CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 19 de Abril de 2007 1(1)

Processo C‑304/05

Comissão das Comunidades Europeias

contra

República Italiana

«Directiva 92/43/CEE – Preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens – Directiva 79/409/CEE – Conservação das aves selvagens – Ampliação de uma zona de esqui – Zona de protecção especial ‘Parco Nazionalle dello Stelvio’»





I –    Introdução

1.        Na presente acção por incumprimento, a Comissão critica a aplicação da Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (2) (a seguir «directiva aves»), e da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (3) (a seguir «directiva habitats»), no contexto dos trabalhos realizados numa pista de esqui situada no Parco Nazionalle dello Stelvio, que foi classificado como zona de protecção especial (a seguir «ZPE») na acepção da directiva aves.

2.        Em especial, trata‑se de saber se, antes da autorização e execução deste projecto, as autoridades italianas competentes analisaram suficientemente as suas repercussões sobre a ZPE e se a ZPE foi afectada.

II – Quadro jurídico

3.        A rede Natura 2000 é definida no artigo 3.°, n.° 1, da directiva habitats:

«É criada uma rede ecológica europeia coerente de zonas especiais de preservação denominada ‘Natura 2000’. Esta rede, formada por sítios que alojam tipos de habitats naturais constantes do anexo I e habitats das espécies constantes do anexo II, deve assegurar a manutenção ou, se necessário, o restabelecimento dos tipos de habitats naturais e dos das espécies em causa num estado de conservação favorável, na sua área de repartição natural.

A rede Natura 2000 compreende também as zonas de protecção especial designadas pelos Estados‑Membros nos termos da Directiva 79/409/CEE.»

4.        O artigo 4.° da directiva aves contém disposições sobre as áreas que os Estados‑Membros devem classificar como zonas de protecção especial para aves. Inicialmente, o n.° 4, primeira frase, do mesmo artigo regulava ainda a protecção destas zonas:

«1.      As espécies mencionadas no Anexo I são objecto de medidas de conservação especial respeitantes ao seu habitat, de modo a garantir a sua sobrevivência e a sua reprodução na sua área de distribuição.

Para o efeito, tomar‑se‑ão em consideração:

a)      As espécies ameaçadas de extinção;

b)      As espécies vulneráveis a certas modificações dos seus habitats;

c)      As espécies consideradas raras, porque as suas populações são reduzidas ou porque a sua repartição local é restrita;

d)      Outras espécies necessitando de atenção especial devido à especificidade do seu habitat.

Ter‑se‑á em conta, para proceder às avaliações, quais as tendências e as variações dos níveis populacionais.

Os Estados‑Membros classificarão, nomeadamente, em zonas de protecção especial os territórios mais apropriados, em número e em extensão, para a conservação destas últimas na zona geográfica marítima e terrestre de aplicação da presente directiva.

2.       Os Estados‑Membros tomarão medidas semelhantes para as espécies migratórias não referidas no Anexo I e cuja ocorrência seja regular, tendo em conta as necessidades de protecção na zona geográfica marítima e terrestre de aplicação da presente directiva no que diz respeito às suas áreas de reprodução, de muda e de invernada e às zonas de repouso e alimentação nos seus percursos de migração. Com esta finalidade, os Estados‑Membros atribuem uma importância especial à protecção das zonas húmidas e muito particularmente às de importância internacional.

3.      […]

4.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas de protecção referidas nos n.os 1 e 2, a poluição ou a deterioração dos habitats bem como as perturbações que afectam as aves, desde que tenham um efeito significativo a propósito dos objectivos do presente artigo. […]»

5.        O artigo 7.° da directiva habitats alterou a regulamentação sobre a protecção das ZPE:

«As obrigações decorrentes dos n.os 2, 3 e 4 do artigo 6.° substituem as decorrentes do n.° 4, primeira frase, do artigo 4.° da Directiva 79/409/CEE, no respeitante às zonas de protecção especial classificadas nos termos do n.° 1 do artigo 4.° ou analogamente reconhecidas nos termos do n.° 2, do artigo 4.° da presente directiva a partir da data da sua entrada em aplicação ou da data da classificação ou do reconhecimento pelo Estado‑Membro nos termos da Directiva 79/409/CEE, se esta for posterior.»

6.        Esta regulamentação é explicada no sétimo considerando da directiva habitats:

«Considerando que todas as zonas designadas, incluindo as classificadas ou a classificar no futuro como zonas especiais de protecção ao abrigo da Directiva 79/409/CEE […] devem ser integradas na rede ecológica europeia coerente […]»

7.        Os n.os 2 a 4 do artigo 6.° da directiva habitats, que relevam para o presente processo, dispõem o seguinte:

«2.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito significativo, atendendo aos objectivos da presente directiva.

3.      Os planos ou projectos não directamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas susceptíveis de afectar esse sítio de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos e projectos, serão objecto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objectivos de conservação do mesmo. Tendo em conta as conclusões da avaliação das incidências sobre o sítio e sem prejuízo do disposto no n.° 4, as autoridades nacionais competentes só autorizarão esses planos ou projectos depois de se terem assegurado de que não afectarão a integridade do sítio em causa e de terem auscultado, se necessário, a opinião pública.

4.      Se, apesar de a avaliação das incidências sobre o sítio ter levado a conclusões negativas e na falta de soluções alternativas, for necessário realizar um plano ou projecto por outras razões imperativas de reconhecido interesse público, incluindo as de natureza social ou económica, o Estado‑Membro tomará todas as medidas compensatórias necessárias para assegurar a protecção da coerência global da rede Natura 2000. O Estado‑Membro informará a Comissão das medidas compensatórias adoptadas.

[…]»

8.        Quanto a este ponto, o décimo considerando da directiva habitats refere:

«Considerando que qualquer plano ou programa susceptível de afectar de modo significativo os objectivos de conservação de um sítio designado ou a designar no futuro deve ser objecto de avaliação adequada […]»

III – Matéria de facto, fase pré‑contenciosa e pedidos das partes

9.        Em 1998 (4), a Itália classificou o Parco Nazionalle dello Stelvio como ZPE na acepção da directiva aves. Esta ZPE abrange uma superfície de 59 809 hectares e situa‑se nos Alpes. Acolhe, de acordo com o formulário de dados normalizado transmitido pela Itália em Novembro de 1998, uma série de aves mencionadas no anexo I da directiva aves – a águia‑real (Aquila chrysaetos), o falcão‑peregrino (Falco peregrinus), o falcão‑abelheiro (Pernis apivorus), a galinha‑do‑mato (Bonasa bonasia), o lagópode‑branco (subespécie alpina) (Lagopus mutus helvetica), o galo‑lira (Tetrao tetrix), o tetraz (Tetrao urogallus) e o peto‑preto (Dryocopus martius) – bem como as aves migratórias gavião (Accipiter nisus), águia‑de‑asa‑redonda (Buteo buteo) e trepadeira‑dos‑muros (Tichodroma muraria).

10.      Um outro formulário de dados normalizado, de 14 de Maio de 2004, refere espécies adicionais do anexo I, designadamente o quebra‑osso (Gypaetus barbatus), o milhano (Milvus milvus), o tarambola‑carambola (Charadrius morinellus), o mocho de Tengmalm (Aegolius funereus), o mocho‑pigmeu (Glaucidium passerinum), o bufo‑real (Bubo bubo), o peto‑de‑cabeça‑cinzenta (Picus canus) e a perdiz‑grega (Alectoris graeca saxatilis).

11.      A Comissão critica os trabalhos realizados no interior da ZPE. O Parco Nazionalle autorizou estas medidas em 14 de Fevereiro de 2003. Trata‑se da modificação de duas pistas de esqui e da criação das infra‑estruturas com elas relacionadas. Ambas destinavam‑se a preparar os campeonatos do mundo de esqui alpino de 2005. No âmbito deste projecto, foi aberto um corredor de 50 metros de largura e 500 metros de comprimento numa floresta. Foram abatidas cerca de 2500 árvores – espruce‑europeu, pinus cembra e larício. Porém, segundo as informações constantes de um estudo de 2005 apresentado pela Itália, só teriam sido afectados cerca de 7000 m(5).

12.      Antes de ser concedida esta autorização foram efectuadas duas análises do impacto ambiental. A primeira data de 1999. Após terem sido realizadas alterações ao projecto aí examinado, um instituto da Região da Lombardia, o Istituto di Ricerca per l’Ecologia e l’Economia Applicate alle aree alpine (IREALP), apresentou, em Setembro de 2002, uma outra análise das repercussões sobre o ambiente do projecto alterado. Este estudo tinha por objecto, em especial, medidas compensatórias e de redução de danos ambientais.

13.      Mais tarde, em 2003, após ter sido concedida a autorização controvertida, foram apresentados outros dois estudos do município de Valfurva, dos quais um, com data de 1 de Dezembro de 2003, se referia igualmente à zona em causa. Finalmente, a Itália apresentou, com a tréplica, um outro estudo do ano de 2005.

14.      A Comissão tomou conhecimento das medidas através de uma queixa. Considerou que, ao autorizar e executar estas medidas, a Itália violou o artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva aves, bem como os artigos 6.° e 7.° da directiva habitats.

15.      Por notificação para cumprir de 19 de Dezembro de 2003, convidou a Itália a apresentar‑lhe as suas observações. Na ausência de uma resposta do Governo italiano no prazo de dois meses que lhe fora fixado para o efeito, a Comissão enviou, em 9 de Julho de 2004, um parecer fundamentado à Itália, no qual lhe fixou um prazo suplementar de dois meses para cumprir as exigências do direito comunitário.

16.      O Governo italiano respondeu por comunicações de 8 de Setembro de 2004 e de 15 de Setembro de 2004. Apesar destas respostas, a Comissão manteve o seu ponto de vista e intentou a presente acção.

17.      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

Declarar que, no âmbito do projecto de alargamento e renovação da zona de esqui de Santa Caterina Valfurva (pistas «Bucaneve» e «Edelweiß») e de criação das correspondentes infra‑estruturas de esqui, tendo em vista os campeonatos do mundo de esqui alpino de 2005, na zona de protecção especial IT 2040044 Parco Nazionalle dello Stelvio,

–        ao permitir que fossem tomadas medidas susceptíveis de afectar de forma significativa a zona de protecção especial IT 2040044 Parco Nazionalle dello Stelvio, sem ter examinado adequadamente os efeitos dessas medidas atendendo à protecção visada para esta zona e, de qualquer modo, sem respeitar as disposições que só permitem realizar um projecto, em caso de conclusão negativa da análise do impacto, se não existir solução alternativa e só depois de serem comunicadas à Comissão todas as medidas compensatórias adoptadas, necessárias para assegurar a protecção da coerência global da rede Natura 2000;

–        ao não ter adoptado medidas para evitar a deterioração dos habitats naturais e dos habitats das espécies, bem como a perturbação das espécies para as quais foi designada a zona de protecção especial IT 2040044 Parco Nazionalle dello Stelvio;

–        ao não ter conferido à zona de protecção especial IT 2040044 Parco Nazionalle dello Stelvio um estatuto jurídico de protecção que permitisse garantir, em especial, a sobrevivência e a reprodução das espécies de aves mencionadas no anexo I da Directiva 79/409/CEE, bem como a reprodução, a muda e a invernada das espécies migratórias não referidas neste anexo e que se reúnem regularmente naquele local;

a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das disposições conjugadas do artigo 6.°, n.os 2 a 4, e do artigo 7.° da Directiva 92/43 e do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da Directiva 79/409.

Condenar a República Italiana nas despesas do processo.

18.      A República Italiana não apresenta qualquer pedido, mas sugere que a Comissão considere a possibilidade de desistir da acção.

IV – Apreciação jurídica

19.      Antes de mais, é necessário precisar o objecto da acção. A Comissão critica um projecto de alargamento e renovação da zona de esqui de Santa Caterina Valfurva (pistas «Bucaneve» e «Edelweiß») e de criação das correspondentes infra‑estruturas, tendo em vista os campeonatos do mundo de esqui alpino de 2005.

20.      Decorre dos estudos italianos apresentados que, neste contexto, estava prevista uma série de medidas, em especial a construção de um estádio de esqui, de um teleférico, de uma telecadeira, de um abrigo alpino, bem como trabalhos de alteração de duas pistas de esqui interligadas (Bucanave e Edelweiß).

21.      Todavia, na contestação a Itália sublinha correctamente que a Comissão só descreve em concreto os trabalhos de modificação da segunda pista de esqui («Edelweiß»), que implicaram o abate de cerca de 2500 árvores (6). Isto é confirmado pela Comissão na réplica, ao limitar a acção às medidas autorizadas em 14 de Fevereiro de 2003. Logo, apenas este projecto parcial é objecto da presente acção.

22.      Relativamente aos trabalhos de modificação da pista de esqui, a Comissão invoca três fundamentos, compreendendo o primeiro fundamento duas acusações distintas.

23.      Com o primeiro fundamento, a Comissão censura a Itália, por um lado, por ter violado o artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva habitats ao autorizar o projecto. Alega que o artigo 6.°, n.° 3, foi violado por a autorização ter sido concedida sem um exame suficiente das repercussões do projecto sobre a ZPE (aspecto que será analisado no ponto A). Por outro lado, entende que o artigo 6.°, n.° 4, foi violado porque não foram respeitados os requisitos a que a autorização está sujeita nos casos em que esse exame conduz a um resultado negativo (aspecto que será analisado no ponto B).

24.      Com o segundo fundamento, a Comissão censura a Itália por ter violado o artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats através do projecto. Com efeito, no âmbito do projecto não foram tomadas todas as medidas necessárias para evitar a deterioração dos habitats naturais e dos habitats das espécies, bem como perturbações das espécies para as quais a ZPE foi designada (aspecto que será analisado no ponto C).

25.      Finalmente, o terceiro fundamento tem por objecto as medidas jurídicas de protecção da ZPE exigidas pelo artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva aves. A Comissão infere da execução do projecto controvertido que as medidas jurídicas de protecção tomadas não são suficientes (aspecto que será analisado no ponto D).

A –    Quanto ao artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats

26.      Segundo o artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats, as autoridades nacionais competentes só autorizarão os planos ou projectos não directamente relacionados com a gestão do sítio ou não necessários para essa gestão, mas susceptíveis de afectar esse sítio de forma significativa, depois de se terem assegurado, através de uma avaliação das incidências desses planos ou projectos no sítio, de que não afectarão a integridade deste e de terem auscultado, se necessário, a opinião pública. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça já declarou que esta disposição institui um procedimento que, através de uma fiscalização prévia, se destina a garantir que tais planos ou projectos só serão autorizados desde que não afectem a integridade do sítio (7).

27.      No presente processo, as partes concordam que os trabalhos de modificação da pista de esqui, autorizados pela decisão de 14 de Fevereiro de 2004, exigiam tal avaliação do impacto ambiental.

Quanto aos requisitos de uma avaliação do impacto ambiental

28.      Como o Tribunal de Justiça também já declarou a este respeito, a autorização do plano ou do projecto em questão só pode ser concedida na condição de as autoridades terem a certeza de que é desprovido de efeitos prejudiciais para a integridade da zona em questão. Assim acontece quando não subsiste nenhuma dúvida razoável, do ponto de vista científico, quanto à inexistência de tais efeitos (8).

29.      Por conseguinte, uma avaliação do impacto ambiental só pode servir de base a uma aprovação das autoridades na acepção do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats quando afasta todas as dúvidas razoáveis, do ponto de vista científico, de que o plano ou projecto não terá efeitos negativos sobre a integridade da zona em causa.

30.      Isto implica que a avaliação do impacto ambiental identifique, tendo em consideração os melhores conhecimentos científicos na matéria, todos os aspectos do plano ou do projecto que possam, por si sós ou em conjugação com outros planos ou projectos, afectar os objectivos de conservação (9).

31.      Para as zonas a designar nos termos da directiva habitats, o Tribunal de Justiça já indicou que os objectivos de conservação, como resulta dos artigos 3.° e 4.° da directiva habitats, em especial do n.° 4 deste último artigo, são determinados em função da importância destas zonas para a manutenção ou o restabelecimento, num estado de conservação favorável, de um tipo de habitat natural do anexo I ou de uma espécie do anexo II e para a coerência da rede Natura 2000, bem como em função da ameaça de degradação ou de destruição de tais zonas (10).

32.      É certo que as referidas disposições não são directamente aplicáveis às ZPE na acepção da directiva aves. Mas, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 4.°, n.os 1 e 2, desta directiva obriga os Estados‑Membros, correspondentemente, a dotar as ZPE de um estatuto jurídico de protecção susceptível de garantir, designadamente, a sobrevivência e a reprodução das espécies de aves referidas no anexo I da directiva, bem como a reprodução, a muda e a invernada das espécies migratórias não referidas no mesmo anexo e cuja ocorrência seja regular (11).

33.      Por conseguinte, nos termos da directiva aves, os objectivos de conservação referem‑se à sobrevivência e à reprodução das espécies de aves para as quais a respectiva zona foi designada. Em princípio, as espécies para as quais uma zona foi designada decorrem do formulário de dados normalizado que o Estado‑Membro envia à Comissão (12), caso outros documentos, por exemplo, regimes relativos à zona de protecção, não indiquem objectivos de conservação mais amplos.

34.      No caso em apreço, essas espécies podem ser determinadas com base no formulário de dados normalizado de Novembro de 1998, enviado pelas autoridades italianas à Comissão. São aí indicadas como espécies do anexo I a águia‑real, o falcão‑peregrino, o falcão‑abelheiro, a galinha‑do‑mato, o lagópode‑branco (subespécie alpina), o galo‑lira, o tetraz e o peto‑preto. Além disso, são mencionadas as espécies migratórias gavião, águia‑de‑asa‑redonda e trepadeira‑dos‑muros. Contudo, o gavião e a trepadeira‑dos‑muros são classificados com D, isto é, como irrelevantes. Por conseguinte, deve entender‑se que estas espécies não estão abrangidas pelos objectivos de conservação.

35.      Em princípio, coloca‑se a questão de saber se, além disso, devem ser consideradas as espécies adicionais que constam de um formulário de dados normalizado que a Itália enviou à Comissão em 14 de Maio de 2004. Estão em causa o quebra‑osso, o milhano, o tarambola‑carambola, o mocho de Tengmalm, o mocho‑pigmeu, o bufo‑real, o peto‑de‑cabeça‑cinzenta e a perdiz‑grega.

36.      Porém, não resulta dos autos qualquer indício de que já um ano antes, ao ser dada a autorização controvertida, estas espécies estivessem abrangidas pelos objectivos de conservação que a Itália tinha reconhecido para a zona. Por conseguinte, não existia qualquer obrigação de as incluir na avaliação do impacto ambiental.

37.      Contudo, isto não significa que estas espécies estejam desprotegidas. Pelo contrário, o novo formulário de dados normalizado constitui um indício de que já existiam na zona quando o projecto foi realizado e de que a sua presença exigia também, em princípio, uma designação como zona de protecção especial para a conservação das espécies em causa. Contudo, dado que, manifestamente, a zona não foi designada para estas espécies até 14 de Maio de 2004, era‑lhe aplicável, pelo menos, o regime provisório de protecção para zonas que tinham de ser designadas mas que não tinham sido designadas até então, isto é, o artigo 4.°, n.° 4, primeira frase, da directiva aves (13), que, relativamente a derrogações, é mais rigoroso que as disposições de protecção da directiva habitats (14). Porém, dado que a Comissão não formula qualquer crítica correspondente não é necessário, no caso em apreço, examinar mais detalhadamente este aspecto.

38.      Por conseguinte, importa examinar se, antes de ter sido concedida a autorização de 14 de Fevereiro de 2003, foram identificados, tendo em consideração os melhores conhecimentos científicos na matéria, todos os aspectos do projecto que podiam, por si sós ou em conjugação com outros planos ou projectos, afectar a conservação das espécies referidas no formulário de dados normalizado de 1998.

Quanto à avaliação do impacto ambiental do ano de 2000

39.      O Governo italiano entende que as repercussões do projecto foram adequadamente analisadas já antes da determinação do impacto ambiental no ano de 2000. Como prova, apresenta o anexo dessa decisão (15). Trata‑se, manifestamente, de um resumo e de uma apreciação dos próprios estudos científicos sobre o impacto ambiental.

40.      É descrita e examinada uma série de projectos que, porém, com excepção das alterações da pista de esqui, não são objecto do presente processo. As alterações da pista de esqui são descritas sucintamente na p. 12.

41.      As repercussões de todos os projectos examinados sobre a fauna, a vegetação, a flora e os ecossistemas são analisadas em conjunto nas páginas 27 a 29. Aí, o autor parte do princípio de que não são de prever alterações substanciais dos habitats das espécies animais presentes nem alterações essenciais ao nível da disponibilidade de alimentação e de refúgios para aves e mamíferos de pequeno porte.

42.      Mas, como a Comissão correctamente sublinha, os autores do documento criticam nesse capítulo as graves insuficiências das investigações efectuadas. Em geral, é prestada escassa atenção às repercussões. Os trabalhos propriamente ditos não são descritos de maneira completa. Não são incluídas todas as espécies relevantes. Isto verifica‑se, em particular, relativamente ao lagópode‑branco (subespécie alpina), cujos locais de reprodução e nidificação não foram apurados. De resto, os dados sobre a fauna são de baixa qualidade. Por exemplo, refere‑se o tetraz que já não existe nesta zona, mas não a trepadeira‑dos‑muros, o peto‑preto, o gavião e o bufo‑real.

43.      Além disso, é indicado na p. 38 do documento que as alterações da pista de esqui não deviam ser realizadas num corredor com uma largura superior a 40 metros. Pelo contrário, o corredor deveria ser limitado a 20 metros de largura. Esta restrição não foi respeitada quando o projecto foi posteriormente realizado. Na p. 40 foram ainda recomendados estudos adicionais quanto à avifauna, em especial a respeito do abate de árvores na floresta.

44.      Na medida em que o Governo italiano remete para um estudo biológico de 1994, que é referido nas fontes do documento, e para outros documentos citados, bem como para as observações das autoridades envolvidas no procedimento, não é claro qual é a sua utilidade para a avaliação do impacto ambiental. O exame das alternativas também expressamente referido apresenta interesse no âmbito da directiva AIA (16) e pode ainda ser pertinente no contexto de uma autorização nos termos do artigo 6.°, n.° 4, da directiva habitats, mas é irrelevante para a avaliação do impacto ambiental.

45.      Assim, nos estudos com base nos quais foi determinado o impacto ambiental no ano 2000, não foram examinados todos os aspectos do projecto nem as suas repercussões sobre as várias espécies de aves protegidas. Face a estas críticas, os estudos não permitem supor que as medidas de alteração da pista de esqui não afectariam a integridade da ZPE. Por conseguinte, os referidos estudos não constituem uma base adequada para a autorização destes trabalhos, nos termos do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats.

Quanto ao estudo do IREALP do ano de 2002

46.      O estudo do IREALP do ano de 2002 descreve igualmente o projecto e as suas repercussões sobre o ambiente. Examina de modo relativamente aprofundado as repercussões sobre o regime hidrológico e a geomorfologia, bem como sobre a vegetação. Quanto às aves para as quais a ZPE foi designada, limita‑se a indicar a presença do peto‑preto na área florestal afectada (17). Relativamente a um outro projecto parcial, não pertinente no caso em apreço, é mencionado o tarambola‑carambola, que consta do formulário de dados normalizado do ano de 2004 (18).

47.      Com base nestas indicações, seria possível deduzir que não são afectadas outras espécies e que este estudo abrangeria, por isso, todas as espécies afectadas pelos diferentes projectos. Partindo deste princípio, seria contudo necessário descrever e avaliar as repercussões do projecto sobre o peto‑preto. Mas nada parece ter sido feito neste sentido.

48.      Além disso, os outros estudos apresentados pela Itália, dos anos de 2003 e 2005, bem como uma comunicação da Itália à Comissão, do ano de 2004 (19), põem em dúvida que tenham sido efectivamente abrangidas todas as espécies relevantes e afectadas pelo projecto. Com efeito, aí refere‑se, em particular, que o galo‑lira é afectado.

49.      Logo, o estudo do IREALP do ano de 2002 também não permite supor que as medidas de alteração da pista de esqui não afectariam a integridade da ZPE. Por conseguinte, também não constitui uma base suficiente para a autorização desses trabalhos nos termos do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats.

Quanto aos estudos posteriores

50.      Quer na fase pré‑contenciosa quer no processo perante o Tribunal de Justiça, a Itália apresentou outros documentos, que tinham por objecto as repercussões das medidas criticadas sobre o ambiente. Trata‑se de um estudo de 1 de Dezembro de 2003 (20), de uma comunicação do Ministério do Ambiente italiano datada de 6 de Agosto de 2004 (21) e de um estudo de 21 de Dezembro de 2005 (22). Só este último corresponde, quanto ao seu conteúdo, às exigências a satisfazer por uma avaliação do impacto ambiental, dado que examina a importância das superfícies afectadas para as espécies relevantes e as repercussões do projecto a este nível. Todavia, em última análise, não é necessário apurar em que medida cada um dos documentos preenche os requisitos materiais e formais de uma avaliação do impacto ambiental.

51.      Com efeito, como a Comissão sublinha, todos esses documentos foram redigidos após a autorização de 14 de Fevereiro de 2003. Ora, nos termos do artigo 6.°, n.° 3, segunda frase, da directiva habitats, a autorização deve, porém, ser concedida atendendo à avaliação do impacto ambiental. Isto não foi possível no caso em apreço. Logo por esta razão, os referidos documentos não constituem uma base adequada, no sentido do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats, para a autorização de 14 de Fevereiro de 2003.

Conclusão intermédia

52.      A autorização de 14 de Fevereiro de 2003 não podia ser concedida nos termos do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats, dado que, com base nos estudos realizados pelas autoridades italianas até essa data que foram apresentados ao Tribunal de Justiça, não era possível excluir toda e qualquer dúvida científica razoável de que o projecto não afectaria os objectivos de conservação da zona em causa.

B –    Quanto ao artigo 6.°, n.° 4, da directiva habitats

53.      No entanto, coloca‑se a questão de saber se a autorização podia ser concedida ao abrigo do artigo 6.°, n.° 4, da directiva habitats. Nos termos desta norma, mesmo quando a avaliação do impacto ambiental tenha levado a conclusões negativas, um plano ou projecto pode ser realizado por razões imperativas de reconhecido interesse público, incluindo as de natureza social ou económica, quando não existirem soluções alternativas e o Estado‑Membro tomar todas as medidas compensatórias necessárias para assegurar a protecção da coerência global da rede Natura 2000.

54.      Normalmente, esta disposição só se aplica após as repercussões do projecto terem sido investigadas, nos termos do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats, e, portanto, determinadas, na medida em que tal determinação seja cientificamente possível. É necessário conhecer o impacto negativo sobre os objectivos de conservação para aplicar o artigo 6.°, n.° 4, da directiva habitats, pois no caso contrário não é possível examinar qualquer dos requisitos desta derrogação. O exame das razões imperativas de reconhecido interesse público exige uma ponderação entre estes interesses e o impacto negativo sobre a zona. Também só é possível examinar se existem alternativas menos prejudiciais para a zona atendendo ao impacto negativo. Por último, as medidas compensatórias pressupõem o conhecimento do impacto negativo a compensar (23).

55.      Dado que em 14 de Fevereiro de 2003 não se dispunha dos correspondentes conhecimentos, parece estar excluído, à primeira vista, que a autorização concedida neste dia possa assentar no artigo 6.°, n.° 4, da directiva habitats.

56.      Não obstante, em casos de especial urgência deve também ser possível autorizar projectos por razões imperativas de reconhecido interesse público sem efectuar antes investigações científicas morosas. Senão seria impossível, por exemplo, em caso de perigo iminente para bens jurídicos da maior importância, tomar medidas para afastar esse perigo, que provavelmente afectam os objectivos de conservação das zonas especiais de protecção.

57.      Em casos deste tipo, para aplicar o artigo 6.°, n.° 4, da directiva habitats deve partir‑se do princípio de que a acção em questão causará o maior dano concebível, sendo necessário ponderar se razões imperativas de reconhecido interesse público – o perigo iminente – exigem que sejam adoptadas precisamente essas medidas de protecção ou se, pelo contrário, podem igualmente ser atendidas através de outras alternativas que afectem menos a ZPE, por exemplo, aguardando a avaliação do impacto ambiental (24). Neste caso, as repercussões devem ser identificadas pelo menos a posteriori, para poder tomar as necessárias medidas compensatórias.

58.      Não é preciso averiguar aqui se os campeonatos do mundo de esqui que se haviam de realizar em breve eram susceptíveis de justificar a renúncia a uma avaliação adequada do impacto ambiental. Com efeito, falta, em particular, qualquer indicação de que foram suficientemente ponderadas alternativas à alteração da pista de esqui. Dado que incumbe à Itália provar a existência dos requisitos da excepção prevista no artigo 6.°, n.° 4, da directiva habitats (25), isto pesa em seu desfavor.

59.      Por conseguinte, a autorização de 14 de Fevereiro de 2003 não podia assentar no artigo 6.°, n.° 4, da directiva habitats.

60.      Em suma, deve concluir‑se que, no âmbito do projecto de alargamento e renovação da zona de esqui de Santa Caterina Valfurva (pista «Edelweiß») e de criação das correspondentes infra‑estruturas, tendo em vista os campeonatos do mundo de esqui alpino de 2005, na ZPE IT 2040044 Parco Nazionalle dello Stelvio, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.°, n.os 3 e 4, conjugado com o artigo 7.° da directiva habitats, ao autorizar medidas susceptíveis de ter um impacto significativo nesta ZPE, sem sujeitar as repercussões destas medidas sobre a zona a uma avaliação adequada da compatibilidade com os objectivos de conservação para ela determinados ou examinar suficientemente as alternativas a estas medidas.

C –    Quanto ao artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats

61.      Nos termos do artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats, os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que tais perturbações possam vir a ter um efeito significativo, atendendo aos objectivos desta directiva.

62.      Este fundamento da acção levanta a questão de saber se determinadas actividades podem violar tanto o artigo 6.°, n.° 2, como os n.os 3 e 4 desta disposição. A este respeito, já indiquei (26) que, nos termos do acórdão Waddenzee, os n.os 2 e 3 visam ambos impedir que sejam afectados os objectivos de conservação para uma zona de protecção (27). No entanto, se um plano ou um projecto tiver sido autorizado de acordo com o procedimento do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats, torna‑se, desnecessária, no que respeita à influência deste plano ou projecto sobre a zona de protecção em causa, a aplicação simultânea da norma de protecção geral do artigo 6.°, n.° 2 (28). Se, pelo contrário, o procedimento de autorização não se tiver desenrolado correctamente, poderão ter sido desrespeitadas quer as normas processuais do artigo 6.°, n.os 3 e 4, quer as exigências materiais relativas à protecção da zona, que resultam de todos estes três números.

63.      O Tribunal de Justiça só pode constatar uma violação do artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats quanto a uma ZPE quando tenham sido detectadas deteriorações ou perturbações na acepção da referida norma. Em princípio, incumbe à Comissão indicar estas repercussões e prová‑las em caso de contestação.

64.      É certo que, no caso em apreço, a Comissão alega que foram abatidas cerca de 2500 árvores no interior da ZPE Parco Nazionalle dello Stelvio, mas não é claro se esta medida afectou os objectivos de conservação da zona. Com efeito, a floresta não pode, como tal, ser objecto de uma zona de protecção especial nos termos do artigo 4.° da directiva aves, mas apenas na medida em que é relevante como habitat para as espécies de aves protegidas.

65.      Indícios de uma eventual utilização da área florestal em causa por espécies de aves protegidas resultam de um atlas europeu de aves reprodutoras, do qual a Comissão apresentou alguns extractos (29). Daí decorre que se deve atender, em especial, à possível utilização pelo falcão‑abelheiro, pelo lagópode‑branco (subespécie alpina) e pelo peto‑preto. Tais informações são susceptíveis de originar a obrigação, aqui não controvertida, de efectuar uma avaliação do impacto ambiental, mas, por si sós, não bastam para provar um dano efectivo.

66.      O único documento que contém indicações específicas quanto à utilização das superfícies em causa por espécies protegidas é o estudo de 21 de Novembro de 2005, que foi apresentado pela Itália com a tréplica (30). Nos termos deste documento, a maior parte das repercussões do projecto é negligenciável ou irrelevante. Dado que a Comissão não contestou estas afirmações, o que teria sido possível no âmbito de uma audiência, deve entender‑se que são exactas.

67.      Porém, nos termos do mesmo estudo, é necessário compensar a perda de potenciais locais de reprodução do galo‑lira através da melhoria dos habitats noutro lugar (31). O reconhecimento da necessidade de uma compensação pela Itália do impacto negativo para o galo‑lira leva necessariamente a concluir que os objectivos de conservação da ZPE Parco Nazionalle dello Stelvio foram afectados quanto a esta espécie.

68.      Assim, deve concluir‑se que, no âmbito do projecto de alargamento e renovação da zona de esqui de Santa Caterina Valfurva (pista «Edelweiß») e de criação das correspondentes infra‑estruturas, tendo em vista os campeonatos do mundo de esqui alpino de 2005, na ZPE IT 2040044 Parco Nazionalle dello Stelvio, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.°, n.° 2, conjugado com o artigo 7.° da directiva habitats, por ter tomado medidas que conduziram à deterioração do habitat do galo‑lira e, deste modo, afectaram os objectivos de conservação da ZPE.

D –    Quanto ao artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva aves

69.      O terceiro fundamento tem por objecto as medidas jurídicas de protecção necessárias para a ZPE nos termos do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva aves. Estas disposições tornam obrigatória, antes de mais, a designação como ZPE, que não é contestada no caso vertente (32).

70.      Além disso, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva aves obriga os Estados‑Membros a dotar as ZPE de um estatuto jurídico de protecção susceptível de garantir, designadamente, a sobrevivência e a reprodução das espécies de aves referidas no seu anexo I, bem como a reprodução, a muda e a invernada das espécies migratórias não referidas no mesmo anexo e cuja ocorrência seja regular (33).

71.      Uma vez que o artigo 7.° da directiva habitats dispõe que as obrigações que resultam, nomeadamente, do artigo 6.°, n.° 2, dessa mesma directiva substituem as que decorrem do artigo 4.°, n.° 4, primeira frase, da directiva aves, no que diz respeito às ZPE, o estatuto jurídico de protecção dessas zonas deve igualmente garantir que sejam nelas evitadas a deterioração dos habitats naturais e dos habitats das espécies, bem como perturbações significativas que atinjam as espécies para as quais as referidas zonas foram designadas (34).

72.      Deste modo, é necessário adoptar determinadas regras que assegurem uma protecção suficiente das ZPE.

73.      Todavia, a Comissão não formula qualquer crítica concreta contra as disposições legislativas gerais relativas à protecção de zonas de protecção especial em Itália ou na Lombardia ou contra as normas específicas que foram adoptadas para proteger a ZPE Parco Nazionalle dello Stelvio. Pelo contrário, deduz da realização do projecto controvertido que as medidas jurídicas de protecção tomadas não são suficientes.

74.      A Itália contesta esta conclusão, alegando que a violação de deveres de protecção não constitui prova da insuficiência do regime jurídico que visa garantir a protecção. Contudo, neste contexto, ignora que as obrigações impostas pelo artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva aves não se reduzem à adopção de determinadas normas. As medidas de protecção que este preceito exige devem garantir a protecção de determinadas zonas também naprática.

75.      No caso em apreço, os objectivos de conservação da ZPE Parco Nazionalle dello Stelvio foram violados pelo menos quanto ao galo‑lira. Este dano constitui um indício de que não foram tomadas todas as medidas para garantir a protecção da zona.

76.      É certo que pode ocorrer uma deterioração das zonas embora um Estado‑Membro tenha tomado todas as medidas razoáveis para a evitar. Neste caso, o dano não prova qualquer violação do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva aves.

77.      Porém, no caso em apreço, as medidas controvertidas foram executadas com a autorização das autoridades competentes, sem que isso estivesse justificado a título excepcional, ao abrigo do artigo 6.°, n.° 4, da directiva habitats. Por conseguinte, a existência do dano permite concluir que foi violado o artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva aves.

78.      Nestas condições, deve declarar‑se que, no âmbito do projecto de alargamento e renovação da zona de esqui de Santa Caterina Valfurva (pista «Edelweiß») e de criação das correspondentes infra‑estruturas, tendo em vista os campeonatos do mundo de esqui alpino de 2005, na ZPE IT 2040044 Parco Nazionalle dello Stelvio, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das disposições conjugadas do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva aves por ter autorizado medidas que conduziram à deterioração dos habitats do galo‑lira e, deste modo, afectaram os objectivos de conservação da ZPE.

V –    Quanto às despesas

79.      Por força do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Sendo procedentes todos os fundamentos invocados pela Comissão no presente processo, há que condenar a Itália nas despesas.

VI – Conclusão

80.      À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que decida o seguinte:

1.      A República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das disposições conjugadas do artigo 6.°, n.os 2, 3 e 4, e do artigo 7.° da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, e do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens, na medida em que, no âmbito do projecto de alargamento e renovação da zona de esqui de Santa Caterina Valfurva (pista «Edelweiß») e de criação das correspondentes infra‑estruturas, tendo em vista os campeonatos do mundo de esqui alpino de 2005, na ZPE IT 2040044 Parco Nazionalle dello Stelvio, aprovou medidas

–        que podem afectar de forma significativa esta ZPE sem sujeitar as repercussões destas medidas sobre a zona a um exame adequado da sua compatibilidade com os objectivos de conservação para ela fixados ou proceder a um exame suficiente das alternativas a estas medidas, e

–        que conduziram à deterioração dos habitats do galo‑lira (Tetrao tetrix) e, deste modo, afectaram os objectivos de conservação da ZPE.

2.      A Itália é condenada nas despesas do processo.


1 – Língua original: alemão.


2 – JO L 103, p. 1; EE 15 F2 p. 125.


3 – JO L 206, p. 7.


4 – Segundo informações constantes do formulário de dados normalizado preenchido pelas autoridades italianas, até já o fizera no ano de 1988; v. anexos à petição, folhas 33 e 47.


5 – Anexo à tréplica, folhas 24 e 54.


6 – V. supra, n.° 11.


7 – Acórdãos de 7 de Setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging (Waddenzee) (C‑127/02, Colect., p. I‑7405, n.° 34), e de 26 de Outubro de 2006, Comissão/Portugal (Castro Verde) (C‑239/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 19).


8 – Acórdãos Waddenzee (já referido na nota 7, n.os 56 e 59), e Castro Verde (já referido na nota 7, n.° 20).


9 – Acórdão Waddenzee (já referido na nota 7, n.° 54).


10 – Acórdão Waddenzee (já referido na nota 7, n.° 54).


11 – Acórdãos de 18 de Março de 1999, Comissão/França (estuário do Sena) (C‑166/97, Colect., p. I‑1719, n.° 21); de 27 de Fevereiro de 2003, Comissão/Bélgica (cartas geográficas) (C‑415/01, Colect., p. I‑2081, n.° 15); de 6 de Março de 2003, Comissão/Finlândia (reservas ornitológicas) (C‑240/00, Colect., p. I‑2187, n.° 16), e de 23 de Março de 2006, Comissão/Áustria (Lauteracher Ried) (C‑209/04, Colect., p. I‑2755, n.° 32).


12 – O formulário de dados normalizado assenta na Decisão 97/266/CE da Comissão, de 18 de Dezembro de 1996, relativa a um formulário para as informações sobre sítios para os sítios da rede Natura 2000 propostos (JO 1997, L 107, p. 1).


13 – V. acórdão de 7 de Dezembro de 2000, Comissão/França (Basses Corbières) (C‑374/98, Colect., p. I‑10799, n.os 47 e 57). Para os tipos de habitats e espécies que devem ser protegidos nos termos da directiva habitats mas que não foram adequadamente considerados ao determinar os objectivos de conservação, coloca‑se, neste contexto, a questão de saber se o regime provisório de protecção é aplicável às zonas propostas; v., a este respeito, acórdãos de 13 de Janeiro de 2005, Dragaggi e o. (C‑117/03, Colect., p. I‑167, n.° 26), e de 14 de Setembro de 2006, Bund Naturschutz in Bayern e o. (C‑244/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 35). Em ambos os casos, a violação da norma de protecção pressupõe que seja provada a existência dos bens jurídicos a proteger e a sua afectação, enquanto no âmbito de aplicação do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats basta demonstrar a possibilidade de afectação dos objectivos de conservação para tornar obrigatória a avaliação do impacto sobre a zona.


14 – Acórdão Basses Corbières (já referido na nota 13, n.os 50 e segs.).


15 – Anexo 1 à contestação.


16 – Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9).


17 – Anexos à petição, folha 304.


18 – Anexos à petição, folha 318.


19 – Anexos à petição, folhas 80 e segs.


20 – Anexos à petição, folhas 148 e segs.


21 – Anexos à petição, folhas 84 e segs.


22 – Anexo à tréplica da Itália.


23 – V. as minhas conclusões de 27 de Outubro de 2005 no processo Comissão/Áustria (Lauteracher Ried) (C‑209/04, Colect., p. I‑2755, n.os 83 e segs.).


24 – V. as minhas conclusões de 27 de Abril de 2006 no processo Comissão/Portugal (Castro Verde) (C‑239/04, ainda não publicadas na Colectânea, n.° 46, com outras referências).


25 – Acórdão Castro Verde (já referido na nota 7, n.os 36 e 39 e segs.), bem como as minhas conclusões nos processos Castro Verde (já referidas na nota 24, n.° 41) e Lauteracher Ried (já referidas na nota 23, n.° 68).


26 – Conclusões de 14 de Setembro de 2006 no processo Comissão/Irlanda (Lista IBA 2000) (C‑418/04, ainda não publicadas na Colectânea, n.° 173).


27 – Acórdão Waddenzee (já referido na nota 7, n.° 36).


28 – Acórdão Waddenzee (já referido na nota 7, n.° 35).


29 – Hagemeijer/Blair, The EBCC Atlas of European Breeding Birds, v. extractos do mesmo no anexo 10 à petição.


30 – Folhas 6 e segs. do anexo à tréplica.


31 – Folhas 63 e 65 do anexo à tréplica.


32 – Acórdão de 2 de Agosto de 1993, Comissão/Espanha (Santoña) (C‑355/90, Colect., p. I‑4221, n.° 20).


33 – V. a jurisprudência referida na nota 11.


34 – Acórdão Comissão/Bélgica (cartas geográficas) (já referido na nota 11, n.° 16).