Processo C‑217/05

Confederación Española de Empresarios de Estaciones de Servicio

contra

Compañía Española de Petróleos SA

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Supremo)

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Acordos entre empresas – Artigo 85.° do Tratado CEE (que passou a artigo 85.° do Tratado CE, actual artigo 81.° CE) – Artigos 10.° a 13.° do Regulamento (CEE) n.° 1984/83 – Contratos de compra exclusiva de carburantes denominados ‘contratos de comissão de venda com garantia’ e ‘contratos de agência’ entre exploradores de estações de serviço e empresas petrolíferas»

Conclusões da advogada‑geral J. Kokott apresentadas em 13 de Julho de 2006 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 14 de Dezembro de 2006 

Sumário do acórdão

1.     Questões prejudiciais – Competência do Tribunal de Justiça – Limites

(Artigo 234.º CE)

2.     Questões prejudiciais – Admissibilidade

(Artigo 234.º CE)

3.     Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Acordos entre empresas – Conceito

[Tratado CE, artigos 85.º e 85.º, n.º 1 (que passaram a artigos 81.º CE e 81.º, n.º 1, CE)]

4.     Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Proibição – Isenção por categoria – Acordos de compra exclusiva – Regulamento n.° 1984/83

[Tratado CE, artigo 85.º, n.º 3 (que passou a artigo 81.º, n.º 3, CE); Regulamento nº 1984/83 da Comissão, artigos 10.º a 13.º]

1.     Não resulta dos termos do artigo 234.° CE nem do objecto do processo instituído por esse artigo que os autores do Tratado tenham entendido excluir da competência do Tribunal de Justiça os reenvios prejudiciais que se referem a uma disposição comunitária, no caso particular em que o direito nacional de um Estado‑Membro remete para o conteúdo dessa disposição para determinar as regras aplicáveis a uma situação puramente interna desse Estado.

Por conseguinte, quando a legislação nacional se adequa, para as soluções que dá a situações puramente internas, às soluções escolhidas em direito comunitário, a fim de evitar eventuais distorções de concorrência, existe um interesse comunitário manifesto em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou as noções que foram buscar ao direito comunitário sejam interpretadas de forma uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se devem aplicar.

Assim, mesmo que a disposição nacional em causa no processo principal se limite a fazer expressamente referência a um acto de direito comunitário, para determinar as regras aplicáveis a situações internas, dado que, através dessa remissão, o legislador nacional decidiu aplicar um tratamento idêntico às situações internas e às situações comunitárias, o Tribunal de Justiça é competente para interpretar esse acto, para o qual se remeteu.

(cf. n.os 19, 20, 22)

2.     Uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional é inadmissível quando o Tribunal de Justiça não disponha de elementos de facto e de direito necessários para responder de forma útil às questões que lhe são submetidas.

A fim de se certificar de que os elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio satisfazem essas exigências, há que ter em consideração a natureza e o alcance da questão submetida. Na medida em que a exigência de precisão quanto ao contexto factual vale particularmente no domínio da concorrência, que é caracterizado por situações de facto e de direito complexas, deve examinar‑se, especificamente nessa situação, se a decisão de reenvio fornece, a este respeito, indicações suficientes para permitir ao Tribunal de Justiça dar uma resposta útil à referida questão.

A este propósito, se a decisão de reenvio não contém certas indicações pertinentes para a resposta à questão submetida, mas, apesar dessas lacunas, permite determinar o alcance da questão submetida, o Tribunal de Justiça dispõe de elementos de facto suficientes para interpretar as regras comunitárias em causa e dar uma resposta útil a essa questão.

(cf. n.os 28‑31)

3.     Para efeitos da aplicação das regras de concorrência, e, particularmente do artigo 85.° do Tratado CEE (que passou a artigo 85.° do Tratado CE, actual artigo 81.° CE), a separação formal entre dois contratantes, resultante da sua personalidade jurídica distinta, não é determinante, sendo o critério decisivo a existência, ou não, de uma unidade de comportamento no mercado.

Embora em certas circunstâncias, as relações entre um comitente e o seu intermediário possam ser caracterizadas por essa unidade económica, todavia, os intermediários só são susceptíveis de perder a sua qualidade de operador económico independente quando não suportem nenhum dos riscos resultantes dos contratos negociados ou concluídos por conta do comitente e operem como auxiliares integrados na empresa deste.

Quando um intermediário, como o explorador de uma estação de serviço, embora tendo personalidade jurídica distinta, não determina de forma autónoma o seu comportamento no mercado, dado que depende totalmente do seu comitente, concretamente, um fornecedor de carburantes, pelo facto de este último incorrer nos riscos financeiros e comerciais no que respeita à actividade económica em causa, a proibição decretada pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado é inaplicável às relações entre esse intermediário e esse comitente.

Inversamente, quando as convenções celebradas entre o comitente e os seus intermediários conferirem ou deixarem a estes últimos funções que se aproximam economicamente das de um operador económico independente, pelo facto de elas preverem a assunção, por esses intermediários, dos riscos financeiros e comerciais ligados à venda ou à execução dos contratos celebrados com terceiros, os referidos intermediários não podem ser considerados órgãos auxiliares integrados na empresa do comitente, de forma que uma cláusula restritiva de concorrência convencionada entre essas partes pode constituir um acordo entre empresas na acepção do artigo 85.° do Tratado.

Decorre daí que o elemento determinante para estabelecer se um explorador de uma estação de serviço é um operador económico independente reside na convenção concluída com o comitente e, em particular, nas cláusulas, tácitas ou expressas dessa convenção relativas à assunção dos riscos financeiros e comerciais ligados à venda das mercadorias a terceiros. Esta questão do risco deve ser analisada caso a caso e tendo em conta mais a realidade económica do que a qualificação jurídica da relação contratual em direito interno.

Para esse efeito, é necessário recorrer a critérios como a propriedade das mercadorias, a contribuição para os custos ligados à sua distribuição, a sua manutenção, a responsabilidade pelos danos eventuais nas mercadorias ou causados por estas a terceiros e a realização dos investimentos específicos para a venda das referidas mercadorias.

Todavia, não é de molde a tornar aplicável o artigo 85.° do Tratado, o facto de o intermediário suportar somente uma parte pouco significativa dos riscos.

Nesse caso, só as obrigações impostas ao intermediário no âmbito da venda de mercadorias a terceiros por conta do comitente não estão abrangidas por esse artigo. Com efeito, um contrato de agência pode conter cláusulas respeitantes às relações entre o agente e o comitente, às quais se aplica o referido artigo, como cláusulas de exclusividade e de não concorrência. A esse propósito, no âmbito dessas relações, os agentes são, em princípio, operadores económicos independentes e as referidas disposições são susceptíveis de infringir as regras da concorrência na medida em que contribuam para o encerramento do mercado em causa.

Assim, o artigo 85.° do Tratado aplica‑se a uma convenção de distribuição exclusiva de carburantes e de combustíveis, celebrada entre um fornecedor e um explorador de estação de serviço, quando esse explorador assuma, numa proporção significativa, um ou vários riscos financeiros e comerciais ligados à venda a terceiros.

(cf. n.os 41‑46, 60‑62, 65, disp. 1)

4.     O artigo 11.° do Regulamento n.° 1984/83, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado (que passou a artigo 81.°,n.º 1, CE) enumera as obrigações que, além da cláusula de exclusividade, podem ser impostas ao revendedor, entre as quais não figura a imposição do preço de venda ao público. Por conseguinte, a fixação de um preço constitui uma restrição da concorrência que não está abrangida pela isenção do artigo 10.° do referido regulamento.

Os artigos 10.° a 13.° do Regulamento (CEE) n.° 1984/83, devem ser interpretados no sentido de que uma convenção de distribuição exclusiva de carburantes e de combustíveis celebrada entre um fornecedor e um explorador de uma estação de serviço, não está abrangida pelo referido regulamento, na medida em que prevê a obrigação de o referido explorador respeitar o preço de venda final ao público fixado pelo fornecedor.

(cf. n.os 64, 66, disp. 2)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

14 de Dezembro de 2006 (*)

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Acordos entre empresas – Artigo 85.° do Tratado CEE (que passou a artigo 85.° do Tratado CE, actual artigo 81.° CE) – Artigos 10.° a 13.° do Regulamento (CEE) n.° 1984/83 – Contratos de compra exclusiva de carburantes denominados ‘contratos de comissão de venda com garantia’ e ‘contratos de agência’ entre exploradores de estações de serviço e empresas petrolíferas»

No processo C‑217/05,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Tribunal Supremo (Espanha), por decisão de 3 de Março de 2005, entrado no Tribunal de Justiça em 17 de Maio de 2005, no processo

Confederación Española de Empresarios de Estaciones de Servicio

contra

Compañía Española de Petróleos SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, A. Borg Barthet, J. Malenovský, U. Lõhmus (relator) e A. Ó Caoimh, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 6 de Julho de 2006,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação da Confederación Española de Empresarios de Estaciones de Servicio, por A. Hernández Pardo, abogado, C. Flores Hernández e L. Ruiz Ezquerra, abogadas,

–       em representação da Compañía Española de Petróleos SA, por J. Folguera Crespo e A. Martínez Sánchez, abogados,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por E. Gippini Fournier e K. Mojzesowicz, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 13 de Julho de 2006,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 10.° a 13.° do Regulamento (CEE) n.° 1984/83 da Comissão, de 22 de Junho de 1983, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado a certas categorias de acordos de compra exclusiva (JO L 173, p. 5; EE 08 F2 p. 114; e, rectificativo, JO L 79, p. 38).

2       Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe a Confederación Española de Empresarios de Estaciones de Servicio (a seguir «Confederação»), recorrente no processo principal, à Compañía Española de Petróleos SA (a seguir «CEPSA»), recorrida no processo principal, relativamente a práticas restritivas da concorrência censuradas a esta última, que decorrem de convenções concluídas entre ela e algumas empresas que exploram estações de serviço.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3       O Regulamento n.° 1984/83 exclui do âmbito de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CEE (que passou a artigo 85.° do Tratado CE, actual artigo 81.° CE) certas categorias de acordos de compra exclusiva e de práticas concertadas que preenchem normalmente os requisitos previstos no n.° 3 do referido artigo, pelo facto de contribuírem, em geral, para melhorar a distribuição dos produtos. Este regulamento contém, nos seus artigos 10.° a 13.°, disposições especiais para os acordos de estações de serviço.

4       Em conformidade com o artigo 10.° do referido regulamento:

«Nos termos do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado e nas condições previstas nos artigos 11.° a 13.° do presente regulamento, o n.° 1 do artigo 85.° do referido Tratado é declarado inaplicável aos acordos em que participam apenas duas empresas e nos quais uma, o revendedor, se compromete perante a outra, o fornecedor, em contrapartida da concessão de vantagens económicas ou financeiras especiais, a comprar só a este, a uma empresa a ele ligada ou a uma terceira empresa que ele haja encarregado da distribuição dos seus produtos, para fins de revenda numa estação de serviço designada no acordo, certos combustíveis para veículos a motor à base de produtos petrolíferos ou certos combustíveis para veículos a motor e combustíveis à base de produtos petrolíferos especificados no acordo.»

5       O artigo 11.° do referido regulamento dispõe:

«Para além da obrigação enunciada no artigo 10.°, não pode ser imposta ao revendedor qualquer outra restrição de concorrência que não seja:

a)      A obrigação de não revender, na estação de serviço designada no acordo, combustíveis para veículos a motor ou combustíveis fornecidos por terceiras empresas;

b)      A obrigação de não utilizar, na estação de serviço designada no acordo, lubrificantes ou produtos petrolíferos conexos, oferecidos por terceiras empresas, quando o fornecedor ou uma empresa a ele ligada tiverem colocado à disposição do revendedor, ou tiverem financiado, um equipamento de remoção de óleos ou outras instalações de lubrificação de veículos a motor;

c)      A obrigação de só fazer publicidade, em relação aos produtos entregues por terceiras empresas, no interior ou no exterior da estação de serviços, na proporção da parte que estes produtos representam no volume de vendas total da estação de serviço;

d)      A obrigação de só deixar fiscalizar pelo fornecedor, ou uma empresa por ele designada, as instalações de depósito ou de distribuição de produtos petrolíferos que sejam propriedade do fornecedor ou que tenham sido financiadas pelo fornecedor ou por uma empresa que lhe esteja ligada.»

6       O artigo 12.° do Regulamento n.° 1984/83 enumera as cláusulas e os compromissos contratuais que constituem obstáculo à aplicação do seu artigo 10.° O artigo 13.° desse mesmo regulamento prevê a aplicação, por analogia, dos seus artigos 2.°, n.os 1 e 3, 3.°, alíneas a) e b), 4.° e 5.° aos acordos de estações de serviço.

 Regulamentação nacional

7       A Lei n.° 16/1989, relativa à protecção da concorrência (Ley 16/1989, de Defensa de la Competencia), de 17 de Julho de 1989 (BOE n.° 170, de 18 de Julho de 1989, p. 22747, a seguir «Lei n.° 16/1989»), qualifica, no seu artigo 1.°, n.° 1, de condutas proibidas os tipos de comportamento contrários à concorrência inspirados directamente no artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

8       O Real Decreto n.° 157/1992, que estabelece as disposições de aplicação da Lei n.° 16/1989 no que respeita às isenções por categorias, às autorizações individuais e ao registo de protecção da concorrência (Real Decreto 157/1992, por el que se desarrolla la Ley 16/1989, de 17 de julio, en materia de exenciones por categorías, autorización singular y registro de defensa de la competencia), de 21 de Fevereiro de 1992 (BOE n.° 52, de 29 de Fevereiro de 1992, p. 7106, a seguir «Decreto Real n.° 157/1992»), prevê, no seu artigo 1.°, o seguinte:

«Isenções por categorias

1.      De acordo com o disposto no artigo 5.°, n.° 1, a), da [Lei n.° 16/1989], são autorizados os acordos em que apenas participem duas empresas e que, pertencendo a uma das seguintes categorias, afectem unicamente o mercado nacional e preencham os requisitos que são estabelecidos a seguir:

[…]

b)      Acordos de compra exclusiva, em que uma parte se comprometa a comprar para revenda determinados produtos unicamente à outra parte, a empresas a ela vinculadas ou a terceiras empresas suas distribuidoras, desde que o acordo cumpra as disposições previstas no Regulamento (CEE) n.° 1984/1983 […]

[…]»

 O litígio no processo principal e as questões prejudiciais

9       Em 4 de Maio de 1995, a Confederação apresentou uma denúncia no Servicio de Defensa de la Competencia (Serviço de Protecção da Concorrência), ligado ao Ministério da Economia e das Finanças, contra algumas empresas do sector petrolífero, entre as quais a CEPSA. Segundo a Confederação, as convenções concluídas no fim do ano de 1992 entre a CEPSA e as empresas que exploram estações de serviço, inicialmente intituladas «contratos de compra firme» e, posteriormente, em virtude de aditamentos, «contratos de comissão de venda com garantia» e/ou «contratos de agência» (a seguir «convenções em causa»), têm por efeito restringir a concorrência. Resulta dos elementos dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que 95% das estações de serviço da rede CEPSA estão vinculadas por esse tipo de contratos.

10     Por decisão de 7 de Novembro de 1997, a denúncia da Confederação foi arquivada pelo motivo de que as convenções em causa não eram contrárias ao artigo 1.°, n.° 1, da Lei n.° 16/1989, uma vez que essa disposição não é aplicável às convenções concluídas pelos comissários, agentes comerciais ou intermediários com outros empresários. Ao recurso interposto pela Confederação contra essa decisão foi negado provimento pelo Tribunal de Defensa de la Competência, por decisão de 1 de Abril de 1998, com fundamento, em substância, idêntico.

11     Tendo sido igualmente negado provimento ao seu recurso posterior para a Audiencia Nacional por decisão de 22 de Janeiro de 2002, a Confederação interpôs recurso para o Tribunal Supremo. Um dos fundamentos invocados em apoio desse recurso é relativo à violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado e do Regulamento n.° 1984/83, regulamento ao qual se refere o Real Decreto n.° 157/1992.

12     No quadro desse litígio, o Tribunal Supremo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Os artigos 10.° a 13.° do Regulamento [n.° 1984/83] devem ser interpretados no sentido de que englobam no seu âmbito contratos de distribuição exclusiva de carburantes e combustíveis que, qualificados nominalmente de comissão ou de agência, contêm os elementos a seguir indicados:

a)      O explorador da estação de serviço compromete‑se a vender exclusivamente carburantes e combustíveis do fornecedor, de acordo com os preços de venda ao público, condições e técnicas de venda e exploração fixados pelo fornecedor;

b)      O explorador da estação de serviço assume o risco pelos produtos a partir do momento em que os recebe do fornecedor nos tanques de armazenamento da estação de serviço;

c)      Desde a recepção dos produtos, o explorador assume a obrigação de os conservar nas condições necessárias para evitar qualquer perda ou deterioração dos mesmos, e responde, se for o caso, perante o fornecedor e perante terceiros, por qualquer perda, contaminação ou mistura que possam sofrer e pelos danos assim causados;

d)      O explorador da estação de serviço tem de pagar ao fornecedor o valor dos carburantes ou combustíveis nove (9) dias depois da data da entrega na estação de serviço?»

 Quanto à questão prejudicial

 Quanto à competência do Tribunal de Justiça para responder a essa questão e quanto à sua admissibilidade

13     A CEPSA e a Comissão das Comunidades Europeias sustentam ambas que não há que responder à questão prejudicial submetida, mas por motivos diferentes.

14     Antes de mais, quanto à posição sustentada pela CEPSA, esta alega que o Tribunal de Justiça é incompetente para responder à questão submetida, em primeiro lugar, pelo motivo de que o litígio no processo principal é exclusivamente abrangido pelo direito nacional. Com efeito, pela referência que faz às «disposições previstas no Regulamento [...] n.° 1984/83», o artigo 1.°, n.° 1, alínea b), do Real Decreto n.° 157/1992 não efectua uma verdadeira remissão para o direito comunitário, mas limita‑se a incorporar no direito interno o conteúdo dos artigos 10.° a 13.° do referido regulamento. Essas disposições de direito comunitário só são, portanto, pertinentes, no quadro do litígio do processo principal, enquanto elementos do direito interno espanhol.

15     Em segundo lugar, a CEPSA considera que, não existindo afectação das trocas comerciais entre Estados‑Membros, o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado não é aplicável ao litígio no processo principal.

16     A título preliminar, deve salientar‑se que, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, como é prevista no artigo 234.° CE, compete apenas ao juiz nacional, que é chamado a conhecer do litígio e que deve assumir a responsabilidade da decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo que lhe foi submetido, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 15 de Dezembro de 1995, Bosman, C‑415/93, Colect., p. I‑4921, n.° 59; de 17 de Julho de 1997, Leur‑Bloem, C‑28/95, Colect., p. I‑4161, n.° 24; e de 7 de Janeiro de 2003, BIAO, C‑306/99, Colect., p. I‑1, n.° 88).

17     Desde que as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais incidam sobre a interpretação de uma disposição de direito comunitário, o Tribunal de Justiça é, portanto, em princípio, obrigado a pronunciar‑se, salvo se for manifesto que o pedido prejudicial visa, na realidade, levá‑lo a pronunciar‑se através de um litígio artificial ou a emitir opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, que a interpretação do direito comunitário solicitada não tenha qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio, ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos de facto ou de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas (v. acórdão BIAO, já referido, n.° 89 e jurisprudência aí citada).

18     Tal não acontece no litígio no processo principal.

19     Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que não resulta dos termos do artigo 234.° CE nem do objecto do processo instituído por esse artigo que os autores do Tratado tenham entendido excluir da competência do Tribunal de Justiça os reenvios prejudiciais que se referem a uma disposição comunitária, no caso particular em que o direito nacional de um Estado‑Membro remete para o conteúdo dessa disposição para determinar as regras aplicáveis a uma situação puramente interna desse Estado (acórdão Leur‑Bloem, já referido, n.° 25).

20     Por conseguinte, quando a legislação nacional se adequa, para as soluções que dá a situações puramente internas, às soluções escolhidas em direito comunitário, a fim, como no caso em apreço no processo principal, de evitar eventuais distorções de concorrência, existe um interesse comunitário manifesto em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou as noções que foram buscar ao direito comunitário sejam interpretadas de forma uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se devem aplicar (v., nomeadamente, acórdãos Leur‑Bloem, já referido, n.° 32, e de 16 de Março de 2006, Poseidon Chartering, C‑3/04, Colect., p. I‑2505, n.° 16).

21     Por outro lado, contrariamente ao que alega a CEPSA, as circunstâncias do litígio no processo principal são diferentes das do acórdão de 28 de Março de 1995 Kleinwort Benson (C‑346/93, Colect., p. I‑615). Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou‑se incompetente para interpretar uma regulamentação nacional que não efectuava uma remissão directa e incondicional para o direito comunitário, mas se limitava a tomar por modelo a Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32) e apenas reproduzia parcialmente os seus termos. Com efeito, resulta do n.° 18 do referido acórdão que a dita regulamentação previa expressamente a possibilidade de as autoridades nacionais introduzirem modificações «destinadas a criar divergências» entre as disposições dessa regulamentação e as normas correspondentes da referida convenção. Além disso, a mesma regulamentação efectuava uma distinção expressa entre as disposições aplicáveis às situações comunitárias e as aplicáveis às situações internas.

22     No que respeita ao presente pedido de decisão prejudicial, embora o artigo 1.°, n.° 1, alínea b), do Real Decreto n.° 157/1992 se limite a fazer expressamente referência ao Regulamento n.° 1984/93 para determinar as regras aplicáveis a situações internas, não é menos verdade que, através da remissão para as disposições do Regulamento n.° 1984/83, o legislador nacional decidiu aplicar um tratamento idêntico às situações internas e às situações comunitárias. Consequentemente, no caso de a legislação interna remeter para um acto de direito comunitário, tal como no caso em apreço, o Tribunal de Justiça é competente para interpretar esse acto.

23     Tendo presentes estas considerações, não há que examinar a argumentação desenvolvida pela CEPSA no que respeita à não afectação das trocas comerciais entre Estados‑Membros.

24     Não se pode, portanto, aceitar a alegação da CEPSA relativa à falta de competência do Tribunal de Justiça.

25     A Comissão, por seu turno, sem concluir formalmente pela inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial, por um lado, põe em destaque o facto de o contexto factual do litígio no processo principal não ser suficientemente descrito na decisão de reenvio e, por outro, manifesta dúvidas no que respeita à utilidade de uma resposta à questão prejudicial, tendo presentes os factos do litígio no processo principal e, nomeadamente, a circunstância de, em caso de reabertura do processo pela autoridade espanhola de concorrência, esta ser levada a reconhecer que é doravante aplicável o Regulamento (CE) n.° 2790/1999 da Comissão, de 22 de Dezembro de 1999, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 81.° do Tratado CE a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas (JO L 336, p. 21), que substituiu o Regulamento n.° 1984/83.

26     Deve recordar‑se a este respeito que, segundo jurisprudência constante, a necessidade de se chegar a uma interpretação do direito comunitário que seja útil para o órgão jurisdicional nacional exige que este defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que coloca ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que as questões se baseiam (acórdãos de 9 de Setembro de 2004, Carbonati Apuani, C‑72/03, Colect., p. I‑8027, n.° 10, e de 17 de Fevereiro de 2005, Viacom Outdoor, C‑134/03, Colect., p. I‑1167, n.° 22).

27     Além disso, as informações fornecidas nas decisões de reenvio não devem apenas permitir ao Tribunal de Justiça dar respostas úteis, mas devem também dar aos Governos dos Estados‑Membros e às outras partes interessadas a possibilidade de apresentarem observações em conformidade com o disposto no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, nomeadamente, despachos de 30 de Abril de 1998, Testa e Modesti, C‑128/97 e C‑137/97, Colect., p. I‑2181, n.° 6, e de 11 de Maio de 1999, Anssens, C‑325/98, Colect., p. I‑2969, n.° 8).

28     Por isso, uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional é inadmissível quando o Tribunal de Justiça não disponha de elementos de facto e de direito necessários para responder de forma útil às questões que lhe são submetidas (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 13 de Março de 2001, PreussenElektra, C‑379/98, Colect., p. I‑2099, n.° 39, e de 22 de Janeiro de 2002, Canal Satélite Digital, C‑390/99, Colect., p. I‑607, n.° 19).

29     A fim de se certificar de que os elementos fornecidos pelo Tribunal Supremo satisfazem essas exigências, há que ter em consideração a natureza e o alcance da questão submetida. Na medida em que a exigência de precisão quanto ao contexto factual vale particularmente no domínio da concorrência, que é caracterizado por situações de facto e de direito complexas, deve examinar‑se se a decisão de reenvio fornece, a este respeito, indicações suficientes para permitir ao Tribunal de Justiça dar uma resposta útil à referida questão (v., neste sentido, acórdão Viacom Outdoor, já referido, n.° 23).

30     A este propósito, deve reconhecer‑se que a decisão de reenvio não contém certas indicações pertinentes para a resposta à questão submetida. Com efeito, embora seja um facto que, segundo o texto da questão, o explorador de uma estação de serviço assume o risco ligado à mercadoria a partir do momento em que a recebe do fornecedor, não é menos verdade que a decisão de reenvio não permite determinar se esse explorador assume ou não certos riscos concretos por força das convenções de distribuição de carburantes, nem quem é o proprietário do carburante após a sua entrega ao referido explorador, nem quem suporta as despesas de transporte.

31     Todavia, apesar dessas lacunas, a decisão de reenvio permite determinar o alcance da questão submetida, como comprova o conteúdo das observações apresentadas pelas partes no processo principal e pela Comissão. Por isso, o Tribunal de Justiça dispõe de elementos de facto suficientes para interpretar as regras comunitárias em causa e dar uma resposta útil a essa questão.

32     De resto, como sublinha a advogada‑geral no n.° 30 das suas conclusões, não é manifesto que a legalidade da decisão de arquivamento proferida em 1997 pelo Servicio de Defensa de la Competencia não deva ser apreciada à luz do direito em vigor à época, isto é, em particular, o Regulamento n.° 1984/83. De qualquer forma, cabe ao juiz nacional a decisão no que diz respeito à aplicabilidade do referido regulamento à situação factual que é objecto do litígio no processo principal. Por conseguinte, as dúvidas da Comissão quanto à pertinência da questão submetida também não são de molde a pôr em causa a sua admissibilidade.

33     Conclui‑se que o Tribunal de Justiça deve responder à questão prejudicial.

 Quanto ao mérito

34     Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se convenções de distribuição exclusiva de carburantes que apresentem as características que descreve são abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 85.° do Tratado e do Regulamento n.° 1984/83.

35     A título preliminar, há que reconhecer que o referido regulamento se limita a prever uma isenção por categoria, pela qual certas categorias de acordos entre empresas escapam à proibição dos acordos, decisões e práticas concertadas, prevista no artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Por conseguinte, só podem entrar no âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1984/83 os acordos entre empresas, na acepção dessa disposição.

36     Deve, portanto, examinar‑se, antes de mais, se as convenções em causa no processo principal constituem acordos entre empresas e, em seguida, se a isenção por categoria instituída pelo Regulamento n.° 1984/83 lhes é aplicável.

37     Assim, há que recordar que, por força de jurisprudência constante, os acordos entre operadores situados em diferentes estádios do processo económico, isto é, os acordos verticais, podem constituir acordos na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado e ser abrangidos pela proibição decretada por essa disposição (v., neste sentido, acórdãos de 13 de Julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão, 56/64 e 58/64, Colect. 1965‑1968, pp. 423, 428 e 429, e de 24 de Outubro de 1995, Volkswagen e VAG Leasing, C‑266/93, Colect., p. I‑3477, n.° 17).

38     Todavia, os acordos verticais, como as convenções entre a CEPSA e os exploradores de estações de serviço, só são abrangidos pelo artigo 85.° do Tratado quando o explorador for considerado um operador económico independente e exista, por conseguinte, um acordo entre duas empresas.

39     Ora, é de jurisprudência constante que, no contexto do direito comunitário da concorrência, o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do estatuto jurídico dessa entidade e do seu modo de financiamento (acórdãos de 23 de Abril de 1991, Höfner e Elser, C‑41/90, Colect., p. I‑1979, n.° 21, e de 11 de Julho de 2006, FENIN/Comissão, C‑205/03 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 25).

40     O Tribunal de Justiça precisou igualmente que o conceito de empresa, inserido no mesmo contexto do direito da concorrência, deve ser entendido como designando uma unidade económica do ponto de vista do objecto do acordo em causa, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou colectivas (acórdão de 12 de Julho de 1984, Hydrotherm, 170/83, Recueil, p. 2999, n.° 11).

41     Além disso, o Tribunal de Justiça sublinhou que, para efeitos da aplicação das regras de concorrência, a separação formal entre dois contratantes, resultante da sua personalidade jurídica distinta, não é determinante, sendo o critério decisivo a existência, ou não, de uma unidade de comportamento no mercado (v., neste sentido, acórdão de 14 de Julho de 1972, ICI/Comissão, 48/69, Colect., p. 205, n.° 140).

42     Em certas circunstâncias, as relações entre um comitente e o seu intermediário podem ser caracterizadas por essa unidade económica (v., neste sentido, acórdão de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.° 480).

43     A esse propósito, resulta, todavia, da jurisprudência que os intermediários só são susceptíveis de perder a sua qualidade de operador económico independente quando não suportem nenhum dos riscos resultantes dos contratos negociados ou concluídos por conta do comitente e operem como auxiliares integrados na empresa deste (v., neste sentido, acórdão Volkswagen e VAG Leasing, já referido, n.° 19).

44     Por isso, quando um intermediário, como o explorador de uma estação de serviço, embora tendo personalidade jurídica distinta, não determina de forma autónoma o seu comportamento no mercado, dado que depende totalmente do seu comitente, concretamente, um fornecedor de carburantes, pelo facto de este último incorrer nos riscos financeiros e comerciais no que respeita à actividade económica em causa, a proibição decretada pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado é inaplicável às relações entre esse intermediário e esse comitente.

45     Inversamente, quando as convenções celebradas entre o comitente e os seus intermediários conferirem ou deixarem a estes últimos funções que se aproximam economicamente das de um operador económico independente, pelo facto de elas preverem a assunção, por esses intermediários, dos riscos financeiros e comerciais ligados à venda ou à execução dos contratos celebrados com terceiros, os referidos intermediários não podem ser considerados órgãos auxiliares integrados na empresa do comitente, de forma que uma cláusula restritiva de concorrência convencionada entre essas partes pode constituir um acordo entre empresas na acepção do artigo 85.° do Tratado (v., neste sentido, acórdão Suiker Unie e o./Comissão, já referido, n.os 541 e 542).

46     Decorre daí que o elemento determinante para estabelecer se um explorador de uma estação de serviço é um operador económico independente reside na convenção concluída com o comitente e, em particular, nas cláusulas, tácitas ou expressas dessa convenção relativas à assunção dos riscos financeiros e comerciais ligados à venda das mercadorias a terceiros. Como alega com razão a Comissão nas suas observações, a questão do risco deve ser analisada caso a caso e tendo em conta mais a realidade económica do que a qualificação jurídica da relação contratual em direito interno.

47     Nestas circunstâncias, há que apreciar se, no quadro das convenções que apresentam as características que o órgão jurisdicional descreve, os exploradores de estações de serviço assumem ou não certos riscos financeiros e comerciais ligados à venda de carburantes a terceiros.

48     A análise relativa à repartição dos referidos riscos deve ser efectuada à luz das circunstâncias factuais da causa no processo principal. Ora, como já foi salientado no n.° 30 do presente acórdão, os autos submetidos ao Tribunal de Justiça não informam completamente sobre a maneira como essa repartição é feita no quadro das convenções concluídas entre a CEPSA e os exploradores de estações de serviço.

49     Neste contexto, há que recordar que o Tribunal de Justiça não é competente para apreciar os factos do processo principal ou para aplicar a medidas ou a situações nacionais as regras comunitárias cuja interpretação fornece, sendo estes aspectos da competência do órgão jurisdicional nacional (v., nomeadamente, acórdãos de 23 de Fevereiro de 2006, CLT‑UFA, C‑253/03, Colect., p. I‑1831, n.° 36, e de 30 de Março de 2006, Servizi Ausiliari Dottori Commercialisti, C‑451/03, Colect., p. I‑2941, n.° 69).

50     Todavia, a fim de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há que precisar os critérios que permitem apreciar a repartição efectiva dos riscos financeiros e comerciais entre os exploradores de estações de serviço e o fornecedor de carburantes, como é feita nas convenções em causa no processo principal para determinar se o artigo 85.° do Tratado lhes é aplicável.

51     A esse propósito, o órgão jurisdicional nacional deve tomar em conta, por um lado, os riscos ligados à venda das mercadorias, como o financiamento das reservas de carburantes, e, por outro, os riscos ligados aos investimentos específicos no mercado, isto é, os que são necessários para que o explorador de uma estação de serviço possa negociar ou concluir contratos com terceiros.

52     No que respeita, em primeiro lugar, aos riscos ligados à venda das mercadorias, é provável que o referido explorador assuma esses riscos quando se torna proprietário das mercadorias a partir do momento em que as recebe do fornecedor, isto é, antes da venda ulterior a um terceiro.

53     Da mesma maneira, deve considerar‑se que o explorador que assume, quer directa quer indirectamente, os custos ligados à distribuição dessas mercadorias, nomeadamente, os custos de transporte, assume, assim, uma parte dos riscos ligados à venda das mercadorias.

54     O facto de o explorador manter reservas a expensas suas poderá ser igualmente uma indicação de que os riscos ligados à venda das mercadorias são transferidos para ele.

55     Além disso, o órgão jurisdicional nacional deve determinar quem assume a responsabilidade pelos eventuais danos causados às mercadorias, como a sua perda ou a sua deterioração, bem como pelo prejuízo causado pelas mercadorias vendidas a terceiros. No caso de o explorador ser responsável por esses danos, independentemente da questão de saber se respeitou ou não a obrigação de conservar as referidas mercadorias em condições que permitam evitar qualquer perda ou deterioração, há que considerar que o risco foi transferido para ele.

56     Importa igualmente apreciar a repartição do risco financeiro ligado às mercadorias, nomeadamente, no que respeita ao pagamento do carburante no caso de o explorador não encontrar comprador ou no caso de pagamento diferido devido à utilização de um cartão de crédito, em função das regras ou das práticas relativas ao regime de pagamento dos carburantes.

57     A esse propósito, resulta da decisão de reenvio que o explorador é obrigado a pagar à CEPSA o montante correspondente ao preço da venda dos carburantes, nove dias após a data da sua entrega, e que, no mesmo prazo, o explorador recebe da CEPSA as comissões, cujo montante corresponde à quantidade de carburante entregue.

58     Nestas condições, compete ao juiz nacional verificar se o pagamento, ao fornecedor, do montante correspondente ao preço da venda dos carburantes depende da quantidade efectivamente vendida no referido prazo e, no tocante ao período de rotação das mercadorias na estação de serviço, se os carburantes entregues pelo fornecedor são sempre escoados num prazo de nove dias. Em caso afirmativo, há que concluir que o risco comercial é suportado pelo fornecedor.

59     No que respeita aos riscos ligados aos investimentos específicos no mercado, se o explorador realiza investimentos específicos ligados à venda das mercadorias, por exemplo locais ou equipamentos como um reservatório de carburante, ou se se compromete a investir em acções de promoção, os referidos riscos são transferidos para o explorador.

60     Decorre do que precede que, a fim de determinar se o artigo 85.° do Tratado deve ser aplicado, há que analisar a repartição dos riscos financeiros e comerciais entre o explorador e o fornecedor de carburantes em função de critérios como a propriedade das mercadorias, a contribuição para os custos ligados à sua distribuição, a sua manutenção, a responsabilidade pelos danos eventuais nas mercadorias ou causados por estas a terceiros e a realização dos investimentos específicos para a venda das referidas mercadorias.

61     Todavia, como a Comissão sustenta com razão, o facto de o intermediário suportar somente uma parte pouco significativa dos riscos não é de molde a tornar aplicável o artigo 85.° do Tratado.

62     Nesse caso, no entanto, há que precisar que só as obrigações impostas ao intermediário no âmbito da venda de mercadorias a terceiros por conta do comitente não estão abrangidas por esse artigo. Com efeito, como alega a Comissão, um contrato de agência pode conter cláusulas respeitantes às relações entre o agente e o comitente, às quais se aplica o referido artigo, como cláusulas de exclusividade e de não concorrência. A esse propósito, há que considerar que, no âmbito dessas relações, os agentes são, em princípio, operadores económicos independentes e as referidas disposições são susceptíveis de infringir as regras da concorrência na medida em que contribuam para o encerramento do mercado em causa.

63     No caso de, após a análise dos riscos assumidos pelos exploradores de estações de serviço em causa no processo principal, as obrigações impostas a estes no âmbito da venda de mercadorias a terceiros não deverem ser consideradas resultantes dos acordos entre empresas na acepção do artigo 85.° do Tratado, a obrigação imposta aos referidos exploradores, de vender o carburante a um preço determinado, não está abrangida por essa disposição e, portanto, é inerente à capacidade de a CEPSA delimitar o âmbito de actividade dos seus agentes. Em contrapartida, se o órgão jurisdicional nacional tiver de concluir pela existência de um acordo entre empresas na acepção do artigo 85.° do Tratado, no que respeita à venda de mercadorias a terceiros, põe‑se a questão de saber se a obrigação em causa pode ser abrangida pela isenção por categoria prevista nos artigos 10.° a 13.° do Regulamento n.° 1984/83.

64     A este propósito, deve reconhecer‑se que o artigo 11.° do Regulamento n.° 1984/83 enumera as obrigações que, além da cláusula de exclusividade, podem ser impostas ao revendedor, entre as quais não figura a imposição do preço de venda ao público. Por conseguinte, a fixação do referido preço pela CEPSA constitui uma restrição da concorrência que não está abrangida pela isenção do artigo 10.° do referido regulamento.

65     Atendendo às considerações que precedem, deve responder‑se à questão prejudicial que o artigo 85.° do Tratado se aplica a uma convenção de distribuição exclusiva de carburantes e de combustíveis, como a que está em causa no processo principal, celebrada entre um fornecedor e um explorador de estação de serviço, quando esse explorador assuma, numa proporção significativa, um ou vários riscos financeiros e comerciais ligados à venda a terceiros.

66     Os artigos 10.° a 13.° do Regulamento n.° 1984/83 devem ser interpretados no sentido de que essa convenção não está abrangida pelo referido regulamento, na medida em que prevê a obrigação de o referido explorador respeitar o preço de venda final ao público fixado pelo fornecedor.

 Quanto às despesas

67     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      O artigo 85.° do Tratado CEE (que passou a artigo 85.° do Tratado CE, actual artigo 81.° CE) aplica‑se a uma convenção de distribuição exclusiva de carburantes e de combustíveis, como a que está em causa no processo principal, celebrada entre um fornecedor e um explorador de estação de serviço, quando esse explorador assuma, numa proporção significativa, um ou vários riscos financeiros e comerciais ligados à venda a terceiros.

2)      Os artigos 10.° a 13.° do Regulamento (CEE) n.° 1984/83 da Comissão, de 22 de Junho de 1983, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado a certas categorias de acordos de compra exclusiva, devem ser interpretados no sentido de que essa convenção não está abrangida pelo referido regulamento, na medida em que prevê a obrigação de o referido explorador respeitar o preço de venda final ao público fixado pelo fornecedor.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.