Processo C‑386/04

Centro di Musicologia Walter Stauffer

contra

Finanzamt München für Körperschaften

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof)

«Livre circulação de capitais – Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas – Isenção das rendas – Condição de residência – Fundação de direito privado de utilidade pública»

Conclusões da advogada‑geral C. Stix‑Hackl apresentadas em 15 de Dezembro de 2005 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 14 de Setembro de 2006 

Sumário do acórdão

Livre circulação de capitais – Restrições

(Tratado CE, artigos 73.°‑B e 73.°‑D (actuais artigos 56.° CE e 58.° CE)

O artigo 73.°‑B do Tratado (actual artigo 56.° CE), conjugado com o artigo 73.°‑D do Tratado (actual artigo 58.° CE), deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro, que isenta de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas as rendas recebidas no território nacional por fundações de utilidade pública, em princípio, sujeitas de forma ilimitada ao imposto se estiverem estabelecidas nesse Estado, recuse conceder a mesma isenção relativamente às rendas do mesmo tipo a uma fundação de direito privado de utilidade pública, unicamente pelo facto de esta, por se encontrar estabelecida noutro Estado‑Membro, apenas estar sujeita de forma limitada ao imposto no seu território.

O direito comunitário não impõe aos Estados‑Membros que actuem de forma a que as fundações estrangeiras reconhecidas como sendo de utilidade pública no respectivo Estado‑Membro de origem beneficiem automaticamente do mesmo reconhecimento no seu território. No entanto, quando uma fundação de utilidade pública, num Estado‑Membro, preenche igualmente as condições impostas para esse efeito pela legislação de outro Estado‑Membro e tem como objectivo a promoção de interesses da colectividade idênticos, cuja apreciação é da competência das autoridades nacionais deste último Estado, incluindo dos órgãos jurisdicionais, as autoridades deste Estado‑Membro não podem recusar a essa fundação o direito à igualdade de tratamento apenas pelo motivo de que não está estabelecida no seu território.

Tal diferença de tratamento não pode justificar‑se pela prossecução de objectivos ligados à promoção, a nível nacional, da cultura e de uma formação de nível elevado, uma vez que a regulamentação nacional em causa não pressupõe que a actividade das fundações de utilidade pública beneficie a colectividade nacional.

Essa regulamentação não pode, por outro lado, ser justificada pela necessidade de assegurar a eficácia dos controlos fiscais. Antes de atribuir uma isenção fiscal a uma fundação, um Estado‑Membro está, na verdade, autorizado a aplicar medidas que lhe permitam verificar, de forma clara e precisa, se a mesma preenche as condições exigidas pela legislação nacional para dela beneficiar e a controlar a sua gestão efectiva. Contudo, embora possa ser mais difícil proceder às verificações necessárias nos casos de fundações estabelecidas noutros Estados‑Membros, trata‑se de simples inconvenientes administrativos que não são suficientes para justificar uma recusa por parte das autoridades do Estado em causa de atribuírem às referidas fundações as mesmas isenções fiscais que às fundações do mesmo tipo, em princípio, sujeitas de forma ilimitada ao imposto nesse Estado

Além disso, na ausência de ligação directa entre o benefício fiscal que consiste na isenção fiscal das rendas e uma compensação desse benefício através de determinada cobrança fiscal, a restrição em causa não pode ser justificada pela necessidade de preservar a coerência do regime fiscal.

O mesmo sucede com a necessidade de preservar a matéria colectável, dado que a redução das receitas fiscais não pode ser considerada uma razão imperiosa de interesse geral susceptível de ser invocada para justificar uma medida em princípio contrária a uma liberdade fundamental.

No que se refere à luta contra a criminalidade, uma presunção geral de actividade criminosa não se pode basear na circunstância de uma fundação estar estabelecida noutro Estado‑Membro. Além disso, excluir o benefício de uma isenção fiscal a essas fundações, quando existem diversos métodos para fiscalizar as contas e as actividades destas, é uma medida que ultrapassa o necessário para combater a criminalidade.

(cf. n.os 39‑40, 45, 47‑48, 55‑56, 58‑62 e disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

14 de Setembro de 2006 (*)

«Livre circulação de capitais – Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas – Isenção das rendas – Condição de residência – Fundação de direito privado de utilidade pública»

No processo C‑386/04,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha), por decisão de 14 de Julho de 2004, entrado no Tribunal de Justiça em 8 de Setembro de 2004, no processo

Centro di Musicologia Walter Stauffer

contra

Finanzamt München für Körperschaften,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, J. Malenovský, S. von Bahr, A. Borg Barthet e U. Lõhmus (relator), juízes,

advogado‑geral: C. Stix-Hackl,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 13 de Outubro de 2005,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação do Centro di Musicologia Walter Stauffer, por O. Thömmes, Rechtsanwalt,

–       em representação do Finanzamt München für Körperschaften, por C. Anneser e K. Schmid, na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo alemão, por A. Tiemann e U. Forsthoff, na qualidade de agentes,

–       em representação da Irlanda, por D. O’Hagan, na qualidade de agente, e D. Moloney, BL, e K. Maguire, BL,

–       em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por P. Gentili, avvocato dello Stato,

–       em representação do Governo do Reino Unido, por C. White, na qualidade de agente, assistida por R. Hill, barrister,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por K. Gross e R. Lyal, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 15 de Dezembro de 2005,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 52.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE), 58.° do Tratado CE (actual artigo 48.° CE), 59.º do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49.º CE), 66.º do Tratado CE (actual artigo 55.º CE) e 73.º‑B do Tratado CE (actual artigo 56.º CE).

2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Centro di Musicologia Walter Stauffer, fundação de direito italiano (a seguir «fundação»), ao Finanzamt München für Körperschaften (a seguir «Finanzamt»), relativamente à sujeição de determinados rendimentos ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas a título do exercício fiscal de 1997.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3       O anexo I da Directiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de Junho de 1988, para a execução do artigo 67.° do Tratado [revogado pelo Tratado de Amesterdão] (JO L 178, p. 5), intitulado «Nomenclatura dos movimentos de capitais referidos no artigo 1.° da Directiva», precisa, na sua introdução:

«Na presente nomenclatura, os movimentos de capitais são classificados segundo a natureza económica dos activos e responsabilidades a que se referem, expressos em moeda nacional ou em divisas estrangeiras.

Os movimentos de capitais enumerados na presente nomenclatura entendem-se como abrangendo:

–      o conjunto das operações necessárias à realização dos movimentos de capitais: conclusão e execução da transacção e transferências relacionadas com essa transacção. A transacção efectua-se geralmente entre residentes de diferentes Estados‑Membros, mas pode acontecer que certos movimentos de capitais sejam efectuados por uma única pessoa, por sua conta própria (caso, por exemplo, das transferências de activos de emigrantes),

–      as operações efectuadas por qualquer pessoa singular ou colectiva […],

–      o acesso do operador a todas as técnicas financeiras disponíveis no mercado solicitado para a realização da operação. Por exemplo, a noção de aquisição de títulos e de outros instrumentos financeiros abrange não só as operações a contado mas também todas as técnicas de negociação disponíveis: operações a prazo, operações com opção ou com garantia, operações de troca por outros activos, etc. [...],

–      as operações de liquidação ou de cessão dos activos constituídos, o repatriamento do produto dessa liquidação […] ou a utilização desse produto, no local, nos limites das obrigações comunitárias,

–      as operações de reembolso dos créditos ou empréstimos.

A presente nomenclatura não é limitativa da noção de movimento de capitais e daí a presença de uma Rubrica XIII ‑ F ‘Outros movimentos de capitais: diversos’. Esta nomenclatura não poderá portanto ser interpretada como restringindo o alcance do princípio de uma completa liberalização dos movimentos de capitais, tal como enunciado no artigo 1.º da presente directiva.»

4       A referida nomenclatura contém treze categorias diferentes de movimentos de capitais. Sob a rubrica II, intitulada «Investimentos imobiliários», figura:

«A.      Investimentos imobiliários efectuados no território nacional por não residentes.

[…]»

 Legislação nacional

5       As disposições pertinentes da Lei de 1996 relativa ao imposto sobre os rendimentos das pessoas colectivas (Körperschaftsteuergesetz 1996, a seguir «KStG») estão redigidas do seguinte modo:

«§ 2: Obrigação fiscal limitada

Estão parcialmente sujeitas ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas:

1.      As pessoas colectivas, associações e patrimónios autónomos que não tenham nem a sua direcção nem a sua sede no território nacional, quanto aos rendimentos obtidos no território nacional [...];

§ 5: Isenções

1)      Estão isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas:

[…]

9.      As pessoas colectivas, associações e patrimónios autónomos que, de acordo com os seus estatutos, a actividade da fundação ou outras regras e a sua gestão efectiva, prossigam exclusiva e directamente fins de utilidade pública, caritativos ou religiosos [§§ 51 a 68 do código dos impostos alemão de 1977 (Abgabenordnung), a seguir «AO»]. A isenção é excluída se forem exercidas actividades de carácter económico. A segunda frase não se aplica à administração directa de explorações florestais;

2)      As isenções previstas no n.º 1 não se aplicam:

[…]

3.      Às entidades sujeitas a uma obrigação fiscal limitada na acepção do § 2, ponto 1.

[...]

§ 8: Determinação da matéria colectável

1)      A definição e determinação da matéria colectável rege‑se pelas disposições da Einkommensteuergesetz e desta lei. […]»

6       As disposições pertinentes da Lei de 1990 relativa ao imposto sobre o rendimento (Einkommensteuergesetz 1990, a seguir «EStG») estão redigidas do seguinte modo:

«§ 21: Locação

1)      Constituem rendimentos provenientes da locação:

1.      Rendimentos provenientes da locação de bens imóveis, em especial de propriedades, edifícios, partes de edifícios, […].

§ 49: Rendimentos sujeitos a uma obrigação fiscal limitada

1)      Rendimentos obtidos no território nacional para efeitos de uma sujeição limitada ao imposto sobre o rendimento (§ 1, n.° 4) são:

[…]

6.      Rendimentos provenientes da locação, quando os bens imóveis, universalidades de facto ou direitos estejam situados em território nacional [...]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

7       A fundação, reconhecida como sendo de utilidade pública nos termos do direito italiano, é proprietária de uma superfície comercial em Munique.

8       O Finanzamt sujeitou os rendimentos da fundação provenientes do arrendamento desta superfície comercial ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas a título do exercício fiscal de 1997. A fundação não possui, na Alemanha, instalações para o exercício das suas actividades e não detém filiais. As prestações exigidas pelo arrendamento da referida superfície comercial são fornecidas por uma empresa alemã de administração de propriedades.

9       Resulta dos estatutos em vigor durante o exercício fiscal controvertido que a fundação não tem fins lucrativos. Prossegue objectivos exclusivamente culturais que visam a formação e a educação, através da promoção do ensino do fabrico clássico de instrumentos de cordas e de instrumentos de arco assim como da história da música e da musicologia em geral. A fundação pode criar uma ou várias bolsas destinadas a permitir aos jovens suíços, de preferência originários de Berna (Suíça), permanecerem em Cremona (Itália) durante todo o período de estudos.

10     Resulta das informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que, durante o exercício fiscal controvertido, a fundação prosseguiu objectivos de utilidade pública na acepção dos §§ 51 a 68 da AO. Segundo esse órgão jurisdicional, a promoção dos interesses da colectividade, na acepção do § 52 da referida lei, não pressupõe que as medidas de promoção beneficiem cidadãos alemães. Consequentemente, a fundação estaria, em princípio, isenta do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas nos termos do § 5, n.º 1, ponto 9, primeira frase, do KStG, sem ser necessário sujeitá‑la a imposto a título dos seus rendimentos, nos termos da segunda e da terceira frase dessa mesma disposição, uma vez que o arrendamento não excede o âmbito da gestão do património e não constitui uma operação de empresa comercial na acepção do § 14, n.º 1, do AO.

11     No entanto, a fundação tem a sua sede e a sua direcção em Itália, recebendo, na Alemanha, os seus rendimentos do arrendamento no âmbito da respectiva sujeição parcial ao imposto. Daqui resulta que há que aplicar o § 5, n.º 2, ponto 3, do KStG, nos termos do qual a isenção fiscal, aplicável designadamente às pessoas colectivas que prosseguem directa e exclusivamente fins de utilidade pública, não é válida para os contribuintes parcialmente sujeitos ao imposto. Resulta dessa disposição que, devido às rendas recebidas na Alemanha pelo arrendamento de uma superfície comercial, a fundação foi sujeita ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas.

12     A fundação apresentou uma reclamação contra o aviso de liquidação de 1997, com o fundamento de que, por ser uma fundação de utilidade pública, deveria ter sido isenta do imposto, reclamação essa que foi indeferida. Interpôs então recurso para o Finanzgericht München, não tendo obtido ganho de causa. A fundação interpôs, em seguida, recurso de revista («Revision») para o Bundesfinanzhof, que se questiona sobre a questão de saber se a exclusão das pessoas colectivas do âmbito da isenção fiscal, prevista no § 5, n.º 2, ponto 3, do KStG, é compatível com as exigências do direito comunitário.

13     Nestas condições, o Bundesfinanzhof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O facto de uma fundação de direito privado e utilidade pública, com sede noutro Estado‑Membro, que está sujeita a uma obrigação fiscal limitada no território nacional pelos rendimentos provenientes de rendas de imóveis auferidas neste, não estar isenta de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, ao contrário do que sucede com uma fundação de utilidade pública que aufere rendimentos análogos e que está sujeita de forma ilimitada a um imposto no território nacional, constitui uma violação do artigo 52.°, conjugado com o artigo 58.°, do artigo 59.°, conjugado com os artigos 66.° e 58.°, bem como do artigo 73.°‑B, todos do Tratado CE?»

 Quanto à questão prejudicial

14     Através da sua questão, o Bundesfinanzhof pergunta, em substância, se as disposições do Tratado CE relativas ao direito de estabelecimento, à livre prestação de serviços e/ou à livre circulação dos capitais se opõem a que um Estado‑Membro, que isenta de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas as rendas recebidas no território nacional por fundações de utilidade pública, em princípio, sujeitas de forma ilimitada ao imposto se estiverem estabelecidas nesse Estado, recuse conceder a mesma isenção, relativamente às rendas do mesmo tipo, a uma fundação de direito privado de utilidade pública, pelo facto de esta, por se encontrar estabelecida noutro Estado‑Membro, apenas estar sujeita de forma limitada ao imposto no seu território.

15     A título liminar, deve recordar‑se que, embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados‑Membros, estes devem exercer essa competência no respeito do direito comunitário (v., designadamente, acórdãos de 11 de Agosto de 1995, Wielockx, C‑80/94, Colect., p. I‑2493, n.º 16; de 10 de Março de 2005, Laboratoires Fournier, C‑39/04, Colect., p. I‑2057, n.º 14; e de 23 de Fevereiro de 2006, Van Hilten‑van der Heijden, C‑513/03, ainda não publicado na Colectânea, n.º 36).

16     Em seguida, há que examinar se, atendendo aos factos do presente processo, a fundação pode invocar as regras relativas ao direito ao estabelecimento, as relativas à livre prestação de serviços e/ou as que regulam a livre circulação de capitais.

17     A liberdade de estabelecimento, que o artigo 52.° do Tratado reconhece aos nacionais de um Estado‑Membro da Comunidade e que para eles implica o acesso às actividades não assalariadas e o seu exercício, bem como a constituição e a gestão de empresas, nas mesmas condições que as definidas na legislação do Estado‑Membro de estabelecimento para os seus próprios nacionais, compreende, de harmonia com o disposto no artigo 58.° do Tratado, para as sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado‑Membro e que tenham a sua sede social, a sua administração central ou o seu estabelecimento principal no interior da Comunidade, o direito de exercer a sua actividade no Estado‑Membro em causa, por intermédio de uma filial, de uma sucursal ou de uma agência (acórdãos de 21 de Setembro de 1999, Saint‑Gobain ZN, C‑307/97, Colect., p. I‑6161, n.º 35; de 13 de Dezembro de 2005, Marks & Spencer, C‑446/03, Colect., p. I‑10837, n.º 30; e de 23 de Fevereiro de 2006, Keller Holding, C‑471/04, Colect., p. I‑2107, n.º 29).

18     Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o conceito de estabelecimento, na acepção do Tratado, é um conceito muito amplo, que implica a possibilidade de um nacional comunitário participar, de modo estável e contínuo, na vida económica de um Estado‑Membro diferente do seu Estado de origem, e de dela tirar benefício, favorecendo assim a interpenetração económica e social no interior na Comunidade, no domínio das actividades não assalariadas (v., neste sentido, acórdãos de 21 de Junho de 1974, Reyners, 2/74, Colect., p. 325, n.º 21, e de 30 de Novembro de 1995, Gebhard, C‑55/94, Colect., p. I‑4165, n.º 25).

19     No entanto, para que as disposições relativas ao direito de estabelecimento se possam aplicar, é, em princípio, necessário que seja assegurada uma presença permanente no Estado‑Membro de acolhimento e, em caso de aquisição e posse de bens imobiliários, que a gestão desses bens seja activa. Ora, decorre da descrição dos factos feita pelo órgão jurisdicional de reenvio que a fundação não possui instalações na Alemanha, para o exercício das suas actividades, e que as prestações exigidas pelo arrendamento do bem imóvel são fornecidas por uma empresa alemã de administração de propriedades.

20     Consequentemente, há que concluir que as disposições que regulam a liberdade de estabelecimento não são aplicáveis a circunstâncias semelhantes às do litígio no processo principal.

21     Em seguida, há que determinar se a fundação pode invocar as disposições dos artigos 73.º‑B a 73.º‑G do Tratado, relativas à livre circulação de capitais.

22     A este respeito, deve observar‑se que o Tratado não define os conceitos de «movimentos de capitais» e de «pagamentos». Contudo, é jurisprudência constante que, na medida em que o artigo 73.º‑B do Tratado reproduziu, em substância, o teor do artigo 1.º da Directiva 88/361 e embora esta tenha sido adoptada com base nos artigos 69.º e 70.º, n.º 1, do Tratado CEE (os artigos 67.º a 73.º do Tratado CEE foram substituídos pelos artigos 73.º‑B a 73.º‑G do Tratado CE, actuais artigos 56.º CE a 60.º CE), a nomenclatura dos «movimentos de capitais» que lhe está anexa mantém o valor indicativo relativamente à definição do conceito de movimentos de capitais que já tinha antes da entrada em vigor destes artigos, dado que, de acordo com a sua introdução, a lista dela constante não tem carácter taxativo (v., designadamente, acórdãos de 16 de Março de 1999, Trummer et Mayer, C‑222/97, Colect., p. I‑1661, n.º 21; de 5 de Março de 2002, Reisch e o., C‑515/99, C‑519/99 a C‑524/99 e C-526/99 a C-540/99, Colect., p. I‑2157, n.º 30; e Van Hilten‑van der Heijden, já referido, n.º 39).

23     É facto assente que a fundação, cuja sede é em Itália, possui, em Munique, uma superfície comercial que dá de arrendamento. Entre os movimentos de capitais enumerados no anexo I da Directiva 88/361 figuram, na rubrica 2, intitulada «Investimentos imobiliários», os investimentos imobiliários efectuados no território nacional por não residentes.

24     Daqui resulta que o facto de ser proprietário do referido bem imobiliário e de o explorar é abrangido pela livre circulação de capitais. Consequentemente, não há que examinar se a fundação actua na qualidade de prestador de serviços.

25     Nos termos do artigo 73.º‑B do Tratado, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre os Estados‑Membros.

26     A fim de determinar se uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, conduz a uma restrição à livre circulação de capitais na acepção do artigo 73.º‑B do Tratado, há que examinar se a sua aplicação produz um efeito restritivo relativamente a fundações de utilidade pública e estabelecidas noutros Estados‑Membros, na medida em que não lhes confere, no que toca às rendas recebidas em território nacional, a isenção de que beneficiam as fundações do mesmo tipo, sujeitas de forma ilimitada ao imposto nesse território.

27     Ora, o facto de a isenção fiscal relativa às rendas se aplicar unicamente em benefício das fundações de utilidade pública e, em princípio, sujeitas de forma ilimitada ao imposto no território alemão põe em desvantagem as fundações cuja sede se situe noutro Estado‑Membro e é susceptível de constituir um entrave à livre circulação de capitais e de pagamentos.

28     Resulta das considerações precedentes que uma legislação como a que está em causa no processo principal constitui uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 73.°‑B do Tratado.

29     Há, no entanto, que analisar se tal restrição é susceptível de ser justificada à luz das disposições do Tratado.

30     A este respeito, há que recordar que, em conformidade com o artigo 73.°‑D, n.° 1, alínea a), do Tratado, o artigo 73.º‑B não prejudica o direito de que dispõem os Estados‑Membros de aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabelecem uma distinção entre os contribuintes que não se encontram em idêntica situação no que se refere ao lugar onde os seus capitais são investidos.

31     No entanto, o artigo 73.°‑D, n.º 1, alínea a), do Tratado, que, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, deve ser objecto de interpretação estrita, não pode ser interpretado no sentido de que qualquer legislação fiscal que faça uma distinção entre os contribuintes em função do lugar onde residem ou do Estado‑Membro onde investem os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 73.º‑D, n.º 1, alínea a), do Tratado, está limitada pelo artigo 73.º‑D, n.º 3, deste mesmo Tratado, que prevê que as disposições nacionais visadas no n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 73.º‑B» (v. acórdão de 7 de Setembro de 2004, Manninen, C‑319/02, Colect., p. I‑7477, n.º 28).

32     Há, portanto, que distinguir os tratamentos desiguais permitidos pelo artigo 73.º‑D, n.º 1, alínea a), do Tratado das discriminações arbitrárias ou das restrições dissimuladas proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo. Ora, resulta da jurisprudência que, para que uma regulamentação fiscal nacional, como a que está em causa no processo principal, que distingue as fundações sujeitas de forma ilimitada a imposto das que estão parcialmente sujeitas, possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é preciso que a diferença de tratamento diga respeito a situações não objectivamente comparáveis ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, como a necessidade de salvaguardar a coerência do regime fiscal e a eficácia dos controlos fiscais (v., neste sentido, acórdãos de 6 de Junho de 2000, Verkooijen, C‑35/98, Colect., p. I‑4071, n.º 43, e Manninen, já referido, n.º 29). Além disso, para ser justificada, a diferença de tratamento entre, por um lado, as fundações de utilidade pública e sujeitas de forma ilimitada a imposto no território alemão e, por outro, as fundações do mesmo tipo estabelecidas noutros Estados‑Membros não deve ultrapassar o necessário para que o objectivo prosseguido pela regulamentação em causa seja atingido.

33     O Finanzamt e os Governos alemão e do Reino Unido alegam que uma fundação de utilidade pública, sujeita de forma ilimitada ao imposto, e a recorrente, que está apenas sujeita de forma limitada por ser não residente, não se encontram numa situação comparável.

34     Por um lado, a primeira está integrada na vida social alemã e é responsável por missões que, de outra forma, deveriam ser asseguradas pela colectividade ou pelas autoridades nacionais, o que agravaria o orçamento do Estado, ao passo que as actividades de utilidade pública da segunda, simultaneamente estatutárias e efectivas, apenas dizem respeito à República Italiana e à Confederação Suíça.

35     Por outro lado, as condições mediante as quais os Estados‑Membros reconhecem uma fundação como sendo de utilidade pública, o que comporta a atribuição de benefícios fiscais e de outros privilégios, variam de um Estado‑Membro para outro, em função do que cada um entende por interesse público e do alcance que atribuem ao conceito de «utilidade pública». Daqui resulta que uma fundação que respeite as condições impostas pela legislação italiana não está numa situação comparável à de uma fundação que respeite as condições impostas pela legislação alemã, uma vez que é muito provável que as condições aplicáveis em cada Estado‑Membro relativamente ao reconhecimento do estatuto de utilidade pública sejam diferentes.

36     Nenhum destes argumentos procede.

37     Em primeiro lugar, embora os Estados‑Membros possam exigir a existência de uma ligação suficientemente estreita entre as fundações que reconhecem como sendo de utilidade pública para efeitos da atribuição de determinados benefícios fiscais e as actividades que as mesmas exercem, resulta da decisão de reenvio que a existência ou não de tal ligação não é relevante para a solução do processo principal.

38     Com efeito, o § 52 do AO reconhece que uma pessoa colectiva prossegue objectivos de utilidade pública quando a sua actividade visa promover, de forma desinteressada, os interesses da colectividade, sem estabelecer, no entanto, qualquer distinção consoante essa actividade seja efectuada no território nacional ou no estrangeiro. O órgão jurisdicional de reenvio indica que a promoção dos interesses da colectividade na acepção dessa disposição não implica que tais medidas de promoção beneficiem os cidadãos da República Federal da Alemanha nem os seus habitantes.

39     Em segundo lugar, é verdade que, como refere a advogada‑geral no n.º 94 das suas conclusões, o direito comunitário não impõe aos Estados‑Membros que actuem de forma a que as fundações estrangeiras reconhecidas como sendo de utilidade pública no respectivo Estado‑Membro de origem beneficiem automaticamente do mesmo reconhecimento no seu território. Com efeito, os Estados‑Membros dispõem, a este respeito, de um poder de apreciação que devem exercer em conformidade com o direito comunitário (v., neste sentido, acórdão de 9 de Fevereiro de 2006, Kinderopvang Enschede, C‑415/04, Colect., p. I‑1385, n.º 23). São livres, nestas condições, de decidir quais os interesses da colectividade que pretendem promover, atribuindo vantagens a associações e a fundações que prosseguem de forma desinteressada objectivos ligados aos referidos interesses.

40     Não deixa de ser verdade que quando uma fundação de utilidade pública, num Estado‑Membro, preenche igualmente as condições impostas para esse efeito pela legislação de outro Estado‑Membro e tem como objectivo a promoção de interesses da colectividade idênticos, cuja apreciação é da competência das autoridades nacionais deste último Estado, incluindo dos órgãos jurisdicionais, as autoridades deste Estado‑Membro não podem recusar a essa fundação o direito à igualdade de tratamento apenas pelo motivo de que não está estabelecida no seu território.

41     Ora, no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio afirma que, no decurso do exercício fiscal controvertido, a fundação prosseguiu objectivos de utilidade pública na acepção dos §§ 51 a 68 do AO e preenchia igualmente as condições estatutárias que lhe permitiam beneficiar da isenção do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas nos termos do § 5, n.º 1, ponto 9, primeira frase, do KStG.

42     Consequentemente, em circunstâncias como as do processo principal, o § 5, n.º 2, ponto 3, do KStG leva a que se trate de forma diferente, em função da respectiva residência, fundações que se encontram numa situação objectivamente comparável. Daqui resulta que tal medida fiscal não pode, em princípio, constituir um tratamento desigual permitido pelo artigo 73.º‑D, n.º 1, alínea a), do Tratado, excepto se se puder justificar por razões imperiosas de interesse geral (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Verkooijen, n.º 46, e Manninen, n.º 29, bem como acórdão de 19 de Janeiro de 2006, Bouanich, C‑265/04, Colect., p. I‑923, n.º 38).

43     A fim de justificar a diferença de tratamento entre, por um lado, as fundações de utilidade pública e sujeitas de forma ilimitada ao imposto no território alemão e, por outro, as que não estão estabelecidas neste Estado‑Membro, foram apresentados no Tribunal objectivos relacionados, designadamente, com a promoção da cultura, a formação e a educação, a eficácia dos controlos fiscais, a necessidade de garantir a coerência do regime fiscal nacional, a necessidade de preservar a matéria colectável, bem como o combate à criminalidade.

44     Em primeiro lugar, o Finanzamt considera que o privilégio fiscal das fundações nacionais que prosseguem objectivos culturais está abrangido pelos artigos 92.º, n.º 3, alínea d), do Tratado CE [que passou, após alteração, a artigo 87.º, n.º 3, alínea d), CE] e 128.º do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 151.º CE) e que, deste modo, as normas derrogatórias aplicáveis às fundações nacionais que prosseguem exclusivamente objectivos de educação e de formação são assim compatíveis com o direito comunitário.

45     Este argumento não procede. Embora seja verdade que determinados objectivos ligados à promoção, a nível nacional, da cultura e de uma formação de nível elevado possam constituir razões imperiosas de interesse geral e utilidade pública (v., neste sentido, acórdãos de 26 de Fevereiro de 1991, Comissão/Grécia, C‑198/89, Colect., p. I‑727, e de 13 de Novembro de 2003, Neri, C‑153/02, Colect., p. I‑13555, n.º 46), não deixa de ser verdade que, à luz das informações de que o Tribunal dispõe, não se afigura que o regime de isenção fiscal em causa prossiga tais objectivos ou que constitua um auxílio, regulado pelos artigos 92.º e 93.º do Tratado CE. Com efeito, decorre da decisão de reenvio que o § 52 do AO não pressupõe que a actividade das fundações de utilidade pública beneficie a colectividade nacional.

46     Em segundo lugar, tanto o Finanzamt como o Governo alemão, a Irlanda e o Governo do Reino Unido sustentam que a regulamentação fiscal em causa no processo principal se justifica, primeiro, pela dificuldade de verificar se, e em que medida, uma fundação de utilidade pública estabelecida no estrangeiro preenche efectivamente os objectivos estatutários na acepção da legislação nacional e, depois, pela necessidade de fiscalizar a gestão efectiva dessa fundação.

47     O Tribunal de Justiça tem repetidamente considerado que a eficácia dos controlos fiscais constitui uma razão imperiosa de interesse geral, susceptível de justificar uma restrição ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado (v., designadamente, acórdãos de 20 de Fevereiro de 1979, Rewe-Zentral, dito «Cassis de Dijon», 120/78, Colect., p. 327, n.º 8, e de 15 de Maio de 1997, Futura Participations e Singer, C‑250/95, Colect., p. I‑2471, n.º 31).

48     Deste modo, antes de atribuir uma isenção fiscal a uma fundação, um Estado‑Membro está autorizado a aplicar medidas que lhe permitam verificar, de forma clara e precisa, se a mesma preenche as condições exigidas pela legislação nacional para dela beneficiar e a controlar a sua gestão efectiva, baseando‑se, por exemplo, na apresentação do relatório de contas anual e de um relatório de actividades. É certo que, nos casos de fundações estabelecidas noutros Estados‑Membros, poderá ser mais difícil proceder às verificações necessárias. No entanto, trata‑se de simples inconvenientes administrativos que não são suficientes para justificar uma recusa por parte das autoridades do Estado em causa de atribuírem às referidas fundações as mesmas isenções fiscais que às fundações do mesmo tipo, em princípio, sujeitas de forma ilimitada ao imposto nesse Estado (v., neste sentido, acórdão de 4 de Março de 2004, Comissão/França, C‑334/02, Colect., p. I‑2229, n.º 29).

49     Há que recordar, a este respeito, que nada impede as autoridades fiscais em causa de exigirem à fundação de utilidade pública que reclama o benefício da isenção fiscal a apresentação dos justificativos pertinentes que lhes permitam proceder às verificações necessárias. Além disso, não se pode justificar, a título da eficácia dos controlos fiscais, uma regulamentação nacional que, de forma absoluta, impede o contribuinte de apresentar tais provas (v., neste sentido, acórdão Laboratoires Fournier, já referido, n.º 25).

50     Por outro lado, nos termos da Directiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos (JO L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94), alterada pela Directiva 2004/106/CE do Conselho, de 16 de Novembro de 2004 (JO L 359, p. 30), as autoridades fiscais em causa podem dirigir‑se às autoridades de outro Estado‑Membro a fim de obterem qualquer informação que seja considerada necessária para a liquidação correcta do imposto de um contribuinte, incluindo a possibilidade de se lhe atribuir uma isenção fiscal (v., neste sentido, acórdãos de 28 de Outubro de 1999, Vestergaard, C‑55/98, Colect., p. I‑7641, n.º 26, e de 26 de Junho de 2003, Skandia e Ramstedt, C‑422/01, Colect., p. I‑6817, n.º 42).

51     Em terceiro lugar, o Governo alemão alega que a isenção do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, atribuída às fundações não residentes, a título dos rendimentos que obtêm pela gestão do património de que dispõem na Alemanha, põe em causa a coerência do regime fiscal nacional. Segundo esse governo, a isenção visa suprimir uma obrigação fiscal devido a actividades vocacionadas para a realização de interesses públicos que as fundações de utilidade pública exercem. Na medida em que estas assumem directamente a responsabilidade pelo bem comum, substituem‑se ao Estado, que poderá, em contrapartida, conceder‑lhes um benefício fiscal sem infringir a sua obrigação de igualdade de tratamento.

52     A este respeito, há que recordar que o Tribunal de Justiça já reconheceu que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal pode justificar uma restrição ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado (acórdãos de 28 de Janeiro de 1992, Bachmann, C‑204/90, Colect., p. I‑249, n.º 28, e de 28 de Janeiro de 1992, Comissão/Bélgica, C‑300/90, Colect., p. I‑305, n.º 21).

53     No entanto, para que um argumento baseado nessa justificação possa proceder, há que estabelecer a existência de uma ligação directa entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício através de uma cobrança fiscal determinada (v., neste sentido, acórdãos de 14 de Novembro de 1995, Svensson e Gustavsson, C‑484/93, Colect., p. I‑3955, n.º 18; de 27 de Junho de 1996, Asscher, C‑107/94, Colect., p. I‑3089, n.º 58; de 16 de Julho de 1998, ICI, C‑264/96, Colect., p. I‑4695, n.º 29; Vestergaard, já referido, n.º 24; e de 21 de Novembro de 2002, X e Y, C‑436/00, Colect., p. I‑10829, n.º 52).

54     Como resulta dos n.os 21 a 23 do acórdão Bachmann, já referido, e dos n.os 14 a 16 do acórdão Comissão/Bélgica, já referido, esses acórdãos assentam na constatação de que, no direito belga, existia uma relação directa, na esfera do mesmo contribuinte sujeito ao imposto sobre o rendimento, entre a faculdade de se descontarem cotizações de seguro dos rendimentos tributáveis e a posterior tributação dos montantes pagos pelas seguradoras (acórdão Manninen, já referido, n.º 42).

55     O argumento do Governo alemão que visa justificar a restrição à livre circulação de capitais pela necessidade de assegurar a coerência do seu regime fiscal não pode, no entanto, proceder.

56     Com efeito, por um lado, ao benefício fiscal que consiste na isenção fiscal das rendas não corresponde um encargo que onere as fundações, em princípio, sujeitas de forma ilimitada ao imposto. Por outras palavras, não existe ligação directa, do ponto de vista do regime fiscal, entre essa isenção e uma compensação desse benefício através de determinada cobrança fiscal.

57     Por outro lado, embora a pretensão de reservar o benefício da isenção fiscal às fundações de utilidade pública que prosseguem objectivos políticos desse Estado‑Membro possa, à primeira vista, parecer legítima, não deixa de ser verdade que, atendendo às informações submetidas ao Tribunal de Justiça pelo órgão jurisdicional de reenvio, o § 52 do AO não pressupõe que as medidas de promoção beneficiem a colectividade nacional. Partindo desta base, o referido órgão jurisdicional de reenvio conclui que a fundação em causa no processo principal poderia beneficiar da isenção se, conservando os mesmos objectivos, estabelecesse a sua sede na Alemanha.

58     Em quarto lugar, o Governo alemão sublinha que a recusa de atribuir a isenção fiscal às fundações parcialmente sujeitas a imposto se justifica pela necessidade de preservar a matéria colectável.

59     É certo que o reconhecimento de um direito à isenção do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas a favor das fundações de utilidade pública não residentes acarretará, para a República Federal da Alemanha, uma diminuição das receitas fiscais decorrentes do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas. Todavia, decorre de jurisprudência assente que a redução das receitas fiscais não pode ser considerada uma razão imperiosa de interesse geral susceptível de ser invocada para justificar uma medida em princípio contrária a uma liberdade fundamental (v., neste sentido, acórdãos Verkooijen, já referido, n.º 59; de 3 de Outubro de 2002, Danner, C‑136/00, Colect., p. I‑8147, n.º 56; X e Y, já referido, n.º 50; bem como Manninen, já referido, n.º 49).

60     Em quinto lugar, foi defendido na audiência, designadamente pelo Finanzamt e pelo Governo alemão, que não está excluído que associações criminosas e organizações terroristas recorram ao estatuto jurídico de fundação para efeitos de lavagem de dinheiro e de desvio ilegal de fundos de um Estado‑Membro para outro.

61     Ainda que se admita que, ao reservar o benefício de uma isenção fiscal às fundações de utilidade pública estabelecidas no território nacional, as autoridades de um Estado‑Membro visam combater a criminalidade, não deixa de ser verdade que uma presunção geral de actividade criminosa não se pode basear na circunstância de uma fundação estar estabelecida noutro Estado‑Membro. Além disso, excluir o benefício de uma isenção fiscal a essas fundações, quando existem diversos métodos para fiscalizar as contas e as actividades destas, é uma medida que ultrapassa o necessário para combater a criminalidade (v., neste sentido, acórdão de 6 de Novembro de 2003, Gambelli e o., C‑243/01, Colect., p. I‑13031, n.º 74).

62     Atendendo às considerações que precedem, há que responder à questão submetida que o artigo 73.º‑B do Tratado, conjugado com o artigo 73.º‑D do Tratado, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro, que isenta de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas as rendas recebidas no território nacional por fundações de utilidade pública, em princípio, sujeitas de forma ilimitada ao imposto se estiverem estabelecidas nesse Estado, recuse conceder a mesma isenção relativamente às rendas do mesmo tipo a uma fundação de direito privado de utilidade pública, unicamente pelo facto de esta, por se encontrar estabelecida noutro Estado‑Membro, apenas estar sujeita de forma limitada ao imposto no seu território.

 Quanto às despesas

63     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

O artigo 73.º‑B do Tratado, conjugado com o artigo 73.º‑D do Tratado, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro, que isenta de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas as rendas recebidas no território nacional por fundações de utilidade pública, em princípio, sujeitas de forma ilimitada ao imposto se estiverem estabelecidas nesse Estado, recuse conceder a mesma isenção relativamente às rendas do mesmo tipo a uma fundação de direito privado de utilidade pública, unicamente pelo facto de esta, por se encontrar estabelecida noutro Estado‑Membro, apenas estar sujeita de forma limitada ao imposto no seu território.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.