Processo C‑199/05

Comunidade Europeia

contra

Estado belga

(pedido de decisão prejudicial apresentado pela cour d’appel de Bruxelles)

«Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias – Artigo 3.° – Impostos indirectos – Decisões dos órgãos jurisdicionais nacionais – Direitos de registo»

Conclusões da advogada‑geral C. Stix‑Hackl apresentadas em 27 de Abril de 2006 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 26 de Outubro de 2006 

Sumário do acórdão

1.     Privilégios e imunidades das Comunidades Europeias – Imunidade fiscal das Comunidades

(Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias, artigo 3.°, terceiro parágrafo)

2.     Privilégios e imunidades das Comunidades Europeias – Imunidade fiscal das Comunidades

(Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias, artigo 3.°, segundo parágrafo)

1.     Direitos, como os direitos de registo, que devem ser pagos na sequência de acórdãos ou de sentenças proferidos pelos órgãos jurisdicionais nacionais e que decidem a condenação no pagamento de quantias pecuniárias ou a liquidação de valores mobiliários não constituem uma mera remuneração de serviços de interesse geral, na acepção do artigo 3.°, terceiro parágrafo, do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias, segundo o qual não serão concedidas exonerações quanto a impostos, taxas e direitos que constituam mera remuneração de serviços de interesse geral.

(cf. n.° 29, disp. 1)

2.     O artigo 3.°, segundo parágrafo, do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias, que prevê a remissão ou o reembolso pelos Estados‑Membros dos impostos indirectos e das taxas sobre a venda que integrem o preço de aquisições importantes realizadas pelas Comunidades para seu uso oficial, deve ser interpretado no sentido de que não estão incluídos no seu âmbito de aplicação direitos, como os direitos de registo, que devem ser pagos na sequência de acórdãos ou de sentenças proferidos pelos órgãos jurisdicionais nacionais e que decidem a condenação no pagamento de quantias pecuniárias ou a liquidação de valores mobiliários.

(cf. n.° 44, disp. 2)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

26 de Outubro de 2006 (*)

«Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias – Artigo 3.° – Impostos indirectos – Decisões dos órgãos jurisdicionais nacionais – Direitos de registo»

No processo C‑199/05,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela cour d’appel de Bruxelles (Bélgica), por decisão de 28 de Abril de 2005, entrado no Tribunal de Justiça em 9 de Maio de 2005, no processo

Comunidade Europeia

contra

Estado belga,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann e A. Rosas, presidentes de secção, R. Schintgen, P. Kūris, E. Juhász (relator), J. Klučka, K. Schiemann, J. Makarczyk, U. Lõhmus e E. Levits, juízes,

advogada‑geral: C. Stix-Hackl,

secretária: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 22 de Fevereiro de 2006,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação do Governo belga, por E. Dominkovits e M. Wimmer, na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por A. Cingolo, avvocato dello Stato,

–       em representação do Conselho da União Europeia, por A. Vitro, na qualidade de agente,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J.‑F. Pasquier e I. Martínez del Peral, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 27 de Abril de 2006,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 3.°, segundo e terceiro parágrafos, do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias, inicialmente anexo ao Tratado que institui um Conselho único e uma Comissão única das Comunidades Europeias, assinado em 8 de Abril de 1965, e seguidamente, por força do Tratado de Amesterdão, ao Tratado CE (a seguir «Protocolo»).

2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Comunidade Europeia, representada pela Comissão das Comunidades Europeias, ao Estado belga a respeito da cobrança de direitos de registo que devem ser pagos na sequência de acórdãos ou de sentenças dos órgãos jurisdicionais nacionais e que decidem a condenação no pagamento de quantias pecuniárias ou a liquidação de valores mobiliários (a seguir «direitos de registo»).

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3       Por força do artigo 28.°, n.° 1, do Tratado que institui um Conselho único e uma Comissão única das Comunidades Europeias e, seguidamente, na sequência da entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, por força do artigo 291.° CE, a Comunidade goza, no território dos Estados‑Membros, dos privilégios e imunidades necessários ao cumprimento da sua missão nas condições definidas no Protocolo.

4       Nos termos do artigo 3.° do Protocolo:

«As Comunidades, os seus haveres, rendimentos e outros bens estão isentos de quaisquer impostos directos.

Os governos dos Estados‑Membros tomarão, sempre que lhes for possível, as medidas adequadas tendo em vista a remissão ou o reembolso do montante dos impostos indirectos e das taxas sobre a venda que integrem os preços dos bens móveis e imóveis, no caso de as Comunidades realizarem, para seu uso oficial, compras importantes em cujo preço estejam incluídos impostos e taxas dessa natureza. Todavia, a aplicação dessas medidas não deve ter por efeito falsear a concorrência nas Comunidades.

Não serão concedidas exonerações quanto a impostos, taxas e direitos que constituam mera remuneração de serviços de interesse geral.»

 Legislação nacional

5       O artigo 35.°, terceiro parágrafo, do Código belga dos direitos de registo, de hipoteca e das taxas de justiça (Code des droits d’enregistrement, d’hypothèque et de greffe) tem a seguinte redacção:

«A obrigação de pagar os direitos cuja exigibilidade resulte dos acórdãos e sentenças dos tribunais, nos quais seja proferida a condenação em pagamentos, liquidação ou graduação cabe:

1°      a cada um dos requeridos, na medida da condenação, liquidação ou graduação contra ele pronunciada ou fixada, e solidariamente aos requeridos no caso de condenação solidária;

2°      aos requerentes, na medida da condenação, liquidação ou graduação obtida por cada um destes, sem todavia exceder metade dos montantes ou valores que cada um receba em pagamento.

[…]

Os direitos e, eventualmente, as coimas serão pagos no prazo de um mês a contar do dia do envio por carta registada do aviso de pagamento pelo agente de cobrança.»

6       O artigo 142.° do referido código dispõe:

«O direito é fixado em 3% no que se refere a acórdãos e sentenças dos tribunais, proferidos em quaisquer matérias, nos quais seja proferida a condenação em pagamentos ou a liquidação, definitiva, provisória, a título principal, subsidiário ou condicional, de montantes e valores mobiliários, incluindo decisões da autoridade judiciária, nas quais se proceda à graduação dos mesmos montantes e valores.

O direito será liquidado, no caso de condenação no pagamento ou de liquidação de montantes e valores mobiliários, sobre o montante cumulado, a título principal, das condenações pronunciadas ou liquidações fixadas relativamente a uma mesma pessoa, abstraindo dos juros cujo montante não seja quantificado pelo juiz e das despesas, e, em caso de graduação, sobre o valor total dos montantes distribuídos aos credores.»

7       O artigo 150.° do mesmo código prevê:

«É instituído a favor do Estado, para garantir a cobrança dos direitos e eventualmente das coimas exigíveis nos termos da presente secção, um privilégio sobre os montantes e valores que são objecto da condenação, liquidação ou graduação.

Os direitos e coimas referidos no parágrafo primeiro têm preferência sobre quaisquer créditos dos beneficiários das condenações, liquidações ou graduações.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8       A execução de um contrato celebrado em 1993 entre a Comissão e a sociedade anónima MCFE foi objecto de um litígio submetido ao tribunal de première instance de Bruxelles. Por sentença deste tribunal, de 25 de Janeiro de 1994, a Comissão foi condenada no pagamento à MCFE de uma quantia provisória no montante de 10 845 935 BEF, isto é, 269 589 ecus, acrescida de juros e despesas.

9       Por carta de 14 de Junho de 1994, o agente de cobrança da Nona Repartição de Registo de Bruxelas exigiu à Comissão o pagamento da quantia de 325 470 BEF a título de direitos de registo, em conformidade com a referida condenação. Em 2 de Agosto de 1995, a Administração do registo belga (a seguir «Administração») exigiu à Comissão o pagamento num prazo de 15 dias da quantia referida, acrescida de uma coima pelo pagamento tardio e de juros legais e despesas.

10     Em 15 de Janeiro de 1996, o agente de cobrança da Nona Repartição de Registo de Bruxelas exigiu à Comissão o pagamento, até 25 de Janeiro de 1996, de um montante total de 363 470 BEF, tendo dirigido a esta última um aviso de cobrança coerciva.

11     Por carta registada de 19 de Janeiro de 1996, a Comissão respondeu à Administração, por intermédio do seu advogado, que estava isenta dos direitos de registo e de todos os impostos indirectos, ao abrigo do artigo 3.° do Protocolo. Em 25 de Janeiro de 1996, a Administração retorquiu que os direitos em questão não deviam ser considerados um imposto sobre bens de consumo mas sim a remuneração do serviço prestado pela administração da justiça.

12     Por ofício de 28 de Abril de 1997, o advogado da Comissão foi informado de que a posição da Administração na matéria fora confirmada por decisão ministerial de 18 de Abril de 1997.

13     Em 15 de Julho de 1997, a Comissão deduziu oposição ao aviso de cobrança coerciva de 15 de Janeiro de 1996 e citou o Estado belga a comparecer perante o tribunal de première instance de Bruxelles, no âmbito de um processo destinado a obter a anulação desse aviso de cobrança coerciva.

14     Por sentença de 6 de Junho de 2001, o Tribunal de première instance de Bruxelles declarou a oposição à cobrança coerciva admissível mas infundada e julgou a oposição da Comissão improcedente. Esse tribunal considerou que os direitos de registo imputados à Comissão não constituem uma mera remuneração de serviços de interesse geral, na acepção do artigo 3.°, terceiro parágrafo, do Protocolo, uma vez que está em causa um imposto destinado a prover aos encargos gerais dos poderes públicos. Por outro lado, esses direitos não integram o preço a pagar pelos serviços da sociedade anónima MCFE e têm a sua origem na decisão judicial que condenou a Comissão. Assim, não há que conceder a isenção solicitada por esta última. Além do mais, o referido tribunal considerou que era supérfluo apresentar um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça, uma vez que, em seu entender, não existia «qualquer dúvida razoável» quanto à exclusão desses direitos do benefício do artigo 3.°, segundo parágrafo, do Protocolo.

15     Por petição que deu entrada na Secretaria da cour d’appel de Bruxelles em 14 de Setembro de 2001, a Comissão interpôs recurso dessa sentença.

16     A cour d’appel de Bruxelles, por considerar que, em matéria de tratados e de convenções internacionais, mesmo o que é claro deve ser objecto de interpretação e que não compete ao juiz nacional proceder à interpretação do Protocolo, decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

1)      O artigo 3.°, segundo parágrafo, do Protocolo […], que dispõe que os governos dos Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas tendo em vista a remissão ou o reembolso do montante dos impostos indirectos e das taxas sobre a venda, deve ser interpretado no sentido de que inclui no seu âmbito de aplicação um tributo proporcional cobrado em relação aos acórdãos e sentenças dos tribunais […] proferidos sobre quaisquer matérias e que decidam a condenação no pagamento ou a liquidação de montantes ou de valores mobiliários?

2)      O artigo 3.°, terceiro parágrafo, do Protocolo […], que dispõe que não serão concedidas quaisquer isenções sobre a mera remuneração de serviços de interesse geral, deve ser interpretado no sentido de que constitui mera remuneração de serviços de interesse geral o tributo que é imposto, no termo de um processo, à parte vencida e condenada no pagamento de um montante determinado?»

 Quanto às questões prejudiciais

17     A título liminar, há que observar que, ao expor as circunstâncias do litígio que lhe foi submetido, o tribunal de reenvio afirma que o tribunal de première instance de Bruxelles considerou que os direitos de registo em causa no processo principal constituem um imposto indirecto, o que não foi contestado pelas partes nos processos nacionais. O próprio tribunal de reenvio observou que a «Comunidade Europeia e o Estado belga não estão de acordo quanto à interpretação a dar ao artigo 3.°, segundo e terceiro parágrafos, do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da Comunidade». Nas observações que apresentaram ao Tribunal de Justiça, os Governos belga e italiano, assim como a Comissão, não puseram em causa essa qualificação. Por conseguinte, é neste contexto que serão examinadas as questões colocadas ao Tribunal de Justiça acerca da interpretação do artigo 3.°, segundo e terceiro parágrafos, do Protocolo.

 Quanto à segunda questão

18     Com esta questão, que deve ser examinada em primeiro lugar, o tribunal de reenvio pergunta se direitos como os direitos de registo constituem uma mera remuneração de serviços de interesse geral, na acepção do artigo 3.°, terceiro parágrafo, do Protocolo, relativamente aos quais nenhuma isenção é concedida.

19     O Governo belga, apoiado nesta matéria pelo Governo italiano, alega que os direitos de registo constituem tributos indirectos que representam a contrapartida de um determinado serviço de interesse geral, na medida em que encontram a sua razão de ser na remuneração do serviço prestado pela instituição judiciária belga. Esta é igualmente a orientação seguida pela jurisprudência e pela doutrina belgas. O pagamento desses direitos também pode ser reclamado, dentro de certos limites, ao requerente que beneficiou da condenação, o que demonstra que o referido serviço é prestado às duas partes e que a remuneração deste último é proporcional ao interesse pecuniário do litígio.

20     Ao invés, a Comissão sustenta que, para que uma imposição possa ser considerada a mera remuneração de um serviço de interesse geral, é necessário demonstrar a existência de um nexo directo e proporcional entre a remuneração desse serviço e a prestação obtida. No caso em apreço, não existe um nexo dessa natureza, na medida em que um processo complexo pode conduzir ao pagamento de direitos de registo limitados, ao passo que um processo simples pode gerar direitos consideráveis. Além do mais, em conformidade com os princípios orçamentais da universalidade e da não afectação, o produto dos direitos em questão é afecto ao orçamento geral do Estado e não financia especificamente o serviço público da justiça.

21     Como o Tribunal de Justiça já declarou, a distinção entre um imposto destinado a prover aos encargos gerais dos poderes públicos e uma taxa que representa a contrapartida de um serviço determinado é expressamente admitida pelo artigo 3.° do Protocolo. O Tribunal de Justiça precisou que o próprio conceito de contrapartida de um serviço determinado pressupõe que esse serviço seja fornecido ou, pelo menos, o possa ser, a quem paga a taxa (acórdão de 28 de Março de 1996, AGF Belgium, C‑191/94, Colect., p. I‑1859, n.os 25 e 26).

22     Mesmo que se admita que esse critério seja o elemento determinante para proceder à distinção mencionada no número precedente, há que observar que é pouco provável que esse critério esteja preenchido no presente caso, uma vez que os direitos em causa no processo principal podem ser exigidos a pessoas que não recorreram aos serviços da instituição judiciária do Estado‑Membro em questão ou que nem sequer tiveram a intenção de o fazer. Como o Governo belga observou, mesmo que, com base na regulamentação em causa no processo principal, os direitos de registo possam ser reclamados tanto ao requerido como ao requerente, na prática, esses direitos são sempre exigidos em primeiro lugar à parte que é condenada.

23     Além disso, como a advogada‑geral observou nos n.os 27 a 30 das suas conclusões, o critério da contrapartida de um serviço prestado não é o único determinante no presente caso.

24     Com efeito, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, desenvolvida num domínio do direito comunitário que compreende um conceito análogo ao que está em causa no presente caso, isto é, o conceito de «direitos com carácter remuneratório» referido no artigo 12.°, n.° 1, alínea e), da Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais (JO L 249, p. 25; EE 09 F1 p. 22), um direito cujo montante aumenta directamente e sem limites na proporção do montante nominal sobre o qual é aplicado não pode, pela sua própria natureza, constituir um direito com carácter remuneratório de um serviço prestado. O montante de tal direito não terá, regra geral, qualquer relação com as despesas efectivamente feitas pela Administração com a adopção do acto em causa (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 21 de Setembro de 2000, Modelo, C‑19/99, Colect,. p. I‑7213, n.° 33, e de 21 de Junho de 2001, SONAE, C‑206/99, Colect., p. I‑4679, n.° 34).

25     Resulta dessa jurisprudência que para a qualificação de um direito enquanto remuneração de um serviço de interesse geral é necessária a existência de um nexo directo e proporcional entre o custo real desse serviço e o direito pago pelo beneficiário, isto é, de uma correlação entre o preço pago por este último em contrapartida de um serviço específico e o custo concreto da prestação desse serviço para a Administração.

26     Esse critério do nexo directo e proporcional entre o serviço prestado e a remuneração paga, que é transponível para o artigo 3.°, terceiro parágrafo, do Protocolo, não está preenchido no presente caso.

27     Com efeito, é pacífico que, por um lado, o montante dos direitos de registo em causa no processo principal aumenta directamente e sem limites na proporção do montante da condenação proferida pelo tribunal nacional competente, sem que seja tido em consideração o custo real do serviço prestado pela instituição judiciária. Assim, não se verifica a correlação necessária entre os montantes pagos e o serviço prestado. De resto, o facto de os direitos de registo apenas serem cobrados em caso de condenação, apesar de o custo real do serviço prestado pela instituição judiciária dever ser o mesmo no caso de o pedido ser julgado improcedente, confirma que os referidos direitos não têm como finalidade cobrir o custo real do serviço.

28     Por outro lado, como o tribunal de première instance de Bruxelles declarou, os referidos direitos constituem um imposto destinado a prover aos encargos gerais dos poderes públicos. Assim, os montantes pagos a título desses direitos não são concretamente consagrados ao financiamento do serviço público da justiça.

29     Por conseguinte, deve responder‑se à segunda questão que direitos como os direitos de registo não constituem uma mera remuneração de serviços de interesse geral, na acepção do artigo 3.°, terceiro parágrafo, do Protocolo.

 Quanto à primeira questão

30     Com esta questão, o tribunal de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 3.°, segundo parágrafo, do Protocolo deve ser interpretado no sentido de que estão incluídos no seu âmbito de aplicação direitos como os direitos de registo.

31     Para responder a esta questão, há que observar que, diferentemente do artigo 3.°, primeiro parágrafo, do Protocolo, que prevê, de forma incondicional e geral, a isenção das Comunidades, bem como dos seus haveres, rendimentos e outros bens de quaisquer impostos directos a nível nacional, a imunidade fiscal prevista no segundo parágrafo do mesmo artigo não é ilimitada. Esta última disposição institui, sob certas condições que aí são claramente enumeradas, a remissão ou o reembolso dos impostos indirectos e das taxas sobre a venda que incidam sobre os bens comprados pelas Comunidades para seu uso oficial. O Tribunal de Justiça interpretou o artigo 3.°, segundo parágrafo, do Protocolo no sentido de que entra no seu âmbito de aplicação qualquer tipo de aquisição, incluindo o recurso a prestações de serviços, que seja necessária ao cumprimento da missão das Comunidades (v. acórdão AGF Belgium, já referido, n.° 36).

32     A mais significativa das condições enumeradas no artigo 3.°, segundo parágrafo, do Protocolo, que é salientada duas vezes nesta disposição, é a de que os direitos e os impostos indirectos devem ser incluídos no preço dos bens ou serviços que são objecto dos contratos celebrados pelas Comunidades.

33     O Governo belga, que apresenta as suas observações acerca desta questão a título subsidiário, alega, com o apoio do Governo italiano, que os direitos de registo em causa no processo principal, sendo cobrados na sequência de uma decisão jurisdicional e não em razão da aquisição de bens ou serviços, não podem ser considerados incluídos no preço de aquisição de bens ou serviços. Além disso, resulta da redacção do artigo 3.°, segundo parágrafo, do Protocolo que a isenção visa exclusivamente as operações de aquisição de bens ou serviços e não pode ser extensiva a qualquer operação ou situação. Por último, no presente caso, os direitos em questão incidem sobre um acto jurisdicional que sanciona o incumprimento de obrigações contratuais.

34     Ao invés, a Comissão alega que a intervenção do tribunal nacional competente num litígio como o que está em causa no processo principal era necessária no quadro da execução do contrato de prestação de serviços que tinha celebrado no exercício da sua missão. O acórdão a proferir pelo tribunal de reenvio tem, portanto, a sua origem na relação contratual das partes, de modo que os direitos de registo ligados a este acórdão integram o preço do referido contrato. Afirma ainda que esta interpretação tem em conta a finalidade do artigo 3.° do Protocolo.

35     Esta última abordagem não pode ser seguida.

36     Com efeito, há que observar, em primeiro lugar, que a natureza e o impacto de tributos nacionais como os direitos de registo em causa no processo principal devem ser procurados e determinados não só em função da sua aplicação relativamente à Comunidade, mas tendo em conta o seu âmbito de aplicação global, isto é, relativamente a todas as pessoas singulares e colectivas que, efectiva ou potencialmente, são ou poderão vir a ser partes num processo nos tribunais do Estado‑Membro em questão. Com efeito, os processos em que a Comunidade é parte num tribunal nacional apenas constituem uma percentagem ínfima do número total dos processos que dão origem ao pagamento desses direitos.

37     Resulta dos autos que esses direitos são devidos em todos os casos em que uma relação jurídica entre pessoas singulares ou colectivas dá origem a uma acção judicial que culmina com uma decisão jurisdicional de condenação no pagamento de uma quantia pecuniária. Assim, são abrangidas não só as relações contratuais, mas também as relações extracontratuais de qualquer natureza, nas quais não pode tratar‑se de incluir a quantia pecuniária em que houve condenação no preço de compra de um bem ou de um serviço.

38     Em segundo lugar, há que observar que os impostos indirectos só podem ser considerados incluídos no preço das compras efectuadas pelas Comunidades, na acepção do artigo 3.°, segundo parágrafo, do Protocolo, se forem previsíveis e se o seu montante puder ser calculado antecipadamente com um certo grau de precisão, para que as autoridades nacionais possam proceder à sua remissão ou ao seu reembolso a pedido das instituições comunitárias.

39     Ora, a execução de um contrato não dá sistematicamente lugar a diferendos entre as partes e a probabilidade do aparecimento destes últimos não pode, de qualquer modo, ser avaliada na fase da celebração do contrato. Além do mais, o objecto e a amplitude desses eventuais diferendos permanecem incertos e o modo de regulação dos mesmos não tem necessariamente de ser a via jurisdicional, podendo uma via não contenciosa constituir uma modalidade de regulação. Por fim, o resultado de uma eventual acção judicial é tão incerto quanto o é o montante em que uma das partes será condenada. Nestas circunstâncias, o preço de um contrato não pode incluir, a título de impostos indirectos reembolsáveis, um elemento futuro, incerto e impreciso como os direitos de registo em causa no processo principal.

40     O argumento invocado pela Comissão com referência ao n.° 23 das conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo em que foi proferido o acórdão AGF Belgium, já referido, também não pode ser acolhido. Segundo esse argumento, ao proceder à cobrança desses direitos de registo, o Estado‑Membro em questão beneficiaria de uma vantagem injustificada, na medida em que seriam desviados para o Tesouro nacional recursos provenientes de contribuições para o orçamento das Comunidades. Para além do facto, referido no n.° 36 do presente acórdão, de os processos em que a Comissão é parte a nível nacional apenas constituírem uma percentagem ínfima do volume total dos processos judiciais que dão origem ao pagamento desses direitos, não pode ser admitido que, nesses processos, cujo número, objecto e amplitude não podem ser conhecidos antecipadamente, a Comissão será sistematicamente condenada.

41     De resto, tendo em conta a situação que deu origem ao litígio no processo principal, nada obriga a Comissão a configurar as suas relações contratuais de tal modo que os órgãos jurisdicionais nacionais de um único Estado‑Membro sejam sistematicamente competentes para dirimir os litígios nos quais a Comissão seja parte.

42     No que se refere, em terceiro lugar, ao argumento relativo à interpretação do artigo 3.°, segundo parágrafo, do Protocolo à luz da finalidade deste artigo, deve recordar‑se que a imunidade fiscal necessária ao cumprimento da missão da Comunidade, da qual esta última goza com base no artigo 291.° CE, é concedida «nas condições definidas no Protocolo». Uma interpretação à luz do contexto e da finalidade de uma disposição não pode ter por resultado privar de qualquer efeito útil a letra clara e precisa dessa disposição (v., neste sentido, no que se refere aos privilégios e imunidades do Banco Central Europeu, acórdão de 8 de Dezembro de 2005, BCE/Alemanha, C‑220/03, Colect., p. I‑10595, n.° 31).

43     Em todo o caso, embora se possa admitir que a isenção dos direitos de registo em causa no processo principal constituiria uma vantagem financeira em proveito da Comunidade, há que observar que a Comissão não apresentou qualquer elemento conclusivo que demonstre que o pagamento desses direitos seria susceptível de lesar a independência da Comunidade e de colocar entraves ao seu bom funcionamento.

44     Tendo em conta todas as considerações que precedem, há que responder à primeira questão que o artigo 3.°, segundo parágrafo, do Protocolo deve ser interpretado no sentido de que não estão incluídos no seu âmbito de aplicação direitos como os direitos de registo.

 Quanto às despesas

45     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça declara:

1)      Direitos, como os direitos de registo, que devem ser pagos na sequência de acórdãos ou de sentenças proferidos pelos órgãos jurisdicionais nacionais e que decidem a condenação no pagamento de quantias pecuniárias ou a liquidação de valores mobiliários não constituem uma mera remuneração de serviços de interesse geral, na acepção do artigo 3.°, terceiro parágrafo, do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias.

2)      O artigo 3.°, segundo parágrafo, do mesmo Protocolo deve ser interpretado no sentido de que não estão incluídos no seu âmbito de aplicação direitos, como os direitos de registo, que devem ser pagos na sequência de acórdãos ou de sentenças proferidos pelos órgãos jurisdicionais nacionais e que decidem a condenação no pagamento de quantias pecuniárias ou a liquidação de valores mobiliários.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.