Processo C‑303/05

Advocaten voor de Wereld VZW

contra

Leden van de Ministerraad

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Arbitragehof)

«Cooperação policial e judiciária em matéria penal – Artigos 6.°, n.° 2, e 34.°, n.° 2, alínea b), UE – Decisão‑quadro 2002/584/JAI – Mandado de detenção europeu e processos de entrega entre os Estados‑Membros – Aproximação das legislações nacionais – Supressão do controlo da dupla incriminação – Validade»

Sumário do acórdão

1.        Questões prejudiciais – Competência do Tribunal de Justiça – Cooperação policial e judiciária em matéria penal

(Artigos 34.°, n.° 2,alínea b), UE e 35, n.° 1, UE)

2.        União Europeia – Cooperação policial e judiciária em matéria penal – Aproximação das disposições legislativas e regulamentares relativas à cooperação judiciária

(Artigo 34.°, n.° 2, UE; Decisão‑quadro 2002/584 do Conselho, artigo 31.°, n.° 1)

3.        União Europeia – Cooperação policial e judiciária em matéria penal – Decisão‑quadro relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros

(Decisão‑quadro 2002/584 do Conselho, artigos. 1.°, n.° 3, e 2.°, n.° 2)

4.        União Europeia – Cooperação policial e judiciária em matéria penal – Decisão‑quadro relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros

(Decisão‑quadro 2002/584 do Conselho, artigo 2.°, n.° 2)

1.        Nos termos do artigo 35.°, n.° 1, UE, o Tribunal de Justiça é competente, sob reserva das condições constantes do referido artigo, para decidir a título prejudicial sobre a validade e a interpretação, nomeadamente, das decisões‑quadro, o que implica necessariamente que possa, mesmo na inexistência de uma competência expressa para o efeito, interpretar disposições de direito primário como o artigo 34.°, n.° 2, alínea b), UE, quando, como no processo principal, é chamado a decidir se a decisão‑quadro foi devidamente adoptada com base nesta última disposição.

(cf. n.° 18)

2.        A Decisão‑quadro 2002/584, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros, que prevê a aproximação das disposições legislativas e regulamentares dos Estados‑Membros relativas à cooperação judiciária em matéria penal e, mais especificamente, das normas relativas às condições, procedimentos e efeitos da entrega entre autoridades nacionais de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal, não foi adoptada em violação do artigo 34.°, n.° 2, alínea b), UE.

Com efeito, o artigo 34.°, n.° 2, UE, na medida em que enumera e define, em termos gerais, os diversos tipos de instrumentos jurídicos que podem ser utilizados para «a realização dos objectivos da União» enunciados no título VI do Tratado UE, não pode ser interpretado no sentido de que exclui que a aproximação das disposições legislativas e regulamentares dos Estados‑Membros através da adopção de uma decisão‑quadro nos termos do referido n.° 2, alínea b), possa dizer respeito a domínios diferentes dos mencionados no artigo 31.°, n.° 1, alínea e), UE e, em particular, à matéria do mandado de detenção europeu.

Além disso, o artigo 34.°, n.° 2, UE também não estabelece qualquer prioridade entre os diferentes instrumentos nele enumerados. Embora seja verdade que o mandado de detenção europeu também poderia ter sido objecto de convenção, cabe no poder de apreciação do Conselho privilegiar o instrumento jurídico decisão‑quadro, quando se encontrem preenchidos os requisitos da adopção de tal acto.

Esta última conclusão não é infirmada pela circunstância de, nos termos do artigo 31.°, n.° 1, da decisão‑quadro, esta substituir, a partir de 1 de Janeiro de 2004, apenas nas relações entre Estados‑Membros, as disposições correspondentes das convenções anteriores relativas à extradição enumeradas nessa disposição. Qualquer outra interpretação, que não encontra suporte nem no artigo 34.°, n.° 2, UE nem em qualquer outra disposição do Tratado UE, poderia retirar o essencial do seu efeito útil à faculdade reconhecida ao Conselho de adoptar decisões‑quadro em domínios anteriormente regulados por convenções internacionais.

(cf. n.os 28‑29, 37‑38, 41‑43)

3.        O princípio da legalidade dos crimes e das penas (nullum crimen, nulla poena sine lege), que faz parte dos princípios gerais de direito na base das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, também foi consagrado por diversos tratados internacionais, nomeadamente pelo artigo 7.°, n.° 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Esse princípio exige que a lei defina claramente as infracções e as penas que as punem. Esse requisito está preenchido quando o particular pode saber, a partir da redacção da disposição pertinente e, na medida do necessário, com o auxílio da interpretação adoptada pelos tribunais, quais os actos e omissões que o fazem incorrer em responsabilidade penal

A este propósito, o artigo 2.°, n.° 2, da Decisão‑quadro 2002/584, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros, na medida em que suprime o controlo da dupla incriminação relativamente às infracções nele mencionadas, não é inválido por violação do referido princípio da legalidade dos crimes e das penas. Com efeito, a decisão‑quadro não se destina a harmonizar as infracções penais em causa quanto aos seus elementos constitutivos ou às penas aplicáveis. Embora o referido artigo 2.°, n.° 2, da decisão‑quadro suprima o controlo da dupla incriminação para as categorias de infracções nele mencionadas, a sua definição, bem como as penas aplicáveis, continua a competir ao direito do Estado‑Membro de emissão, que, como aliás é enunciado no artigo 1.°, n.° 3, desta mesma decisão‑quadro, deve respeitar os direitos fundamentais e os princípios jurídicos fundamentais consagrados no artigo 6.° UE e, por conseguinte, o princípio da legalidade dos crimes e das penas.

(cf. n.os 49‑50, 52‑54)

4.        O artigo 2.°, n.° 2, da Decisão‑quadro 2002/584, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros, na medida em que suprime o controlo da dupla incriminação relativamente às infracções nele mencionadas, não é inválido por violação dos princípios da igualdade e da não discriminação.

Com efeito, relativamente, por um lado, à escolha das 32 categorias de infracções previstas nesta disposição, o Conselho considerou, com base no princípio do reconhecimento mútuo e tendo em conta o elevado grau de confiança e de solidariedade entre os Estados‑Membros, que, quer devido à sua própria natureza, quer pelo facto de a pena aplicável ser de duração máxima não inferior a três anos, as categorias de infracções em causa fazem parte daquelas susceptíveis de lesar a ordem e a segurança públicas com tamanha gravidade que se justifica que o controlo da dupla incriminação não seja exigido. Consequentemente, mesmo admitindo que a situação de pessoas suspeitas de terem cometido infracções constantes da lista prevista no artigo 2.°, n.° 2, da decisão‑quadro ou condenadas por terem cometido essas infracções seja comparável à de pessoas suspeitas de terem cometido ou condenadas por terem cometido infracções diferentes das enumeradas nessa disposição, a distinção, de qualquer forma, é objectivamente justificada.

No que diz respeito, por outro lado, ao facto de a falta de precisão na definição das categorias de infracções em causa poder levar a uma aplicação divergente da decisão‑quadro nos diferentes ordenamentos jurídicos nacionais, basta referir que o seu objectivo não é o de harmonizar o direito penal material dos Estados‑Membros e que nenhuma disposição do título VI do Tratado UE sujeita a aplicação do mandado de detenção europeu à harmonização das legislações penais dos Estados‑Membros no domínio das infracções em causa.

(cf. n.os 57‑60)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

3 de Maio de 2007 (*)

«Cooperação policial e judiciária em matéria penal – Artigos 6.°, n.° 2, e 34.°, n.° 2, alínea b), UE – Decisão‑quadro 2002/584/JAI – Mandado de detenção europeu e processos de entrega entre os Estados‑Membros – Aproximação das legislações nacionais – Supressão do controlo da dupla incriminação – Validade»

No processo C‑303/05,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 35.° UE, apresentado pelo Arbitragehof (Bélgica), por decisão de 13 de Julho de 2005, entrado no Tribunal de Justiça em 29 de Julho de 2005, no processo

Advocaten voor de Wereld VZW

contra

Leden van de Ministerraad,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, R. Schintgen, P. Kūris, E. Juhász e J. Klučka, presidentes de secção, J. N. Cunha Rodrigues (relator), J. Makarczyk, U. Lõhmus, E. Levits e L. Bay Larsen, juízes,

advogado‑geral: D. Ruiz‑Jarabo Colomer,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 11 de Julho de 2006,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Advocaten voor de Wereld VZW, por L. Deleu, P. Bekaert e F. van Vlaenderen, advocaten,

–        em representação do Governo belga, por M. Wimmer, na qualidade de agente, assistido por E. Jacubowitz e P. de Maeyer, avocats,

–        em representação do Governo checo, por T. Boček, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo espanhol, por J. M. Rodríguez Cárcamo, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo francês, por G. de Bergues, J.‑C. Niollet e E. Belliard, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo letão, por E. Balode‑Buraka, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo lituano, por D. Kriaučiūnas, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster, M. de Mol e C. M. Wissels, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo polaco, por J. Pietras, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo finlandês, por E. Bygglin, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por S. Nwaokolo e C. Gibbs, na qualidade de agentes, assistidas por A. Dashwood, barrister,

–        em representação do Conselho da União Europeia, por S. Kyriakopoulou, J. Schutte e O. Petersen, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por W. Bogensberger e R. Troosters, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de Setembro de 2006,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a apreciação da validade da Decisão‑quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO L 190, p. 1, a seguir «decisão‑quadro»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um recurso de anulação da Lei belga de 19 de Dezembro de 2003 relativa ao mandado de detenção europeu (Moniteur belge de 22 de Dezembro de 2003, p. 60075, a seguir «Lei de 19 de Dezembro de 2003»), nomeadamente dos seus artigos 3.°, 5.°, n.os 1 e 2, e 7.°, interposto pela Advocaten voor de Wereld VZW (a seguir «Advocaten voor de Wereld») no Arbitragehof.

 Quadro jurídico

3        Nos termos do quinto considerando da decisão‑quadro:

«O objectivo que a União fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduz à supressão da extradição entre os Estados‑Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias. Acresce que a instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permite suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos actuais procedimentos de extradição. As relações de cooperação clássicas que até ao momento prevaleceram entre Estados‑Membros devem dar lugar a um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, tanto na fase pré‑sentencial como transitadas em julgado, no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça.»

4        O sexto considerando da decisão‑quadro dispõe:

«O mandado de detenção europeu previsto na presente decisão‑quadro constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de ‘pedra angular’ da cooperação judiciária.»

5        Nos termos do sétimo considerando da decisão‑quadro:

«Como o objectivo de substituir o sistema de extradição multilateral baseado na Convenção europeia de extradição de 13 de Dezembro de 1957 não pode ser suficientemente realizado pelos Estados‑Membros agindo unilateralmente e pode, pois, devido à sua dimensão e aos seus efeitos, ser melhor alcançado ao nível da União, o Conselho pode adoptar medidas em conformidade com o princípio da subsidiariedade referido no artigo 2.° do Tratado da União Europeia e no artigo 5.° do Tratado que institui a Comunidade Europeia. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade estabelecido neste último artigo, a presente decisão‑quadro não excede o necessário para atingir aquele objectivo.»

6        Nos termos do décimo primeiro considerando da decisão‑quadro:

«O mandado de detenção europeu deverá substituir, nas relações entre os Estados‑Membros, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição, incluindo as disposições nesta matéria do título III da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen.»

7        O artigo 1.° da decisão‑quadro, adoptado com base nos artigos 31.°, n.° 1, alíneas a) e b), UE e 34.°, n.° 2, alínea b), UE, dispõe:

«1.      O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado‑Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado‑Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

2.      Os Estados‑Membros executam todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente decisão‑quadro.

3.      A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.° do Tratado da União Europeia.»

8        O artigo 2.° da decisão‑quadro dispõe:

«1.      O mandado de detenção europeu pode ser emitido por factos puníveis, pela lei do Estado‑Membro de emissão, com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a 12 meses ou, quando tiver sido decretada uma pena ou aplicada uma medida de segurança, por sanções de duração não inferior a quatro meses.

2.      As infracções a seguir indicadas, caso sejam puníveis no Estado‑Membro de emissão com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a três anos e tal como definidas pela legislação do Estado‑Membro de emissão, determinam a entrega com base num mandado de detenção europeu, nas condições da presente decisão‑quadro e sem controlo da dupla incriminação do facto:

–        participação numa organização criminosa,

–        terrorismo,

–        tráfico de seres humanos,

–        exploração sexual de crianças e pedopornografia,

–        tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas,

–        tráfico ilícito de armas, munições e explosivos,

–        corrupção,

–        fraude, incluindo a fraude lesiva dos interesses financeiros das Comunidades Europeias na acepção da convenção de 26 de Julho de 1995, relativa à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias,

–        branqueamento dos produtos do crime,

–        falsificação de moeda, incluindo a contrafacção do euro,

–        cibercriminalidade,

–        crimes contra o ambiente, incluindo o tráfico ilícito de espécies animais ameaçadas e de espécies e essências vegetais ameaçadas,

–        auxílio à entrada e à permanência irregulares,

–        homicídio voluntário, ofensas corporais graves,

–        tráfico ilícito de órgãos e de tecidos humanos,

–        rapto, sequestro e tomada de reféns,

–        racismo e xenofobia,

–        roubo organizado ou à mão armada,

–        tráfico de bens culturais incluindo antiguidades e obras de arte,

–        burla,

–        extorsão de protecção e extorsão,

–        contrafacção e piratagem de produtos,

–        falsificação de documentos administrativos e respectivo tráfico,

–        falsificação de meios de pagamento,

–        tráfico ilícito de substâncias hormonais e outros factores de crescimento,

–        tráfico ilícito de materiais nucleares e radioactivos,

–        tráfico de veículos roubados,

–        violação,

–        fogo‑posto,

–        crimes abrangidos pela jurisdição do Tribunal Penal Internacional,

–        desvio de avião ou navio,

–        sabotagem.

3.      O Conselho pode decidir a qualquer momento, deliberando por unanimidade e após consulta ao Parlamento Europeu nas condições previstas no n.° 1 do artigo 39.° do Tratado da União Europeia (TUE), aditar outras categorias de infracções à lista contida no n.° 2 do presente artigo. O Conselho analisará, à luz do relatório que a Comissão lhe apresentar em virtude do n.° [3] do artigo 34.°, se se deve aumentar ou alterar aquela lista.

4.      No que respeita às infracções não abrangidas pelo n.° 2, a entrega pode ficar sujeita à condição de os factos para os quais o mandado de detenção europeu foi emitido constituírem uma infracção nos termos do direito do Estado‑Membro de execução, quaisquer que sejam os elementos constitutivos ou a qualificação da mesma.»

9        O artigo 31.° da decisão‑quadro dispõe:

«1.      Sem prejuízo da sua aplicação nas relações entre Estados‑Membros e Estados terceiros, as disposições constantes da presente decisão‑quadro substituem, a partir de 1 de Janeiro de 2004, as disposições correspondentes das convenções que se seguem, aplicáveis em matéria de extradição nas relações entre os Estados‑Membros:

a)      A Convenção europeia de extradição de 13 de Dezembro de 1957, o seu protocolo adicional de 15 de Outubro de 1975, o seu segundo protocolo adicional de 17 de Março de 1978 e a Convenção europeia para a repressão do terrorismo de 27 de Janeiro de 1977, no que diz respeito à extradição;

b)      O Acordo entre os Estados‑Membros das Comunidades Europeias sobre a simplificação e a modernização das formas de transmissão dos pedidos de extradição de 26 de Maio de 1989;

c)      A convenção de 10 de Março de 1995, relativa ao processo simplificado de extradição entre os Estados‑Membros da União Europeia;

d)      A convenção de 27 de Setembro de 1996, relativa à extradição entre os Estados‑Membros da União Europeia;

e)      O título III, capítulo IV, da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de Junho de 1985, relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns, de 19 de Junho de 1990.

2.      Os Estados‑Membros podem continuar a aplicar os acordos ou os convénios bilaterais ou multilaterais em vigor no momento da aprovação da presente decisão‑quadro, na medida em que estes permitam aprofundar ou alargar os objectivos da mesma e contribuam para simplificar ou facilitar ainda mais os processos de entrega das pessoas sobre as quais recaia um mandado de detenção europeu.

Os Estados‑Membros podem celebrar acordos ou convénios bilaterais ou multilaterais após a entrada em vigor da presente decisão‑quadro, na medida em que estes permitam aprofundar ou alargar o teor da mesma e contribuam para simplificar ou facilitar ainda mais os processos de entrega das pessoas sobre as quais recaia um mandado de detenção europeu, nomeadamente fixando prazos mais curtos do que os fixados no artigo 17.°, alargando a lista das infracções previstas no n.° 2 do artigo 2.°, limitando os motivos de recusa previstos nos artigos 3.° e 4.° ou reduzindo o limiar previsto no n.° 1 ou no n.° 2 do artigo 2.°

Os acordos e convénios a que se refere o segundo parágrafo não podem em caso algum afectar as relações com os Estados‑Membros que não sejam neles partes.

Os Estados‑Membros notificarão ao Conselho e à Comissão, no prazo de três meses após a entrada em vigor da presente decisão‑quadro, os acordos e convénios existentes a que se refere o primeiro parágrafo que desejem continuar a aplicar.

Os Estados‑Membros notificarão igualmente ao Conselho e à Comissão, no prazo de três meses a contar da respectiva assinatura, qualquer novo acordo ou convénio previsto no segundo parágrafo.

3.      Na medida em que se apliquem nos territórios dos Estados‑Membros ou em territórios cujas relações externas sejam assumidas por um Estado‑Membro e aos quais não se aplique a presente decisão‑quadro, as convenções ou os acordos a que se refere o n.° 1 continuam a reger as relações existentes entre tais territórios e os outros Estados‑Membros.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10      Resulta da decisão de reenvio que, por petição de 21 de Junho de 2004, a Advocaten voor de Wereld interpôs no Arbitragehof um recurso de anulação total ou parcial da Lei de 19 de Dezembro de 2003, que transpôs para o direito interno belga as disposições da decisão‑quadro.

11      Como fundamento do recurso, a Advocaten voor de Wereld alega, nomeadamente, que a decisão‑quadro é inválida porque a matéria do mandado de detenção europeu deveria ter sido regulada por convenção e não por decisão‑quadro, uma vez que, por força do artigo 34.°, n.° 2, alínea b), UE, as decisões‑quadro só podem ser adoptadas para efeitos de «aproximação das disposições legislativas e regulamentares dos Estados‑Membros», o que não é o caso.

12      A Advocaten voor de Wereld sustenta, além disso, que o artigo 5.°, n.° 2, da Lei de 19 de Dezembro de 2003, que transpôs para o direito interno belga o artigo 2.°, n.° 2, da decisão‑quadro, viola o princípio da igualdade e da não discriminação na medida em que, quanto aos factos puníveis mencionados nesta última disposição, em caso de execução de um mandado de detenção europeu, institui uma derrogação sem justificação objectiva e razoável à exigência da dupla incriminação, quando essa exigência se mantém relativamente a outras infracções.

13      A Advocaten voor de Wereld alega igualmente que a Lei de 19 de Dezembro de 2003 também não respeita o princípio da legalidade penal, na medida em que não enumera infracções de conteúdo normativo claro e preciso, mas apenas categorias vagas de comportamentos condenáveis. A autoridade judiciária que deve tomar uma decisão sobre a execução de um mandado de detenção europeu dispõe de informações insuficientes para controlar efectivamente se as infracções pelas quais a pessoa procurada é arguida, ou pelas quais lhe foi aplicada uma pena, estão abrangidas por uma das categorias mencionadas no artigo 5.°, n.° 2, da referida lei. A inexistência de uma definição clara e precisa das infracções objecto dessa disposição leva a uma aplicação discordante da referida lei pelas diversas autoridades responsáveis pela execução de um mandado de detenção europeu e, por essa razão, viola igualmente o princípio da igualdade e da não discriminação.

14      O Arbitragehof observa que a Lei de 19 de Dezembro de 2003 é consequência directa da decisão do Conselho de regular a matéria do mandado de detenção europeu por decisão‑quadro. Entende‑se que as críticas da Advocaten voor de Wereld à referida lei valem, na mesma medida, para a decisão‑quadro. As divergências de interpretação entre as instâncias judiciárias relativamente à validade de actos comunitários e da legislação que os implementa no direito interno comprometeriam a unidade da ordem jurídica comunitária e violariam o princípio geral da segurança jurídica.

15      O Arbitragehof acrescenta que, por força do artigo 35.°, n.° 1, UE, o Tribunal de Justiça tem competência exclusiva para decidir a título prejudicial sobre a validade das decisões‑quadro e que, nos termos do n.° 2 do mesmo artigo, o Reino da Bélgica aceitou a competência do Tribunal de Justiça na matéria.

16      Nestas circunstâncias, o Arbitragehof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A [d]ecisão‑quadro […] está em conformidade com o artigo 34.°, n.° 2, alínea b), UE, nos termos do qual as decisões‑quadro só podem ser adoptadas para efeitos de aproximação das disposições legislativas e regulamentares dos Estados‑Membros?

2)      O artigo 2.°, n.° 2, da [d]ecisão‑quadro [...], na medida em que elimina o controlo da condição da dupla incriminação relativamente às infracções aí mencionadas, está em conformidade com o artigo 6.°, n.° 2, UE, mais especificamente com o princípio da legalidade em matéria penal consagrado nessa disposição e com o princípio da igualdade e da não discriminação?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

 Quanto à admissibilidade

17      O Governo checo alega que a primeira questão prejudicial é inadmissível pelo facto de obrigar o Tribunal de Justiça a analisar o artigo 34.°, n.° 2, alínea b), UE, que é uma disposição de direito primário que não é abrangida pela sua competência de fiscalização.

18      Esta argumentação não procede. Com efeito, nos termos do artigo 35.°, n.° 1, UE, o Tribunal de Justiça é competente, sob reserva das condições constantes do referido artigo, para decidir a título prejudicial sobre a validade e a interpretação, nomeadamente, das decisões‑quadro, o que implica necessariamente que possa, mesmo na inexistência de uma competência expressa para o efeito, interpretar disposições de direito primário como o artigo 34.°, n.° 2, alínea b), UE, quando, como no processo principal, é chamado a decidir se a decisão‑quadro foi devidamente adoptada com base nesta última disposição.

19      Segundo o Governo checo, a primeira questão prejudicial é também inadmissível na medida em que a decisão de reenvio não enuncia claramente as razões pertinentes que justificariam a declaração de invalidade da decisão‑quadro. Consequentemente, não foi possível a esse governo apresentar utilmente observações sobre essa questão. Mais particularmente, na medida em que a Advocaten voor de Wereld sustenta que a decisão‑quadro não levou a uma aproximação das disposições legislativas dos Estados‑Membros, devia ter fundamentado essa afirmação e o Arbitragehof devia tê‑lo mencionado na decisão de reenvio.

20      Há que recordar que os dados fornecidos nas decisões de reenvio não servem apenas para permitir ao Tribunal de Justiça dar respostas úteis mas também para dar aos governos dos Estados‑Membros, bem como às demais partes interessadas, a possibilidade de apresentarem observações nos termos do artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, despacho de 2 de Março de 1999, Colonia Versicherung e o., C‑422/98, Colect., p. I‑1279, n.° 5).

21      No processo principal, a decisão de reenvio contém indicações suficientes para cumprir essas exigências. Com efeito, como foi referido no n.° 11 do presente acórdão, resulta da decisão de reenvio que a Advocaten voor de Wereld defende a tese de que a matéria do mandado de detenção europeu deveria ter sido regulada por convenção e não por decisão‑quadro, uma vez que, por força do artigo 34.°, n.° 2, alínea b), UE, as decisões‑quadro só podem ser adoptadas para efeitos de «aproximação das disposições legislativas e regulamentares dos Estados‑Membros», o que não é o caso.

22      Tais indicações são suficientes não apenas para permitir ao Tribunal de Justiça dar uma resposta útil mas também para garantir a possibilidade de as partes, os Estados‑Membros, o Conselho e a Comissão apresentarem observações, nos termos do artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, o que aliás é demonstrado pelas observações apresentadas por todas as partes que intervieram no presente processo, incluindo as apresentadas pelo Governo checo.

23      Por conseguinte, a primeira questão prejudicial é admissível.

 Quanto ao mérito

24      A Advocaten voor de Wereld sustenta, contrariamente a todas as outras partes que apresentaram observações no presente processo, que a matéria do mandado de detenção europeu deveria ter sido regulada, nos termos do artigo 34.°, n.° 2, alínea d), UE, por convenção.

25      Com efeito, por um lado, a decisão‑quadro não pode ter sido validamente adoptada para efeitos de aproximação das disposições legislativas e regulamentares como previsto no artigo 34.°, n.° 2, alínea b), UE, na medida em que o Conselho só está habilitado a adoptar decisões‑quadro para a aproximação progressiva das normas de direito penal nos casos previstos nos artigos 29.°, segundo parágrafo, terceiro travessão, UE e 31.°, n.° 1, alínea e), UE. Relativamente às outras acções em comum no domínio da cooperação judiciária em matéria penal, o Conselho deve recorrer a convenções, nos termos do artigo 34.°, n.° 2, alínea d), UE.

26      Por outro lado, nos termos do artigo 31.° da decisão‑quadro, esta substitui, a partir de 1 de Janeiro de 2004, o direito convencional aplicável em matéria de extradição nas relações entre os Estados‑Membros. Ora, só um acto da mesma natureza, ou seja, uma convenção, na acepção do artigo 34.°, n.° 2, alínea d), UE, pode revogar validamente o direito convencional em vigor.

27      Esta argumentação não pode ser acolhida.

28      Como resulta, em particular, do artigo 1.°, n.os 1 e 2, e dos considerandos quinto a sétimo e décimo primeiro da decisão‑quadro, esta tem por objectivo substituir o sistema de extradição multilateral entre Estados‑Membros por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal baseado no princípio do reconhecimento mútuo.

29      O reconhecimento mútuo dos mandados de detenção emitidos pelos diversos Estados‑Membros em conformidade com o direito do Estado de emissão em causa exige a aproximação das disposições legislativas e regulamentares dos Estados‑Membros relativas à cooperação judiciária em matéria penal e, mais especificamente, das normas relativas às condições, procedimentos e efeitos da entrega entre autoridades nacionais.

30      É precisamente esse o objectivo da decisão‑quadro no que diz respeito, nomeadamente, às normas relativas às categorias de infracções enumeradas relativamente às quais não há controlo da dupla incriminação (artigo 2.°, n.° 2), aos motivos de não execução obrigatória ou facultativa do mandado de detenção europeu (artigos 3.° e 4.°), ao conteúdo e forma deste último (artigo 8.°), à transmissão de tal mandado e às regras dessa transmissão (artigos 9.° e 10.°), às garantias mínimas que devem ser concedidas à pessoa procurada ou detida (artigos 11.° a 14.°), aos prazos e regras relativos à decisão de execução do referido mandado (artigo 17.°) e aos prazos para a entrega da pessoa procurada (artigo 23.°).

31      A decisão‑quadro baseia‑se no artigo 31.°, n.° 1, alíneas a) e b), UE, que dispõe que a acção em comum no domínio da cooperação judiciária em matéria penal tem por objectivo, nomeadamente, facilitar e acelerar a cooperação judiciária no que respeita à tramitação dos processos e à execução das decisões e facilitar a extradição entre os Estados‑Membros.

32      Contrariamente ao que sustenta a Advocaten voor de Wereld, nada permite concluir que a aproximação das disposições legislativas e regulamentares dos Estados‑Membros através da adopção de decisões‑quadro nos termos do artigo 34.°, n.° 2, alínea b), UE apenas abrange as normas de direito penal dos Estados‑Membros mencionadas no artigo 31.°, n.° 1, alínea e), UE, ou seja, as relativas aos elementos constitutivos das infracções penais e das sanções aplicáveis nos domínios enumerados nesta última disposição.

33      Nos termos do artigo 2.°, primeiro parágrafo, quarto travessão, UE, o desenvolvimento de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça consta dos objectivos prosseguidos pela União e o artigo 29.°, primeiro parágrafo, UE dispõe que, para facultar aos cidadãos um elevado nível de protecção nesse espaço, são instituídas acções em comum entre os Estados‑Membros, nomeadamente no domínio da cooperação judiciária em matéria penal. Nos termos do segundo parágrafo, segundo travessão, do mesmo artigo, esse objectivo será atingido através de uma «cooperação mais estreita entre as autoridades judiciárias e outras autoridades competentes dos Estados‑Membros, […], nos termos do disposto nos artigos 31.° [UE] e 32.° [UE]».

34      O artigo 31.°, n.° 1, alíneas a) e b), UE não contém, todavia, qualquer indicação relativamente aos instrumentos jurídicos que devem ser utilizados para esse efeito.

35      Por outro lado, é em termos gerais que o artigo 34.°, n.° 2, UE dispõe que o Conselho «tomará medidas e promoverá a cooperação […] no sentido de contribuir para a realização dos objectivos da União» e habilita o Conselho, «[p]ara o efeito», a adoptar diferentes tipos de actos, enumerados no referido n.° 2, alíneas a) a d), entre os quais constam as decisões‑quadro e as convenções.

36      Além disso, nem o artigo 34.°, n.° 2, UE nem qualquer outra disposição do título VI do Tratado UE fazem qualquer distinção quanto aos tipos de actos que podem ser adoptados em função da matéria objecto da acção em comum no domínio da cooperação penal.

37      O artigo 34.°, n.° 2, UE também não estabelece qualquer prioridade entre os diferentes instrumentos nele enumerados, de modo que não está excluído que o Conselho possa optar entre diversos instrumentos para regular a mesma matéria, sem prejuízo dos limites impostos pela natureza do instrumento escolhido.

38      Nestas circunstâncias, o artigo 34.°, n.° 2, UE, na medida em que enumera e define, em termos gerais, os diversos tipos de instrumentos jurídicos que podem ser utilizados para «a realização dos objectivos da União» enunciados no título VI do Tratado UE, não pode ser interpretado no sentido de que exclui que a aproximação das disposições legislativas e regulamentares dos Estados‑Membros através da adopção de uma decisão‑quadro nos termos do referido n.° 2, alínea b), possa dizer respeito a domínios diferentes dos mencionados no artigo 31.°, n.° 1, alínea e), UE e, em particular, à matéria do mandado de detenção europeu.

39      A interpretação segundo a qual a aproximação das disposições legislativas e regulamentares dos Estados‑Membros através da adopção de decisões‑quadro não é apenas autorizada nos domínios previstos no artigo 31.°, n.° 1, alínea e), UE é corroborada pelo mesmo n.° 1, alínea c), que dispõe que as acções em comum também têm por objectivo «[a]ssegurar a compatibilidade das normas aplicáveis nos Estados‑Membros, na medida do necessário para melhorar a […] cooperação [judiciária em matéria penal]», sem distinguir entre os diferentes tipos de actos que podem ser utilizados para efeitos de aproximação dessas normas.

40      No caso em apreço, na medida em que o artigo 34.°, n.° 2, alínea c), UE exclui a possibilidade de o Conselho recorrer a uma decisão para proceder à aproximação das disposições legislativas e regulamentares dos Estados‑Membros e em que o instrumento jurídico posição comum, na acepção do mesmo n.° 2, alínea a), se deve limitar a definir a abordagem da União em relação a uma questão específica, coloca‑se a questão de saber se, ao contrário do que sustenta a Advocaten voor de Wereld, o Conselho podia validamente regular a matéria do mandado de detenção europeu por decisão‑quadro em vez de convenção nos termos do artigo 34.°, n.° 2, alínea d), UE.

41      Embora seja verdade que o mandado de detenção europeu também poderia ter sido objecto de convenção, cabe no poder de apreciação do Conselho privilegiar o instrumento jurídico decisão‑quadro, quando, como no caso vertente, se encontrem preenchidos os requisitos da adopção de tal acto.

42      Esta conclusão não é infirmada pela circunstância de, nos termos do artigo 31.°, n.° 1, da decisão‑quadro, esta substituir, a partir de 1 de Janeiro de 2004, apenas nas relações entre Estados‑Membros, as disposições correspondentes das convenções anteriores relativas à extradição enumeradas nessa disposição. Qualquer outra interpretação, que não encontra suporte nem no artigo 34.°, n.° 2, UE nem em qualquer outra disposição do Tratado UE, poderia retirar o essencial do seu efeito útil à faculdade reconhecida ao Conselho de adoptar decisões‑quadro em domínios anteriormente regulados por convenções internacionais.

43      Consequentemente, a decisão‑quadro não foi adoptada em violação do artigo 34.°, n.° 2, alínea b), UE.

 Quanto à segunda questão

44      A Advocaten voor de Wereld alega, contrariamente a todas as outras partes que apresentaram observações no âmbito do presente processo, que o artigo 2.°, n.° 2, da decisão‑quadro, na medida em que elimina o controlo da dupla incriminação relativamente às infracções nele mencionadas, é contrário ao princípio da igualdade e da não discriminação, bem como ao princípio da legalidade penal.

45      Há que referir desde já que, nos termos do artigo 6.° UE, a União assenta no princípio do Estado de Direito e respeita os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de Novembro de 1950, e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário. Por conseguinte, as instituições estão sujeitas à fiscalização da conformidade dos seus actos com os Tratados e com os princípios gerais de direito, assim como os Estados‑Membros o estão quando executam o direito da União (v., nomeadamente, acórdãos de 27 de Fevereiro de 2007, Gestoras Pro Amnistía e o./Conselho, C‑354/04 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 51, e Segi e o./Conselho, C‑ 355/04 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 51).

46      É pacífico que esses princípios incluem tanto o princípio da legalidade dos crimes e das penas como o princípio da igualdade e da não discriminação, que também foram reafirmados, respectivamente, nos artigos 49.°, 20.° e 21.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 7 de Dezembro de 2000, em Nice (JO C 364, p. 1).

47      Assim, compete ao Tribunal de Justiça analisar a validade da decisão‑quadro à luz dos referidos princípios.

 Quanto ao princípio da legalidade dos crimes e das penas

48      Segundo a Advocaten voor de Wereld, a lista de mais de 30 infracções relativamente às quais o requisito tradicional da dupla incriminação é abandonado quando as mesmas forem puníveis no Estado‑Membro de emissão com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a três anos é de tal forma vaga e imprecisa que infringe, ou pelo menos pode infringir, o princípio da legalidade penal. Os crimes mencionados nessa lista não são acompanhados da respectiva definição legal, constituindo categorias muito vagamente definidas de comportamentos condenáveis. Quem for privado de liberdade em execução de um mandado de detenção europeu sem verificação da dupla incriminação não beneficia da garantia segundo a qual a lei penal deve preencher os requisitos de precisão, clareza e previsibilidade que permitem saber, no momento da prática de um acto, se este é ou não um crime, contrariamente aos que são privados de liberdade fora do âmbito de um mandado de detenção europeu.

49      Há que recordar que o princípio da legalidade dos crimes e das penas (nullum crimen, nulla poena sine lege), que faz parte dos princípios gerais de direito na base das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, também foi consagrado por diversos tratados internacionais, nomeadamente pelo artigo 7.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 12 de Dezembro de 1996, X, C‑74/95 e C‑129/95, Colect., p. I‑6609, n.° 25, e de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.os 215 a 219).

50      Esse princípio exige que a lei defina claramente as infracções e as penas que as punem. Esse requisito está preenchido quando o particular pode saber, a partir da redacção da disposição pertinente e, na medida do necessário, com o auxílio da interpretação adoptada pelo tribunais, quais os actos e omissões que o fazem incorrer em responsabilidade penal (v., nomeadamente, TEDH, acórdão Coëme e o. c. Bélgica de 22 de Junho de 2000, Colectânea dos acórdãos e decisões 2000‑VII, § 145).

51      Nos termos do artigo 2.°, n.° 2, da decisão‑quadro, as infracções nele enumeradas, «caso sejam puníveis no Estado‑Membro de emissão com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a três anos e tal como definidas pela legislação do Estado‑Membro de emissão», determinam a entrega com base num mandado de detenção europeu sem controlo da dupla incriminação do facto.

52      Por conseguinte, mesmo que os Estados‑Membros reproduzam literalmente a enumeração das categorias de infracções que constam do artigo 2.°, n.° 2, da decisão‑quadro para efeitos da sua implementação, a própria definição dessas infracções e das penas aplicáveis é a que resulta do direito «do Estado‑Membro de emissão». A decisão‑quadro não se destina a harmonizar as infracções penais em causa quanto aos seus elementos constitutivos ou às penas aplicáveis.

53      Assim, embora o artigo 2.°, n.° 2, da decisão‑quadro suprima o controlo da dupla incriminação para as categorias de infracções nele mencionadas, a sua definição, bem como as penas aplicáveis, continua a competir ao direito do Estado‑Membro de emissão, que, como aliás é enunciado no artigo 1.°, n.° 3, desta mesma decisão‑quadro, deve respeitar os direitos fundamentais e os princípios jurídicos fundamentais consagrados no artigo 6.° UE e, por conseguinte, o princípio da legalidade dos crimes e das penas.

54      Daqui decorre que o artigo 2.°, n.° 2, da decisão‑quadro, na medida em que suprime o controlo da dupla incriminação relativamente às infracções nele mencionadas, não é inválido por violação do princípio da legalidade dos crimes e das penas.

 Quanto ao princípio da igualdade e da não discriminação

55      Segundo a Advocaten voor de Wereld, a decisão‑quadro viola o princípio da igualdade e da não discriminação na medida em que, quanto às infracções não previstas no seu artigo 2.°, n.° 2, a entrega pode ser sujeita à condição de os factos que motivaram a emissão do mandado de detenção europeu também constituírem infracção no âmbito do direito do Estado‑Membro de execução. Essa distinção não é objectivamente justificada. A supressão do controlo da dupla incriminação é tanto mais contestável quanto nenhuma definição circunstanciada dos factos pelos quais é pedida a entrega consta da decisão‑quadro. O regime por esta instituído cria uma diferença de tratamento injustificada entre os particulares consoante os factos imputados tenham ocorrido no Estado‑Membro de execução ou fora desse Estado. Por conseguinte, esses mesmos particulares são julgados diferentemente quanto à sua privação de liberdade sem que isso se justifique.

56      Há que observar que o princípio da igualdade e da não discriminação exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, excepto se esse tratamento for objectivamente justificado (v., nomeadamente, acórdão de 26 de Outubro de 2006, Koninklijke Coöperatie Cosun, C‑248/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 72 e jurisprudência referida).

57      Relativamente, por um lado, à escolha das 32 categorias de infracções previstas no artigo 2.°, n.° 2, da decisão‑quadro, o Conselho considerou, com base no princípio do reconhecimento mútuo e tendo em conta o elevado grau de confiança e de solidariedade entre os Estados‑Membros, que, quer devido à sua própria natureza, quer pelo facto de a pena aplicável ter de ser de duração máxima não inferior a três anos, as categorias de infracções em causa fazem parte daquelas susceptíveis de lesar a ordem e a segurança públicas com tamanha gravidade que se justifica que o controlo da dupla incriminação não seja exigido.

58      Consequentemente, mesmo admitindo que a situação de pessoas suspeitas de terem cometido infracções constantes da lista prevista no artigo 2.°, n.° 2, da decisão‑quadro ou condenadas por terem cometido essas infracções seja comparável à de pessoas suspeitas de terem cometido ou condenadas por terem cometido infracções diferentes das enumeradas nessa disposição, a distinção, de qualquer forma, é objectivamente justificada.

59      No que diz respeito, por outro lado, ao facto de a falta de precisão na definição das categorias de infracções em causa poder levar a uma aplicação divergente da decisão‑quadro nos diferentes ordenamentos jurídicos nacionais, basta referir que o seu objectivo não é o de harmonizar o direito penal material dos Estados‑Membros e que nenhuma disposição do título VI do Tratado UE, cujos artigos 34.° e 31.° foram designados como a base jurídica dessa decisão‑quadro, sujeita a aplicação do mandado de detenção europeu à harmonização das legislações penais dos Estados‑Membros no domínio das infracções em causa (v., por analogia, nomeadamente, acórdãos de 11 de Fevereiro de 2003, Gözütok e Brügge, C‑187/01 e C‑385/01, Colect., p. I‑1345, n.° 32, e de 28 de Setembro de 2006, Gasparini e o., C‑467/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 29).

60      Consequentemente, o artigo 2.°, n.° 2, da decisão‑quadro, na medida em que suprime o controlo da dupla incriminação relativamente às infracções nele mencionadas, não é inválido por violação do artigo 6.°, n.° 2, UE e, mais especificamente, dos princípios da legalidade dos crimes e das penas e da igualdade e da não discriminação.

61      Face ao exposto, há que responder que a análise das questões colocadas não revelou nenhum elemento susceptível de afectar a validade da decisão‑quadro.

 Quanto às despesas

62      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

A análise das questões colocadas não revelou nenhum elemento susceptível de afectar a validade da Decisão‑quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.