CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

M. POIARES MADURO

apresentadas em 23 de Maio de 2007 1(1)

Processo C‑438/05

The International Transport Workers’ Federation

e

The Finnish Seamen’s Union

contra

Viking Line ABP

e

OÜ Viking Line Eesti

[pedido de decisão prejudicial da Court of Appeal (England and Wales) (Civil Division)]






1.     A Court of Appeal (England and Wales) (Civil Division), em sede de recurso de uma decisão da High Court of Justice (Commercial Court), submeteu ao Tribunal de Justiça uma série de questões que exigem que o Tribunal aborde um tema que é, simultaneamente, de grande complexidade jurídica e de extrema delicadeza sociopolítica. Por vezes, quando as questões são complicadas, as respostas são simples. Não é este o caso. Em resumo, a situação que deu origem ao presente processo é a seguinte: um operador finlandês de serviços de ferry entre Helsínquia e Talin quis transferir a sua sede para a Estónia, de forma a beneficiar de salários mais baixos e prestar os seus serviços a partir daí. Um sindicato finlandês, apoiado por uma união internacional de sindicatos, procurou impedir que isto acontecesse, fazendo ameaças de greve e de boicotes se a empresa se transferisse sem manter os seus actuais níveis salariais. Os problemas jurídicos suscitados por este impasse prendem‑se com o efeito horizontal das disposições do Tratado relativas à livre circulação e com a relação entre os direitos sociais e o direito à livre circulação.

I –    Matéria de facto e pedido de decisão prejudicial

 As partes

2.     A Viking Line ABP (a seguir «Viking Line») é um operador de ferries de passageiros finlandês. A OÜ Viking Line Eesti é a sua filial estónia. A Viking Line é proprietária do navio Rosella, que navega com pavilhão finlandês na rota Talin‑Helsínquia, entre a Estónia e a Finlândia. A tripulação do Rosella pertence ao sindicato Finnish Seamen’s Union (Sindicato dos Marítimos Finlandeses, a seguir «FSU»).

3.     O FSU, que é sedeado em Helsínquia, é um sindicato nacional que representa mestres e marinheiros. Tem cerca de 10 000 membros, incluindo a tripulação do Rosella. O FSU é o membro finlandês da International Transport Workers’ Federation (Federação Internacional dos Trabalhadores dos Transportes, a seguir «ITF»).

4.     A ITF é uma federação que agrupa 600 sindicatos de trabalhadores dos transportes de 140 países, sedeada em Londres. Uma das principais políticas da ITF é a do «pavilhão de conveniência» («flag of convenience», a seguir «FOC»). Na audiência de julgamento na Commercial Court, o presidente da ITF explicou que «os objectivos principais da campanha do FOC são, em primeiro lugar, eliminar os pavilhões de conveniência e estabelecer um elo genuíno entre o pavilhão do navio e a nacionalidade do proprietário e, em segundo lugar, proteger e melhorar as condições dos marinheiros que trabalham em navios que arvoram um FOC». De acordo com o documento que estabelece a política do FOC, considera‑se que uma embarcação navega sob pavilhão de conveniência «nos casos em que a propriedade e o controlo da embarcação se encontram noutro país que não o país do pavilhão». Este mesmo documento dispõe que «os sindicatos do país da propriedade das embarcações têm direito a celebrar acordos que abranjam as embarcações cujos proprietários estejam estabelecidos nos respectivos países». A campanha do FOC é executada através de boicotes e outras acções de solidariedade.

 Matéria de facto

5.     O Rosella tem operado com prejuízo, estando em concorrência com embarcações com pavilhão estónio na mesma rota entre Talin e Helsínquia. Os salários das tripulações estónias são inferiores aos salários das tripulações finlandesas. Uma vez que o Rosella navega sob pavilhão finlandês, a Viking Line é obrigada, por força do direito finlandês e nos termos de uma convenção colectiva de trabalho, a pagar à tripulação a níveis salariais finlandeses.

6.     Em Outubro de 2003, a Viking Line decidiu mudar o pavilhão do Rosella e registar a embarcação na Estónia, tendo em vista celebrar uma convenção colectiva de trabalho com um sindicato estónio. Notificou a tripulação e o FSU da sua proposta. O FSU manifestou claramente à Viking Line que se opunha à proposta de mudança de pavilhão do Rosella.

7.     Por correio electrónico de 4 de Novembro de 2003, o FSU pediu à ITF que informasse sobre a questão todos os sindicatos aderentes e lhes solicitasse que não negociassem com a Viking Line. Em 6 de Novembro de 2003, a ITF fez o que lhe foi pedido e enviou uma circular, como era política do FOC. Na circular, afirmava‑se que a propriedade do Rosella permanecia na Finlândia e que, por isso, o FSU mantinha os direitos de negociação. Assim sendo, deu instruções aos sindicatos aderentes para que não negociassem com a Viking. Atendendo ao princípio da solidariedade, os referidos sindicatos não iriam contra as instruções da circular. Além disso, o desrespeito desta orientação poderia conduzir à aplicação de sanções – na pior das hipóteses, à expulsão da ITF (2). Assim, a circular obstou efectivamente a qualquer possibilidade de a Viking Line evitar o FSU e negociar directamente com um sindicato estónio.

8.     Além disso, o FSU afirmou que o acordo de tripulação do Rosella tinha expirado em 17 de Novembro de 2003 e que, por consequência, já não estava obrigado a manter a paz social. O FSU avisou que pretendia dar início a uma acção sindical em relação ao Rosella em 2 de Dezembro de 2003. Exigiu que a tripulação fosse aumentada em oito tripulantes e que a Viking Line desistisse dos seus planos de mudar de pavilhão ou, no caso de o pavilhão ser mudado, que a tripulação fosse contratada nos termos e condições de trabalho da lei finlandesa. A Viking Line intentou uma acção no Tribunal de Trabalho de Helsínquia, a fim de obter a declaração de que o acordo de tripulação continuava em vigor, e uma acção no Tribunal de Primeira Instância de Helsínquia, a fim de obter uma providência de proibição da greve. No entanto, nenhum dos dois tribunais pôde apreciar em tempo útil os pedidos da Viking Line.

9.     Em 2 de Dezembro, a Viking Line resolveu o conflito devido à ameaça de greve. A Viking Line admitiu mais tripulantes e concordou em não iniciar o processo de mudança de pavilhão antes de 28 de Fevereiro de 2005. Concordou também em desistir das acções intentadas no Tribunal de Trabalho e no Tribunal de Primeira Instância.

10.   A ITF nunca retirou a sua circular, continuando, por isso, em vigor as instruções dadas aos sindicatos aderentes para não negociarem com a Viking Line. Entretanto, o Rosella continuou a dar prejuízo. A Viking Line, que continuava a pretender mudar o pavilhão da embarcação para a Estónia, planeou fazê‑lo após o termo do novo acordo de tripulação em 28 de Fevereiro de 2005.

11.   Prevendo que uma nova tentativa de mudança do pavilhão do Rosella desencadearia mais uma vez uma acção colectiva por parte da ITF e do FSU, a Viking Line recorreu à Commercial Court de Londres, em 18 de Agosto de 2004, à qual pediu que proferisse uma injunção ordenando à ITF que retirasse a circular e ao FSU que não interferisse com o direito à livre circulação da Viking Line relativamente à mudança de pavilhão do Rosella. Na pendência da acção, o acordo de tripulação do Rosella foi renovado até Fevereiro de 2008. Por esta razão, a data de 28 de Fevereiro de 2005 perdeu a importância crucial que tinha, mas o Rosella continuou a operar com prejuízo, em consequência de as condições de trabalho serem menos favoráveis para a Viking Line do que as condições de trabalho estónias. Por conseguinte, não deixou de ser importante que a situação fosse resolvida. Por decisão de 16 de Junho de 2005, a Commercial Court proferiu injunções definitivas após a Viking Line se ter comprometido a não despedir trabalhadores em consequência da mudança de pavilhão.

12.   Em 30 de Junho de 2005, a ITF e o FSU interpuseram recurso da decisão para a Court of Appeal (Civil Division). Por despacho de 3 de Novembro de 2005, a Court of Appeal submeteu ao Tribunal de Justiça uma longa série de questões meticulosamente redigidas, para que este se pronunciasse a título prejudicial (3). Espero não simplificar demasiado o assunto ao condensar estas questões, por razões de brevidade, no que me parecem ser as três questões essenciais.

13.   A primeira questão é a de saber se, por analogia com o que foi decidido no acórdão Albany (4), uma acção colectiva como a que está aqui em causa não se enquadra no âmbito do artigo 43.° CE e do artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 4055/86 do Conselho (5), por força da política social da Comunidade.

14.   Em segundo lugar, o tribunal de reenvio suscita a questão de saber se essas mesmas disposições «têm efeito directo horizontal, de modo a conferir a uma empresa privada direitos que esta pode invocar contra […] um sindicato ou uma união de sindicatos relativamente a acções colectivas desencadeadas por esse sindicato ou essa união de sindicatos».

15.   Por último, o tribunal de reenvio pergunta se, nas circunstâncias do caso concreto, acções como as que aqui estão em causa constituem uma restrição à livre circulação e, se assim for, se são objectivamente justificadas, adequadas e proporcionadas, e correspondem a «um equilíbrio justo entre o direito social fundamental de desencadear acções colectivas e a liberdade de estabelecimento e de prestação de serviços». A este respeito, o tribunal de reenvio pergunta também se as acções aqui em causa devem ser consideradas directamente discriminatórias, indirectamente discriminatórias ou não discriminatórias, e em que medida isso influenciaria a sua apreciação ao abrigo das normas aplicáveis em matéria de livre circulação.

II – Apreciação

A –    Observações preliminares

16.   As questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional nacional estão relacionadas com o artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4055/86 e com o artigo 43.° CE.

17.   O Regulamento n.° 4055/86 disciplina a livre prestação de serviços de transportes marítimos entre Estados‑Membros e entre Estados‑Membros e países terceiros. Este regulamento torna aplicável ao sector dos transportes marítimos entre Estados‑Membros «a totalidade das normas do Tratado sobre livre prestação de serviços» (6). O artigo 1.°, n.° 1, do regulamento dispõe que «a liberdade de prestação de serviços de transporte marítimo entre Estados‑Membros […] será aplicável aos nacionais dos Estados‑Membros estabelecidos num Estado‑Membro que não seja o do destinatário dos serviços». No essencial, esta disposição dá expressão, em matéria de transportes marítimos, ao princípio da livre prestação de serviços consagrado no artigo 49.° CE (7).

18.   No entanto, o presente processo diz principalmente respeito à liberdade de estabelecimento, consagrada no artigo 43.° CE. A mudança de pavilhão do Rosella pela Viking Line equivaleria ao exercício do direito à liberdade de estabelecimento. Como o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Factortame e o., o registo de uma embarcação que é utilizada «para a prossecução de uma actividade económica que implica uma instalação estável no Estado‑Membro em causa» constitui um acto de estabelecimento para efeitos do artigo 43.° CE (8).

19.   Assim, a Viking Line pretende, em primeiro lugar, exercer o seu direito à liberdade de estabelecimento, de forma a, subsequentemente, exercer o seu direito à livre prestação de serviços. Ao invés, a ITF e o FSU pretendem impor certas condições ao exercício do direito à liberdade de estabelecimento da Viking Line e ameaçaram boicotar a prestação de serviços de transporte de passageiros por ferry pela Viking Line no caso de esta decidir mudar o pavilhão do Rosella sem satisfazer as suas condições.

B –    Aplicabilidade às acções sindicais das disposições relativas à livre circulação

20.   O FSU e a ITF entendem que uma acção colectiva desencadeada por um sindicato ou uma união de sindicatos, destinada a promover os objectivos da política social da Comunidade, não é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 43.° CE e do Regulamento n.° 4055/86. Alegam que a aplicação das disposições relativas à livre circulação comprometeria o direito de os trabalhadores negociarem colectivamente e o direito à greve com vista a obter uma convenção colectiva de trabalho. A este respeito, salientam que o direito de associação e o direito à greve estão tutelados em vários instrumentos internacionais enquanto direitos fundamentais. Além do mais, o respeito pelo direito à greve, no contexto da negociação colectiva, é uma tradição constitucional comum aos Estados‑Membros, representando, por isso, um princípio geral de direito comunitário. Ao invocarem, por analogia, o raciocínio do Tribunal de Justiça no acórdão Albany (9), o FSU e a ITF sustentam que as disposições sociais do título XI do Tratado excluem efectivamente a aplicação do artigo 43.° CE e do Regulamento n.° 4055/86 em matéria de litígios laborais como o que está aqui em causa.

21.   Com a primeira questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta essencialmente se esta interpretação é correcta. Na minha opinião, a resposta deve ser negativa.

22.   O FSU e a ITF pressupõem, com efeito, que a aplicação das disposições relativas à livre circulação no contexto de uma acção colectiva desencadeada por um sindicato ou uma união de sindicatos poria em causa os objectivos da política social da Comunidade e negaria o carácter fundamental do direito de associação e do direito à greve. No entanto, este pressuposto é incorrecto.

23.   As disposições relativas ao estabelecimento e à livre prestação de serviços não são de forma alguma incompatíveis com a protecção dos direitos fundamentais ou com a prossecução dos objectivos da política social da Comunidade. Nem as normas do Tratado relativas à livre circulação nem o direito de associação e o direito à greve são absolutos. Além do mais, nada no Tratado sugere que os objectivos da política social da Comunidade devam sempre prevalecer sobre o objectivo da realização de um mercado comum a funcionar correctamente. Pelo contrário, a inclusão de ambos os objectivos no Tratado significa que a finalidade da Comunidade é conciliar estas políticas. Por conseguinte, o facto de uma restrição à livre circulação resultar do exercício de um direito fundamental ou de uma conduta que se enquadram no âmbito das disposições de política social não torna inaplicáveis as disposições relativas à livre circulação.

24.   Esta conclusão é confirmada pela jurisprudência. No processo Schmidberger, o Governo austríaco autorizou uma manifestação que restringiu a livre circulação de mercadorias. Considerou que a proibição dessa manifestação teria violado o direito à liberdade de expressão e o direito de reunião (10). No processo Omega, o Tribunal de Justiça viu‑se confrontado com uma medida que se destinava a proteger a dignidade humana, mas que também restringia a livre prestação de serviços (11). Em ambos os casos, o Tribunal de Justiça reconheceu que estavam em causa direitos fundamentais, que tinham de ser respeitados como princípios gerais de direito comunitário (12). Todavia, em nenhum dos casos o Tribunal de Justiça entendeu que, como consequência, as restrições em causa não estavam sujeitas às normas relativas à livre circulação. Em vez disso, o Tribunal de Justiça considerou que, embora estas normas fossem aplicáveis, as restrições à livre circulação não iam além do que poderia legitimamente ser considerado necessário para proteger o direito fundamental em questão (13).

25.   De igual modo, o Tribunal de Justiça tem reiteradamente reconhecido que o interesse público relacionado com a política social pode justificar certas restrições à livre circulação, desde que essas restrições não vão além do que é necessário (14). O Tribunal de Justiça nunca admitiu, porém, que essas restrições escapassem totalmente ao âmbito de aplicação das disposições relativas à livre circulação. De facto, citando apenas alguns exemplos retirados da jurisprudência, medidas de protecção do ambiente (15), dos consumidores (16), do pluralismo da imprensa (17) e da saúde pública (18) foram todas consideradas abrangidas pelo âmbito de aplicação das disposições relativas à livre circulação. Seria, certamente, muito estranho concluir que medidas adoptadas no interesse da política social pudessem ser, pelo contrário, subtraídas a um escrutínio ao abrigo das normas relativas à livre circulação.

26.   Por último, não fiquei convencido pela alegada analogia com o que foi decidido no acórdão Albany (19). O processo Albany dizia respeito a uma convenção colectiva entre organizações representativas das entidades patronais e dos trabalhadores, relativa à constituição de um fundo de pensões sectorial de inscrição obrigatória. O Tribunal de Justiça declarou que a convenção em causa, em virtude da sua natureza e do seu objecto, não era abrangida pelo âmbito do artigo 81.° CE. No entanto, o facto de um acordo ou actividade ser excluído do âmbito das regras de concorrência não significa necessariamente que também seja excluído do âmbito das normas relativas à livre circulação. Pelo contrário, o decidido nos acórdãos Wouters (20) e Meca‑Medina (21) demonstra que um acordo ou actividade pode ser abrangido por um conjunto de normas e, ao mesmo tempo, ser excluído de outro (22).

27.   Além do mais, a preocupação subjacente ao acórdão Albany parece ter sido a de evitar uma possível contradição no Tratado. O Tratado encoraja o diálogo social que conduz à celebração de convenções colectivas sobre condições de trabalho e salários. No entanto, este objectivo ficaria seriamente comprometido se, simultaneamente, o Tratado proibisse estes acordos devido aos seus efeitos na concorrência (23), efeitos esses inerentes a tais acordos. Assim, as convenções colectivas devem beneficiar de uma «imunidade condicionada […] do direito da concorrência» (24). Ao invés, as disposições do Tratado relativas à livre circulação não apresentam esse risco de contradição, uma vez que, como acima salientei, estas disposições podem ser conciliadas com objectivos de política social (25).

28.   Por conseguinte, sugiro que o Tribunal de Justiça dê a seguinte resposta à primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional nacional: «Uma acção colectiva desencadeada por um sindicato ou uma união de sindicatos, destinada a promover os objectivos de política social da Comunidade, não está, só por essa razão, subtraída à aplicação do artigo 43.° CE e do Regulamento n.° 4055/86.»

C –    Aplicação horizontal das disposições relativas à livre circulação

29.   A segunda questão submetida pelo órgão jurisdicional nacional diz respeito ao efeito horizontal dos artigos 43.° CE e 49.° CE (26). O FSU e a ITF alegam que estas disposições não lhes impõem obrigações, visto que têm por objecto medidas públicas. Salientam que tanto o FSU como a ITF são pessoas colectivas de direito privado, sem poderes normativos. Por outro lado, a Viking sustenta que lhe deve ser permitido invocar as disposições em causa, em particular, atendendo à capacidade de os sindicatos criarem obstáculos ao direito à livre circulação.

30.   Examinarei esta questão em quatro fases. Em primeiro lugar, como ponto de partida, explicarei que as disposições em causa podem criar obrigações para os particulares. Em segundo lugar, tentarei clarificar a que tipo de acções de particulares se aplicam as normas relativas à livre circulação. Em terceiro lugar, abordarei um problema frequentemente esquecido, mas importante: como é que o efeito horizontal das disposições relativas à livre circulação pode ser conciliado com o respeito pelo modo como o direito interno entende proteger a autonomia privada e resolver os conflitos entre particulares? Por último, depois destas observações de natureza mais geral, proponho uma resposta à questão de saber se uma empresa pode invocar o artigo 43.° CE e o artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4055/86 num processo judicial contra um sindicato ou uma união de sindicatos.

 As disposições relativas à livre circulação criam obrigações para os particulares?

31.   O Tratado não resolve expressamente a questão do efeito horizontal dos artigos 43.° CE e 49.° CE. Por conseguinte, é necessário ter em consideração o lugar que estas disposições ocupam e a função que desempenham na economia do Tratado.

32.   Juntamente com as regras de concorrência, as disposições relativas à livre circulação fazem parte de um conjunto coerente de normas, cuja finalidade se encontra descrita no artigo 3.° CE (27). Esta finalidade é assegurar, entre os Estados‑Membros, a livre circulação de mercadorias, serviços, pessoas e capitais, em condições de concorrência plena (28).

33.   As normas relativas à livre circulação e as regras de concorrência alcançam esta finalidade, essencialmente, conferindo direitos aos operadores no mercado. No essencial, protegem os operadores no mercado, concedendo‑lhes a faculdade de contestarem certos entraves à possibilidade de concorrer em igualdade de circunstâncias no mercado comum (29). A existência desta possibilidade é o elemento crucial para a prossecução de uma eficiente afectação de recursos na Comunidade no seu todo. Sem as normas relativas à livre circulação e à concorrência, seria impossível alcançar o objectivo fundamental da Comunidade de realizar um mercado comum a funcionar correctamente.

34.   As autoridades dos Estados‑Membros estão geralmente numa posição que lhes permite intervir no funcionamento do mercado comum, restringindo as actividades dos operadores no mercado. O mesmo se pode dizer de certas empresas que actuam em concertação ou que detêm uma posição dominante numa parte substancial do mercado comum. Não é, portanto, surpreendente que o Tratado confira direitos aos operadores no mercado, que podem ser invocados contra as autoridades do Estado‑Membro e contra essas empresas. Quanto a estas últimas, as regras de concorrência desempenham o papel principal; quanto às autoridades do Estado‑Membro, esse papel é desempenhado pelas disposições relativas à livre circulação (30). Assim, para assegurar efectivamente os direitos dos operadores no mercado, as regras de concorrência têm um efeito horizontal (31), enquanto as normas relativas à livre circulação têm um efeito vertical (32).

35.   No entanto, isto não valida o argumento a contrario de que o Tratado exclui o efeito horizontal das disposições relativas à livre circulação. Pelo contrário, este efeito horizontal resultaria logicamente do Tratado nos casos em que fosse necessário para permitir aos operadores no mercado em toda a Comunidade terem as mesmas oportunidades de acesso a qualquer parte do mercado comum.

36.   Assim, a questão crucial é a seguinte: o Tratado implica que, para assegurar o bom funcionamento do mercado comum, as disposições relativas à livre circulação protejam os direitos dos operadores no mercado, não só limitando os poderes das autoridades dos Estados‑Membros mas também limitando a autonomia dos outros operadores?

37.   Alguns autores propuseram responder a esta questão de forma claramente negativa, argumentando essencialmente que as regras de concorrência são suficientes para remover os obstáculos criados por operadores não estatais ao bom funcionamento do mercado comum (33). Outros, porém, salientaram que a acção de sujeitos privados – isto é, uma acção que fundamentalmente não emana do Estado e relativamente à qual as regras de concorrência não se aplicam – pode muito bem causar entraves ao bom funcionamento do mercado comum e, por isso, seria errado excluir categoricamente a aplicação das normas relativas à livre circulação a este tipo de acção (34).

38.   Considero esta última posição mais realista. É também apoiada pela jurisprudência. O Tribunal de Justiça reconheceu que as normas relativas à livre circulação podem limitar a autonomia dos particulares, designadamente nos acórdãos Comissão/França (35) e Schmidberger (36). Ambos os casos se baseiam fundamentalmente na argumentação segundo a qual uma acção de um particular pode pôr em causa os objectivos das disposições relativas à livre circulação. Consequentemente, o Tribunal de Justiça considerou que os particulares não devem poder agir sem ter adequadamente em consideração os direitos que outros particulares retiram das normas relativas à livre circulação. No processo Comissão/França, os actos de protesto violento por parte dos agricultores franceses resultaram em negar a outros a liberdade de vender ou importar frutas e produtos hortícolas de outros Estados‑Membros. No processo Schmidberger, o obstáculo à livre circulação de mercadorias não foi assim tão grave. No entanto, foi decisivo o facto de o Tribunal de Justiça ter ponderado o direito à liberdade de expressão de um grupo de manifestantes com o direito de uma empresa de transportes livremente transportar mercadorias de um Estado‑Membro para outro e, desse modo, ter aplicado horizontalmente o princípio fundamental da livre circulação de mercadorias.

39.   Refira‑se que o processo Schmidberger dizia respeito a uma acção proposta por um particular contra o Estado. Este tipo de processo é comum em muitos, se não em todos os ordenamentos jurídicos nacionais, nos casos em que uma disposição constitucional não pode ser invocada como causa de pedir autónoma numa acção cível. É uma forma alternativa de afirmar o efeito horizontal dos direitos constitucionais, nomeadamente, fazendo derivar desses direitos a obrigação de intervenção do Estado em situações em que os direitos constitucionais de um particular se encontram ameaçados pelas acções de outro (37). Um meio daqui decorrente, e igualmente comum, de atribuir força normativa aos direitos constitucionais em relações horizontais é considerá‑los vinculativos para o poder judicial quando decide em processos entre particulares. Quer interprete uma cláusula contratual, se pronuncie numa acção de indemnização, ou decida sobre um pedido de providência cautelar, o tribunal deve, como órgão do Estado, proferir uma decisão que respeite os direitos constitucionais das partes (38). A demarcação dos direitos individuais através destas formas é conhecida como «mittelbare Drittwirkung», ou efeito horizontal indirecto. O resultado é que as normas constitucionais dirigidas ao Estado se transformam em normas jurídicas aplicáveis entre particulares, demonstrando que «o governo é o terceiro em todas as acções entre particulares, e é‑o através da própria lei e do juiz que a aplica» [the government is the third party to every private suit and is so in the very form of the law and the judge who administers it] (39).

40.   No que respeita à demarcação das respectivas esferas de direitos, o efeito horizontal indirecto pode distinguir‑se do efeito horizontal directo na forma; não há, contudo, diferença material (40). Isto explica a razão pela qual se considera que o acórdão Defrenne reconheceu o «efeito horizontal directo» do artigo 141.° CE, apesar de o Tribunal de Justiça ter interpretado o efeito horizontal dessa disposição como um dever que incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais (41). Explica também por que é que o argumento apresentado na audiência pela Comissão, segundo o qual o Tribunal de Justiça devia rejeitar o efeito horizontal directo pelo facto de as disposições relativas à livre circulação e as respectivas derrogações não se destinarem a ser aplicadas aos particulares, foi já refutado pela jurisprudência. Se o processo Schmidberger tivesse sido julgado como uma acção entre particulares, ou seja, entre a empresa de transportes e os manifestantes, o Tribunal de Justiça teria, ainda assim, de ter ponderado o direito à livre circulação da primeira com o direito de manifestação dos segundos (42). Com efeito, o presente caso poderia, teoricamente, ter sido submetido ao Tribunal de Justiça no âmbito de um processo contra as autoridades finlandesas pelo facto de não terem posto termo à acção colectiva contra a Viking Line. Esta hipótese não teria afectado a essência do problema: como conciliar o direito à livre circulação da Viking Line com os direitos de associação e à greve do FSU e da ITF (43)?

 A que tipo de acção dos particulares se aplicam as normas relativas à livre circulação?

41.   No entanto, isto não significa que as normas relativas à livre circulação possam ser sempre invocadas em processos contra um particular. O poder normativo e socioeconómico inerente às autoridades estatais implica que essas autoridades tenham, por definição, uma capacidade significativa para criar obstáculos ao correcto funcionamento do mercado comum. Isto é agravado pelo facto de que, independentemente de serem ou não, do ponto de vista formal, de natureza geral, as acções das autoridades estatais não são nunca verdadeiramente autónomas. Manifestam opções políticas mais amplas e, por isso, têm incidência em quem quer que pretenda exercer os seus direitos à livre circulação no seu território. Além disso, é mais provável que sejam os operadores económicos privados, e não as autoridades estatais, a adaptar a sua conduta em resposta a incentivos comerciais que garantam o funcionamento normal do mercado (44). Por conseguinte, o âmbito de aplicação das normas relativas à livre circulação abrange qualquer acção ou omissão do Estado que possa impedir ou tornar menos atractivo o exercício do direito à livre circulação (45).

42.   Ao invés, em muitas circunstâncias, os particulares, simplesmente, não têm poder suficiente para impedir que outros exerçam os seus próprios direitos à livre circulação. O caso de um só lojista que se recusasse a adquirir mercadorias de outros Estados‑Membros não poderia entravar o funcionamento do mercado comum, uma vez que os fornecedores de outros Estados‑Membros poderiam sempre vender as suas mercadorias através de canais alternativos. Além do mais, o lojista sofreria, muito provavelmente, a concorrência dos retalhistas menos escrupulosos em comprar mercadorias estrangeiras e que, por consequência, poderiam oferecer preços mais baixos e uma maior escolha aos consumidores. Bastaria provavelmente esta perspectiva para dissuadir comportamentos deste tipo. Nestas circunstâncias, os mecanismos de mercado são suficientes para resolver o problema. Não há, pois, motivo algum para o direito comunitário intervir.

43.   A consequência é que as normas relativas à livre circulação são aplicáveis directamente a qualquer acção de particulares que seja capaz de restringir efectivamente o exercício do direito à livre circulação de outros. Mas como é que é possível determinar se é esta a situação? Parece não existir uma resposta simples a esta questão. O Tribunal de Justiça, na sua jurisprudência, procedeu cautelosamente, reconhecendo a aplicação horizontal directa das normas relativas à livre circulação em casos específicos.

44.   Alguns destes casos diziam respeito ao exercício de direitos de propriedade intelectual (46). Os titulares desses direitos têm um interesse comercial legítimo em exercer os seus direitos da forma que escolherem (47). Apesar disso, estes interesses devem ser ponderados com o princípio da livre circulação de mercadorias (48). De outra forma, o titular de direitos de propriedade intelectual «teria igualmente a possibilidade de repartir os mercados nacionais e de praticar assim um acto restritivo do comércio entre os Estados‑Membros» (49).

45.   De modo semelhante, o Tribunal de Justiça aplicou as normas relativas à livre circulação a associações profissionais desportivas nacionais e internacionais (50). É fácil perceber porquê. As associações em questão têm uma influência dominante na organização do desporto profissional enquanto actividade económica transfronteiriça. Podem elaborar regulamentos que são efectivamente vinculativos para quase todos aqueles que pretendem exercer essa actividade. Como o Tribunal de Justiça observou no acórdão Deliège, «a abolição dos obstáculos à livre circulação de pessoas e à livre prestação de serviços entre os Estados‑Membros seria comprometida se a abolição das barreiras de origem estatal pudesse ser neutralizada por obstáculos resultantes do exercício da sua autonomia jurídica por associações ou organismos que não são abrangidos pelo direito público» (51).

46.   A aplicação das disposições relativas à livre circulação às acções dos particulares tem especial importância em matéria de condições de trabalho e de acesso ao emprego (52). O Tribunal de Justiça reconheceu isto mesmo no acórdão Angonese, quando aplicou o artigo 39.° CE a um banco privado em Bolzano (53). R. Angonese desejava participar num concurso de recrutamento para um cargo nesse banco. Todavia, o acesso ao concurso dependia da posse de um certificado comprovativo de que o candidato era bilingue, emitido pelas autoridades da província de Bolzano e que só aí poderia ser obtido. Essa condição retomava um requisito que existia antigamente para o acesso à função pública, prolongando, desse modo, uma prática assente. Como observou o Tribunal de Justiça no seu acórdão, era comum os residentes de Bolzano obterem o certificado para estarem preparados para qualquer eventualidade de emprego, sendo a obtenção deste certificado considerada uma «etapa quase obrigatória de uma formação normal» (54). Embora R. Angonese não tivesse o certificado, era perfeitamente bilingue e tinha outros diplomas que o demonstravam. Foi‑lhe, no entanto, recusado participar no concurso.

47.   Os trabalhadores não podem alterar as suas qualificações profissionais nem obter empregos alternativos com a mesma facilidade com que os comerciantes podem alterar os seus produtos ou encontrar meios alternativos para os comercializar. As condições de recrutamento, como a que estava em causa no processo Angonese, são, portanto, prejudiciais para o funcionamento do mercado comum, mesmo quando impostas por um banco privado como parte de uma prática regional assente. A possibilidade de, a longo prazo, os incentivos económicos eliminarem estas práticas de recrutamento discriminatórias de pouco serve à pessoa que hoje procura emprego. Talvez mais do que em qualquer outro domínio, o provérbio segundo o qual «o mercado pode permanecer irracional por mais tempo do que uma pessoa pode permanecer solvente» (55) soa a verdadeiro no domínio da livre circulação de trabalhadores.

48.   Decorre do exposto que as disposições relativas à livre circulação se aplicam a acções de particulares que, em virtude dos seus efeitos gerais para os titulares do direito à livre circulação, são susceptíveis de restringir o exercício desses direitos por eles, gerando um obstáculo que não podem razoavelmente evitar.

 O efeito horizontal das disposições relativas à livre circulação e do respeito pela autonomia privada conforme é tutelada pelo direito nacional

49.   É óbvio que a conclusão de que determinados particulares estão sujeitos às normas relativas à livre circulação não significa o fim da sua autonomia privada. Também não significa, necessariamente, que devam ser exactamente considerados segundo os mesmos padrões que as autoridades estatais. O Tribunal de Justiça pode aplicar diferentes níveis de análise, dependendo da origem e da gravidade do impedimento ao exercício do direito à livre circulação e da importância e validade das reivindicações de autonomia privada contrapostas. Por outras palavras, os particulares podem frequentemente fazer coisas que as autoridades públicas não podem (56).

50.   O Tribunal de Justiça reconheceu também que os Estados‑Membros dispõem de uma margem de apreciação no que respeita à prevenção de obstáculos à livre circulação resultantes da conduta dos particulares (57). A este respeito, o Tribunal afirmou que não cabe «às instituições comunitárias substituir‑se aos Estados‑Membros para lhes indicar as medidas que devem adoptar e aplicar efectivamente para garantir» o exercício do direito à livre circulação (58). Por conseguinte, as disposições relativas à livre circulação nem sempre proporcionam uma solução concreta para cada caso, estabelecendo apenas determinados limites dentro dos quais pode ser resolvido um conflito entre dois particulares (59).

51.   Isto tem uma consequência importante: mesmo em casos abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, as disposições relativas à livre circulação não substituem o direito interno como quadro normativo relevante para a apreciação de conflitos entre particulares. Pelo contrário, os Estados‑Membros são livres de regulamentar a conduta dos particulares, desde que respeitem os limites estabelecidos pelo direito comunitário.

52.   Este grau de liberdade dos Estados‑Membros tem implicações processuais. Embora as regras de processo civil variem entre os diversos ordenamentos jurídicos nacionais, uma característica comum é o facto de as partes num processo serem os principais responsáveis pela delimitação do conteúdo e do âmbito do litígio. Se essas partes pudessem intentar acções judiciais num órgão jurisdicional nacional, invocando simplesmente as normas do Tratado aplicáveis em matéria de livre circulação, correr‑se‑ia o risco de as regras nacionais aplicáveis não serem tidas em consideração. Para impedir que isso aconteça, os Estados‑Membros podem exigir, em conformidade com o princípio da autonomia processual, que uma acção judicial contra um particular, por violação do direito à livre circulação, seja proposta no âmbito do enquadramento jurídico nacional, em conformidade com as regras processuais nacionais, por exemplo, em matéria de responsabilidade extracontratual ou contratual.

53.   Ao decidir o litígio assim submetido, o órgão jurisdicional nacional é convidado a aplicar o seu direito interno de modo coerente com as normas do Tratado relativas à livre circulação (60). Se isso não for possível e o direito interno for incompatível com as normas relativas à livre circulação, são estas últimas que prevalecerão (61). Se não houver nenhuma via de recurso disponível, porque o direito interno não prevê qualquer acção judicial para impugnar uma violação do direito à livre circulação, então, de acordo com o princípio da efectividade, o pedido pode basear‑se directamente na disposição aplicável do Tratado (62).

54.   O direito nacional, fundado nos valores do ordenamento jurídico nacional, mantém, portanto, o seu próprio lugar no quadro normativo que rege os conflitos entre particulares. Ao mesmo tempo, é assegurada a efectividade do direito comunitário.

 Análise do presente processo

55.   Decorre dos factos, tal como constam da decisão de reenvio, que o efeito prático das acções concertadas do FSU e da ITF, em particular, ao impedirem negociações com os sindicatos estónios membros da ITF, é sujeitar ao consentimento do FSU o exercício, pela Viking Line, do seu direito à liberdade de estabelecimento. Consideradas conjuntamente, as acções do FSU e da ITF são susceptíveis de, efectivamente, restringir o exercício do direito à liberdade de estabelecimento de uma empresa como a Viking Line.

56.   Proponho, por isso, que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo à segunda questão submetida pelo órgão jurisdicional nacional: «Em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, o artigo 43.° CE e o artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4055/86 têm efeito horizontal num processo judicial nacional entre uma empresa e um sindicato ou uma união de sindicatos.»

D –    Ponderação entre o direito à liberdade de estabelecimento e o direito à acção colectiva

57.   A Viking Line, por razões comerciais evidentes, procura, sobretudo, exercer o seu direito à liberdade de estabelecimento. O Tratado protege este direito, porque a possibilidade de uma empresa se deslocar para um Estado‑Membro onde os seus custos de exploração sejam inferiores é crucial para a realização de um comércio intracomunitário efectivo. Se se permitisse às empresas utilizar apenas os recursos produtivos disponíveis num determinado país ou região, esse facto dificultaria o desenvolvimento económico dessa região assim como das regiões onde os recursos necessários se encontram mais facilmente disponíveis. O exercício do direito à liberdade de estabelecimento é, portanto, instrumental para o crescimento do bem‑estar económico de todos os Estados‑Membros (63).

58.   Todavia, enquanto o direito à liberdade de estabelecimento gera benefícios gerais, tem também frequentemente consequências difíceis, em particular para os trabalhadores de empresas que tenham decidido deslocalizar‑se. Inevitavelmente, a realização do progresso económico através do comércio intracomunitário implica, para os trabalhadores em toda a Comunidade, o risco de terem de se sujeitar a mudanças de circunstâncias de trabalho, ou mesmo de perderem os seus empregos. Foi exactamente este risco, quando se concretizou para a tripulação do Rosella, que desencadeou as acções do FSU e da ITF.

59.   Embora o Tratado estabeleça o mercado comum, não ignora os trabalhadores que são prejudicados pelos seus aspectos negativos. Pelo contrário, a ordem económica europeia está firmemente assente num contrato social: os trabalhadores em toda a Europa devem aceitar as consequências negativas recorrentes que são inerentes à criação de uma prosperidade crescente no mercado comum, em troca da qual a sociedade se deve comprometer a contribuir para a melhoria geral das suas condições de vida e de trabalho e a dar apoio económico aos trabalhadores que, em consequência das forças de mercado, se encontrem em dificuldades (64). Tal como demonstra o seu preâmbulo, este contrato está incorporado no Tratado.

60.   O direito de associação e o direito de acção colectiva são instrumentos essenciais para os trabalhadores fazerem ouvir a sua voz e obrigarem governos e empregadores a cumprir a sua parte do contrato social. Estes instrumentos permitem realçar que a deslocalização, sendo, em última análise, útil para a sociedade, implica custos para os trabalhadores afectados, e que esses custos não devem ser suportados unicamente por esses trabalhadores. Por conseguinte, os direitos de associação e de acção colectiva desempenham um papel fundamental na ordem jurídica comunitária, como reafirma a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (65). No entanto, a questão essencial subjacente ao presente processo é a de saber para que fins pode ser utilizada a acção colectiva e quais os seus limites. Esta questão coloca um desafio muito importante para a Comunidade e os seus Estados‑Membros: proteger os trabalhadores que são prejudicados pelo funcionamento do mercado comum, garantindo simultaneamente os benefícios gerais decorrentes do comércio intracomunitário.

61.   O tribunal de reenvio pretende saber se as acções previstas da ITF e do FSU representam «um equilíbrio justo entre o direito social fundamental de desencadear acções colectivas e a liberdade de estabelecimento e de prestação de serviços». Tendo colocado esta questão numa perspectiva mais abrangente, é agora possível olhar mais de perto para a forma e o objectivo da acção colectiva em discussão.

62.   Uma política concertada de acções colectivas entre sindicatos constitui normalmente um meio legítimo para proteger os salários e as condições de trabalho dos marítimos. Todavia, uma acção colectiva que tenha por efeito compartimentar o mercado de trabalho e que impeça a contratação de marítimos de certos Estados‑Membros para proteger os empregos de marítimos noutros Estados‑Membros poria em causa o âmago do princípio da não discriminação em que se funda o mercado comum.

63.   Para determinar se a política de acção colectiva concertada, aqui em causa, tem por efeito compartimentar o mercado de trabalho, em violação do princípio da não discriminação, é útil fazer a distinção entre dois tipos de acção colectiva que podem estar em questão no presente caso: a acção colectiva para convencer a Viking Line a manter os empregos e as condições de trabalho da tripulação actual e a acção colectiva para melhorar o regime laboral aplicável aos marítimos em toda a Comunidade.

 Acção colectiva em favor dos empregos e das condições de trabalho da tripulação actual

64.   Uma primeira razão para a ITF e o FSU desencadearem uma acção colectiva pode ser a de atenuar quaisquer consequências negativas que a mudança de pavilhão do Rosella terá para a sua tripulação actual. Uma acção colectiva concertada pode assim servir, por exemplo, para garantir os seus salários e condições de trabalho, impedir despedimentos ou obter uma indemnização justa.

65.   Atendendo ao poder de apreciação que o direito comunitário concede aos Estados‑Membros, compete ao órgão jurisdicional nacional determinar, à luz das normas nacionais aplicáveis ao exercício do direito de acção colectiva, se a acção em causa vai além daquilo que o direito interno considera legítimo para proteger os interesses da tripulação actual. No entanto, ao efectuar esta apreciação, o órgão jurisdicional nacional tem o dever de garantir, por força do direito comunitário, que os casos de deslocalização no seio da Comunidade não sejam tratados de maneira menos favorável do que as deslocalizações efectuadas em território nacional.

66.   Assim, em princípio, o direito comunitário não obsta a que os sindicatos, a fim de proteger os trabalhadores de uma empresa, desencadeiem uma acção colectiva que tenha por efeito restringir o direito de estabelecimento da empresa que pretende deslocar‑se para outro Estado‑Membro.

67.   No entanto, uma acção colectiva destinada a persuadir uma empresa a manter os seus actuais empregos e condições de trabalho não deve ser confundida com uma acção colectiva para impedir uma empresa de prestar os seus serviços depois de se ter deslocado para o estrangeiro. O primeiro tipo de acção colectiva representa uma forma legítima de os trabalhadores preservarem os seus direitos e corresponde ao que normalmente aconteceria se a deslocalização ocorresse no interior do território de um Estado‑Membro. Todavia, o mesmo não se pode dizer da acção colectiva que apenas pretende impedir uma empresa, que se deslocou para outro local, de prestar legalmente os seus serviços no Estado‑Membro em que se encontrava anteriormente estabelecida.

68.   Impedir ou ameaçar impedir, através de uma acção colectiva, uma empresa sedeada num Estado‑Membro de prestar legalmente os seus serviços noutro Estado‑Membro é, essencialmente, o tipo de entrave ao comércio que o Tribunal de Justiça, no acórdão Comissão/França, declarou ser incompatível com o Tratado (66), uma vez que contraria inteiramente o objectivo do mercado comum. Além disso, permitir este tipo de acções implicaria o risco de gerar um ambiente de retaliação constante entre grupos sociais de diferentes Estados‑Membros, que poderia ameaçar gravemente o mercado comum e o espírito de solidariedade que lhe é inerente.

69.   Contrariamente ao que a ITF e o FSU afirmam, esta conclusão não é minimamente afectada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a trabalhadores destacados. No contexto específico dos trabalhadores destacados, o Tribunal de Justiça entendeu que as disposições relativas à livre circulação não impedem os Estados‑Membros de aplicar as suas regras nacionais sobre condições de trabalho e salários mínimos aos trabalhadores destacados, que trabalham temporariamente no território nacional (67). Os Estados‑Membros podem aplicar os respectivos níveis nacionais de protecção dos trabalhadores aos trabalhadores destacados, na medida em que tal seja necessário e proporcionado para oferecer um nível equivalente de protecção aos trabalhadores destacados e aos trabalhadores do Estado de acolhimento (68). Todavia, esta linha jurisprudencial resulta principalmente de uma preocupação com a igualdade de tratamento e a coesão social entre trabalhadores. O objectivo da jurisprudência relativa aos trabalhadores destacados não é permitir a imposição de condições de trabalho e salários nacionais a empresas sedeadas noutro Estado‑Membro – apesar de, em certa medida, poder ter este efeito – mas sim assegurar que os trabalhadores que estão temporariamente destacados no território de um Estado‑Membro gozem de um nível de protecção equivalente ao dos seus colegas do Estado‑Membro de acolhimento, com os quais, frequentemente, têm de executar o seu trabalho. Simplesmente, esta questão não se levanta no presente processo.

 Acção colectiva para melhorar o regime laboral aplicável aos marítimos na Comunidade

70.   Naturalmente, o FSU pode, juntamente com a ITF e outros sindicatos, recorrer a acções colectivas concertadas como meio de melhorar as condições laborais aplicáveis aos marítimos em toda a Comunidade. Uma política destinada a coordenar os sindicatos nacionais de modo a promover um determinado nível de direitos para os trabalhadores marítimos é coerente com o seu direito à acção colectiva. Em princípio, constitui um método razoável para contrabalançar as acções das empresas que pretendem baixar os seus custos de mão‑de‑obra exercendo o seu direito à livre circulação. Não se deve ignorar, a este respeito, que os trabalhadores têm um grau de mobilidade inferior ao do capital ou das empresas. Quando não podem «votar com os seus pés», os trabalhadores têm de agir em coligação. O reconhecimento do seu direito de agir colectivamente a nível europeu transpõe assim simplesmente a lógica da acção colectiva nacional para o plano europeu. No entanto, da mesma forma que existem limites ao direito de acção colectiva quando exercido a nível nacional, há limites a esse direito quando exercido a nível europeu.

71.   Uma política de acções colectivas concertadas poderia facilmente ser objecto de abuso de forma discriminatória se funcionasse com base numa obrigação, imposta a todos os sindicatos nacionais, de apoiar as acções colectivas desencadeadas por qualquer um dos outros sindicatos aderentes. Permitiria a qualquer sindicato nacional requerer a assistência de outros sindicatos para fazer depender uma deslocalização para outro Estado‑Membro da aplicação dos seus próprios níveis de protecção dos trabalhadores, mesmo depois de a deslocalização ter tido lugar. Com efeito, tal política seria assim susceptível de proteger o poder de negociação colectiva de alguns sindicatos nacionais à custa dos interesses de outros e compartimentar o mercado de trabalho, em violação das normas relativas à livre circulação.

72.   Ao invés, se os outros sindicatos pudessem, de facto, optar livremente, numa dada situação, por participar ou não numa acção colectiva, evitar‑se‑ia então o perigo de abuso discriminatório de uma política concertada. Compete ao tribunal de reenvio verificar se é esta a situação nas circunstâncias do caso concreto.

III – Conclusão

73.   À luz do exposto, sugiro que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo às questões submetidas pela Court of Appeal:

1)      Uma acção colectiva desencadeada por um sindicato ou uma união de sindicatos, destinada a promover os objectivos de política social da Comunidade, não está, só por essa razão, subtraída à aplicação do artigo 43.° CE e do Regulamento (CEE) n.° 4055/86 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1986, que aplica o princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos entre Estados‑Membros e Estados‑Membros para países terceiros.

2)      Em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, o artigo 43.° CE e o artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4055/86 têm efeito horizontal num processo judicial nacional entre uma empresa e um sindicato ou uma união de sindicatos.

3)      O artigo 43.° CE não obsta a que um sindicato ou uma união de sindicatos, a fim de proteger os trabalhadores de uma empresa, desencadeiem uma acção colectiva que tenha por efeito restringir o direito de estabelecimento da empresa que pretende deslocar‑se para outro Estado‑Membro. Compete ao órgão jurisdicional nacional determinar se essa acção é legítima à luz das normas nacionais aplicáveis ao exercício do direito de acção colectiva, desde que os casos de deslocalização no seio da Comunidade não sejam tratados de maneira menos favorável do que as deslocalizações efectuadas em território nacional.

4)      O artigo 43.° CE obsta a uma política concertada de acções colectivas desencadeadas por um sindicato e uma união de sindicatos que, ao restringir o direito à liberdade de estabelecimento, tem por efeito compartimentar o mercado de trabalho e impedir a contratação de trabalhadores de certos Estados‑Membros para proteger os empregos de trabalhadores noutros Estados‑Membros.


1 – Língua original: português.


2 – Regra III da Constituição da ITF, conforme alterada no 40.° Congresso, Vancôver, Canadá, de 14 de Agosto a 21 de Agosto de 2002.


3 – JO 2006, C 60, p. 16.


4 – Acórdão de 21 de Setembro de 1999 (C‑67/96, Colect., p. I‑5751).


5 – Regulamento de 22 de Dezembro de 1986, que aplica o princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos entre Estados‑Membros e Estados‑Membros para países terceiros (JO L 378, p. 1).


6 – Acórdão de 5 de Outubro de 1994, Comissão/França (C‑381/93, Colect., p. I‑5145, n.° 13).


7 – Acórdão de 17 de Maio de 1994, Corsica Ferries (C‑18/93, Colect., p. I‑1783).


8 – Acórdão de 25 de Julho de 1991 (C‑221/89, Colect., p. I‑3905, n.° 22).


9 – Referido na nota 4.


10 – Acórdão de 12 de Junho de 2003, Schmidberger (C‑112/00, Colect., p. I‑5659).


11 – Acórdão de 14 de Outubro de 2004, Omega (C‑36/02, Colect., p. I‑9609).


12 – Acórdão Schmidberger, já referido na nota 10, n.os 71, 72 e 76, e acórdão Omega, já referido na nota 11, n.° 34. Sobre a protecção da dignidade humana como um direito comunitário fundamental, v. as conclusões da advogada‑geral C. Stix‑Hackl no processo Omega, n.os 82 a 91.


13 – Acórdão Schmidberger, já referido na nota 10, n.° 93, e acórdão Omega, já referido na nota 11, n.os 38 a 40.


14 – V., por exemplo, acórdãos de 24 de Janeiro de 2002, Portugaia Construções (C‑164/99, Colect., p. I‑787, n.° 22), e de 25 de Outubro de 2001, Finalarte e o. (C‑49/98, C‑50/98, C‑52/98 a C‑54/98 e C‑68/98 a C‑71/98, Colect., p. I‑7831, n.os 33 e 49).


15 – Acórdão de 20 de Setembro de 1988, Comissão/Dinamarca (302/86, Colect., p. 4607).


16 – Acórdão de 16 de Dezembro de 1980, Fietje (27/80, Recueil, p. 3839).


17 – Acórdão de 26 de Junho de 1997, Familiapress (C‑368/95, Colect., p. I‑3689).


18 – Acórdão de 2 de Dezembro de 2004, Comissão/Países Baixos (C‑41/02, Colect., p. I‑11375, n.° 42).


19 – Referido na nota 4. V., igualmente, acórdãos de 21 de Setembro de 1999, Brentjens’ (C‑115/97 a C‑117/97, Colect., p. I‑6025), e Drijvende Bokken (C‑219/97, Colect., p. I‑6121).


20 – Acórdão de 19 de Fevereiro de 2002 , Wouters e o. (C‑309/99, Colect., p. I‑1577).


21 – Acórdão de 18 de Julho de 2006, Meca‑Medina e Majcen/Comissão (C‑519/04 P, Colect., p. I‑6991).


22 – V. também o n.° 51 das minhas conclusões no processo FENIN/Comissão (acórdão de 11 de Julho de 2006, C‑205/03 P, Colect., p. I‑6295).


23 – Acordão Albany, já referido na nota 4, n.° 59.


24 – Conclusões do advogado‑geral F. Jacobs no processo Albany, já referido, n.os 179 e 183. V., igualmente, acórdão de 21 de Setembro de 2000, Van der Woude (C‑222/98, Colect., p. I‑7111, n.os 23 a 27), e acórdão do Tribunal da EFTA de 22 de Março de 2002 no processo Landsorganisasjonen i Norge (E‑8/00, EFTA Court Report 114, n.os 35 e 36).


25 – V. n.os 23 e 25, supra.


26 – Conforme já expliquei no n.° 17, o artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4055/86 pode ser equiparado ao artigo 49.° CE para efeitos da presente análise.


27 – Acórdão de 10 de Janeiro de 1985, Leclerc (229/83, Recueil, p. 1, n.° 9).


28 – V. artigo 3.°, n.° 1, alíneas a), c) e g), CE e, por exemplo, acórdão de 13 de Julho de 1966, Itália/Conselho e Comissão (32/65, Colect. 1965‑1968, p. 483), e n.° 22 das conclusões do advogado‑geral W. Van Gerven no processo B & Q (acórdão de 23 de Novembro de 1989, C‑145/88, Colect., p. 3851).


29 – V. os n.os 37 a 40 das minhas conclusões no processo Marks & Spencer (acórdão de 13 de Dezembro de 2005, C‑446/03, Colect., p. I‑10837).


30 – Acórdãos de 5 de Abril de 1984, Van de Haar (177/82 e 178/82, Recueil, p. 1797, n.os 11 e 12), e de 27 de Setembro de 1988, Bayer/Süllhöfer (65/86, Colect., p. 5249, n.° 11).


31 – Acórdão de 27 de Março de 1974, BRT (127/73, Colect., p. 313). V., igualmente, por exemplo, acórdão de 20 de Setembro de 2001, Courage e Crehan (C‑453/99, Colect., p. I‑6297).


32 – V., por exemplo, acórdãos de 22 de Março de 1977, Ianelli & Volpi (74/76, Colect., p. 175, n.° 13); de 4 de Dezembro de 1974, Van Duyn (41/74, Colect., p. 567, n.os 4 a 8); de 7 de Julho de 1976, Watson e Belmann (118/75, Colect., p. 465, n.° 12); e de 14 de Dezembro de 1995, Sanz de Lera e o. (C‑163/94, C‑165/94 e C‑250/94, Colect., p. I‑4821, n.° 41).


33 – Marenco, G. – «Competition between national economies and competition between businesses – a response to Judge Pescatore», Fordham International Law Journal, vol. 10 (1987), p. 420. A mesma posição parece ter dado origem aos obiter dicta nos acórdãos de 1 de Outubro de 1987, Vlaamse Reisbureaus (311/85, Colect., p. 3801, n.° 30), e de 6 de Junho de 2002, Sapod Audic (C‑159/00, p. I‑5031, n.° 74).


34 – Pescatore, P. – «Public and Private Aspects of European Community Law», Fordham International Law Journal, vol. 10 (1987), p. 373, em especial pp. 378, 379; Baquero Cruz, J. – «Free movement and private autonomy», European Law Review, 1999, pp. 603‑620; Waelbroeck, M. – «Les rapports entre les règles sur la libre circulation des marchandises et les règles de concurrence applicables aux entreprises dans la CEE», Du droit international au droit de l’intégration, Nomos, Baden‑Baden, 1987, pp. 781‑803.


35 – Acórdão de 9 de Dezembro de 1997, Comissão/França (C‑265/95, Colect., p. I‑6959).


36 – Referido na nota 10.


37 – V., por exemplo, acórdãos do TEDH de 10 de Abril de 2007, Evans c. Reino Unido, § 75, e de 26 de Março de 1985, X & Y, §§ 23‑27. Sobre o efeito horizontal das disposições da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, v. Spielmann, D. – L’effet potentiel de la Convention européenne des droits de l’homme entre personnes privées, Bruylant, Bruxelas, 1995; Besson, S. – «Comment humaniser le droit privé sans commodifier les droits de l’homme», Droit civil et Convention européenne des droits de l’homme, Schulthess, Zurique, 2006, pp. 1‑51.


38 – Exemplo de um acórdão em que o Tribunal de Justiça interpretou o efeito horizontal deste modo é o acórdão de 8 de Abril de 1976, Defrenne (43/75, Colect., p. 193, n.os 35‑37 e 40). V., igualmente, acórdão de 22 de Janeiro de 1981, Dansk Supermarked/Imerco (58/80, Recueil, p. 181, n.° 12). A jurisprudência nacional contém numerosos exemplos, dos quais referirei apenas alguns. Reino Unido: Campbell v. Mirror Group Newspapers [2005] 1 WLR 3394, n.os 17 e 18 (per Lord Nicholls); A v. B [2003] QB 195. Alemanha: BverfG 7, 198 (Lüth); BverfG 81, 242 (agente comercial); BverfG 89, 214 (garantia); BverfG, 1 BvR 12/92, de 6.2.2001 (acordo nupcial). Países Baixos: Hoge Raad, 15 de Abril de 1994, Valkenhorst, NJ 1994, 608. República Checa: I. ÚS 326/99 (v. Boletim de Jurisprudência Constitutional, 2000, p. 240). Chipre: The Ship «Panayia Myrtidiotissa» v. Sidiropoulou a. o. (1993) 1. J.S.C 991. Dois exemplos clássicos dos Estados Unidos são: USSC Shelley v. Kraemer, 334 U.S. 1 (1948) e USSC New York Times Co. v. Sullivan, 376 U.S. 254 (1964).


39 – Shapiro, M.; Stone Sweet, A. – On Law, Politics & Judicialization, Oxford University Press, Oxford, 2002, p. 35. V., igualmente, Sunstein, C. – «State Action is Always Present», 3 Chicago Journal of International Law 465 (2002). V., igualmente, acórdão Defrenne, já referido na nota 38, n.° 35.


40 – Alexy, R. – A theory of constitutional rights, Oxford University Press, Oxford, 2002, p. 363; Kumm, M. – «Who is Afraid of the Total Constitution? Constitutional Rights as Principles and the Constitutionalization of Private Law», German Law Journal, vol. 7, n.° 4 (2006), pp. 341‑369, em especial p. 352; Tushnet, M. – «The issue of state action/horizontal effect in comparative constitutional law», International Journal of Constitutional Law, vol. 1, n.° 1 (2003), pp. 79‑98, em especial p. 98; Sunstein, op. cit. na nota 39, pp. 467, 468.


41 – Acórdão Defrenne, já referido na nota 38, n.os 35‑37 e 40.


42 – No mesmo sentido: Kumm, M.; Ferreres Comella, V. – «What is so special about constitutional rights in private litigation? A comparative analysis of the function of state action requirements and indirect horizontal effect», The Constitution in Private Relations, Eleven International Publishing, Utrecht, 2005, pp. 241‑286, em especial p. 253.


43 – Daí a observação de que «o efeito horizontal, em última análise, será sempre directo» (Leisner, W. – Grundrechte und Privatrecht, Beck, Munique,1960, p. 378).


44 – Para uma discussão mais pormenorizada sobre esta matéria, v. o n.° 25 das minhas conclusões no processo Federconsumatori e o. (C‑463/04 e C‑464/04, actualmente pendente no Tribunal de Justiça).


45 – V. também as minhas conclusões no processo Marks & Spencer, já referido na nota 29, n.os 37‑40.


46 – V., por exemplo, acórdãos de 31 de Outubro de 1974, Centrafarm (15/74, Colect., p. 475, n.os 11 e 12), Centrafarm (16/74, Colect., p. 499, n.os 11 e 12); e de 22 de Junho de 1976, Terrapin (119/75, Colect., p. 419).


47 – V., por exemplo, acórdãos Centrafarm, já referidos na nota 46, n.° 9 (em ambos os processos); acórdãos de 17 de Outubro de 1990, HAG II (C‑10/89, Colect., p. I‑3711, n.os 13‑14), e de 17 de Maio de 1988, Warner Brothers e Metronome Video (158/86, Colect., p. 2605).


48 – V., por exemplo, acórdão HAG II, já referido na nota 47, n.os 15‑20, e acórdão de 22 de Junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik (C‑9/93, Colect., p. I‑2789, n.os 41‑60).


49 – Acórdão Centrafarm, 15/74, já referido na nota 46, n.° 12.


50 – Acórdãos de 12 de Dezembro de 1974, Walrave e Koch (36/74, Colect., p. 595); de 14 de Julho de 1976, Donà (13/76, Colect., p. 545); de 15 de Dezembro de 1995, Bosman (C‑415/93, Colect., p. I‑4921); de 11 de Abril de 2000, Deliège (C‑51/96 e C‑191/97, Colect., p. I‑2549); Meca‑Medina e Majcen/Comissão, já referido na nota 21; e de 13 de Abril de 2000, Lehtonen e Castors Braine (C‑176/96, Colect., p. I‑2681).


51 – Acórdãos Deliège, já referido na nota 50, n.° 47; Meca‑Medina e Majcen/Comissão, já referido na nota 21, n.° 24; e Lehtonen e Castors Braine, já referido na nota 50, n.° 35.


52 – Acórdão de 8 de Maio de 2003, Deutscher Handballbund (C‑438/00, Colect., p. I‑4135, n.° 32), confirmado pelo acórdão de 12 de Abril de 2005, Simutenkov (C‑265/03, Colect., p. I‑2579, n.° 33).


53 – Acórdão de 6 de Junho de 2000, Angonese (C‑281/98, Colect., p. I‑4139). V. Ragnemalm, H. – «Fundamental freedoms and private action: a new horizon for EU citizens?», EG‑domstolen inifrån, Jure Förlag AB, 2006, p. 177.


54 – Acórdão Angonese, já referido, n.° 7.


55 – Atribuído a John Maynard Keynes.


56 – Kumm, M., op. cit. na nota 40, pp. 352 e 362‑364. V. igualmente, no mesmo sentido, Sunstein, C., op. cit. na nota 39.


57 – Acórdão Schmidberger, já referido na nota 10, n.os 82, 89 e 93.


58 – Acórdão Comissão/França, já referido na nota 35, n.° 34.


59 – Há, no entanto, situações em que o direito comunitário deixa apenas uma pequena margem de manobra ou mesmo nenhuma, como no acórdão Angonese (que dizia respeito a uma discriminação manifesta sem o menor indício de motivo razoável).


60 – Acórdão Defrenne, já referido na nota 38, n.os 24‑26.


61 – Acórdãos de 15 de Julho de 1964, Costa/ENEL (6/64, Colect., p. 549), e de 9 de Março de 1978, Simmenthal (106/77, Colect., p. 243).


62 – V., por analogia, acórdãos de 5 de Março de 1996, Brasserie du Pêcheur e Factortame III (C‑46/93 e C‑48/93, Colect., p. I‑1029, n.° 22); de 19 de Novembro de 1991, Francovich e o. (C‑6/90 e C‑9/90, Colect., p. I‑5357); e Courage e Crehan, já referido na nota 31.


63 – V., por exemplo, Corden, M. W. – «The Normative Theory of International Trade», The Handbook of International Economics, vol. 1, Elsevier, Amesterdão, 1984, pp. 63‑130; Kenen, P. – The International Economy, Cambridge University Press, Cambridge, 2000; Molle – The Economics of European Integration: Theory, Practice e Policy, Ashgate, Aldershot, 2006.


64 – V., para uma observação semelhante, Elwell, C. K. – Foreign Outsourcing: Economic Implications and Policy Responses, CRS Report for Congress, 2005, disponível em http://ec.europa.eu/employment_social/restructuring/facts_en.htm.


65 – Artigos 12.° e 28.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. V., igualmente, n.° 48 das minhas conclusões no processo Ordre des barreaux francophones et germanophone e o. (C‑305/05, actualmente pendente no Tribunal de Justiça).


66 – Referido na nota 35.


67 – V., por exemplo, acórdãos de 23 de Novembro de 1999, Arblade e o. (C‑369/96 e C‑376/96, Colect., p. I‑8453, n.os 41 a 42); de 15 de Março de 2001, Mazzoleni e ISA (C‑165/98, Colect., p. I‑2189, n.° 29); e de 12 de Outubro de 2004, Wolff & Müller (C‑60/03, Colect., p. I‑9553, n.° 36).


68 – Acórdãos Arblade e o., já referido na nota 67, n.° 53; Finalarte e o., já referido na nota 14, n.° 41; e Mazzoleni e ISA, já referido na nota 67, n.° 35.