ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

8 de Maio de 2008 ( *1 )

«Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (CE) n.o 1348/2000 — Citação e notificação de actos judiciais e extrajudiciais — Não tradução dos anexos do acto — Consequências»

No processo C-14/07,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos dos artigos 68.o CE e 234.o CE, apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha), por decisão de 21 de Dezembro de 2006, entrado no Tribunal de Justiça em 22 de Janeiro de 2007, no processo

Ingenieurbüro Michael Weiss und Partner GbR

contra

Industrie- und Handelskammer Berlin,

sendo interveniente:

Nicholas Grimshaw & Partners Ltd,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas (relator), presidente de secção, U. Lõhmus, J. Klučka, P. Lindh e A. Arabadjiev, juízes,

advogada-geral: V. Trstenjak,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 24 de Outubro de 2007,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Ingenieurbüro Michael Weiss und Partner GbR, por N. Tretter, Rechtsanwalt,

em representação da Industrie- und Handelskammer Berlin, por H. Raeschke-Kessler, Rechtsanwalt,

em representação da Nicholas Grimshaw & Partners Ltd, por P.-A. Brand e U. Karpenstein, Rechtsanwälte,

em representação do Governo checo, por T. Boček, na qualidade de agente,

em representação do Governo francês, por G. de Bergues e A.-L. During, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por W. Ferrante, avvocato dello Stato,

em representação do Governo eslovaco, por J. Čorba, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, inicialmente por W. Bogensberger e, em seguida, por A.-M. Rouchaud-Joët e S. Grünheid, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 29 de Novembro de 2007,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 8.o do Regulamento (CE) n.o 1348/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros (JO L 160, p. 37).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Industrie- und Handelskammer Berlin (a seguir «IHK Berlin») e o gabinete de arquitectura Nicholas Grimshaw & Partners Ltd (a seguir «gabinete Grimshaw»), sociedade de direito inglês, que tem por objecto um pedido de indemnização acrescido de juros, devido à concepção deficiente de um imóvel, tendo esta sociedade requerido a intervenção no processo da Ingenieurbüro Michael Weiss und Partner GbR (a seguir «gabinete Weiss»), com sede em Aachen.

Quadro jurídico

Direito comunitário e internacional

3

O oitavo e décimo considerandos do Regulamento n.o 1348/2000 têm a seguinte redacção:

«(8)

A fim de assegurar a eficácia do presente regulamento, a possibilidade de recusar a citação ou a notificação dos actos limita-se a situações excepcionais.

[…]

(10)

A fim de defender os interesses do destinatário, a citação ou a notificação deverá ser realizada na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local onde deve ser cumprida ou em uma outra língua do Estado-Membro de origem que o destinatário compreenda.»

4

O artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento prevê:

«Os actos judiciais são transmitidos, directamente e no mais breve prazo possível, entre as entidades designadas conforme o disposto no artigo 2.o»

5

O artigo 5.o do referido regulamento, intitulado «Tradução dos actos», dispõe:

«1.   O requerente é avisado, pela entidade de origem competente para a transmissão, de que o destinatário pode recusar a recepção do acto se este não estiver redigido numa das línguas previstas no artigo 8.o

2.   O requerente suporta o pagamento de despesas de tradução que possam ter lugar previamente à transmissão do acto, sem prejuízo de eventual decisão posterior do tribunal, ou da autoridade competente, em matéria de imputação dessas despesas.»

6

O artigo 8.o do Regulamento n.o 1348/2000, intitulado «Recusa de recepção do acto», prevê:

«1.   A entidade requerida avisa o destinatário de que pode recusar a recepção do acto se este estiver redigido numa língua que não seja qualquer das seguintes:

a)

A língua oficial do Estado-Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado-Membro, a língua oficial ou uma das línguas oficiais do local onde deve ser efectuada a citação ou a notificação;

ou

b)

Uma língua do Estado-Membro de origem que o destinatário compreenda.

2.   Se a entidade requerida for informada de que o destinatário recusa a recepção do acto nos termos previstos no n.o 1, comunicará o facto imediatamente à entidade de origem, utilizando para o efeito a certidão prevista no artigo 10.o, e devolver-lhe-á o pedido e os documentos cuja tradução é solicitada.»

7

O artigo 19.o, n.o 1, do mesmo regulamento dispõe:

«Se uma petição inicial ou um acto equivalente foi transmitido para outro Estado-Membro para citação ou notificação, segundo as disposições do presente regulamento, e o demandado não compareceu, o juiz sobrestará no julgamento, enquanto não for determinado:

a)

Ou que o acto foi objecto de citação ou de notificação segundo a forma prescrita pela legislação do Estado-Membro requerido para citação ou para notificação dos actos emitidos neste país e dirigidos a pessoas que se encontrem no seu território;

b)

Ou que o acto foi efectivamente entregue ao demandado ou na sua residência, segundo um outro processo previsto pelo presente regulamento,

e que, em cada um destes casos, quer a citação ou notificação, quer a entrega foi feita em tempo útil para que o demandado tenha podido defender-se.»

8

Os restantes números do artigo 19.o do Regulamento n.o 1348/2000 referem-se a situações especiais relativas à não comparência do demandado.

9

O artigo 26.o do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), tem a seguinte redacção:

«1.   Quando o requerido domiciliado no território de um Estado-Membro for demandado perante um tribunal de outro Estado-Membro e não compareça, o juiz declarar-se-á oficiosamente incompetente se a sua competência não resultar das disposições do presente regulamento.

2.   O juiz deve suspender a instância, enquanto não se verificar que a esse requerido foi dada a oportunidade de receber o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, em tempo útil para apresentar a sua defesa, ou enquanto não se verificar que para o efeito foram efectuadas todas as diligências.

3.   Será aplicável, em vez do disposto no n.o 2, o artigo 19.o do Regulamento (CE) n.o 1348/2000 […], se o acto que iniciou a instância tiver sido transmitido por um Estado-Membro a outro em execução desse regulamento.

4.   Nos casos em que não sejam aplicáveis as disposições do Regulamento (CE) n.o 1348/2000, será aplicável o artigo 15.o da Convenção d[e] Haia, de 15 de Novembro de 1965, relativa à citação e à notificação no estrangeiro dos actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial, se o acto que iniciou a instância tiver sido transmitido em aplicação dessa convenção.»

10

Por outro lado, o artigo 34.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001 prevê que uma decisão proferida num Estado-Membro não será reconhecida noutro Estado-Membro se «o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão embora tendo a possibilidade de o fazer».

11

Disposições semelhantes estão também previstas na Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), alterada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1, e — versão alterada — p. 77; EE 01 F2 p. 131), pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1; EE 01 F3 p. 234), pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, p. 1), e pela Convenção de 29 de Novembro de 1996 relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia (JO 1997, C 15, p. 1, a seguir «Convenção de Bruxelas»).

12

O artigo 20.o desta Convenção é relativo aos julgamentos que sejam realizados na ausência do arguido.

13

O artigo 27.o, n.o 2, da referida Convenção prevê:

«As decisões não serão reconhecidas:

[…]

2.

Se o acto que determinou o início da instância, ou acto equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, regularmente e em tempo útil, por forma a permitir-lhe a defesa

[…]»

14

O artigo 5.o da Convenção de Haia, de 15 de Novembro de 1965, relativa à citação e à notificação no estrangeiro de actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial (a seguir «Convenção de Haia de 1965»), prevê:

«A Autoridade central do Estado requerido procederá ou mandará proceder à citação do destinatário ou à notificação do acto:

a)

Quer segundo a forma prescrita pela legislação do Estado requerido para as citações ou notificações internas dirigidas às pessoas que se encontram no seu território,

b)

Quer segundo a forma própria pedida pelo requerente, a menos que a mesma seja incompatível com a lei do Estado requerido.

[…]

Se o acto dever ser objecto de citação ou de notificação conforme o disposto na alínea 1.a a Autoridade central poderá exigir que o acto seja redigido ou traduzido na língua ou numa das línguas oficiais do seu país. […]»

15

O artigo 15.o, primeiro parágrafo, desta Convenção dispõe:

«Se uma petição inicial ou um acto equivalente foi transmitido para o estrangeiro para citação ou notificação, segundo as disposições da presente Convenção, e o demandado não compareceu, o juiz sobrestará no julgamento enquanto não for determinado:

a)

Ou que o acto foi objecto de citação ou de notificação segundo a forma prescrita pela legislação do Estado requerido para a citação ou para a notificação dos actos emitidos neste país e dirigidos a pessoas que se encontrem no seu território;

b)

Ou que o acto foi efectivamente entregue ao demandado ou na sua morada segundo um outro processo previsto pela presente Convenção,

e que, em cada um destes casos, quer a citação ou notificação, quer a entrega, foi feita em tempo útil para que o demandado tenha podido defender-se.»

16

O artigo 20.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Convenção de Haia de 1965 indica que a Convenção não obsta a que os Estados contratantes convenham em derrogar, designadamente, o artigo 5.o, terceiro parágrafo, no que respeita ao uso das línguas.

Direito nacional

17

A petição inicial é definida no § 253 do Código de Processo Civil («Zivilprozessordnung»). Esta disposição tem a seguinte redacção:

«(1)   A acção é intentada através da notificação de um articulado (petição).

(2)   A petição deve conter:

1.

A designação das partes e do tribunal

2.

Uma exposição precisa do objecto e dos fundamentos do direito invocado, bem como uma formulação precisa do pedido.

(3)   A petição deve além disso expor, quando a determinação da jurisdição competente disso depender, o valor do objecto do litígio, excepto se este consistir num montante determinado em numerário, e deve precisar se há razões que impeçam que o processo seja julgado em formação de Juiz Singular.

(4)   Por outro lado, as disposições gerais relativas aos articulados preparatórios são igualmente aplicáveis à petição.»

18

O § 131 do Código de Processo Civil tem o título «Documentos anexos». Tem a seguinte redacção:

«(1)   Os documentos que estejam na posse da parte e aos quais o articulado preparatório se refira devem ser anexados a este articulado, sob a forma de original ou de cópia.

(2)   Quando apenas estiverem em causa passagens isoladas de um documento, bastará anexar um excerto que contenha a passagem introdutória do documento a que o processo se refere, o final, a data e a assinatura.

(3)   Quando a parte contrária já tiver conhecimento destes documentos ou quando estes representarem um volume importante, bastará indicar precisamente quais os documentos que estão em causa, propondo a respectiva consulta.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19

Com base num contrato de arquitectura, a IHK Berlin reclama ao gabinete Grimshaw o pagamento de uma indemnização e respectivos juros, para reparação de uma deficiência de concepção. Este tinha-se obrigado, no contrato em causa, a prestar serviços de concepção para um projecto imobiliário em Berlim.

20

No ponto 3.2.6 do contrato de arquitectura, as partes acordaram:

«Os serviços devem ser prestados em língua alemã. A correspondência entre [a IHK Berlin] e [o gabinete Grimshaw] e as autoridades e instituições públicas deve ser redigida em língua alemã.»

21

Resulta do processo remetido ao Tribunal de Justiça, e foi posteriormente confirmado na audiência, que o contrato estava sujeito ao direito alemão (ponto 10.4 do contrato) e que, em caso de litígio, eram competentes os órgãos jurisdicionais de Berlim (ponto 10.2 do contrato).

22

O gabinete Grimshaw chamou ao processo o gabinete Weiss.

23

Na petição da IHK Berlin, que faz parte do processo remetido ao Tribunal de Justiça, são citadas as diferentes provas invocadas em apoio dos fundamentos. Estes documentos justificativos foram anexados à petição, num dossier de cerca de 150 páginas.

24

Como foi exposto pelo órgão jurisdicional de reenvio, o seu conteúdo foi além disso parcialmente reproduzido na petição. Os referidos anexos compreendem o contrato de arquitectura celebrado entre as partes, uma adenda ao referido contrato e o seu projecto, um excerto da lista dos serviços a prestar, numerosos documentos ou excertos de documentos, como relatórios técnicos ou relatórios de execução, bem como diversas cartas, incluindo do gabinete Grimshaw, respeitantes à correspondência trocada com as empresas responsáveis pela verificação e reparação das deficiências em causa no processo principal.

25

Depois de o gabinete Grimshaw ter inicialmente recusado receber a petição devido à inexistência de uma tradução em inglês, foi-lhes entregue, em 23 de Maio de 2003, em Londres, uma versão inglesa dessa petição e os anexos em alemão, não traduzidos.

26

Por articulado de 13 de Junho de 2003, o gabinete Grimshaw alegou a irregularidade da notificação pelo facto de os anexos não terem sido traduzidos para inglês. Por este motivo, recusou a recepção da petição, invocando o artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1348/2000, e considerou que a referida petição não tinha sido regularmente notificada. O gabinete Grimshaw suscitou a excepção da prescrição.

27

O Landgericht Berlin observou que a petição foi regularmente notificada em 23 de Maio de 2003. O Kammergericht Berlin negou provimento ao recurso interposto pelo gabinete Grimshaw. O gabinete Weiss interpôs recurso de «Revision» para o Bundesgerichtshof da decisão do anterior recurso.

28

O órgão jurisdicional de reenvio indica que, segundo o Código de Processo alemão, uma petição que se refira a documentos anexos forma um todo com estes e que o demandado deve dispor de todos os elementos necessários à sua defesa, que sejam invocados pelo demandante. Não é assim aceitável que se aprecie a validade da notificação de uma petição, independentemente da notificação dos anexos, com o pretexto de que as informações essenciais já constam da petição e de que o direito a ser ouvido é preservado porque, relativamente ao conteúdo dos anexos, o demandado ainda se pode defender de forma suficiente durante o processo.

29

É admitida uma excepção a este princípio quando as necessidades de informação do demandado não sejam substancialmente contrariadas, por exemplo, porque um documento não anexado à petição foi enviado de forma quase concomitante com a propositura da acção ou porque os documentos já eram do conhecimento do demandado antes de a acção ser proposta.

30

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, no presente caso, o gabinete Grimshaw não tinha conhecimento de todos os documentos, designadamente dos relativos à verificação e à reparação das deficiências e dos respeitantes aos respectivos custos. Esses documentos não podem ser considerados pormenores insignificantes na medida em que da sua apreciação pode depender a decisão de apresentar uma contestação.

31

O órgão jurisdicional de reenvio interroga-se sobre se a recusa da petição pelo gabinete Grimshaw é válida. Precisa que nenhum dos membros desse gabinete habilitados para o representar compreende a língua alemã.

32

Segundo o Bundesgerichtshof, o artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1348/2000 pode ser interpretado no sentido de que não é possível recusar uma notificação pelo facto de os anexos não terem sido traduzidos.

33

Com efeito, esta disposição não refere a recusa de recepção de anexos. Por outro lado, o formulário-tipo previsto neste regulamento, nos termos do seu artigo 4.o, n.o 3, primeiro período, para os pedidos de notificação nos Estados-Membros da União Europeia, apenas exige indicações sobre a natureza e a língua do documento relativamente ao acto a notificar (pontos 6.1. e 6.3.), mas não no que se refere aos anexos, em relação aos quais exige apenas que seja mencionado o número (ponto 6.4.).

34

Caso seja possível recusar a notificação pelo simples facto de os anexos não estarem traduzidos, o órgão jurisdicional de reenvio refere que, em sua opinião, o contrato no qual demandante e demandado prevêem que a sua língua de correspondência é o alemão não é suficiente para afastar o direito de o demandado recusar a recepção nos termos do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1348/2000.

35

Com efeito, esta cláusula não significa que o demandado compreende esta língua na acepção deste regulamento. No entanto, como indica o órgão jurisdicional de reenvio, a doutrina está dividida, considerando determinados autores que uma cláusula de utilização de uma língua nas relações contratuais pode servir de base a uma presunção de conhecimento dessa língua, na acepção do referido regulamento.

36

Por último, e caso não se possa presumir, com base numa cláusula contratual, o conhecimento da língua considerada, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se sobre se é possível, em todos os casos, recusar a notificação de uma petição cujos anexos não estão traduzidos, ou se há excepções, por exemplo, quando o demandado já dispõe de uma tradução dos anexos ou quando o conteúdo do anexo é literalmente reproduzido na petição traduzida.

37

Tal pode ser igualmente o caso quando os documentos anexos estão redigidos na língua validamente escolhida pelas partes no âmbito de um contrato. O órgão jurisdicional de reenvio evoca a hipótese de partes fracas, que será eventualmente necessário proteger, como os consumidores fronteiriços que tenham aceite, por contrato, que a língua da correspondência seja a do profissional.

38

Salienta no entanto que, no processo principal, o gabinete Grimshaw celebrou o contrato no âmbito da sua actividade profissional. Não vislumbra nenhuma necessidade especial de protecção deste gabinete e não vê, assim, necessidade de lhe reconhecer o direito de recusar a recepção.

39

Nestas condições, o Bundesgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1348/2000 […] deve ser interpretado no sentido de que o destinatário não tem o direito de recusar a recepção ao abrigo desta norma quando apenas os documentos anexos a um acto a transmitir não estiverem redigidos na língua do Estado-Membro requerido ou numa língua do Estado-Membro de origem que o destinatário compreenda?

2)

Em caso de resposta negativa à primeira questão:

 

O artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1348/2000 deve ser interpretado no sentido de que o destinatário ‘compreende’, na acepção deste regulamento, a língua do Estado-Membro de origem quando, no exercício da sua actividade profissional, convencionou, num contrato celebrado com o requerente, que a correspondência devia ser redigida na língua do Estado-Membro de origem?

3)

Em caso de resposta negativa à segunda questão:

 

O artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1348/2000 deve ser interpretado no sentido de que o destinatário não pode invocar esta disposição para recusar a recepção dos documentos anexos a um acto que não estão redigidos na língua do Estado-Membro requerido ou numa língua do Estado-Membro de origem que o destinatário compreenda quando, no exercício da sua actividade profissional, celebrou um contrato no qual foi estipulado que a correspondência seria redigida na língua do Estado-Membro de origem e os documentos anexos notificados digam respeito a esta correspondência e estejam redigidos na língua estipulada?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

40

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1348/2000 deve ser interpretado no sentido de que o destinatário de um acto a citar ou a notificar não tem o direito de recusar a respectiva recepção quando só os documentos anexos a esse acto não estão redigidos na língua do Estado-Membro requerido ou numa língua do Estado-Membro de origem compreendida pelo destinatário.

41

A título preliminar, importa sublinhar que o Regulamento n.o 1348/2000 se aplica a actos a citar ou a notificar que podem ser de natureza muito diferente, consoante se trate de actos judiciais ou extrajudiciais e, no primeiro caso, consoante se trate de um acto que inicia a instância, de uma decisão judicial, de uma medida executiva ou de qualquer outro acto. A questão colocada ao Tribunal de Justiça refere-se a um acto que inicia a instância.

42

Na medida em que o papel e a importância dos anexos de um acto a citar ou a notificar podem ser diferentes consoante a natureza desse acto, há que limitar o raciocínio e as respostas constantes do presente acórdão, exclusivamente, aos actos que iniciam a instância.

43

A este respeito, resulta das observações apresentadas no Tribunal de Justiça que o número e a natureza dos documentos que têm de ser anexos a um acto que inicia a instância variam consideravelmente consoante os ordenamentos jurídicos. Com efeito, em alguns ordenamentos, esse acto deve conter apenas o objecto e a exposição dos fundamentos de facto e de direito do pedido, sendo os documentos justificativos comunicados em separado, ao passo que, noutros ordenamentos jurídicos, como no direito alemão, os documentos anexos têm de ser comunicados ao mesmo tempo que a petição inicial e fazem parte integrante dela.

44

Há que referir que o artigo 8.o do Regulamento n.o 1348/2000 não menciona os anexos de um acto a citar ou a notificar. No entanto, a indicação «documentos cuja tradução é solicitada», constante do n.o 2 deste artigo, dá a entender que um acto pode ser composto por diversos documentos.

45

Não havendo indicações úteis na redacção do artigo 8.o do Regulamento n.o 1348/2000, há que interpretar esta disposição à luz dos seus objectivos e do seu contexto e, mais amplamente, dos objectivos e do contexto do próprio Regulamento n.o 1348/2000 (v., neste sentido, acórdão de 19 de Setembro de 2000, Linster, C-287/98, Colect., p. I-6917, n.o 43).

46

Como resulta do seu segundo considerando, os objectivos do Regulamento n.o 1348/2000 são melhorar e tornar mais rápida a transmissão dos actos. Estes objectivos são recordados nos considerandos sexto a oitavo. Assim, este último indica que, «[a] fim de assegurar a eficácia do presente regulamento, a possibilidade de recusar a citação ou a notificação dos actos limita-se a situações excepcionais». O artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento prevê, além disso, que os actos judiciais serão transmitidos no mais breve prazo possível.

47

Esses objectivos não podem, todavia, ser alcançados à custa de um enfraquecimento, seja qual for a forma que assuma, dos direitos de defesa, (v., por analogia, no que se refere ao Regulamento n.o 44/2001, acórdão de 14 de Dezembro de 2006, ASML, C-283/05, Colect., p. I-12041, n.o 24). Com efeito, estes direitos, decorrentes do direito a um processo equitativo consagrado no artigo 6.o da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH»), constituem um direito fundamental que faz parte dos princípios gerais de direito cujo cumprimento é assegurado pelo Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdão ASML, já referido, n.o 26).

48

É, assim, importante tentar conciliar os objectivos de eficácia e de rapidez da transmissão dos actos processuais, necessários a uma boa administração da justiça, com o da protecção dos direitos de defesa, designadamente, na interpretação do artigo 8.o do Regulamento n.o 1348/2000 e, mais concretamente, do conceito de acto a citar ou a notificar quando este consista num acto que inicie a instância, a fim de poder determinar se esse acto deve incluir os anexos constituídos por documentos justificativos.

49

É forçoso constatar, porém, que estes objectivos do Regulamento n.o 1348/2000 não permitem, por si sós, interpretar o conceito de acto que inicia a instância, no âmbito do artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1348/2000, a fim de determinar se esse acto pode ou deve incluir os documentos anexos. Também não permitem determinar se a tradução de um acto que inicia a instância constitui um elemento essencial dos direitos de defesa do demandado, o que poderia esclarecer o alcance da obrigação de tradução referida no artigo 8.o do mesmo regulamento.

50

A interpretação do Regulamento n.o 1348/2000 não pode, no entanto, dissociar-se do contexto de desenvolvimento no domínio da cooperação judiciária em matéria civil, no qual este regulamento se inscreve, e, mais concretamente, do Regulamento n.o 44/2001, que, no seu artigo 26.o, n.os 3 e 4, se refere expressamente ao Regulamento n.o 1348/2000.

51

Com efeito, diversas disposições impõem ao juiz, antes de proferir uma sentença à revelia ou de reconhecer uma decisão judicial, que verifique se as modalidades de citação do acto que iniciou a instância eram de molde a serem respeitados os direitos de defesa (v., designadamente, no que se refere à não comparência, os artigos 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1348/2000, 26.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001 e 20.o, segundo parágrafo, da Convenção de Bruxelas; no que se refere ao reconhecimento de decisões, v., designadamente, os artigos 34.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001 e 27.o, n.o 2, da Convenção de Bruxelas).

52

Antes da entrada em vigor do Regulamento n.o 1348/2000, as citações transfronteiriças entre os Estados-Membros eram efectuadas nos termos da Convenção de Haia de 1965, para a qual remetem os artigos 26.o, n.o 4, do Regulamento n.o 44/2001 e 20.o, terceiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, ou de acordos bilaterais celebrados entre Estados-Membros. Ora, a Convenção de Haia e a maioria destes acordos não prevêem uma obrigação geral de traduzir todos os actos a citar ou a notificar, não obstante os órgãos jurisdicionais nacionais terem considerado que os direitos de defesa estão suficientemente protegidos quando o destinatário de um acto citado ou notificado dispôs de um prazo que lhe permitiu mandar traduzir esse acto e preparar a sua defesa.

53

Por outro lado, o próprio Regulamento n.o 1348/2000 não especifica se o direito de recusar um acto que não foi traduzido também é invocável no caso de uma citação ou notificação por via postal, realizada nos termos do artigo 14.o do referido regulamento. A fim de interpretar esta última disposição, há que examinar o relatório explicativo da Convenção relativa à citação e à notificação nos Estados-Membros da União Europeia dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil ou comercial, elaborada por acto do Conselho da União Europeia de 26 de Maio de 1997 (JO C 261, p. 1, a seguir «Convenção de 1997»; relatório explicativo, p. 26) com base no artigo K.3 do Tratado UE e cuja redacção inspirou o Regulamento n.o 1348/2000 (v., neste sentido, acórdão de 8 de Novembro de 2005, Leffler, C-443/03, Colect., p. I-9611, n.o 47).

54

O comentário ao artigo 14.o, n.o 2, da Convenção de 1997, relativo à citação e à notificação feita por correio, indica:

«Este artigo consagra o princípio da admissão da citação ou da notificação por via postal.

Os Estados-Membros poderão, todavia, estabelecer as condições — definidas no intuito de dar garantias aos destinatários residentes no seu território — em que aceitam a citação ou notificação por via postal. Poderá ser exigido, por exemplo, um envio por correio registado ou a aplicação das disposições da convenção respeitantes à tradução dos actos.»

55

Alguns Estados-Membros interpretaram, errada ou acertadamente, o artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1348/2000 no sentido de que a tradução do acto não é exigida nos casos de citação ou de notificação por via postal e consideraram necessário precisar, nos termos da possibilidade prevista no artigo 14.o, n.o 2, deste regulamento, que se opõem à citação ou à notificação de actos judiciários sem tradução [v., a este respeito, as comunicações dos Estados-Membros em conformidade com o disposto no artigo 23.o do Regulamento n.o 1348/2000 (JO 2001, C 151, p. 4) e a primeira actualização das comunicações dos Estados-Membros (JO 2001, C 202, p. 10)].

56

Resulta da análise das disposições, respectivamente, da Convenção de Haia de 1965, da Convenção de Bruxelas e da Convenção de 1997, dos Regulamentos n.os 1348/2000 e 44/2001 e das comunicações dos Estados-Membros em conformidade com o artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1348/2000 que, nas matérias abrangidas por estas disposições, a tradução de um acto que inicie a instância, efectuada pelo demandante, não é considerada pelo legislador comunitário nem pelos Estados-Membros como um elemento indispensável ao exercício dos direitos de defesa do demandado, devendo este dispor apenas do prazo suficiente que lhe permita mandar traduzir o acto e preparar a sua defesa.

57

Esta opção do legislador comunitário e dos Estados-Membros não vai contra a protecção dos direitos fundamentais nos termos em que esta resulta da CEDH. Com efeito, o artigo 6.o, n.o 3, alínea a), desta convenção, segundo o qual qualquer pessoa acusada tem direito a ser informada no mais curto prazo, numa língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra si formulada, só é aplicável em matéria penal. Nenhuma disposição da CEDH impõe a tradução de um acto que inicie a instância em matéria civil ou comercial.

58

Consequentemente, se o legislador comunitário optou, através do artigo 8.o do Regulamento n.o 1348/2000, por permitir que o destinatário de um acto o recuse se o mesmo não estiver traduzido numa língua oficial do Estado-Membro requerido ou numa língua do Estado-Membro de origem que ele compreenda, foi principalmente para determinar, de modo uniforme, quem deve assegurar a tradução desse acto e assumir o respectivo custo no momento da citação ou da notificação respectiva.

59

Tendo a análise do direito internacional e do direito comunitário, no que se refere ao alcance do princípio da protecção dos direitos da defesa e, designadamente, à necessidade de traduzir um acto que inicie a instância, permitido precisar a finalidade do artigo 8.o do Regulamento n.o 1348/2000, é à luz desta que há que determinar o que é abrangido pelo conceito de acto a citar ou a notificar, na acepção deste artigo 8.o, quando o acto consista num acto que inicia a instância, e se esse acto pode ou deve incluir anexos constituídos por documentos justificativos.

60

O Regulamento n.o 1348/2000 deve ser objecto de interpretação autónoma, a fim de permitir a sua aplicação uniforme (acórdão Leffler, já referido, n.os 45 e 46). O mesmo sucede com o Regulamento n.o 44/2001 e, designadamente, com o conceito de «acto que iniciou a instância», na acepção dos artigos 26.o e 34.o, n.o 2, deste regulamento e das disposições equivalentes da Convenção de Bruxelas.

61

Ao pronunciar-se sobre a interpretação do artigo 27.o, n.o 2, da Convenção de Bruxelas, relativo ao reconhecimento das decisões, o Tribunal de Justiça definiu o conceito de acto que inicia a instância ou acto equivalente, na acepção desta disposição, como designando o ou os actos cuja comunicação ou notificação ao demandado, efectuada regularmente e em tempo útil, dá a este a possibilidade de fazer valer os seus direitos antes de ser proferida no Estado de origem uma decisão com força executiva. (v., neste sentido, acórdão de 13 de Julho de 1995, Hengst Import, C-474/93, Colect., p. I-2113, n.o 19).

62

O Tribunal de Justiça decidiu assim que, no processo que deu origem ao acórdão Hengst Import, já referido, o acto que determinou o início da instância era constituído pela injunção para pagamento («decreto ingiuntivo»), emitida por um juiz italiano nos termos do artigo 641.o do Código de Processo Civil italiano, juntamente com a petição inicial do demandante. Com efeito, é a citação conjunta destes dois documentos que determina que comece a correr o prazo durante o qual o demandado pode deduzir oposição. Por outro lado, o demandante não pode obter uma decisão com força executiva antes do termo desse prazo (acórdão Hengst Import, já referido, n.o 20).

63

O Tribunal de Justiça salientou que o «decreto ingiuntivo» é um simples formulário que, para poder ser compreendido, deve ser lido em conjunto com a petição inicial. Reciprocamente, a citação apenas da petição inicial não permite ao demandado decidir se deve organizar a sua defesa, pois, sem o «decreto ingiuntivo», ignora se o juiz acolheu ou rejeitou a petição. De resto, a necessidade da dupla citação do «decreto ingiuntivo» e da petição inicial era confirmada pelo artigo 643.o do Código de Processo Civil italiano, do qual resultava que era essa citação que determinava o início da instância (acórdão Hengst Import, já referido, n.o 21).

64

Resulta deste conceito autónomo de acto que inicia a instância, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça, que esse acto deve conter o ou os documentos, quando estes estejam intrinsecamente ligados, que permitam ao demandado compreender o objecto e a fundamentação da acção do demandante assim como a existência de um processo judicial durante o qual pode invocar os seus direitos, quer defendendo-se na instância em curso quer, como no processo que deu origem ao acórdão Hengst Import, já referido, interpondo recurso de uma decisão proferida com base num requerimento unilateral.

65

Por outro lado, como foi salientado no n.o 43 do presente acórdão, alguns direitos nacionais não prevêem que os documentos justificativos de um processo devam ser anexados àquilo que definem como acto que inicia a instância, mas autorizam a sua comunicação separada. Esses documentos não são assim considerados intrinsecamente ligados ao acto que inicia a instância, no sentido de que são indispensáveis para que o demandado possa compreender o pedido que foi apresentado contra si e a existência de um processo judicial, mas têm uma função probatória, distinta do objecto da própria citação ou notificação.

66

A este respeito, é útil salientar que os requisitos de reconhecimento das decisões, previstos no Regulamento n.o 44/2001, foram flexibilizados relativamente aos requisitos previstos na Convenção de Bruxelas.

67

Com efeito, o artigo 34.o, n.o 2, deste regulamento abandonou a exigência da regularidade do acto que inicia a instância, visada no artigo 27.o, n.o 2, da Convenção de Bruxelas, para acentuar o respeito efectivo dos direitos de defesa, considerando-se que estes são respeitados quando o demandado teve conhecimento do processo judicial em curso e pôde interpor recurso de uma decisão proferida contra si (v., neste sentido, acórdão ASML, já referido, n.os 20 e 21).

68

Esta alteração do Regulamento n.o 44/2001 relativamente à Convenção de Bruxelas conforta a interpretação do conceito de acto a citar ou a notificar, quando este consista num acto que inicia a instância, segundo a qual esse acto deve incluir os elementos essenciais para que o demandado compreenda, antes de mais, a existência de um processo judicial, mas não cada documento justificativo que permita fazer prova dos diferentes elementos de facto e de direito em que o pedido se baseia.

69

Resulta destes elementos que o conceito de acto a citar ou a notificar referido no artigo 8.o do Regulamento n.o 1348/2000, quando esse acto consista num acto que inicia a instância, deve ser interpretado no sentido de que os documentos justificativos, que desempenhem apenas uma função de prova e não estejam intrinsecamente ligados à petição na medida em que não sejam indispensáveis para compreender o objecto e a causa de pedir da acção do demandante, não fazem parte integrante dela.

70

O exame do conceito de acto, tal como resulta da CEDH e, designadamente, do seu artigo 6.o, n.o 3, alínea a), lembrado no n.o 57 do presente acórdão, permite chegar a uma conclusão semelhante em matéria penal. Com efeito, segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, um acto de acusação deve permitir ao acusado ser informado não apenas da causa da acusação, ou seja, dos factos materiais que lhe são imputados e em que se baseia a acusação, mas também da qualificação jurídica dada a esses factos, devendo essa qualificação ser feita de forma detalhada (v. TEDH, acórdãos Pélissier e Sassi c. França, de 25 de Março de 1999, Recueil des arrêts et décisions 1999-II, § 51, e Mattei c. França, de 19 de Dezembro de 2006, n.o 34043/02, n.o 34). A contrario, o direito de defesa não é posto em causa pela simples razão de o acto de acusação não incluir os documentos justificativos dos factos imputados ao acusado.

71

Pronunciando-se à luz do artigo 6.o, n.o 3, alínea e), da CEDH, que reconhece ao acusado o direito de ser assistido por um intérprete, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem reconheceu, aliás, que esse direito não vai ao ponto de se poder exigir uma tradução escrita de todas as provas documentais ou de todos os documentos oficiais do processo (TEDH, acórdão de 19 de Dezembro de 1989, Kamasinski, série A, n.o 168, § 74).

72

Ora, como resulta da observação feita no n.o 57 do presente acórdão, a protecção dos direitos de defesa em matéria civil e comercial não comporta exigências tão grandes como em matéria penal.

73

Atendendo a todos estes elementos, há que interpretar o conceito de «acto a citar ou a notificar», visado no artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1348/2000, quando este acto consista num acto que inicia a instância, como designando o ou os actos cuja citação ou notificação ao demandado, efectuada em tempo útil, o habilite a invocar os seus direitos no âmbito de um processo judicial no Estado de origem. Este acto deve permitir identificar de forma segura, pelo menos, o objecto do pedido e a causa de pedir, assim como a convocatória para comparecer perante um órgão judicial ou, consoante a natureza do processo em curso, a possibilidade de interpor recurso para um órgão judicial. Documentos que desempenhem apenas uma função de prova e que não sejam indispensáveis para a compreensão do objecto do pedido e da causa de pedir não fazem parte integrante do acto que inicia a instância na acepção do Regulamento n.o 1348/2000.

74

Esta interpretação é conforme com os objectivos do Regulamento n.o 1348/2000, de melhorar e tornar mais rápida a transmissão dos actos. Com efeito, a tradução de documentos justificativos pode exigir um tempo considerável, quando, em qualquer caso, essa tradução não é essencial para as necessidades da instância que decorrerá perante o juiz do Estado-Membro de origem e na língua desse Estado.

75

Cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar se o conteúdo do acto que inicia a instância habilita o demandado a invocar os seus direitos no Estado de origem e lhe permite, designadamente, identificar o objecto do pedido e a causa de pedir de que é destinatário e a existência do processo judicial.

76

Se o órgão jurisdicional nacional considerar que o conteúdo é insuficiente a este respeito, pelo facto de determinados elementos essenciais relativos ao pedido se encontrarem nos anexos, cabe-lhe tentar resolver o problema no âmbito do seu direito processual nacional, zelando por que seja assegurada a plena eficácia do Regulamento n.o 1348/2000, no respeito da sua finalidade (v., neste sentido, acórdão Leffler, já referido, n.o 69), preservando da melhor forma os interesses de uma e outra parte no litígio.

77

Pode, deste modo, ser reconhecida ao autor do acto que inicia a instância a possibilidade de suprir a não tradução de um anexo indispensável, através do envio deste anexo de acordo com as regras previstas no Regulamento n.o 1348/2000 e no mais breve prazo possível. No que se refere aos efeitos do envio de uma tradução relativamente à data da citação ou da notificação, o Tribunal de Justiça considerou que devem ser determinados por analogia com o sistema da dupla data consagrado no artigo 9.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1348/2000 (acórdão Leffler, já referido, n.o 65 a 67), a fim de preservar os interesses das partes.

78

Atendendo a todos estes elementos, há que responder à primeira questão que o artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1348/2000 deve ser interpretado no sentido de que o destinatário de um acto que inicia a instância, a notificar ou a citar, não pode recusar a recepção desse acto, desde que o mesmo permita a esse destinatário invocar os seus direitos no âmbito de um processo judicial no Estado-Membro de origem, quando esse acto seja acompanhado de anexos constituídos por documentos justificativos que não estão redigidos na língua do Estado-Membro requerido ou numa língua do Estado-Membro de origem compreendida pelo destinatário, mas que têm unicamente uma função probatória e não são indispensáveis para compreender o objecto do pedido e a causa de pedir. Cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar se o conteúdo do acto que inicia a instância é suficiente para permitir ao demandado invocar os seus direitos, ou se compete ao remetente suprir a falta de tradução de um anexo indispensável.

Quanto à segunda questão

79

Com a segunda questão, colocada para o caso de se ter respondido que o destinatário do acto pode recusar a sua recepção quando os anexos do mesmo não estão traduzidos, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1348/2000 deve ser interpretado no sentido de que se presume que o destinatário de um acto citado ou notificado «compreende» a língua de um Estado-Membro de origem, na acepção deste regulamento, quando o destinatário tenha convencionado, num contrato celebrado com o demandante no âmbito da sua actividade profissional, que a língua de correspondência é a língua do Estado-Membro de origem. Atendendo à reserva formulada na resposta à primeira questão, há que responder à segunda.

80

Para determinar se o destinatário de um acto citado ou notificado compreende a língua do Estado-Membro de origem na qual o acto foi redigido, o órgão jurisdicional tem de examinar todos os indícios que lhe forem submetidos a esse respeito pelo demandante.

81

As partes que apresentaram observações estão divididas quanto à questão de saber se é de presumir que o destinatário de um acto compreende a língua do Estado-Membro de origem, pelo facto de ter subscrito uma cláusula relativa à utilização da língua tal como descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio.

82

Segundo o gabinete Grimshaw, só o próprio destinatário pode dizer se compreende o acto notificado. A IHK Berlin defende a posição contrária, a saber, que a subscrição dessa cláusula vale como aceitação dessa língua como língua da citação de um acto judicial, da mesma forma que uma cláusula atributiva de competência é válida entre as partes.

83

As restantes partes que apresentaram observações consideram que não se pode deduzir dessa cláusula um conhecimento da língua do acto, na acepção do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1348/2000, mas que a mesma constitui um indício do conhecimento dessa língua. O gabinete Weiss e os Governos checo e eslovaco sublinham, designadamente, que o grau de conhecimento de uma língua necessário para efeitos de correspondência não é o mesmo que é indispensável para a defesa em justiça.

84

A interpretação do gabinete Grimshaw não pode ser aceite, pois tal teria por efeito fazer depender o carácter efectivo da citação ou da notificação da boa vontade do destinatário do acto.

85

Não é igualmente possível aceitar a interpretação proposta pela IHK Berlin. Com efeito, para conferir efeito útil ao artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1348/2000, cabe ao órgão jurisdicional competente verificar se os requisitos desta disposição estão efectivamente preenchidos. A este respeito, a subscrição de uma cláusula que prevê a utilização de uma determinada língua na correspondência e na execução de um contrato não pode servir de base a uma presunção de conhecimento da língua que foi convencionada.

86

Em contrapartida, há que considerar que a subscrição dessa cláusula constitui um indício do conhecimento da língua do acto citado ou notificado. Este indício terá tanto mais peso quanto a cláusula visar não apenas a correspondência entre as partes mas também a correspondência com as autoridades e as instituições públicas. Este indício poderá ser apoiado por outros, como sejam o envio efectivo de correspondência pelo destinatário do acto na língua do acto citado ou notificado, ou a presença, no contrato inicial, de cláusulas atributivas de competência, em caso de litígio, aos órgãos jurisdicionais do Estado de origem, ou que sujeitem o contrato ao direito desse Estado-Membro.

87

Como foi indicado pelo gabinete Weiss e pelos Governos checo e eslovaco, o grau de conhecimento de uma língua necessário para a correspondência não é o mesmo que é indispensável para uma defesa em justiça. Trata-se, no entanto, de um elemento de facto que o órgão jurisdicional deve tomar em consideração quando verifica se o destinatário de um acto citado ou notificado pode compreender o acto de modo a que possa invocar os seus direitos. Compete ao órgão jurisdicional tomar como referência, nos termos do princípio da equivalência, a forma segundo a qual um particular domiciliado no Estado de origem pode compreender um acto judicial redigido na língua desse Estado.

88

Há que responder à segunda questão que o artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1348/2000 deve ser interpretado no sentido de que o facto de o destinatário de um acto citado ou notificado ter convencionado, num contrato celebrado com o demandante no âmbito da sua actividade profissional, que a língua de correspondência é a do Estado-Membro de origem não serve de base a uma presunção de conhecimento da língua, mas constitui um indício que o órgão jurisdicional pode tomar em consideração quando verifica se esse destinatário compreende a língua do Estado-Membro de origem.

Quanto à terceira questão

89

Com a terceira questão, colocada para o caso de se ter respondido de forma negativa à segunda questão nos termos em que foi colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, este pergunta se o artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1348/2000 deve ser interpretado no sentido de que o destinatário de um acto citado ou notificado não pode, em todo o caso, invocar essa disposição para recusar a recepção de anexos de um acto que não estão redigidos na língua do Estado-Membro requerido ou numa língua do Estado-Membro de origem que o destinatário compreende, quando, no âmbito da sua actividade profissional, celebrou um contrato no qual convencionou que a língua de correspondência é a do Estado-Membro de origem e que os anexos, por um lado, dizem respeito à referida correspondência e, por outro, são redigidos na língua convencionada.

90

Resulta da resposta dada pelo Tribunal à primeira questão que pode ser exigida a tradução de determinados anexos de um acto que inicia a instância, citado ou notificado, quando o conteúdo desse acto que foi traduzido seja insuficiente para identificar o objecto do pedido e a causa de pedir e permitir, assim, que o demandado invoque os seus direitos, pelo facto de determinados elementos essenciais relativos ao pedido se encontrarem nesses anexos.

91

Essa tradução não é, no entanto, necessária quando resulte das circunstâncias de facto que o destinatário do acto que inicia a instância tem conhecimento do conteúdo desses anexos. É o que sucede quando o destinatário é o autor desses anexos, ou quando é suposto conhecer o seu conteúdo, por exemplo, por ter subscrito um contrato, no âmbito da sua actividade profissional, no qual convencionou que a língua de correspondência é a do Estado-Membro de origem e que os anexos, por um lado, dizem respeito à referida correspondência e, por outro, são redigidos na língua convencionada.

92

Há assim que responder à terceira questão que o artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1348/2000 deve ser interpretado no sentido de que o destinatário de um acto que inicia a instância, citado ou notificado, não pode, em todo o caso, invocar essa disposição para recusar a recepção de anexos de um acto que não estão redigidos na língua do Estado-Membro requerido ou numa língua do Estado-Membro de origem que o destinatário compreende, quando, no âmbito da sua actividade profissional, celebrou um contrato no qual convencionou que a língua de correspondência é a do Estado-Membro de origem e que os anexos, por um lado, dizem respeito à referida correspondência e, por outro, são redigidos na língua convencionada.

Quanto às despesas

93

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

O artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1348/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros, deve ser interpretado no sentido de que o destinatário de um acto que inicia a instância, a notificar ou a citar, não pode recusar a recepção desse acto, desde que o mesmo permita a esse destinatário invocar os seus direitos no âmbito de um processo judicial no Estado-Membro de origem, quando esse acto seja acompanhado de anexos constituídos por documentos justificativos que não estão redigidos na língua do Estado-Membro requerido ou numa língua do Estado-Membro de origem compreendida pelo destinatário, mas que têm unicamente uma função probatória e não são indispensáveis para compreender o objecto do pedido e a causa de pedir.

Cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar se o conteúdo do acto que inicia a instância é suficiente para permitir ao demandado invocar os seus direitos, ou se compete ao remetente suprir a falta de tradução de um anexo indispensável.

 

2)

O artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1348/2000 deve ser interpretado no sentido de que o facto de o destinatário de um acto citado ou notificado ter convencionado, num contrato celebrado com o demandante no âmbito da sua actividade profissional, que a língua de correspondência é a do Estado-Membro de origem não serve de base a uma presunção de conhecimento da língua, mas constitui um indício que o órgão jurisdicional pode tomar em consideração quando verifica se esse destinatário compreende a língua do Estado-Membro de origem.

 

3)

O artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1348/2000 deve ser interpretado no sentido de que o destinatário de um acto que inicia a instância, citado ou notificado, não pode, em todo o caso, invocar essa disposição para recusar a recepção de anexos de um acto que não estão redigidos na língua do Estado-Membro requerido ou numa língua do Estado-Membro de origem que o destinatário compreende, quando, no âmbito da sua actividade profissional, celebrou um contrato no qual convencionou que a língua de correspondência é a do Estado-Membro de origem e que os anexos, por um lado, dizem respeito à referida correspondência e, por outro, são redigidos na língua convencionada.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.