ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

20 de Janeiro de 2009 ( *1 )

«Condições de trabalho — Organização do tempo de trabalho — Directiva 2003/88/CE — Direito a férias anuais remuneradas — Baixa por doença — Férias anuais coincidentes com baixa por doença — Indemnização por férias anuais remuneradas que não foram gozadas até à cessação do contrato por motivo de doença»

Nos processos apensos C-350/06 e C-520/06,

que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE apresentados pelo Landesarbeitsgericht Düsseldorf (Alemanha) (C-350/06) e pela House of Lords (Reino Unido) (C-520/06), por decisões de 2 de Agosto e 13 de Dezembro de 2006, entrados no Tribunal de Justiça, respectivamente, em e , nos processos

Gerhard Schultz-Hoff (C-350/06)

contra

Deutsche Rentenversicherung Bund,

e

Stringer e o. (C-520/06)

contra

Her Majesty’s Revenue and Customs,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, K. Lenaerts e A. Ó Caoimh, presidentes de secção, K. Schiemann, J. Makarczyk, P. Kūris, E. Juhász, G. Arestis, E. Levits (relator) e L. Bay Larsen, juízes,

advogada-geral: V. Trstenjak,

secretário: J. Swedenborg, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 20 de Novembro de 2007,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Deutsche Rentenversicherung Bund, por J. Littig, Rechtsanwalt,

em representação de Stringer e o., por C. Jeans, QC, e M. Ford, barrister, mandatados por V. Phillips, solicitor,

em representação do Governo alemão, por M. Lumma e C. Blaschke, na qualidade de agentes,

em representação do Governo do Reino Unido, por Z. Bryanston-Cross, na qualidade de agente, assistida por T. Ward, barrister,

em representação do Governo belga, por L. Van den Broeck, na qualidade de agente,

em representação do Governo checo, por T. Boček, na qualidade de agente,

em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por W. Ferrante, avvocato dello Stato,

em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels, na qualidade de agente,

em representação do Governo polaco, por E. Ośniecka-Tamecka, na qualidade de agente,

em representação do Governo esloveno, por M. Remic, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por M. van Beek, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 24 de Janeiro de 2008,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a interpretação do artigo 7.o da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho (JO L 299, p. 9).

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios, o primeiro dos quais opõe G. Schultz-Hoff ao seu antigo empregador, a Deutsche Rentenversicherung Bund (a seguir «DRB»), e o outro opõe vários trabalhadores, alguns dos quais despedidos, ao seu empregador ou antigo empregador, o Her Majesty’s Revenue and Customs, a respeito das questões de saber se um trabalhador ausente por baixa por doença pode gozar férias anuais remuneradas durante a baixa e se, sendo esse o caso, em que medida, um trabalhador ausente por baixa por doença durante todo ou parte do período de referência e/ou de um período de reporte tem direito a uma compensação financeira de férias anuais remuneradas no momento da cessação da relação de trabalho.

Quadro jurídico

3

O artigo 1.o da Directiva 2003/88 dispõe o seguinte:

«Objectivo e âmbito de aplicação

1.   A presente directiva estabelece prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho.

2.   A presente directiva aplica-se:

a)

Aos períodos mínimos de descanso […] anual […]

[…]»

4

O artigo 7.o desta directiva tem a seguinte redacção:

«Férias anuais

1.   Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais.

2.   O período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por retribuição financeira, excepto nos casos de cessação da relação de trabalho.»

5

O artigo 17.o da Directiva 2003/88 dispõe que os Estados-Membros podem derrogar certas disposições desta directiva. Não é admitida qualquer derrogação ao artigo 7.o da referida directiva.

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

Processo C-520/06

6

Os recorrentes no processo principal dividem-se em duas categorias.

7

A primeira categoria diz respeito a um trabalhador ausente do trabalho há vários meses por estar de baixa por doença por tempo indeterminado. Durante a baixa, informou o empregador da sua intenção de gozar, nos dois meses seguintes ao pedido, alguns dias de férias anuais remuneradas.

8

Os trabalhadores que fazem parte da segunda categoria estavam, antes do seu despedimento, de baixa por doença de longa duração. Não tendo gozado as suas férias anuais remuneradas no período de referência, único período em que, de acordo com o direito britânico, podem ser gozadas as férias anuais remuneradas, pediram uma indemnização.

9

Os trabalhadores de ambas as categorias obtiveram ganho de causa no Employment Tribunal. O Employment Appeal Tribunal negou provimento ao recurso do empregador, mas admitiu o recurso interposto para a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division), a qual julgou procedente os pedidos do empregador.

10

Os recorrentes no processo principal recorreram para a House of Lords, que suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 7.o, n.o 1, da Directiva 2003/88[…] deve ser interpretado no sentido de que um trabalhador que se encontre [de baixa] por doença [de longa duração] tem direito i) a marcar um período futuro de férias anuais remuneradas e ii) a gozar férias anuais remuneradas, em ambos os casos durante um período que, de outro modo, seria um período de [baixa] por doença?

2)

Quando um Estado-Membro decide, ao abrigo do seu poder discricionário, substituir o período mínimo de férias anuais remuneradas por uma retribuição financeira no momento da cessação da relação de trabalho, nos termos do artigo 7.o, n.o 2, da Directiva 2003/88[…], num caso em que um trabalhador esteve ausente, de baixa [por doença], ao longo de todo ou parte do ano em que devia gozar férias e durante o qual ocorreu a cessação da relação de trabalho, o artigo 7.o, n.o 2, [desta directiva] estipula condições ou estabelece critérios para determinar se a retribuição deve ou não ser paga ou para o respectivo cálculo?»

Processo C-350/06

11

G. Schultz-Hoff, recorrente no processo principal, trabalhava desde 1 de Abril de 1971 para a DRB. A partir de 1995, G. Schultz-Hoff, reconhecido como gravemente deficiente, alternou períodos de incapacidade por doença com períodos de aptidão para o trabalho. Em 2004, esteve fisicamente apto para o trabalho até ao princípio de Setembro. Seguidamente, ficou de baixa por doença sem interrupção até , data da cessação da sua relação de trabalho.

12

Por carta de 13 de Maio de 2005, G. Schultz-Hoff pediu à DRB que lhe concedesse, a partir de , as férias anuais remuneradas relativas ao ano civil de 2004, período de referência. Em , o pedido foi rejeitado com o fundamento de que o serviço médico competente devia declarar previamente que o interessado estava apto para o trabalho. Em Setembro de 2005, a DRB declarou a incapacidade de G. Schultz-Hoff para o trabalho e, na sua qualidade de entidade administrativa do seguro de reforma, concedeu-lhe uma pensão por tempo indeterminado, com efeitos retroactivos a .

13

G. Schultz-Hoff apresentou no Arbeitsgericht Düsseldorf um pedido destinado a obter o pagamento da compensação correspondente às férias anuais remuneradas não gozadas, relativas aos anos civis de 2004 e 2005, períodos de referência.

14

A DRB alega que a incapacidade de G. Schultz-Hoff para o trabalho ainda subsiste actualmente e, portanto, para além do período de reporte que o § 7, n.o 3, da Lei federal das férias (Bundesurlaubsgesetz) de 8 de Janeiro de 1963, na versão aplicável ao processo principal, confere ao trabalhador que não tenha gozado férias anuais no período de referência por razões urgentes ligadas à empresa ou ao trabalhador. Consequentemente, segundo a lei alemã, o direito a férias anuais remuneradas extinguiu-se e G. Schultz-Hoff não tem direito a qualquer compensação financeira por férias anuais remuneradas não gozadas.

15

O Arbeitsgericht Düsseldorf julgou improcedente a acção de G. Schultz-Hoff, tendo este recorrido para o Landesarbeitsgericht Düsseldorf.

16

O órgão jurisdicional de reenvio refere que, de acordo com as disposições nacionais pertinentes, tal como interpretadas pelo Bundesarbeitsgericht, o direito do trabalhador a uma compensação financeira por férias anuais remuneradas não gozadas extingue-se no final do ano civil em causa e, o mais tardar, no final de um período de reporte que, salvo excepção favorável ao trabalhador prevista em convenção colectiva, é de três meses. Se o trabalhador tiver estado incapacitado para o trabalho até ao fim desse período de reporte, não existe, ao cessar a relação de trabalho, obrigação de compensação financeira das férias anuais remuneradas não gozadas.

17

O Landesarbeitsgericht Düsseldorf, tendo dúvidas de que o artigo 7.o da Directiva 2003/88 permita essa jurisprudência do Bundesarbeitsgericht, suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 7.o, n.o 1, da Directiva 2003/88[…] deve ser interpretado no sentido de que os trabalhadores devem sempre ter direito a férias anuais remuneradas de, no mínimo, quatro semanas [e de que] as férias não gozadas pelo trabalhador no ano em causa, por motivo de doença, devem ser concedidas numa data posterior, ou podem as disposições e/ou [as práticas] nacionais prever que o direito a férias anuais remuneradas se extingue quando o trabalhador fica doente durante o ano do respectivo vencimento antes de gozar as férias e não recupera a capacidade para trabalhar antes de decorrido o ano em causa ou o período de [reporte] determinado por lei, convenção colectiva ou contrato de trabalho individual?

2)

O artigo 7.o, n.o 2, da Directiva 2003/88[…] deve ser interpretado no sentido de que, em caso de cessação do contrato de trabalho, os trabalhadores têm sempre direito a uma retribuição financeira de substituição do direito a férias adquirido, mas não gozado (remuneração compensatória), ou podem as disposições ou [as práticas] nacionais prever que os trabalhadores não têm direito a uma remuneração compensatória quando tenham ficado impossibilitados de trabalhar por doença antes do decurso do ano em causa ou antes do fim do período de [reporte] e/ou quando recebam, após a cessação da relação de trabalho, uma pensão devido à redução da capacidade de trabalho ou uma pensão de invalidez?

3)

No caso de [a primeira e segunda questões] receberem uma resposta afirmativa:

 

O artigo 7.o da Directiva 2003/88[…] deve ser interpretado no sentido de que o direito a férias anuais ou à respectiva retribuição financeira de substituição pressupõe que o trabalhador tenha efectivamente trabalhado durante o ano em causa ou o direito constitui-se igualmente em caso de ausência justificada (doença) ou em caso de ausência injustificada durante todo esse ano?»

18

Dada a conexão entre os dois processos principais, confirmada na fase oral, deve proceder-se à sua apensação para efeitos do acórdão.

Quanto às questões prejudiciais

19

A título preliminar, importa notar que a duração das baixas por doença em causa nos processos principais não excedeu a duração dos períodos de referência aplicáveis, em matéria de férias anuais remuneradas, nos termos do respectivo direito nacional em cada um dos processos.

Quanto ao direito de gozar férias anuais remuneradas durante um período que coincide com uma baixa por doença

20

Através da primeira questão submetida no processo C-520/06, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 7.o, n.o 1, da Directiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições ou práticas nacionais segundo as quais um trabalhador que se encontre de baixa por doença não pode gozar férias anuais remuneradas num período que coincide com uma baixa por doença.

21

Nas suas observações, todos os governos e a Comissão das Comunidades Europeias entendem que a questão merece resposta negativa.

22

Segundo jurisprudência assente, o direito a férias anuais remuneradas de cada trabalhador deve ser considerado um princípio do direito social comunitário que reveste particular importância, que não pode ser derrogado e cuja aplicação pelas autoridades nacionais competentes só pode ser efectuada dentro dos limites expressamente previstos na própria Directiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho (JO L 307, p. 18) (v. acórdãos de , BECTU, C-173/99, Colect., p. I-4881, n.o 43; de , Merino Gómez, C-342/01, Colect., p. I-2605, n.o 29; e de , Robinson-Steele e o., C-131/04 e C-257/04, Colect., p. I-2531, n.o 48).

23

Em regra, o trabalhador deve poder gozar de descanso efectivo, para protecção eficaz da sua segurança e saúde, pois só no caso de ser posto termo à relação de trabalho é que o artigo 7.o, n.o 2, da Directiva 2003/88 permite que o direito a férias anuais remuneradas seja substituído por uma compensação financeira (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, BECTU, n.o 44, e Merino Gómez, n.o 30).

24

Além disso, o artigo 7.o da Directiva 2003/88 não figura entre as disposições que esta expressamente permite derrogar.

25

É pacífico que a finalidade do direito a férias anuais remuneradas é permitir ao trabalhador descansar e dispor de um período de descontracção e de lazer. Essa finalidade difere, neste aspecto, da finalidade do direito a baixa por doença. A baixa é concedida ao trabalhador para que ele se possa restabelecer de uma doença.

26

O Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que uma licença garantida pelo direito comunitário não pode afectar o direito de gozar outra licença garantida por esse direito (v. acórdãos Merino Gómez, já referido, n.os 32 e 33; de 14 de Abril de 2005, Comissão/Luxemburgo, C-519/03, Colect., p. I-3067, n.o 33; e de , Kiiski, C-116/06, Colect., p. I-7643, n.o 56). No que respeita, nomeadamente, ao acórdão Merino Gómez, já referido, o Tribunal de Justiça considerou que o artigo 7.o, n.o 1, da Directiva 93/104 deve ser interpretado no sentido de que, em caso de coincidência entre as datas de uma licença de maternidade de uma trabalhadora e as datas das férias anuais remuneradas fixadas de forma geral para todo o pessoal, por acordo colectivo, não se podem considerar preenchidas as exigências da referida directiva relativas às férias anuais remuneradas.

27

Contudo, ao invés do direito à licença de maternidade ou à licença parental em causa na jurisprudência referida no número anterior, o direito à baixa por doença e as modalidades do seu exercício não são, no actual estado do direito comunitário, regidas por este último. Além disso, a interpretação do artigo 7.o, n.o 1, da Directiva 93/104 no processo que deu origem ao acórdão Merino Gómez, já referido, era imposta pela necessidade, tendo em conta as outras directivas comunitárias em causa nesse processo, de assegurar o respeito dos direitos ligados ao contrato de trabalho de uma trabalhadora no caso de uma licença de maternidade.

28

No que respeita ao direito a férias anuais remuneradas, como resulta da Directiva 2003/88 e da jurisprudência do Tribunal de Justiça, cabe aos Estados-Membros definir, na sua regulamentação interna, as condições de exercício e de execução desse direito, precisando em que circunstâncias concretas os trabalhadores podem fazer uso desse direito, evitando, porém, sujeitar a qualquer condição a própria constituição desse direito, que resulta directamente desta directiva (v., neste sentido, acórdão BECTU, já referido, n.o 53).

29

Daí resulta, nestas condições, por um lado, que o artigo 7.o, n.o 1, da Directiva 2003/88 não se opõe, em princípio, a disposições ou práticas nacionais segundo as quais um trabalhador que se encontre de baixa por doença não pode gozar férias anuais remuneradas durante um período que coincide com a baixa, sem prejuízo, porém, de o trabalhador poder exercer noutra altura o direito que esta directiva lhe confere.

30

Com efeito, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, embora o efeito positivo das férias anuais remuneradas para a segurança e saúde do trabalhador se produza plenamente se forem gozadas no ano previsto para o efeito, isto é, o ano em curso, esse tempo de descanso não perde o seu interesse a esse respeito se for gozado num período posterior (acórdão de 6 de Abril de 2006, Federatie Nederlandse Vakbeweging, C-124/05, Colect., p. I-3423, n.o 30).

31

Por outro lado, a Directiva 2003/88 também não se opõe a disposições ou práticas nacionais que permitam que um trabalhador que se encontre de baixa por doença goze férias anuais remuneradas durante esse período.

32

Em face do exposto, há que responder à primeira questão submetida no processo C-520/06 que o artigo 7.o, n.o 1, da Directiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a disposições ou práticas nacionais segundo as quais um trabalhador que se encontre de baixa por doença não pode gozar férias anuais remuneradas num período que coincide com uma baixa por doença.

Quanto ao direito a férias anuais remuneradas em caso de baixa por doença durante todo ou parte do período de referência, quando a incapacidade para o trabalho se mantenha após o fim desse período e/ou de um período de reporte previsto no direito nacional

33

Com a primeira questão e, a título subsidiário, com a terceira questão, na medida em que se refere ao direito às férias e não à compensação financeira pelas férias anuais remuneradas não gozadas, submetidas no processo C-350/06, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 7.o, n.o 1, da Directiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições ou práticas nacionais segundo as quais o direito às férias anuais remuneradas se extingue no termo do período de referência e/ou de um período de reporte previsto no direito nacional mesmo quando o trabalhador tenha estado de baixa por doença durante todo ou parte do período de referência e a sua incapacidade para o trabalho se tenha mantido até à cessação da sua relação de trabalho.

34

Como referiu nomeadamente o Governo alemão na audiência, baseando-se no n.o 53 do acórdão BECTU, já referido, resulta do artigo 7.o, n.o 1, da Directiva 2003/88 que as modalidades de aplicação do direito a férias anuais remuneradas nos diversos Estados-Membros se regem pelas legislações e/ou práticas nacionais. O referido governo infere daí que a questão do reporte de férias e, portanto, da determinação de um período em que o trabalhador impedido de gozar as suas férias anuais remuneradas durante o período de referência pode ainda gozar essas férias está sujeita às condições de exercício e execução do direito a férias anuais remuneradas, regendo-se, assim, pelas legislações e/ou práticas nacionais.

35

Esta conclusão, embora possa ser aceite em princípio, está no entanto sujeita a certos limites.

36

Cumpre analisar, portanto, quais são os limites que se impõem a esse princípio nas circunstâncias específicas do processo C-350/06.

— Baixa por doença durante todo o período de referência e que se mantém no fim desse período e/ou do período de reporte

37

A título preliminar, importa lembrar que, de acordo com o seu sexto considerando, a Directiva 2003/88 teve em conta os princípios da Organização Internacional do Trabalho em matéria de organização do tempo de trabalho.

38

A este respeito, refira-se que, segundo o artigo 5.o, n.o 4, da Convenção n.o 132 da Organização Internacional do Trabalho, de 24 de Junho de 1970, relativa às férias anuais remuneradas (revista), «[…] as faltas ao trabalho por motivos independentes da vontade da pessoa empregada interessada, tais como as faltas por motivo de doença […], serão contadas no período de serviço».

39

Antes de mais, a maioria das disposições relativas aos períodos mínimos de descanso, que constam do capítulo 2 da Directiva 2003/88, refere-se a «todos os trabalhadores», tal como faz, em particular, o artigo 7.o, n.o 1, quanto ao direito a férias anuais remuneradas (acórdão BECTU, já referido, n.o 46).

40

Além disso, quanto a este último direito, a Directiva 2003/88 não faz qualquer distinção entre os trabalhadores ausentes do trabalho por se encontrarem de baixa por doença, de curta ou de longa duração, durante o período de referência e os que efectivamente trabalharam nesse período.

41

Daí resulta que, quanto a trabalhadores que se encontrem de baixa por doença devidamente certificada, um Estado-Membro não pode fazer depender o direito a férias anuais remuneradas conferido pela própria Directiva 2003/88 a todos os trabalhadores (acórdão BECTU, já referido, n.os 52 e 53) da obrigação de terem trabalhado efectivamente durante o período de referência instituído por esse Estado.

42

Uma disposição nacional que prevê um período de reporte de férias anuais não gozadas até ao final do período de referência prossegue, em princípio, a finalidade de conferir ao trabalhador impedido de gozar as suas férias anuais uma possibilidade adicional de gozar essas férias. A fixação desse período faz parte das condições de exercício e de execução do direito a férias anuais remuneradas, pelo que, em princípio, é da competência dos Estados-Membros.

43

Daqui decorre que o artigo 7.o, n.o 1, da Directiva 2003/88 não se opõe, em princípio, a uma regulamentação nacional que fixa as modalidades de exercício do direito a férias anuais remuneradas expressamente conferido por essa directiva, incluindo mesmo a perda do direito no final de um período de referência ou de um período de reporte, desde que, contudo, o trabalhador que perdeu o direito a férias anuais remuneradas tenha tido efectivamente a possibilidade de exercer o direito que a directiva lhe confere.

44

Ora, impõe-se observar que um trabalhador que, como o recorrente no processo principal que deu origem ao processo C-350/06, no que respeita ao ano de 2005, esteve de baixa por doença durante todo o período de referência e para além do período de reporte previsto no direito nacional fica privado de qualquer período que confira a possibilidade de gozar as suas férias anuais remuneradas.

45

Admitir que, nas circunstâncias específicas da incapacidade para o trabalho descritas no número anterior, as disposições nacionais pertinentes, nomeadamente as que fixam o período de reporte, possam prever a extinção do direito do trabalhador a férias anuais remuneradas garantido pelo artigo 7.o, n.o 1, da Directiva 2003/88, sem que o trabalhador tenha tido efectivamente a possibilidade de exercer o direito que esta directiva lhe confere, significaria que essas disposições violariam o direito social directamente conferido pelo artigo 7.o da referida directiva a cada trabalhador.

46

Assim, embora o Tribunal de Justiça tenha admitido que os Estados-Membros podem definir na sua regulamentação interna as condições de exercício e execução do direito a férias anuais remuneradas, esclareceu, no entanto, que os Estados-Membros não podem sujeitar a nenhuma condição a própria constituição desse direito, que resulta directamente da Directiva 93/104 (v., neste sentido, acórdão BECTU, já referido, n.o 53).

47

De acordo com essa mesma jurisprudência, o Tribunal de Justiça salientou que as necessárias modalidades de execução e aplicação das disposições da Directiva 93/104 podem conter certas divergências quanto às condições de exercício do direito a férias anuais remuneradas, mas que esta directiva não permite que os Estados-Membros excluam a própria constituição de um direito expressamente conferido a todos os trabalhadores (acórdão BECTU, já referido, n.o 55).

48

Daqui decorre que, se, nos termos da jurisprudência referida nos números anteriores, o direito a férias anuais remuneradas, garantido ao trabalhador pelo artigo 7.o, n.o 1, da Directiva 2003/88, não pode ser posto em causa pelas disposições nacionais que prevêem a exclusão da constituição desse direito, não se pode admitir uma solução diferente no que respeita às disposições nacionais que prevêem a extinção desse direito no caso de um trabalhador se encontrar de baixa por doença durante todo o período de referência e/ou para além de um período de reporte, como no caso de G. Schultz-Hoff, que não teve a possibilidade de exercer o seu direito a férias anuais remuneradas. Com efeito, tal como nas circunstâncias do processo que deu origem ao acórdão BECTU, já referido, em que o Tribunal de Justiça considerou que os Estados-Membros não podiam excluir a constituição do direito a férias anuais remuneradas, numa situação como a de G. Schultz-Hoff, os Estados-Membros não podem prever a extinção desse direito.

49

Resulta do exposto que o artigo 7.o, n.o 1, da Directiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições ou práticas nacionais segundo as quais o direito a férias anuais remuneradas se extingue no termo do período de referência e/ou de um período de reporte previsto no direito nacional, mesmo quando o trabalhador tenha estado de baixa por doença durante todo o período de referência e a sua incapacidade para o trabalho se tenha mantido até à cessação da sua relação de trabalho, razão pela qual não pôde exercer o seu direito a férias anuais remuneradas.

— Baixa por doença durante uma parte do período de referência e que se manteve no termo desse período e/ou de um período de reporte

50

Tendo em conta as considerações expostas nos n.os 37 a 49 do presente acórdão, a conclusão a extrair no que diz respeito ao direito a férias anuais remuneradas de um trabalhador que, como G. Schultz-Hoff em 2004, trabalhou durante uma parte do período de referência antes de ficar de baixa por doença deve ser a mesma a que se chegou no n.o 49 do presente acórdão.

51

Com efeito, qualquer trabalhador privado do benefício de um período de férias anuais remuneradas devido a uma baixa por doença de longa duração está na mesma situação que a descrita no n.o 44 do presente acórdão, na medida em que a ocorrência de uma incapacidade para o trabalho por razões de doença é imprevisível.

52

Em face do exposto, há que responder à primeira e terceira questões, na medida em que esta última se refere ao direito às férias e não à compensação financeira pelas férias anuais remuneradas não gozadas, submetidas no processo C-350/06, que o artigo 7.o, n.o 1, da Directiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições ou práticas nacionais segundo as quais o direito às férias anuais remuneradas se extingue no termo do período de referência e/ou de um período de reporte previsto no direito nacional, mesmo quando o trabalhador tenha estado de baixa por doença durante todo ou parte do período de referência e a sua incapacidade para o trabalho se tenha mantido até à cessação da sua relação de trabalho, razão pela qual não pôde exercer o seu direito a férias anuais remuneradas.

Quanto ao direito a uma compensação financeira no momento da cessação da relação de trabalho pelas férias anuais remuneradas não gozadas durante o período de referência e/ou um período de reporte devido a uma incapacidade para o trabalho durante todo ou parte do período de referência e/ou do período de reporte

53

Com a segunda questão e, a título subsidiário, com a terceira questão, na medida em que se refere à compensação financeira das férias anuais remuneradas não gozadas, submetidas no processo C-350/06, bem como com a segunda questão submetida no processo C-520/06, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, no essencial, se o artigo 7.o, n.o 2, da Directiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições ou práticas nacionais segundo as quais, no momento da cessação da relação de trabalho, nenhuma compensação financeira é paga por férias anuais remuneradas não gozadas, quando o trabalhador tenha estado de baixa por doença durante todo ou parte do período de referência e/ou de um período de reporte. Em caso de resposta afirmativa a esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio no processo C-520/06 pretende saber segundo que critérios a compensação financeira deve ser calculada.

54

A este respeito, importa lembrar que, como resulta da própria redacção do artigo 7.o, n.o 1, da Directiva 2003/88, disposição cuja derrogação esta directiva não permite, todos os trabalhadores têm direito a férias anuais remuneradas de, pelo menos, quatro semanas. Este direito a férias anuais remuneradas, que, segundo a jurisprudência referida no n.o 22 do presente acórdão, deve ser considerado um princípio do direito social comunitário com particular importância, é conferido a cada trabalhador, qualquer que seja o seu estado de saúde.

55

Seguidamente, como resulta do n.o 52 do presente acórdão, o direito a férias anuais remuneradas não se extingue no termo do período de referência e/ou de um período de reporte previsto no direito nacional quando o trabalhador tenha estado de baixa por doença durante todo ou parte do período de referência e não teve efectivamente a possibilidade de exercer esse direito que a Directiva 2003/88 lhe confere.

56

No momento da cessação da relação de trabalho, deixa de ser possível o gozo efectivo das férias anuais remuneradas. A fim de evitar que, devido a essa impossibilidade, o benefício desse direito pelo trabalhador, mesmo sob forma pecuniária, seja excluído, o artigo 7.o, n.o 2, da Directiva 2003/88 dispõe que o trabalhador tem direito a uma compensação financeira.

57

Nenhuma disposição da Directiva 2003/88 fixa expressamente de que forma deve ser calculada a compensação financeira substitutiva do ou dos períodos mínimos de férias anuais remuneradas em caso de cessação da relação de trabalho.

58

Contudo, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a expressão «férias anuais remuneradas», que consta do artigo 7.o, n.o 1, da Directiva 2003/88, significa que, no período das férias anuais na acepção dessa directiva, a remuneração deve ser mantida e que, por outras palavras, o trabalhador deve receber a remuneração normal por esse período de descanso (v. acórdão Robinson-Steele e o., já referido, n.o 50).

59

Ao fixarem a compensação financeira devida ao trabalhador por força do artigo 7.o, n.o 2, da Directiva 2003/88, os Estados-Membros devem assegurar-se de que as modalidades de aplicação nacionais têm em conta os limites decorrentes da própria directiva.

60

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a Directiva 2003/88 trata o direito a férias anuais e o direito a um pagamento baseado nessas férias como dois componentes de um direito único. O objectivo da exigência de pagamento dessas férias é colocar o trabalhador, no momento das mesmas, numa situação que, quanto ao salário, é comparável aos períodos de trabalho (v. acórdão Robinson-Steele e o., já referido, n.o 58).

61

Daqui resulta que, no que respeita a um trabalhador que, por razões independentes da sua vontade, não teve possibilidade de exercer o seu direito a férias anuais remuneradas antes da cessação da sua relação de trabalho, a compensação financeira a que tem direito deve ser calculada de forma a que esse trabalhador fique numa situação comparável àquela em que estaria se tivesse exercido o referido direito durante o período da relação de trabalho. Daqui resulta que a remuneração normal do trabalhador, que é a que deve ser mantida durante o período de descanso correspondente às férias anuais remuneradas, é igualmente determinante no que respeita ao cálculo da compensação financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho.

62

Em face do exposto, há que responder à segunda e terceira questões, na medida em que esta última se refere à compensação financeira das férias anuais remuneradas não gozadas, submetidas no processo C-350/06, bem como à segunda questão submetida no processo C-520/06, que o artigo 7.o, n.o 2, da Directiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições ou práticas nacionais segundo as quais, no momento da cessação da relação de trabalho, nenhuma compensação financeira é paga por férias anuais remuneradas não gozadas a um trabalhador que tenha estado de baixa por doença durante todo ou parte do período de referência e/ou de um período de reporte, razão pela qual não pôde exercer o seu direito a férias anuais remuneradas. No cálculo da referida compensação financeira, é igualmente determinante a remuneração normal do trabalhador, que é a que deve ser mantida durante o período de descanso correspondente às férias anuais remuneradas.

Quanto às despesas

63

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 7.o, n.o 1, da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a disposições ou práticas nacionais segundo as quais um trabalhador que se encontre de baixa por doença não pode gozar férias anuais remuneradas num período que coincide com uma baixa por doença.

 

2)

O artigo 7.o, n.o 1, da Directiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições ou práticas nacionais segundo as quais o direito às férias anuais remuneradas se extingue no termo do período de referência e/ou de um período de reporte previsto no direito nacional, mesmo quando o trabalhador tenha estado de baixa por doença durante todo ou parte do período de referência e a sua incapacidade para o trabalho se tenha mantido até à cessação da sua relação de trabalho, razão pela qual não pôde exercer o seu direito a férias anuais remuneradas.

 

3)

O artigo 7.o, n.o 2, da Directiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições ou práticas nacionais segundo as quais, no momento da cessação da relação de trabalho, nenhuma compensação financeira é paga por férias anuais remuneradas não gozadas a um trabalhador que tenha estado de baixa por doença durante todo ou parte do período de referência e/ou de um período de reporte, razão pela qual não pôde exercer o seu direito a férias anuais remuneradas. No cálculo da referida compensação financeira, é igualmente determinante a remuneração normal do trabalhador, que é a que deve ser mantida durante o período de descanso correspondente às férias anuais remuneradas.

 

Assinaturas


( *1 ) Línguas do processo: alemão e inglês.