Através destes critérios, semelhante legislação nacional privilegia, nos seus efeitos, os farmacêuticos que ainda não obtiveram uma autorização de instalação e visa, por isso, garantir o acesso de mais farmacêuticos ao exercício da actividade profissional por conta própria.
94 Embora resulte do que antecede que uma legislação como a em causa nos processos principais é, em princípio, adequada a alcançar o objectivo de assegurar um fornecimento seguro e de qualidade de medicamentos à população, é ainda necessário que a forma como essa legislação prossegue o referido objectivo não seja incoerente. Com efeito, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as várias regras, bem como a legislação nacional no seu todo, só são adequadas a garantir a realização do objectivo invocado se responderem verdadeiramente à intenção de o alcançar de uma forma coerente e sistemática (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Hartlauer, n.° 55, e Apothekerkammer des Saarlandes e o., n.° 42).
95 Por conseguinte, há que verificar se o Decreto 72/2001 prossegue de forma coerente e sistemática o objectivo de assegurar um fornecimento seguro e de qualidade de medicamentos à população quando fixa o número mínimo de habitantes por farmácia, em princípio, em 2 800 ou em 2 000 e a distância mínima entre as farmácias, regra geral, em 250 metros. Para este efeito, há que levar em conta também a Lei 16/1997, uma vez que o Decreto 72/2001 executa esta lei.
96 Quanto a este aspecto, importa notar que as duas condições previstas nesse decreto – aplicáveis a todo o território em causa – supostamente asseguram um fornecimento seguro e de qualidade de medicamentos à população, com base em indicadores fixos que necessariamente levam em conta elementos demográficos ordinários, considerados médios. Daqui se conclui que se verifica o risco de a aplicação uniforme das condições assim concebidas não assegurar um acesso adequado a assistência farmacêutica em zonas que apresentam determinadas particularidades demográficas.
97 É o que pode suceder, em primeiro lugar, em determinadas zonas rurais cuja população é geralmente dispersa e menos numerosa. Esta particularidade pode ter o efeito de, caso a condição do número mínimo de 2 800 habitantes seja invariavelmente aplicada, determinados habitantes interessados se encontrarem fora do alcance local razoável de uma farmácia e ficarem, assim, privados do acesso adequado a assistência farmacêutica.
98 A este respeito, importa assinalar que a legislação nacional prevê determinadas medidas de ajustamento que permitem atenuar as consequências da aplicação da regra de base de 2 800 habitantes. Com efeito, de acordo com o artigo 2.°, n.° 3, segundo parágrafo, da Lei 16/1997, as Comunidades Autónomas podem fixar módulos de população inferiores a 2 800 habitantes para as zonas rurais, turísticas, de montanha ou para as zonas nas quais, em razão das suas características geográficas, demográficas ou sanitárias, a aplicação dos critérios gerais não permita assegurar a assistência farmacêutica e tornar assim uma farmácia situada numa dessas zonas específicas mais acessível ao segmento de população que a circunda.
99 Em segundo lugar, verifica‑se que uma aplicação estrita da outra condição do Decreto 72/2001, relativa à distância mínima entre as farmácias, pode não assegurar o acesso adequado a assistência farmacêutica em determinadas zonas geográficas de forte concentração demográfica. Com efeito, nessas zonas, a densidade populacional em torno de uma farmácia pode claramente ultrapassar o número fixo de habitantes estabelecido. Nestas circunstâncias específicas, a aplicação da condição da distância mínima de 250 metros entre as farmácias pode levar à situação de o perímetro previsto para uma só farmácia incluir mais de 2 800 habitantes – senão mais de 4 000 habitantes, na hipótese referida no artigo 2.°, n.° 3, da Lei 16/1997. Por isso, não se pode excluir que os habitantes das zonas assim caracterizadas possam ter dificuldades, devido à estrita aplicação da regra relativa à distância mínima, em aceder a uma farmácia em condições que permitam assegurar uma assistência farmacêutica adequada.
100 Ainda assim, mesmo em semelhante caso, essas consequências podem ser atenuadas pela medida de ajustamento prevista no artigo 2.°, n.° 4, da Lei 16/1997, nos termos do qual a distância mínima entre farmácias é fixada, «em geral», em 250 metros, podendo as Comunidades Autónomas autorizar, em função da concentração da população, uma distância inferior entre as farmácias e aumentar dessa forma o número de farmácias disponíveis nas zonas com forte concentração de população.
101 A este respeito, há que observar que, para alcançar de forma coerente e sistemática, num caso como o descrito no n.° 99 do presente acórdão, o objectivo de assegurar uma assistência farmacêutica adequada, as autoridades competentes podem mesmo ser levadas a interpretar a regra geral como uma regra que permite conceder uma autorização para a criação de uma farmácia a uma distância inferior a 250 metros não só em casos efectivamente excepcionais mas também cada vez que se verifica o risco de a aplicação estrita da regra geral de 250 metros não assegurar o acesso adequado a assistência farmacêutica em determinadas zonas geográficas de forte concentração demográfica.
102 Nestes termos, compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se as autoridades competentes fizeram uso, no sentido descrito nos n.os 98, 100 e 101 do presente acórdão, da habilitação dada por aquelas disposições nas zonas geográficas com características demográficas particulares em que se verifique o risco de a aplicação estrita das regras de base de 2 800 habitantes e de 250 metros impedir a criação de um número suficiente de farmácias susceptível de assegurar uma assistência farmacêutica adequada.
103 Por todo o exposto, conclui‑se que, sob reserva das considerações expendidas nos n.os 94 a 100 do presente acórdão, a legislação em causa nos processos principais se mostra adequada a alcançar o objectivo prosseguido.
104 Resta verificar, em quarto lugar, se a restrição à liberdade de estabelecimento ultrapassa ou não o necessário para alcançar o objectivo prosseguido, isto é, se há ou não medidas menos gravosas para o alcançar.
105 Quanto a esta questão, os recorrentes nos processos principais, a Plataforma para la Libre Apertura de Farmacias e a Comissão Europeia alegam que bastaria prever regras que fixassem um número mínimo de farmácias em zonas geográficas determinadas (a seguir «sistema ‘de mínimos’»). Desta forma, decerto que não seria autorizada nenhuma nova implantação de farmácia – como no sistema actual – nas zonas já providas de um número de farmácias suficiente, até que cada uma das zonas geográficas determinadas dispusesse do número mínimo de farmácias exigido. No entanto, a abertura de novas farmácias seria livre a partir do momento em que cada uma dessas zonas dispusesse desse número mínimo de farmácias.
106 A este respeito, importa notar, porém, que ao abrigo da margem de apreciação de que os Estados‑Membros beneficiam em matéria de protecção da saúde pública, referida no n.° 44 do presente acórdão, um Estado‑Membro pode considerar que o sistema «de mínimos» não permite alcançar – com a mesma eficácia que o sistema actual – o objectivo de assegurar um fornecimento seguro e de qualidade de medicamentos nas zonas pouco atractivas.
107 Antes de mais, recorde‑se que, no sistema actual, o factor que incita os farmacêuticos a instalar‑se em zonas desprovidas de farmácias resulta do facto de serem impedidos de se implantarem em zonas já providas de um número suficiente de farmácias, devido a um critério demográfico objectivo, a saber, até ao momento em que a população dessas zonas exceda o limiar fixado. Assim, em princípio, este sistema não deixa outra opção aos farmacêuticos que desejam exercer uma actividade profissional por conta própria que não seja a de se instalarem em zonas desprovidas de farmácias, em que o fornecimento de medicamentos à população é insuficiente e em que a instalação de farmácias é, pois, autorizada.
108 Seguidamente, há que observar que um Estado‑Membro, como o Reino de Espanha, pode legitimamente estabelecer um sistema de repartição territorial à escala regional, isto é, conferir às diversas regiões a atribuição de organizarem a repartição das farmácias entre as zonas geográficas dos seus respectivos territórios.
109 Ora, a situação nas diversas regiões pode distinguir‑se consideravelmente no que respeita à instalação de farmacêuticos.
110 Mais precisamente, é concebível que, em certas regiões, haja uma ou mais zonas geográficas em que o número mínimo de farmácias exigido ainda não tenha sido alcançado. Assim, é só nas zonas lacunares que a possibilidade de instalar novas farmácias existe.
111 Em contrapartida, quanto a outras regiões, nelas pode verificar‑se a situação de todas as respectivas zonas geográficas estarem já providas de um número mínimo exigido de farmácias e – no sistema alternativo «de mínimos» descrito no n.° 105 do presente acórdão – todo o respectivo território estar, portanto, aberto à livre instalação de farmacêuticos, incluindo as zonas mais atractivas. Ora, esta situação pode prejudicar o objectivo nacional, decorrente da Lei 16/1997, de canalizar os farmacêuticos para zonas desprovidas de farmácias, qualquer que seja a região. Com efeito, não se pode excluir que os farmacêuticos em causa tenham tendência a juntar‑se aos farmacêuticos que se instalaram nas regiões saturadas – e portanto abertas à instalação livre – em vez de encararem instalar‑se nas zonas desprovidas de farmácias nas regiões não saturadas.
112 Nestes termos, não se pode considerar que a legislação em causa nos processos principais tenha ultrapassado o necessário para alcançar o objectivo prosseguido.
113 Pelo exposto, há que responder à primeira parte das questões submetidas que o artigo 49.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que, em princípio, não se opõe a uma legislação nacional, como a em causa nos processos principais, que impõe limites à emissão de autorizações para o estabelecimento de novas farmácias, estipulando que:
– em cada zona farmacêutica, em princípio, só pode ser criada uma nova farmácia por módulo de 2 800 habitantes;
– só pode ser criada uma farmácia adicional quando seja ultrapassado este limiar, sendo essa farmácia criada para uma fracção superior a 2 000 habitantes; e
– cada farmácia deve respeitar uma distância mínima relativamente às farmácias já existentes, sendo essa distância, regra geral, de 250 metros.
114 Contudo, o artigo 49.° TFUE opõe‑se a essa legislação nacional na medida em que as regras de base de 2 800 habitantes ou de 250 metros impeçam, nas zonas geográficas com características demográficas particulares, a criação de um número suficiente de farmácias susceptível de assegurar uma assistência farmacêutica adequada, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar.
Quanto à segunda parte das questões prejudiciais, relativa aos critérios de selecção de titulares de novas farmácias enunciados nos pontos 4, 6 e 7, alíneas a) a c), do anexo do Decreto 72/2001
115 Na segunda parte das suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 49.° TFUE se opõe aos critérios, como os enunciados nos pontos 4, 6 e 7, alíneas a) a c), do anexo do Decreto 72/2001, de acordo com os quais são seleccionados os titulares de novas farmácias.
116 No que respeita aos critérios previstos nos pontos 4 e 7, alíneas a) e b), desse anexo, resulta das considerações expendidas nos n.os 86, 87, 92 e 93 do presente acórdão que os mesmos contribuem, em consonância com o artigo 49.° TFUE, para a concretização do objectivo de interesse geral invocado.
117 Nestes termos, resta verificar se o artigo 49.° TFUE se opõe aos critérios previstos nos pontos 6 e 7, alínea c), do referido anexo, tendo em conta que esse artigo exige, em especial, que os critérios aplicáveis no âmbito de um regime de autorização administrativa não sejam discriminatórios (v. acórdão Hartlauer, já referido, n.° 64).
118 A este respeito, recorde‑se que o princípio da não discriminação proíbe não apenas as discriminações directas ou ostensivas, baseadas na nacionalidade, mas também qualquer forma dissimulada de discriminação que, por aplicação de outros critérios de distinção, leve, de facto, ao mesmo resultado (v. acórdãos de 26 de Junho de 2001, Comissão/Itália, C‑212/99, Colect., p. I‑4923, n.° 24, e de 19 de Março de 2002, Comissão/Itália, C‑224/00, Colect., p. I‑2965, n.° 15).
119 Assim, a menos que seja objectivamente justificada e proporcionada ao objectivo prosseguido, uma disposição de direito nacional deve ser considerada indirectamente discriminatória quando, pela sua própria natureza, seja susceptível de afectar mais fortemente os cidadãos de outros Estados‑Membros do que os cidadãos nacionais e, por consequência, implique o risco de desfavorecer sobretudo os primeiros (acórdão de 18 de Julho de 2007, Hartmann, C‑212/05, Colect., p. I‑6303, n.° 30).
120 No caso vertente, o ponto 6 do anexo do Decreto 72/2001 dispõe que os méritos profissionais relativos à actividade profissional obtidos no território da Comunidade Autónoma das Astúrias são calculados com um acréscimo de 20%.
121 Em seguida, resulta do ponto 7, alínea c), desse mesmo anexo que, em caso de empate resultante da aplicação da tabela, as autorizações são concedidas segundo uma ordem que dá prioridade, após as categorias de farmacêuticos constantes do referido ponto 7, alíneas a) e b), aos farmacêuticos que tenham exercido a sua actividade profissional na Comunidade Autónoma das Astúrias.
122 Assim, estes dois critérios privilegiam, no procedimento de selecção, os farmacêuticos que exerceram a sua actividade numa parte do território nacional. Ora, semelhante critério é naturalmente mais fácil de respeitar pelos farmacêuticos nacionais, que exercem a sua actividade mais frequentemente no território nacional, do que pelos farmacêuticos nacionais de outros Estados‑Membros, que exercem essa actividade mais frequentemente noutro Estado‑Membro (v., por analogia, acórdão Hartmann, já referido, n.° 31).
123 Contudo, a Consejería de Salud y Servicios Sanitarios e o Principado de Asturias alegam que a diferença de tratamento pode ser justificada pela necessidade de manter o nível de qualidade da assistência farmacêutica, atendendo a que esse nível pode ser diminuído se os farmacêuticos implantados não forem imediatamente capazes de prestar a assistência farmacêutica. Ora, essa operacionalidade imediata dos farmacêuticos exige, em especial, que os mesmos conheçam os programas de saúde previstos pela administração regional assim como o funcionamento das farmácias nessa região.
124 Semelhante argumentação não pode ser acolhida, uma vez que o artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Directiva 85/432 e o artigo 45.°, n.° 2, alíneas e) e g), da Directiva 2005/36 exigem que os titulares de um título de formação em farmácia de nível universitário estejam habilitados para o acesso e o exercício das actividades de preparação, de ensaio, de armazenamento e de distribuição de medicamentos em farmácias abertas ao público e das actividades de difusão de informações e conselhos sobre medicamentos. Nestes termos, as exigências referidas no número anterior não podem ser invocadas para justificar uma desigualdade de tratamento como a em causa nos processos principais.
125 Pelo exposto, há que responder à segunda parte das questões submetidas que o artigo 49.° TFUE, em conjugação com o artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Directiva 85/432 e o artigo 45.°, n.° 2, alíneas e) e g), da Directiva 2005/36, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a critérios, como os enunciados nos pontos 6 e 7, alínea c), do anexo do Decreto 72/2001, de acordo com os quais são seleccionados os titulares de novas farmácias.
Quanto às despesas
126 Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:
1) O artigo 49.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que, em princípio, não se opõe a uma legislação nacional, como a em causa nos processos principais, que impõe limites à emissão de autorizações para o estabelecimento de novas farmácias, estipulando que:
– em cada zona farmacêutica, em princípio, só pode ser criada uma nova farmácia por módulo de 2 800 habitantes;
– só pode ser criada uma farmácia adicional quando seja ultrapassado este limiar, sendo essa farmácia criada para uma fracção superior a 2 000 habitantes; e
– cada farmácia deve respeitar uma distância mínima relativamente às farmácias já existentes, sendo essa distância, regra geral, de 250 metros.
Contudo, o artigo 49.° TFUE opõe‑se a essa legislação nacional na medida em que as regras de base de 2 800 habitantes ou de 250 metros impeçam, nas zonas geográficas com características demográficas particulares, a criação de um número suficiente de farmácias susceptível de assegurar uma assistência farmacêutica adequada, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar.
2) O artigo 49.° TFUE, em conjugação com o artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Directiva 85/432/CEE do Conselho, de 16 de Setembro de 1985, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a certas actividades do sector farmacêutico, e o artigo 45.°, n.° 2, alíneas e) e g), da Directiva 2005/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a critérios, como os enunciados nos pontos 6 e 7, alínea c), do anexo do Decreto 72/2001 relativo às farmácias e postos farmacêuticos do Principado das Astúrias (Decreto 72/2001 regulador de las oficinas de farmacia y botiquines en el Principado de Asturias), de 19 de Julho de 2001, de acordo com os quais são seleccionados os titulares de novas farmácias.
Assinaturas
* Língua do processo: espanhol.