CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

M. POIARES MADURO

apresentadas em 29 de Novembro de 2007 ( 1 )

Processos apensos C-39/05 P e C-52/05 P

Reino da Suécia

e

Maurizio Turco

contra

Conselho da União Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância — Acesso aos documentos das instituições — Regulamento (CE) n.o 1049/2001 — Pareceres jurídicos»

1. 

O processo ora submetido ao Tribunal de Justiça tem origem em dois recursos interpostos, respectivamente, pelo Reino da Suécia e por Maurizio Turco, do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 23 de Novembro de 2004, Turco/Conselho ( 2 ) (a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual este negou provimento ao recurso de anulação, interposto por M. Turco, da decisão do Conselho da União Europeia, de 19 de Dezembro de 2002, que lhe negou o acesso a um parecer do Serviço Jurídico do Conselho relativo a uma proposta de directiva.

2. 

Os fundamentos dos presentes recursos, invocados pelos recorrentes, convidam o Tribunal de Justiça a pronunciar-se sobre o alcance e a aplicação a dar à excepção de confidencialidade prevista a favor dos pareceres jurídicos no artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 ( 3 ).

I — Quadro do presente recurso

A — Diplomas aplicáveis

3.

O artigo 255.o, n.os 1 e 2, CE prevê:

«1.   Todos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou colectivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado-Membro têm direito de acesso aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, sob reserva dos princípios e condições a definir nos termos dos n.os 2 e 3.

2.   Os princípios gerais e os limites que, por razões de interesse público ou privado, regem o exercício do direito de acesso aos documentos são definidos pelo Conselho, deliberando nos termos do artigo 251.o, no prazo de dois anos a contar da data de entrada em vigor do Tratado de Amesterdão.»

4.

Com base no artigo 255.o, n.o 2, CE, o Conselho adoptou o Regulamento n.o 1049/2001. O terceiro, quarto, sexto e décimo primeiro considerandos estão redigidos como segue:

«(3)

[…] O presente regulamento consolida as iniciativas que as instituições já tomaram para aumentar a transparência do processo decisório.

(4)

O presente regulamento destina-se a permitir o mais amplo efeito possível do direito de acesso do público aos documentos e a estabelecer os respectivos princípios gerais e limites, em conformidade com o disposto no n.o 2 do artigo 255.o do Tratado CE.

[…]

(6)

Deverá ser concedido maior acesso aos documentos nos casos em que as instituições ajam no exercício dos seus poderes legislativos, incluindo por delegação, embora simultaneamente, preservando a eficácia do processo decisório institucional. O acesso directo a estes documentos deverá ser tão amplo quanto possível.

[…]

(11)

Em princípio, todos os documentos das instituições deverão ser acessíveis ao público. No entanto, determinados interesses públicos e privados devem ser protegidos através de excepções. É igualmente necessário que as instituições possam proteger as suas consultas e deliberações internas, se tal for necessário para salvaguardar a sua capacidade de desempenharem as suas funções. […]»

5.

O artigo 1.o, alínea a), do Regulamento n.o 1049/2001 enuncia que este se destina a «[d]efinir os princípios, as condições e os limites que, por razões de interesse público ou privado, regem o direito de acesso aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão […], previsto no artigo 255.o do Tratado CE, de modo a que o acesso aos documentos seja o mais amplo possível».

6.

O artigo 2.o, n.o 1, do referido regulamento reconhece a todos os cidadãos da União e a todas as pessoas singulares ou colectivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado-Membro o direito de acesso aos documentos das instituições, «sob reserva dos princípios, condições e limites estabelecidos no presente regulamento».

7.

Sob a epígrafe «Excepções», o artigo 4.o do referido regulamento dispõe:

«[…]

2.   As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a protecção de:

[…]

processos judiciais e consultas jurídicas,

[…]

excepto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

3.   O acesso a documentos, elaborados por uma instituição para uso interno ou por ela recebidos, relacionados com uma matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido, será recusado, caso a sua divulgação pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição, excepto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

O acesso a documentos que contenham pareceres para uso interno, como parte de deliberações e de consultas preliminares na instituição em causa, será recusado mesmo após ter sido tomada a decisão, caso a sua divulgação pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição, excepto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

[…]

7.   As excepções previstas nos n.os 1 a 3 só são aplicáveis durante o período em que a protecção se justifique com base no conteúdo do documento. As excepções podem ser aplicadas, no máximo, durante 30 anos. […]»

B — Factos

8.

Em 22 de Outubro de 2002, M. Turco solicitou ao Conselho que lhe fosse facultado o acesso aos documentos indicados na ordem do dia da reunião do Conselho «Justiça e Assuntos Internos», realizada no Luxemburgo em 14 e 15 de Outubro de 2002, entre os quais figurava, sob o número 9077/02, um parecer do Serviço Jurídico do Conselho relativo a uma proposta de directiva do Conselho que estabelece as normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-Membros.

9.

Em 5 de Novembro de 2002, baseando-se no artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001, o Conselho recusou-lhe o acesso ao parecer controvertido, com o fundamento de que, «[t]endo em conta o seu conteúdo, a divulgação desse documento poderia prejudicar a protecção dos pareceres jurídicos internos do Conselho […]» e de que, «[n]ão tendo sido invocado qualquer fundamento concreto que indique que um interesse público superior específico impõe a divulgação desse documento, o Secretariado-Geral concluiu, após ter procedido a uma ponderação dos interesses em presença, que o interesse da protecção dos pareceres jurídicos internos prima sobre o interesse público».

10.

Em 22 de Novembro de 2002, M. Turco apresentou um pedido confirmativo, alegando que o Conselho tinha aplicado erradamente as excepções ao direito de acesso do público aos documentos das instituições, previstas no artigo 4.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 1049/2001, e sustentando que o princípio da democracia e da participação dos cidadãos no processo legislativo constituía um interesse público superior que justificava a divulgação do parecer do Serviço Jurídico do Conselho.

11.

Por decisão de 19 de Dezembro de 2002, o Conselho aceitou divulgar o parágrafo introdutório do referido parecer, onde se indica que este último contém as opiniões do Serviço Jurídico do Conselho sobre a questão da competência comunitária em matéria de acesso de nacionais de países terceiros ao mercado de trabalho. Quanto ao restante, porém, recusou-se a rever a sua posição. Justificou a confirmação da recusa de acesso com considerações nas quais sustenta que os pareceres independentes do seu Serviço Jurídico merecem uma protecção especial porquanto constituem um instrumento importante que lhe permite certificar-se de que os seus actos são compatíveis com o direito comunitário e fazer progredir o debate respeitante aos aspectos jurídicos em causa; que, além disso, a sua divulgação poderia gerar alguma incerteza quanto à legalidade dos actos legislativos adoptados na sequência dos referidos pareceres, susceptível de fragilizar a presunção de legalidade de que gozam e, portanto, de pôr em perigo a segurança jurídica e a estabilidade da ordem jurídica comunitária. Quanto ao interesse público superior invocado por M. Turco, o mesmo não é, no entender do Conselho, constituído apenas pelo facto de a divulgação dos referidos pareceres emitidos no quadro do debate sobre as iniciativas legislativas aumentar a transparência e a abertura do processo decisório; de facto, o mesmo se pode dizer de todas as opiniões escritas ou de todos os documentos semelhantes do Serviço Jurídico do Conselho, o que, na prática, impossibilitaria o Conselho de lhes recusar o acesso a título do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001 e, dessa forma, privaria esta disposição de todo e qualquer efeito útil.

12.

Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 28 de Fevereiro de 2003, M. Turco interpôs recurso de anulação da decisão do Conselho de 19 de Dezembro de 2002.

C — Acórdão recorrido

13.

O recorrente invocou um fundamento único para o seu pedido de anulação, relativo à violação do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001, que defendeu com base em três argumentos.

14.

A título principal, invocou um erro quanto à base jurídica, uma vez que os pareceres jurídicos emitidos no contexto do exame das propostas legislativas estão abrangidos pela excepção prevista no artigo 4.o, n.o 3, do referido regulamento, e não pela excepção prevista no artigo 4.o, n.o 2, que apenas cobre os pareceres jurídicos [consultas jurídicas] emitidos no contexto de processos judiciais. Esta interpretação do recorrente não convenceu o Tribunal de Primeira Instância, que a considerou contrária à letra do diploma, a qual não contém semelhante restrição, e que conduziria a privar de todo e qualquer efeito útil a menção dos pareceres jurídicos entre as excepções previstas pelo Regulamento n.o 1049/2001, sendo certo que o legislador comunitário desejou consagrar, no artigo 4.o, n.o 2, do referido regulamento, uma excepção relativa aos pareceres jurídicos distinta da excepção relativa aos processos judiciais. Com efeito, os pareceres redigidos pelo Serviço Jurídico do Conselho no contexto de processos judiciais já estão incluídos na excepção relativa à protecção dos processos judiciais. Consequentemente, no entender do Tribunal de Primeira Instância, o Conselho pôde validamente basear-se na excepção relativa aos pareceres jurídicos prevista no artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, para determinar se devia conceder ao recorrente acesso ao parecer controvertido do seu Serviço Jurídico.

15.

A título subsidiário, o recorrente invocou a aplicação errada do referido artigo 4.o, n.o 2, uma vez que o Conselho considerou erradamente que todos os pareceres emitidos pelo seu Serviço Jurídico estão ao abrigo da protecção da confidencialidade dos pareceres jurídicos garantida por aquela disposição, quando, longe de poder proceder por categorização, só se pode pronunciar caso a caso sobre a aplicação da excepção, com base num exame concreto de cada parecer jurídico. Contestou igualmente a pertinência da necessidade de protecção do parecer jurídico controvertido, identificado pelo Conselho na decisão recorrida. Em resposta ao primeiro ponto, o Tribunal de Primeira Instância reconheceu que o facto de o documento em causa ser um parecer jurídico não pode, por si só, justificar a recusa de acesso, porquanto o Conselho está obrigado a apreciar, em cada caso concreto, se os documentos cuja divulgação é solicitada estão efectivamente abrangidos pelas excepções enumeradas no Regulamento n.o 1049/2001. Além disso, segundo o Tribunal, a fundamentação apresentada pelo Conselho para a sua recusa de divulgar o parecer jurídico controvertido na íntegra respeita, ao que parece, ao conjunto dos pareceres do seu Serviço Jurídico relativos a actos legislativos, e não, especificamente, ao parecer jurídico controvertido. Todavia, a argumentação do recorrente é rejeitada por duas razões: o carácter geral da fundamentação justifica-se pelo facto de que a evocação de informações suplementares, nomeadamente relativas ao conteúdo do parecer jurídico controvertido, privaria a excepção da sua finalidade; o facto de o Conselho ter acabado por aceitar divulgar o parágrafo introdutório do referido parecer revela que examinou o seu conteúdo antes de se pronunciar sobre o pedido de acesso. Quanto à contestação da existência de um interesse na protecção do parecer jurídico controvertido, invocado pelo Conselho, o Tribunal rejeita todos os alegados erros de apreciação, com o fundamento de que a divulgação desse parecer, por um lado, tornaria públicos os debates internos do Conselho relativos à questão da legalidade do acto legislativo a que diz respeito e, portanto, «tendo em conta a natureza especial desses documentos», deixaria pairar uma dúvida sobre tal legalidade e, por outro, poderia pôr em causa a independência dos pareceres do Serviço Jurídico do Conselho.

16.

Em último lugar, o recorrente acusou o Conselho de não ter verificado a existência de um interesse público superior, em especial o ligado à transparência do processo decisório e aos princípios da abertura e da democracia, que justificava o acesso do público aos pareceres jurídicos relativos a propostas legislativas. Uma vez mais, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou qualquer erro de apreciação, com base em duas ordens de considerações. Os princípios da transparência, da abertura e da democracia estão subjacentes a todas as disposições do Regulamento n.o 1049/2001, de tal forma que o interesse público superior visado no artigo 4.o, n.o 2, do referido regulamento deve, em princípio, distinguir-se deles, ou que, pelo menos, e isso não aconteceu no caso vertente, o requerente deve demonstrar que, tendo em conta as circunstâncias específicas do caso, a invocação desses mesmos princípios apresenta uma acuidade tal que se sobrepõe à necessidade de protecção do documento solicitado. Além disso, incumbe ao requerente que pretende invocar um interesse público superior, susceptível de justificar a divulgação de um parecer jurídico, fazê-lo no âmbito do seu pedido, a fim de convidar a instituição a pronunciar-se sobre esse ponto, embora a própria instituição possa identificar esse interesse público superior.

17.

Não tendo nenhum dos argumentos apresentados pelo recorrente convencido o Tribunal de Primeira Instância, este, por acórdão de 23 de Novembro de 2004, negou provimento ao recurso de anulação interposto da decisão de recusa de acesso ao parecer jurídico do Serviço Jurídico do Conselho.

II — Análise dos presentes recursos

18.

Foi deste acórdão do Tribunal de Primeira Instância que o Reino da Suécia e M. Turco interpuseram recurso para o Tribunal de Justiça. Em apoio dos seus recursos, os recorrentes invocam fundamentos que, em substância e no essencial, põem em causa o raciocínio seguido pelo Tribunal de Primeira Instância para rejeitar os argumentos que então haviam sido apresentados. M. Turco invoca, em primeiro lugar, um erro de interpretação do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, por entender que o Tribunal de Primeira Instância considerou erradamente que os pareceres jurídicos relativos a propostas legislativas podiam estar abrangidos pelo âmbito de aplicação da referida disposição, quando apenas o artigo 4.o, n.o 3, do referido regulamento é susceptível de se aplicar a esses pareceres. Em segundo lugar, M. Turco e o Governo sueco sustentam que o Tribunal de Primeira Instância aplicou de forma errada o artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, ao considerar que os pareceres jurídicos do Serviço Jurídico do Conselho relativos a propostas legislativas estão, por natureza, abrangidos pela excepção prevista nesta disposição a favor dos pareceres jurídicos. Em terceiro lugar, os ora recorrentes acusam o Tribunal de Primeira Instância de ter feito uma interpretação inexacta e uma má aplicação do interesse público superior, susceptível de justificar a divulgação de um documento em princípio coberto pela excepção de confidencialidade prevista para os pareceres jurídicos.

19.

Antes de tratar detalhadamente estes fundamentos, impõe-se analisar os dois últimos invocados por M. Turco. Este começa por acusar, no essencial, o Tribunal de Primeira Instância por não ter respeitado o princípio de uma comunidade de direito. Ao admitir que o acesso a um parecer jurídico possa ser negado com fundamento em que a sua divulgação poderia deixar pairar uma dúvida sobre a legalidade do acto legislativo a que o mesmo diz respeito ( 4 ), o Tribunal de Primeira Instância teria, de facto, privilegiado a perspectiva de uma ordem jurídica estável baseada em actos ilegais. Esta argumentação não pode obviamente proceder. O que o Tribunal de Primeira Instância sublinhou através dos fundamentos ora postos em causa pelo recorrente foi o risco de a opinião subjectiva expressa pelo Serviço Jurídico do Conselho sobre a legalidade de um acto legislativo vir a alimentar, caso fosse divulgada, impugnações contenciosas que poderão vir a revelar-se intempestivas. Diversamente, a referida opinião em nada prejudica a conformidade, com o direito, do acto legislativo a que respeita. O Serviço Jurídico limita-se a fornecer ao Conselho assistência na sua apreciação ex ante da legalidade de um acto, mas não é juiz da legalidade dos actos adoptados por essa instituição, sendo o Tribunal de Justiça o único habilitado a pronunciar-se sobre essa questão com força vinculativa. De resto, esta é a razão pela qual o Conselho tem todo o direito de não atender a um parecer desfavorável do seu Serviço Jurídico, ainda que fosse politicamente mais difícil fazê-lo se o mesmo tivesse sido publicado. Contudo, paradoxalmente, como alega o Conselho a justo título, a publicidade dada aos seus pareceres comportaria o risco de prejudicar a independência e a abertura com que o seu Serviço Jurídico os emite e, portanto, a utilidade que a instituição pode deles retirar na sua apreciação a priori da legalidade de um acto.

20.

M. Turco acusa igualmente o Tribunal de Primeira Instância de insuficiência de fundamentação, na medida em que não teria respondido a alguns dos seus argumentos relativos à independência do Serviço Jurídico do Conselho. Todavia, para se pronunciar sobre a aplicação da excepção relativa aos pareceres jurídicos, o Tribunal de Primeira Instância não tinha de se pronunciar sobre a independência do referido serviço ou dos seus membros, mas sobre a questão de saber em que medida a divulgação dos pareceres jurídicos do mesmo serviço poderia afectar a independência, isto é, a sinceridade com que supostamente devem ser emitidos. O Tribunal de Primeira Instância fê-lo, tendo considerado que a «independência dos pareceres do […] Serviço Jurídico» pode justificar uma recusa de divulgação ( 5 ). E não se pode validamente criticar o facto de, para efeitos dessa apreciação, não ter discutido a asserção do recorrente segundo a qual a divulgação dos pareceres jurídicos do Serviço Jurídico do Conselho contribui para o proteger de influências exteriores ilegítimas, porquanto, como o Tribunal precisamente sublinhou, o recorrente não tinha apresentado nenhuma explicação em apoio dessa mesma asserção ( 6 ). Recorde-se a este respeito que «a obrigação de o Tribunal de Primeira Instância fundamentar as suas decisões não pode ser interpretada como implicando que este seja obrigado a responder em pormenor a cada argumento invocado por uma parte, especialmente quando este não reveste um carácter suficientemente claro e preciso» ( 7 ).

21.

Retomemos agora aquilo que constitui o essencial da argumentação dos recorrentes. Por uma questão de clareza da apreciação do mérito do presente recurso, em vez de examinar fundamento por fundamento, procederei à minha análise em duas etapas. Começarei por examinar a questão de saber se os pareceres jurídicos do Serviço Jurídico do Conselho relativos a propostas legislativas estão abrangidos pela excepção prevista no artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 ou pela excepção prevista no artigo 4.o, n.o 3, do referido regulamento. Seguidamente, debruçar-me-ei sobre a forma como o artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, deve ser aplicado.

A — Campo de aplicação do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001

22.

A excepção ao direito de acesso a documentos, prevista no artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, a favor dos pareceres jurídicos, abrange apenas os pareceres jurídicos emitidos no contexto de processos judiciais? Essa é a opinião de M. Turco. Também segundo este, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar legal a recusa de acesso ao parecer jurídico do Serviço Jurídico do Conselho sobre a proposta de directiva que estabelece as normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-Membros, que lhe foi oposta pelo Conselho com base na referida disposição. Com efeito, apenas o artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1049/2001 podia basear uma recusa de divulgação de pareceres jurídicos emitidos pelo Serviço Jurídico do Conselho relativamente a propostas legislativas.

23.

Esta argumentação não resiste a um exame mais aprofundado. Estou de acordo com o Tribunal de Primeira Instância em que a letra do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001, a origem da menção dos pareceres jurídicos nesta disposição e o efeito útil da referida menção militam, simultaneamente, no sentido de não se interpretar essa excepção (apenas) como uma protecção dos pareceres jurídicos emitidos no quadro de processos judiciais.

24.

Comecemos pela interpretação literal. A letra do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 refere, de uma forma geral, a protecção das «consultas jurídicas». A redacção adoptada não indica que apenas são visados os pareceres jurídicos relativos a processos judiciais, como aconteceria com redacções do tipo «os processos judiciais, nomeadamente as consultas jurídicas» ou «as consultas jurídicas fornecidas no âmbito de processos judiciais». Consequentemente, nos casos em que o legislador não faz distinções, não há que distinguir. É verdade que resulta de jurisprudência constante que as derrogações do princípio do acesso mais amplo possível do público aos documentos na posse das instituições devem ser interpretadas e aplicadas de forma estrita ( 8 ). M. Turco deduz daí que o acesso aos pareceres jurídicos emitidos sobre propostas legislativas pelos Serviços Jurídicos das instituições só deveria poder ser recusado a título da excepção mais limitada do artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1049/2001. Com efeito, esta só é aplicável no caso em que a divulgação de um documento «pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição, excepto quando um interesse público superior imponha a divulgação» do documento visado, ao passo que, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, o acesso a um documento é recusado quando a sua divulgação «pudesse prejudicar a protecção de consultas jurídicas, excepto quando um interesse público superior imponha a divulgação» do referido documento. O ora recorrente baseia igualmente esta dedução em considerações teleológicas relativas ao sexto considerando do referido regulamento, nos termos do qual «[d]everá ser concedido maior acesso aos documentos nos casos em que as instituições ajam no exercício dos seus poderes legislativos». Mas os princípios da interpretação estrita das excepções e da interpretação lata do direito de acesso só são aplicáveis onde há lugar a interpretação. In claris non fit interpretatio. Ora, como o Tribunal de Primeira Instância sublinhou acertadamente ( 9 ), a menção de «consultas jurídicas» não apresenta dificuldades de interpretação.

25.

Este resultado da letra do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001 é confortado pelo historial da menção das consultas jurídicas nesta disposição. Os diplomas que, antes do Regulamento n.o 1049/2001, disciplinavam o direito de acesso aos documentos previam expressamente uma excepção de confidencialidade apenas a título de protecção dos processos judiciais, e não a favor das consultas jurídicas das instituições ( 10 ). Este é o motivo pelo qual o legislador comunitário desejou consagrar, no Regulamento n.o 1049/2001, uma excepção relativa às consultas jurídicas paralelamente à excepção relativa aos processos judiciais.

26.

Ora, para que essa menção expressa das consultas jurídicas produza efeitos úteis, há que reconhecer que não visa apenas consultas jurídicas no contexto de processos judiciais, muito pelo contrário. Com efeito, no quadro normativo do direito de acesso aos documentos, anterior ao Regulamento n.o 1049/2001, o Tribunal de Primeira Instância tinha declarado que a protecção dos processos judiciais abrangia «não apenas as alegações ou requerimentos apresentados, os documentos internos respeitantes à instrução do processo em curso, mas também as comunicações relativas ao processo entre a direcção-geral em causa e o Serviço Jurídico ou um gabinete de advogados» ( 11 ). Ora, a priori, não há razão para se afastar desta acepção o conceito de «processos judiciais» no quadro do novo instrumento normativo constituído pelo Regulamento n.o 1049/2001 ( 12 ), pois foi tendo presente esta acepção jurisprudencial do conceito de processos judiciais que se aditou a menção «consultas jurídicas» ao regulamento.

27.

Em consequência, como o Tribunal de Primeira Instância afirmou correctamente ( 13 ), uma vez que os pareceres jurídicos emitidos no contexto de processos judiciais já estão incluídos na excepção relativa à protecção dos processos judiciais, na acepção do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, a excepção relativa aos pareceres jurídicos consagrada na mesma disposição deve ter necessariamente um alcance diferente e abranger os pareceres jurídicos sobre propostas legislativas, emitidos pelos Serviços Jurídicos das instituições.

28.

M. Turco sustenta, porém, que a inserção da menção «consultas jurídicas» no Regulamento n.o 1049/2001 se destina apenas a explicitar o alcance da excepção relativa à protecção dos processos judiciais, tal como resulta da jurisprudência Interporc/Comissão. Contudo, se assim fosse, os autores do referido regulamento teriam sem dúvida adoptado outra redacção, do tipo, já anteriormente indicado, «os processos judiciais, nomeadamente as consultas jurídicas». Além disso, esta tese é desmentida pelos trabalhos preparatórios do Regulamento n.o 1049/2001. Estes trabalhos revelam claramente que não se pretendeu, de modo nenhum, estabelecer uma relação entre os «processos judiciais» e as «consultas jurídicas», mas que a inserção desta última menção teve por objecto consagrar textualmente a solução pretoriana ( 14 ) que, para proteger a confidencialidade dos pareceres dos Serviços Jurídicos das instituições relativos a propostas legislativas, tinha acrescentado às categorias de interesse público expressamente visadas pelos instrumentos normativos então em vigor, que regulavam o direito de acesso a documentos, as da «estabilidade da ordem comunitária» e do «bom funcionamento das instituições» ( 15 ). Como o Conselho recordou, a proposta inicial de regulamento da Comissão previa, com efeito, duas excepções distintas relativamente à «estabilidade da ordem jurídica comunitária» e aos «processos judiciais» ( 16 ). A primeira foi posteriormente reformulada para compreender a «capacidade das instituições para pedir o parecer dos seus Serviços Jurídicos» ( 17 ) e, na sequência do debate legislativo, a formulação acabou por ser encurtada e precisada para se tornar na que figura no Regulamento n.o 1049/2001 ( 18 ).

B — Aplicação do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001

29.

Admitindo que os pareceres jurídicos dos Serviços Jurídicos das instituições, relativos a propostas legislativas, estejam cobertos pela excepção de confidencialidade prevista no artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, os ora recorrentes acusam o Tribunal de Primeira Instância de ter feito uma aplicação extensiva desta excepção, que contraria o princípio do acesso mais amplo possível aos documentos das instituições, primeiramente, ao declarar que todos os pareceres jurídicos estão, por natureza, protegidos pela referida excepção e, em seguida, ao limitar excessivamente o alcance das derrogações que lhe podem ser introduzidas, ligadas à existência de um interesse público superior, susceptível de, não obstante, justificar a divulgação do parecer jurídico solicitado. Examinarei sucessivamente estes dois aspectos.

30.

A tarefa anuncia-se difícil. O artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 é um desses textos cuja aplicação pode parecer uma missão impossível. Com efeito, o legislador procurou fazer com que coabitassem no mesmo espaço normativo duas prescrições perfeitamente contraditórias e dificilmente conciliáveis, o que nos leva irresistivelmente a evocar as palavras que Elisabeth Taylor diz a Paul Newman no filme «Cat on a Hot Tin Roof», baseado na peça de Tennessee Williams: «I’m not living with you. We occupy the same cage, that’s all». O Tribunal de Justiça só poderá tentar que a coabitação nessa «cela» normativa seja o menos desconfortável possível.

1. Questão da aplicação caso a caso da excepção de confidencialidade prevista a favor dos pareceres jurídicos

31.

Segundo os ora recorrentes, o Tribunal de Primeira Instância reconheceu erradamente a existência de uma necessidade geral de confidencialidade dos pareceres jurídicos, que leva a excluir estes últimos, como categoria de documentos, do direito de acesso. Ao fazê-lo, menosprezou a exigência de um exame individual e concreto, uma vez que uma recusa só pode ser oposta a um pedido de acesso face ao conteúdo de cada documento solicitado. Esta acusação não pode ser acolhida pois assenta, em parte, numa leitura inexacta do acórdão recorrido e, em parte, numa má compreensão do alcance da excepção relativa aos pareceres jurídicos.

a) Princípio do exame caso a caso

32.

É verdade que resulta de jurisprudência constante que uma recusa de acesso aos documentos solicitados só pode ser oposta no termo de uma apreciação de cada documento cujo acesso é pedido, destinada a determinar se, face aos elementos que o mesmo contém, a sua divulgação é efectivamente susceptível de prejudicar um interesse público protegido por uma excepção de confidencialidade. Esta exigência de um exame concreto e individual decorre, em primeiro lugar, do princípio da interpretação e da aplicação estritas das excepções ao direito de acesso ( 19 ). A referida exigência é igualmente imposta pelo princípio da proporcionalidade, que obriga as instituições a admitir o acesso parcial a um documento a fim de divulgar os elementos de informação dele constantes que não estão abrangidos por uma excepção ao acesso a documentos ( 20 ); com efeito, a confidencialidade só pode ser alegada na medida necessária à protecção de um interesse público que justifique a derrogação do princípio da transparência. Estas soluções, a que já se recorria no estado do direito anterior ao Regulamento n.o 1049/2001, valem, por maioria de razão, na vigência deste último, na medida em que o referido regulamento se destina a regular o exercício de um direito que, ao ter sido consagrado no artigo 255.o CE pelo Tratado de Amesterdão, adquiriu o estatuto de direito fundamental ( 21 ). Por isso, não surpreende que a jurisprudência tenha transposto as referidas soluções para o quadro da aplicação do Regulamento n.o 1049/2001. Segundo o juiz comunitário, uma vez que este diploma se destina a conferir o maior alcance possível ao direito de acesso do público a documentos na posse das instituições, as excepções de confidencialidade nele previstas devem ser interpretadas e aplicadas de forma estrita ( 22 ). Daí resulta que o exame exigido para o tratamento de um pedido de acesso a documentos deve começar por ter carácter concreto, porque a mera circunstância de um documento dizer respeito a um interesse protegido por uma excepção não basta para justificar a aplicação desta última; é ainda necessário que a instituição à qual foi submetido o pedido tenha apreciado previamente, face aos elementos de informação que o documento contém, se o acesso pretendido era susceptível de prejudicar concreta e efectivamente o interesse protegido e que o risco de prejudicar esse interesse seja razoavelmente previsível, e não puramente hipotético. Esse exame também se deve revestir de carácter individual, sendo realizado para cada documento solicitado, pois só assim pode permitir à instituição apreciar a possibilidade de conceder um acesso parcial ao requerente ( 23 ).

33.

Todavia, no caso vertente, longe de ter autorizado o Conselho, como lhe censuram os recorrentes, a proceder a uma apreciação abstracta e global do risco de violação da protecção dos pareceres jurídicos que resultaria da divulgação do documento solicitado, o Tribunal de Primeira Instância respeitou os princípios acima mencionados. Após ter explicitamente recordado ao Conselho a obrigação de este «apreciar, em cada caso, se os documentos cuja divulgação é solicitada estão efectivamente abrangidos pelas excepções enumeradas no Regulamento n.o 1049/2001» ( 24 ), o Tribunal verificou se aquela instituição tinha cumprido de forma correcta a referida obrigação.

34.

Para este efeito, o Tribunal de Primeira Instância certificou-se, em primeiro lugar, de que o documento solicitado é, de facto, um parecer jurídico, tendo concluído que é um «parecer do Serviço Jurídico do Conselho relativo a uma proposta de directiva do Conselho que estabelece as normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-Membros» ( 25 ). Mas o Tribunal não ficou por aí na exigência de um exame caso a caso. Verificou ainda se «o Conselho não cometeu qualquer erro de apreciação ao considerar […] que a divulgação do parecer jurídico em causa prejudicava a protecção de que este tipo de documento pode beneficiar», pois «a circunstância de o documento em causa ser um parecer jurídico não basta, por si só, para justificar a aplicação da excepção invocada» ( 26 ). E só após ter concluído que o Conselho tinha acabado por divulgar o parágrafo introdutório do parecer jurídico em causa é que o Tribunal rejeitou a acusação de que o Conselho não havia examinado o conteúdo deste último a fim de se pronunciar sobre o pedido de acesso controvertido.

35.

A diligência efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância merece aprovação. A apreciação do destino a dar a um pedido de acesso deve ser efectuada «face aos elementos de informação que o documento contém», e não por categoria de documentos. Por conseguinte, não é por ser um parecer do Serviço Jurídico do Conselho relativo a uma proposta legislativa nem por se intitular «parecer jurídico» que um documento deve automaticamente beneficiar da protecção da confidencialidade dos pareceres jurídicos garantida pelo artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001. Para além do seu autor e da sua denominação, importa garantir que o documento contenha, efectivamente, um parecer jurídico. Se assim for, importa ainda distinguir as passagens da exposição que, no parecer jurídico, são constituídas por considerações jurídicas gerais e que indicam o objecto deste das que exprimem verdadeiramente a opinião do Serviço Jurídico acerca da legalidade da proposta legislativa. Tendo em conta a obrigação de se prever a possibilidade de acesso parcial, as primeiras devem ser divulgadas, facto esse de que o Tribunal de Primeira Instância se certificou, salientando que o Conselho tinha, finalmente, comunicado a M. Turco o parágrafo introdutório que indicava que o parecer em causa continha as opiniões do Serviço Jurídico do Conselho relativas à questão da competência comunitária em matéria de acesso de nacionais de países terceiros ao mercado de trabalho ( 27 ).

36.

É verdade que não apenas a apreciação concreta e individual deve ser efectuada, mas o respeito desta obrigação deve também resultar dos fundamentos da decisão de recusa de acesso. A fundamentação apresentada pela instituição para justificar uma recusa de acesso não pode, por conseguinte, limitar-se a apreciações de ordem geral relativas à natureza ou ao tipo de documentos em que se integra o documento solicitado, devendo basear-se em elementos de informação presentes realmente neste último ( 28 ). Todavia, decorre da jurisprudência que uma fundamentação geral respeitante a uma categoria de documentos é admissível quando seja impossível indicar as razões específicas que justificaram a recusa de acesso a um documento sem divulgar o conteúdo ou um elemento essencial deste e, portanto, prejudicando o interesse que a excepção de confidencialidade tem por objecto proteger e privando esta da sua finalidade essencial ( 29 ). Por este motivo é que M. Turco não pode acusar legitimamente o Tribunal de Primeira Instância de não ter exigido ao Conselho uma fundamentação específica para a recusa de acesso ao documento solicitado. É verdade que o Tribunal reconheceu explicitamente que as considerações enunciadas pelo Conselho para justificar a recusa de acesso constituíam uma fundamentação aplicável a todos os pareceres jurídicos do Conselho relativos a actos legislativos, e não especificamente ao parecer em causa. Todavia, considerou que, no caso vertente, o carácter genérico da fundamentação se justificava «pelo facto de a evocação de informações suplementares, fazendo, designadamente, referência ao conteúdo do parecer jurídico em causa, privar a excepção invocada da sua finalidade» ( 30 ).

b) Limites do exame caso a caso

37.

A atitude do Tribunal de Primeira Instância deve ser devidamente compreendida. A generalidade da fundamentação da decisão de recusa de acesso tomada pelo Conselho no caso vertente explica-se também porque a exigência de um exame concreto e individual dos pedidos de acesso aos pareceres jurídicos não pode ser ilimitada. Tudo o que no documento solicitado exprime a opinião do Serviço Jurídico sobre a legalidade da proposta legislativa, isto é, tudo o que constitui o parecer jurídico propriamente dito, está, em princípio, protegido pelo artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001. Apenas o parecer jurídico está coberto por esta disposição, mas de forma integral. O exame caso a caso destina-se, portanto, unicamente, a determinar em que medida o documento solicitado é abrangido pelo âmbito da excepção de confidencialidade prevista a favor dos pareceres jurídicos, ou seja, destina-se a identificar aquilo que, no documento, exprime o parecer jurídico. Com efeito, o artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 instaurou uma presunção geral de confidencialidade dos pareceres jurídicos emitidos pelos Serviços Jurídicos das instituições acerca das propostas legislativas, precisamente pelas razões expostas pelo Conselho para justificar, no caso vertente, a sua decisão de recusar o acesso ao parecer jurídico solicitado.

38.

Uma breve retrospectiva do historial desta disposição é suficiente para o comprovar. Já o advogado-geral F. G. Jacobs tinha preconizado que um parecer emitido pelo Serviço Jurídico do Conselho não possa, sem autorização explícita deste último, ser invocado por uma parte no Tribunal de Justiça, pois a sua divulgação «seria, naturalmente, prejudicial ao interesse público no fornecimento de pareceres jurídicos independentes» ( 31 ). Como já evoquei ( 32 ), o próprio juiz comunitário tinha, menos de três anos depois, consagrado uma excepção de confidencialidade para os pareceres jurídicos das instituições relativos a propostas legislativas, com o fundamento de que «a divulgação de documentos desta natureza teria por efeito tornar público o debate e as trocas de pontos de vista, internos à instituição, sobre a legalidade e o alcance do acto jurídico a aprovar e que, portanto […], poderia conduzir a que a instituição perdesse todo o interesse em solicitar aos Serviços Jurídicos pareceres escritos»; por outras palavras, com o fundamento de que «a divulgação destes documentos poderia criar uma incerteza quanto à legalidade dos actos comunitários e ter consequências negativas no funcionamento das instituições comunitárias» ( 33 ). Na mesma ordem de raciocínio, tinha justificado esta excepção com o «interesse público, que exige que as instituições possam beneficiar dos pareceres do seu Serviço Jurídico emitidos com total independência» ( 34 ). E, já aqui o recordei, foi esta solução pretoriana que o legislador avalizou no Regulamento n.o 1049/2001.

39.

Deste modo, foi instituído um princípio de não divulgação dos pareceres jurídicos, que cobre, nomeadamente, todas as apreciações jurídicas emitidas pelos Serviços Jurídicos das instituições sobre as propostas legislativas. Embora alguns Estados-Membros, como o Reino da Suécia, tenham consagrado uma solução inversa nos respectivos direitos nacionais, isso é o resultado de uma opção política do legislador comunitário, que se deixou convencer pelas razões acima recordadas.

40.

Com efeito, o interesse protegido pela excepção de confidencialidade prevista para os pareceres jurídicos justifica, em princípio, o segredo de todos os pareceres jurídicos dos Serviços Jurídicos das instituições relativos a propostas legislativas. O acesso a qualquer um desses pareceres é de natureza a prejudicar, concreta e efectivamente, a possibilidade de uma instituição receber do seu Serviço Jurídico uma opinião franca, objectiva, completa e, portanto, útil à instituição, para efeitos de apreciação da legalidade de um diploma legislativo. A divulgação de um parecer dessa natureza conduziria o Serviço Jurídico a dar mostras de reserva e de prudência na sua redacção, a fim de não afectar a capacidade de decisão da instituição. A utilidade que a instituição poderia retirar do referido parecer seria significativamente reduzida. Mais ainda, seria de recear que a eventualidade da divulgação dos seus pareceres jurídicos conduzisse o Serviço Jurídico a passar a exprimir o essencial desses pareceres apenas verbalmente, o que poderia reduzir ainda mais a transparência do que em caso de aplicação do princípio da não divulgação dos pareceres jurídicos. Recorde-se que, por vezes, o óptimo pode ser inimigo do bom. Por outro lado, no caso de a instituição optar por não seguir um parecer negativo do seu Serviço Jurídico, a divulgação deste último poderia, na eventualidade de uma impugnação contenciosa ulterior, prejudicar a capacidade de a instituição defender em juízo o seu comportamento, tanto mais que seria representada pelo seu Serviço Jurídico.

41.

Contrariamente ao que alegam os ora recorrentes, não há que fazer a distinção entre as apreciações jurídicas contidas num parecer jurídico que merecem a protecção prevista no artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 e as que não a merecem. Seria, nomeadamente, contrário ao interesse protegido pretender distinguir os pareceres «positivos» ou «inofensivos», a divulgar, dos pareceres «negativos» ou «sensíveis», a manter confidenciais. Como o Conselho contrapôs acertadamente, a decisão de recusa revelaria tratar-se de um parecer negativo e acarretaria todos os efeitos nefastos já evocados, que a excepção de confidencialidade visa precisamente evitar. Também não é possível seguir o Governo sueco, segundo o qual importava ter em conta a fase em que se encontravam as deliberações relativas ao acto legislativo. Mais uma vez, o Conselho opôs, acertadamente, que a legalidade de um acto legislativo pode ser contestada em qualquer momento através de um pedido prejudicial ou de uma excepção de ilegalidade. Relativamente a este ponto, só nos resta seguir a posição do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual, «dada a particular natureza dos pareceres dos Serviços Jurídicos, estes documentos não surgem como podendo, em princípio, perder, ao longo dos anos, o seu carácter confidencial». Com efeito, acrescentou ele, «a sua divulgação pode sempre prejudicar os interesses públicos na estabilidade da ordem jurídica comunitária e no bom funcionamento das instituições comunitárias, na medida em que o tempo não parece poder alterar as razões […] que justificam esta excepção ao direito de acesso» ( 35 ). Considerações atinentes ao decurso do tempo não podem, portanto, contestar utilmente o facto de que o Regulamento n.o 1049/2001 instituiu o princípio da não divulgação de todos os pareceres jurídicos. Isso não significa, porém, que tais considerações sejam irrelevantes, mas, como mais adiante se verá, a tomada em consideração decurso do tempo só pode intervir na fase de apreciação de um interesse público superior que justifique a divulgação de um parecer jurídico, por derrogação da confidencialidade de que este, em princípio, beneficia.

42.

Como se pode ver, é da própria natureza do interesse público subjacente à excepção prevista no artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 proteger a confidencialidade de todos os pareceres jurídicos emitidos sobre propostas legislativas. Por isso, o Tribunal de Primeira Instância tinha fundamentos para considerar legal a recusa de acesso controvertida, «tendo em conta a natureza especial desses documentos» e porque «a independência dos pareceres do seu Serviço Jurídico […] pode constituir um interesse a proteger» ( 36 ).

43.

Assim, como, de resto, o Tribunal de Primeira Instância declarou, embora não haja dúvida de que «[a] obrigação das instituições de procederem a uma apreciação concreta e individual do conteúdo dos documentos a que se refere o pedido de acesso é uma solução de princípio, que se aplica a todas as excepções mencionadas nos n.os 1 a 3 do artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001, independentemente do domínio a que pertençam os documentos solicitados» ( 37 ), a medida em que essa exigência se impõe no quadro da aplicação da excepção de confidencialidade dos pareceres jurídicos difere da que se impõe no quadro da aplicação das outras excepções. Nestes últimos casos, o facto de a divulgação de um documento poder prejudicar realmente o interesse protegido depende não apenas do objecto do documento mas ainda da natureza das informações que o mesmo contém. Por exemplo, não é porque diz respeito a actividades de inspecção ou de inquérito que a divulgação de um documento põe automaticamente em risco a conclusão dessas actividades, prejudicando assim a protecção dos objectivos das mesmas ( 38 ). De igual modo, o facto de um documento conter informações ou apreciações negativas acerca da situação política ou da protecção dos direitos do Homem num país terceiro não implica necessariamente que a sua divulgação afecte as relações internacionais da União ( 39 ).

44.

Reconheço que a análise que sugiro impõe limites importantes ao exame caso a caso da excepção de confidencialidade dos pareceres jurídicos. Todavia, uma vez mais, isso é apenas o resultado da dificuldade de dar um efeito útil e um significado razoável, na prática, a um enunciado legislativo perfeitamente contraditório.

45.

Resulta das considerações precedentes que o Tribunal de Primeira Instância não desrespeitou a exigência de um exame individual e concreto dos documentos solicitados, para efeitos de aplicação da excepção de confidencialidade dos pareceres jurídicos.

2. Derrogação da excepção, relativa à existência de um interesse público superior

46.

A confidencialidade dos pareceres jurídicos não pode, contudo, ser absoluta. O princípio da não divulgação dos referidos pareceres imposto pelo artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 deve, de acordo com os termos desta mesma disposição, ceder se um «interesse público superior» justificar, não obstante, a divulgação do documento solicitado. É, de resto, também para efeitos de ponderação entre o interesse protegido pela excepção do direito de acesso prevista a favor dos pareceres jurídicos e eventuais interesses públicos superiores que se impõe um exame concreto do documento solicitado ( 40 ).

47.

A este respeito, M. Turco acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter considerado erradamente que o interesse público superior susceptível de justificar a divulgação de um documento deve, em princípio, ser distinto dos princípios da transparência, da abertura e da democracia ou da participação dos cidadãos no processo decisório, subjacentes ao Regulamento n.o 1049/2001, salvo se o requerente demonstrar que, atendendo às circunstâncias específicas do caso concreto, a invocação dos referidos princípios apresenta uma acuidade tal que se sobrepõe à necessidade de protecção do documento controvertido. Acusa também o Tribunal de Primeira Instância de, ao não ordenar a apresentação do parecer jurídico em causa, se ter colocado na impossibilidade de verificar se o Conselho tinha ponderado correctamente o interesse público superior e a necessidade de protecção dos pareceres jurídicos.

a) Identificação do interesse público superior

48.

A primeira acusação acima referida suscita a delicada questão da natureza do «interesse público superior» na acepção do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, que justifica a divulgação de um parecer jurídico em derrogação da confidencialidade que é, em princípio, garantida a este tipo de documentos. Trata-se do interesse público no acesso aos documentos que, nas circunstâncias específicas do caso vertente, se sobrepõe ao interesse público que dita a protecção dos pareceres jurídicos, ou de um interesse público diferente e superior ao interesse público no acesso aos documentos?

49.

Ao privilegiar a segunda opção, o Tribunal de Primeira Instância atribuiu ao requerente a incumbência de identificar um interesse público diferente do interesse público na transparência, na abertura, na democracia e na participação dos cidadãos no processo decisório, e superior a tal interesse. Essa incumbência é de tal modo exorbitante que fica excluída qualquer probabilidade de alguma vez vir a ser concedido acesso a um documento com fundamento na existência de um interesse público superior ( 41 ). A referida incumbência depara com a dificuldade intransponível de identificar interesses públicos mais importantes que o interesse público «normal» ligado à transparência.

50.

Ora, não é obrigatório fazer semelhante interpretação da letra do Regulamento n.o 1049/2001. Não me convence o argumento apresentado pelo Tribunal de Primeira Instância, segundo o qual, na medida em que os princípios da transparência, da abertura, da democracia e da participação dos cidadãos no processo decisório subjazem a todas as disposições do referido regulamento, o interesse público superior susceptível de justificar a divulgação de um documento por derrogação à confidencialidade de princípio dos pareceres jurídicos deve, em regra, ser diferente. Em meu entender, o que, na realidade, impõe o artigo 4.o, n.o 2, última frase, do Regulamento n.o 1049/2001 é a obrigação de a instituição em causa ponderar o interesse público protegido pela excepção de confidencialidade e o interesse público no acesso aos documentos, à luz do conteúdo do documento solicitado e das circunstâncias particulares do caso concreto. Noutros termos, a ratio legis desta disposição, no que respeita à excepção de confidencialidade dos pareceres jurídicos, é que, embora o interesse público subjacente à protecção dos pareceres jurídicos se sobreponha, em princípio, ao interesse público no acesso aos documentos, pode acontecer que a análise das circunstâncias do caso concreto e do conteúdo do parecer jurídico solicitado faça pender a balança dos interesses em sentido inverso.

51.

Esta interpretação foi igualmente defendida pelo advogado-geral L. A Geelhoed, que entendeu que «resulta claramente da redacção» do artigo 4.o, n.os 2 e 3, do referido regulamento que estas disposições «exigem que as instituições, ao analisarem se o acesso aos documentos deve ser recusado, ponderem o interesse particular a proteger pela recusa de divulgação (por ex.: a protecção de interesses comerciais, processos jurisdicionais ou instituições, processo de decisão) face ao interesse público geral de tornar acessível o documento em questão» ( 42 ). É também sobretudo neste sentido que a jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância posterior ao acórdão recorrido se parece orientar. Evocando as excepções previstas no artigo 4.o, n.o 3, o Tribunal sublinha que as mesmas atribuem às instituições um poder de apreciação «que lhe[s] permite ponderar, por um lado, o seu interesse em preservar o sigilo das suas deliberações, e por outro, o interesse do cidadão em ter acesso a esses documentos» ( 43 ).

52.

Com efeito, esta parece-me ser a única interpretação capaz de conferir efectividade à derrogação das excepções de confidencialidade, relativa à existência de um interesse público superior. É o que comprovam os exemplos de interesses públicos superiores apresentados pelo Conselho na audiência. Apesar de este último partilhar da análise do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual estes interesses devem ser distintos dos princípios subjacentes ao Regulamento n.o 1049/2001, os referidos exemplos salientam a dificuldade, e até a impossibilidade, dessa distinção. Assim, quanto à possibilidade, evocada, de divulgar pareceres jurídicos não controversos: explica-se pelo facto de o objectivo da protecção dos pareceres jurídicos, que consiste na preservação da capacidade de uma instituição beneficiar de pareceres francos e independentes e na preocupação de não suscitar contestações quanto à legalidade dos actos legislativos, não exigir a confidencialidade dos referidos pareceres, pelo que o interesse público no acesso aos documentos recupera a primazia. O mesmo se diga da hipótese de pareceres jurídicos emitidos para publicação, cuja razão de ser reside no facto de a divulgação ter, precisamente, por objecto cortar cerce qualquer discussão sobre a legalidade do acto da instituição.

53.

De igual modo, é na medida em que o decurso do tempo pode fazer com que as considerações de interesse público justificativas da confidencialidade de princípio dos pareceres jurídicos percam a sua intensidade, a ponto de fazer pender a balança de interesses a favor do interesse público na transparência, que o mesmo deve ser tido em conta pela instituição em causa. Isso pode suceder, nomeadamente, no caso de o acto legislativo que tinha sido objecto de um parecer jurídico solicitado ser, posteriormente, revogado.

54.

No caso vertente, o Conselho devia, por conseguinte, ponderar a necessidade de protecção dos pareceres jurídicos, ligada à preservação da estabilidade da ordem jurídica comunitária e da independência dos pareceres do seu Serviço Jurídico, e o interesse público na transparência. E este dever de ponderação a cargo da instituição em causa não pode estar limitado, contrariamente ao que declarou o Tribunal de Primeira Instância no acórdão recorrido ( 44 ), à demonstração prévia, pelo requerente, de que, atendendo às circunstâncias particulares do caso concreto, o princípio da transparência apresenta uma acuidade tal que se sobrepõe à necessidade de protecção do parecer jurídico em causa. Seria esquecer que uma das razões de ser do exame concreto e individual imposto à instituição em causa reside neste dever de ponderação dos interesses públicos ( 45 ). Seria, sobretudo, fazer pesar sobre o requerente um ónus probatório demasiado pesado: como poderia ele demonstrar o interesse em divulgar um parecer jurídico, apesar do interesse que, em princípio, há em manter esse mesmo parecer confidencial, quando desconhece o seu conteúdo? Como no caso vertente, limitar-se-á, na maioria das vezes, a invocar o interesse público superior na sua generalidade. Apenas o Conselho pode, e deve, fazer essa apreciação, com base no conteúdo do documento em causa e nas circunstâncias particulares do caso vertente. De resto, numa decisão posterior ao acórdão objecto do presente recurso, o Tribunal de Primeira Instância parece já não querer fazer pesar tal ónus da prova sobre o requerente. Com efeito, declarou que o facto de um requerente de acesso a documentos não invocar nenhum interesse público distinto dos princípios da transparência e da democracia «não implica automaticamente que não seja necessária uma ponderação dos interesses em causa», na medida em que «a invocação desses mesmos princípios pode apresentar, tendo em conta as circunstâncias específicas do caso concreto, uma acuidade tal que ultrapasse a necessidade de protecção dos documentos controvertidos» ( 46 ).

55.

Por conseguinte, ao declarar que o interesse público superior, susceptível de justificar a divulgação de um documento, deve, em princípio, ser distinto dos princípios da transparência, da abertura e da democracia ou da participação dos cidadãos no processo decisório, subjacentes ao Regulamento n.o 1049/2001, salvo se o requerente demonstrar que, atendendo às circunstâncias específicas do caso concreto, a invocação dos referidos princípios apresenta uma acuidade tal que se sobrepõe à necessidade de protecção do documento controvertido, o Tribunal de Primeira Instância desenvolveu uma interpretação inexacta do artigo 4.o, n.o 2, última frase, do Regulamento n.o 1049/2001 e cometeu, portanto, um erro de direito.

b) Fiscalização da ponderação dos interesses públicos

56.

M. Turco, apoiado pelo Governo neerlandês, acusa ainda o Tribunal de Primeira Instância de não ter deferido o seu pedido de medidas de organização do processo, destinadas a pedir ao Conselho que transmitisse o parecer jurídico em causa ao Tribunal. Ao fazê-lo, o Tribunal de Primeira Instância não criou as condições para poder fiscalizar se o Conselho tinha avaliado correctamente os interesses públicos em jogo. De facto, compete ao Tribunal de Primeira Instância fiscalizar a ponderação dos interesses públicos exigida pelo recurso à excepção de confidencialidade dos pareceres jurídicos efectuada pela instituição em causa, à qual atribui uma ampla margem de apreciação. Uma fiscalização judicial efectiva pressupõe, normalmente, que o Tribunal tenha tomado conhecimento do conteúdo dos pareceres jurídicos em causa, garantindo simultaneamente a confidencialidade em relação à parte requerente, como lho permite o artigo 67.o, n.o 3, do seu Regulamento de Processo. De resto, para este efeito, o Tribunal de Primeira Instância ordena, em geral, à instituição em causa que apresente o parecer jurídico controvertido ( 47 ). A utilidade de tal medida de organização do processo depende sempre, porém, de uma apreciação a efectuar pelo Tribunal de Primeira Instância em cada processo. No caso vertente, visto que, como foi sublinhado, o Tribunal de Primeira Instância interpretou erradamente o conceito de interesse público superior que justifica uma derrogação da confidencialidade dos pareceres jurídicos, não é necessário nem sequer possível pronunciarmo-nos sobre o mérito do fundamento aduzido por M. Turco a este respeito.

III — Decisão sobre o mérito do processo

57.

Nos termos do artigo 61.o do Estatuto do Tribunal de Justiça, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado. É o que acontece no caso vertente. Resulta da fundamentação da decisão recorrida que o Conselho indeferiu o pedido de divulgação do parecer jurídico controvertido, apresentado por M. Turco em nome do interesse público superior, por considerar que o interesse público superior visado no artigo 4.o, n.o 2, última frase, do Regulamento n.o 1049/2001 não pode ser constituído pelo interesse público na transparência e na abertura do processo decisório. Partindo desta análise errada de direito, o Conselho não apreciou se o interesse público na transparência podia, no caso vertente, sobrepor-se à necessidade de protecção que justifica, em princípio, a confidencialidade dos pareceres jurídicos e, portanto, legitimar a divulgação do parecer jurídico solicitado. Por conseguinte, é procedente o fundamento aduzido por M. Turco, em primeira instância, segundo o qual o Conselho não verificou a existência do interesse público superior que ele invocara. Por estes motivos, a decisão de recusa controvertida deve ser anulada.

IV — Conclusão

58.

Pelos motivos acima expostos, sugiro que o Tribunal de Justiça:

«—

Anule o acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 23 de Novembro de 2004, Turco/Conselho (T-84/03), por violação do direito comunitário, que consistiu na interpretação e na aplicação erradas do artigo 4.o, n.o 2, última frase, do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão.

Anule a decisão do Conselho de 19 de Dezembro de 2002, que recusou a M. Turco o acesso ao parecer do Serviço Jurídico, relativo a uma proposta de directiva que estabelece as normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-Membros.»


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) T-84/03, Colect., p. II-4061.

( 3 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43).

( 4 ) V. n.o 78 do acórdão recorrido.

( 5 ) Acórdão recorrido, n.o 79.

( 6 ) Ibidem.

( 7 ) Acórdãos de 11 de Setembro de 2003, Bélgica/Comissão (C-197/99 P, Colect., p. I-8461, n.o 81), e de 11 de Janeiro de 2007, Technische Glaswerke Ilmenau/Comissão (C-404/04 P, n.o 90).

( 8 ) Para recordar jurisprudência recente, v. acórdão de 1 de Fevereiro de 2007, Sison/Conselho (C-266/05 P, Colect., p. I-1233, n.o 63); e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Setembro de 2007, API/Comissão (T-36/04, Colect., p. II-3201, n.o 53).

( 9 ) N.o 61 do acórdão recorrido.

( 10 ) V. Código de conduta em matéria de acesso do público aos documentos do Conselho e da Comissão, de 6 de Dezembro de 1993 (93/730/CE) (JO L 340, p. 41); Decisão 93/731/CE do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993 (JO L 340, p. 43); Decisão 94/90/CECA, CE, Euratom da Comissão, de 8 de Fevereiro de 1994 (JO L 46, p. 58); e Decisão 97/632/CE, CECA, Euratom do Parlamento Europeu, de 10 de Julho de 1997 (JO L 263, p. 27).

( 11 ) Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Dezembro de 1999, Interporc/Comissão (T-92/98, Colect., p. II-3521, n.o 41).

( 12 ) De resto, o Tribunal de Primeira Instância declarou-o expressamente : v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 2006, Franchet e Byk/Comissão (T-391/03 e T-70/04, Colect., p. II-2023, n.o 89), e API/Comissão, já referido, n.o 60.

( 13 ) N.o 65 do acórdão recorrido.

( 14 ) V. despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Março de 1998, Carlsen e o./Conselho (T-610/97 R, Colect., p. II-485).

( 15 ) De resto, a doutrina não se enganou quanto a este entendimento, vendo nele o retomar da solução Carlsen: v., nomeadamente, De Leeuw, M. E. — «The regulation on public access to European Parliament, Council and Commission documents in the European Union: are citizens better off?», ELR vol. 28 (2003), n.o 3, pp. 324, 334; e Peers, S. — «The new regulation on access to documents: a critical analysis», YEL, 2002, pp. 385, 400.

( 16 ) Proposta de Regulamento 2000/C 177 E/10 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2000, C 177 E, p. 70).

( 17 ) Proposta de compromisso elaborada pela Presidência Francesa em Dezembro de 2000 (doc. 14938/00, de 22 de Dezembro de 2000).

( 18 ) Proposta alterada de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão [COM (2001) 299 final, JO 2001, C 240 E, p. 165].

( 19 ) V., nomeadamente, acórdão de 11 de Janeiro de 2000, Países Baixos e Van der Wal/Comissão (C-174/98 P e C-189/98 P, Colect., p. I-1, n.o 27). V. também acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Fevereiro de 1998, Interporc/Comissão (T-124/96, Colect., p. II-231, n.os 49 a 52); de 17 de Junho de 1998, Svenska Journalistförbundet/Conselho (T-174/95, Colect., p. II-2289, n.os 110 a 112); de 12 de Julho de 2001, Mattila/Conselho e Comissão (T-204/99, Colect., p. II-2265, n.o 87); e de 7 de Fevereiro de 2002, Kuijer/Conselho (T-211/00, Colect., p. II-485, n.os 55 e 56).

( 20 ) V., nomeadamente, acórdão de 6 de Dezembro de 2001, Conselho/Hautala (C-353/99 P, Colect., p. I-9565, n.os 26 a 30); e acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Outubro de 2000, JT’s Corporation/Comissão (T-123/99, Colect., p. II-3269, n.o 44), e Kuijer/Conselho, já referido, n.o 57.

( 21 ) Acerca desta «promoção» do direito de acesso a documentos, permito-me remeter para a demonstração que fiz nas minhas conclusões de 18 de Julho de 2007 no processo Suécia/Comissão e o. (C-64/05 P, n.os 37 a 40), ainda pendente no Tribunal de Justiça.

( 22 ) V., nomeadamente, acórdão Sison/Conselho, já referido, n.os 61 a 63.

( 23 ) Para relembrar esta obrigação de apreciação concreta e individual, v., em último lugar, acórdão API/Comissão, já referido, n.os 54 a 56. E, antes deste, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Abril de 2005, Verein für Konsumenteninformation/Comissão (T-2/03, Colect., p. II-1121, n.os 69 a 74); de 14 de Dezembro de 2006, Technische Glaswerke Ilmenau/Comissão (T-237/02, Colect., p II-5131, n.os 77 a 79); e Franchet e Byk/Comissão, já referido, n.os 105 e 115 a 117.

( 24 ) N.o 69 do acórdão recorrido.

( 25 ) N.o 70 do acórdão recorrido.

( 26 ) N.os 71 e 72 do acórdão recorrido.

( 27 ) V. n.o 75 do acórdão recorrido.

( 28 ) V., nomeadamente, acórdãos, já referidos, JT’s Corporation/Comissão, n.os 46 e 65; Franchet e Byk/Comissão, n.o 130; de 14 de Dezembro de 2006, Technische Glaswerke Ilmenau/Comissão, n.os 77 e 80 a 83; e API/Comissão, n.os 66 a 68.

( 29 ) V., nomeadamente, acórdãos, já referidos, Sison/Conselho, n.o 83, e API/Comissão, n.o 67.

( 30 ) N.o 74 do acórdão recorrido.

( 31 ) Conclusões no processo Espanha/Conselho (acórdão de 13 de Julho de 1995, C-350/92, Colect., pp. I-1985, I-1988, n.o 35).

( 32 ) N.o 26 das presentes conclusões.

( 33 ) V. despacho Carlsen e o./Conselho, já referido, n.o 46.

( 34 ) Despacho de 23 de Outubro de 2002, Áustria/Conselho (C-445/00, Colect., p. I-9151, n.o 12); acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Novembro de 2000, Ghignone e o./Conselho (T-44/97, ColectFP, pp. I-A-223 e II-1023, n.o 48), e despacho do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Janeiro de 2005, Gollnisch e o./Parlamento (T-357/03, Colect., p. II-1, n.o 34).

( 35 ) Despacho Carlsen e o./Conselho, já referido, n.o 50.

( 36 ) N.os 78 e 79 do acórdão recorrido.

( 37 ) Acórdãos, já referidos, de 14 de Dezembro de 2006, Technische Glaswerke Ilmenau/Comissão, n.o 85, e API/Comissão, n.o 57.

( 38 ) V. acórdão Franchet e Byk/Comissão, já referido, n.os 104 a 134.

( 39 ) V. acórdão Kuijer/Conselho, já referido.

( 40 ) V., neste sentido, acórdão API/Comissão, já referido, n.o 54.

( 41 ) Como a doutrina sublinhou, com razão: v., nomeadamente, Kranenborg, H. R. — «Is it time to revise the European regulation on public access to documents?», European public law, vol. 12, 2006, n.o 2, p. 251, em especial pp. 259, 261 e 262.

( 42 ) Conclusões no processo Sison/Conselho, já referido, n.o 27.

( 43 ) Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Abril de 2007, WWF European Policy Programme/Conselho (T-264/04, Colect., p. II-911, n.o 44).

( 44 ) V. n.o 83 do acórdão recorrido.

( 45 ) V. acórdão API/Comissão, já referido, n.o 54.

( 46 ) Ibidem, n.o 97.

( 47 ) V. acórdãos, já referidos, Mattila/Conselho e Comissão, n.o 18; Kuijer/Conselho, n.o 21; e Franchet e Byk/Comissão, n.o 36.