Processo C-337/05

Comissão das Comunidades Europeias

contra

República Italiana

«Incumprimento de Estado — Contratos públicos de fornecimento — Directivas 77/62/CEE e 93/36/CEE — Adjudicação de contratos públicos sem publicação prévia de anúncio — Não abertura à concorrência — Helicópteros das marcas Agusta e Agusta Bell»

Conclusões do advogado-geral J. Mazák apresentadas em 10 de Julho de 2007   I - 2176

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 8 de Abril de 2008   I - 2195

Sumário do acórdão

  1. Acção por incumprimento — Processo pré-contencioso — Notificação para cumprir

    (Artigo 226.o CE)

  2. Aproximação das legislações — Processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento — Directiva 93/36 — Derrogações às regras comuns — Interpretação estrita

    (Directiva 93/36 do Conselho, artigo 6.o, n.os 2 e 3)

  3. Aproximação das legislações — Processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento — Directivas 77/62 e 93/36 — Adjudicação dos contratos

    (Directivas 93/36 e 77/62 do Conselho)

  1.  Na fase pré-contenciosa do processo por incumprimento, embora o parecer fundamentado referido no artigo 226.o CE deva conter uma exposição coerente e detalhada das razões que criaram na Comissão a convicção de que o Estado-Membro interessado não cumpriu uma das obrigações que lhe incumbem por força do Tratado, a notificação para cumprir não pode estar sujeita a exigências de precisão tão estritas como aquelas a que está sujeito o parecer fundamentado, uma vez que essa notificação só pode necessariamente consistir num primeiro resumo sucinto das acusações.

    (cf. n.o 23)

  2.  Resulta, nomeadamente, do décimo segundo considerando da Directiva 93/36, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento, que o procedimento de negociação é excepcional e só deve ser aplicado em casos taxativamente enumerados. Para esse fim, o artigo 6.o, n.os 2 e 3, da mesma directiva enumera taxativa e expressamente as únicas excepções que permitem o recurso ao procedimento de negociação. Com efeito, as derrogações às regras que têm por finalidade garantir a efectividade dos direitos reconhecidos pelo Tratado no sector dos contratos públicos devem ser objecto de interpretação estrita. Sob pena de privar a Directiva 93/36 do seu efeito útil, os Estados-Membros não podem, assim, admitir casos de recurso ao procedimento de negociação não previstos nesta directiva, ou acrescentar aos casos expressamente previstos na directiva novas condições que tenham por efeito facilitar o recurso ao referido procedimento. Além disso, recorde-se que é a quem pretende invocar uma derrogação que incumbe provar que as circunstâncias excepcionais que justificam essa derrogação se verificam efectivamente.

    (cf. n.os 56-58)

  3.  Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força das Directivas 93/36, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento, conforme alterada pela Directiva 97/52 e, anteriormente, da Directiva 77/62, relativa à coordenação dos processos de celebração dos contratos de fornecimento de direito público, conforme alterada e completada pelas Directivas 80/767 e 88/295, um Estado-Membro que seguiu uma prática, existente desde há longa data e que continua em vigor, que consiste em adjudicar directamente os contratos para a aquisição de helicópteros de determinada marca nacional destinados a prover às necessidades de vários corpos militares e civis, à margem de qualquer procedimento de abertura à concorrência, designadamente, sem observar os procedimentos previstos nas referidas directivas.

    Esta prática não pode ser justificada pela existência de uma relação «in house» desde que uma empresa privada tenha uma participação, ainda que minoritária, no capital da sociedade que produz os referidos helicópteros, na qual também participa a entidade adjudicante em causa, de tal forma que esta não possa exercer sobre a referida sociedade um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços.

    Por outro lado, no que respeita às exigências legítimas de interesse nacional previstas nos artigos 296.o CE e 2.o, n.o 1, alínea b), da Directiva 93/36, dado que estes helicópteros são bens de utilização dupla, qualquer Estado-Membro pode, por força do artigo 296.o, n.o 1, alínea b), CE, tomar as medidas que considere necessárias à protecção dos interesses essenciais da sua segurança e que estejam relacionadas com a produção ou o comércio de armas, munições e material de guerra, desde que, porém, essas medidas não alterem as condições da concorrência no mercado comum, no que diz respeito aos produtos não destinados a fins especificamente militares. Consequentemente, a compra de equipamentos, cuja utilização para fins militares não é certa, deve necessariamente observar as regras relativas à adjudicação dos contratos públicos. O fornecimento de helicópteros a corpos militares, para utilização civil, deve observar estas mesmas regras.

    (cf. n.os 38-41, 46-49, 60, disp.)