Processos apensos C‑295/04 a C‑298/04

Vincenzo Manfredi e o.

contra

Lloyd Adriatico Assicurazioni SpA e o.

(pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Giudice di pace di Bitonto)

«Artigo 81.° CE – Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Sinistros causados por veículos automóveis, navios e ciclomotores – Seguro de responsabilidade civil obrigatória – Aumento dos prémios – Efeitos sobre o comércio entre Estados‑Membros – Direito de terceiros a pedirem a reparação do dano sofrido – Jurisdição nacional competente – Prazo de prescrição – Indemnização a título de sanção»

Conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed apresentadas em 26 de Janeiro de 2006 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 13 de Julho de 2006 

Sumário do acórdão

1.     Questões prejudiciais – Competência do Tribunal de Justiça – Limites

(Artigo 234.° CE)

2.     Concorrência – Normas comunitárias – Carácter de ordem pública

(Artigos 81.° CE e 82.° CE)

3.     Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Acordos entre empresas

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

4.     Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Proibição – Efeito directo

(Artigo 81.°, n.os 1 e 2, CE)

5.     Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Violação da concorrência – Acção de indemnização

(Artigo 81.°, n.os 1 e 2, CE)

6.     Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Violação da concorrência – Acção de indemnização

(Artigo 81.°, n.os 1 e 2, CE)

7.     Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Violação da concorrência – Acção/pedido de indemnização

(Artigo 81.°, n.os 1 e 2, CE)

1.     No âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 234.° CE, compete apenas ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, quando as questões prejudiciais colocadas sejam relativas à interpretação do direito comunitário, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a decidir.

No entanto, em casos excepcionais, lhe cabe examinar as condições em que os pedidos de interpretação lhe são submetidos pelos órgãos jurisdicionais nacionais, para verificar a sua própria competência. A recusa de decisão sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional só é possível quando for manifesto que a interpretação do direito comunitário solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas.

(cf. n.os 26‑27)

2.     Além disso, importa recordar que os artigos 81.° CE e 82.° CE constituem disposições de ordem pública que devem ser aplicadas oficiosamente pelos órgãos jurisdicionais nacionais.

(cf. n.°31)

3.     Um acordo ou uma prática concertada, entre seguradoras, que consiste numa troca recíproca de informações de modo a permitir um aumento dos prémios das apólices de seguro de responsabilidade civil automóvel relativa aos sinistros causados por veículos automóveis, navios e ciclomotores, não justificado pelas condições do mercado, que constitui uma infracção às regras nacionais de protecção da concorrência, pode também constituir uma violação do artigo 81.° CE se, face às características do mercado nacional em causa, existir um grau suficiente de probabilidade de que o acordo ou a prática concertada respectiva possa ter uma influência directa ou indirecta, actual ou potencial, sobre a contratação das apólices deste seguro no Estado‑Membro em questão por operadores estabelecidos noutros Estados‑Membros e de que esta influência não seja insignificante.

(cf. n.°52, disp. 1)

4.     O artigo 81.°, n.° 1, CE produz efeitos directos nas relações entre os particulares e cria direitos na esfera destes que os órgãos jurisdicionais nacionais devem proteger. Assim, qualquer particular tem o direito de invocar a nulidade de um acordo ou de uma prática proibida pelo artigo 81.° CE e, quando existe um nexo de causalidade entre este e o dano sofrido de pedir a reparação do referido dano.

Na falta de regulamentação comunitária na matéria, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro regular as modalidades do exercício deste direito, incluindo as da aplicação do conceito de «nexo de causalidade», desde que essas modalidades não sejam menos favoráveis do que as das acções análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade).

(cf. n.os 58‑59, 61‑64, disp. 2)

5.     Na falta de regulamentação comunitária na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes para conhecer das acções de indemnização baseadas numa violação das regras comunitárias da concorrência e fixar as modalidades processuais dessas acções, desde que as disposições em causa não sejam menos favoráveis do que as relativas às acções de indemnização baseadas na violação das normas nacionais de concorrência (princípio da equivalência) e as referidas disposições nacionais não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito de pedir a reparação do dano causado por um acordo ou uma prática proibida pelo artigo 81.° CE (princípio da efectividade).

(cf. n.° 72, disp. 3)

6.     Na falta de regulamentação comunitária na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro fixar o prazo de prescrição para pedir a reparação do dano causado por um acordo ou uma prática proibida pelo artigo 81.° CE, desde que sejam respeitados os princípios da equivalência e da efectividade.

A este propósito, cabe ao órgão jurisdicional nacional averiguar se uma disposição nacional por força da qual o prazo de prescrição para pedir a reparação do dano causado por um acordo ou uma prática proibida pelo artigo 81.° CE corre a partir do dia em que este acordo ou esta prática proibida foi posta em prática, em especial se essa disposição nacional previr também um prazo de prescrição curto e que não possa ser suspenso, torna praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito à reparação do dano sofrido.

(cf. n.os 81‑82, disp. 4)

7.     Na falta de disposições comunitárias nesta matéria, cabe ao ordenamento jurídico de cada Estado‑Membro fixar os critérios que permitem determinar o alcance da reparação do dano causado por um acordo ou uma prática proibida pelo artigo 81.° CE, desde que sejam respeitados os princípios da equivalência e da efectividade.

Por conseguinte, por um lado, em conformidade com o princípio da equivalência, se podem ser atribuídas indemnizações por perdas e danos especiais, como as indemnizações por perdas e danos exemplares ou a título de sanção, no âmbito de acções nacionais semelhantes às acções baseadas em regras comunitárias da concorrência, também devem poder sê‑lo no quadro destas últimas acções. Contudo, o direito comunitário não obsta a que os órgãos jurisdicionais nacionais zelem por que a protecção dos direitos garantidos pela ordem jurídica comunitária não conduza a um enriquecimento sem causa dos seus titulares.

Por outro lado, resulta do princípio da efectividade e do direito dos particulares a pedirem a reparação do dano causado por um contrato ou um comportamento susceptível de restringir ou de falsear o jogo da concorrência que as pessoas que tenham sofrido um dano devem poder pedir a reparação não só do dano real (damnum emergens), mas também os lucros cessantes (lucrum cessans), bem como o pagamento de juros.

(cf. n.os 98‑100, disp. 5)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

13 de Julho de 2006 (*)

«Artigo 81.° CE – Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Sinistros causados por veículos automóveis, navios e ciclomotores – Seguro de responsabilidade civil obrigatória – Aumento dos prémios – Efeitos sobre o comércio entre Estados‑Membros – Direito de terceiros a pedirem a reparação do dano sofrido – Jurisdição nacional competente – Prazo de prescrição – Indemnização a título de sanção»

Nos processos apensos C‑295/04 a C‑298/04,

que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentados pelo Giudice di pace di Bitonto (Itália), por decisão de 30 de Junho de 2004, entrados no Tribunal de Justiça em 13 de Julho de 2004, nos processos

Vincenzo Manfredi (C‑295/04)

contra

Lloyd Adriatico Assicurazioni SpA,

Antonio Cannito (C‑296/04)

contra

Fondiaria Sai SpA,

e

Nicolò Tricarico (C‑297/04),

Pasqualina Murgolo (C‑298/04)

contra

Assitalia SpA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, J. Malenovský, S. von Bahr (relator), A. Borg Barthet e A. Ó Caoimh, juízes,

advogado‑geral: L. A. Geelhoed,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 10 de Novembro de 2005,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação da Assitalia SpA (C‑297/04 e C‑298/04), por A. Pappalardo, M. Merola e D. P. Domenicucci, avvocati,

–       em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por M. Fiorilli, avvocato dello Stato,

–       em representação do Governo alemão, por C. Schulze‑Bahr, na qualidade de agente,

–       em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por T. Christoforou e F. Amato, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 26 de Janeiro de 2006,

profere o presente

Acórdão

1       Os pedidos de decisão prejudicial dizem respeito à interpretação do artigo 81.° CE.

2       Estas questões foram suscitadas no âmbito de acções de indemnização intentadas por V. Manfredi contra a Lloyd Adriatico Assicurazioni SpA, por A. Cannito contra a Fondiaria Sai SpA e, respectivamente, por N. Tricarico e P. Murgolo contra a Assitalia SpA (a seguir «Assitalia»), pedindo a condenação destas seguradoras na restituição dos aumentos dos prémios de seguro de responsabilidade civil obrigatória por sinistros causados por veículos automóveis, navios e ciclomotores (a seguir «seguro de RC automóvel») pagos devido aos aumentos aplicados pelas referidas sociedades na sequência de um acordo declarado ilícito pela autoridade nacional da concorrência e do mercado (Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato, a seguir «AGCM»).

 Quadro jurídico nacional

3       O artigo 2.°, n.° 2, da Lei n.° 287, de 10 de Outubro de 1990, relativa às regras para protecção da concorrência e do mercado (Legge n.° 287, 10 ottobre 1990, Norme per la tutela della concorrenza e del mercato, GURI n.° 240, de 13 de Outubro de 1990, p. 3, a seguir «Lei n.° 287/90»), proíbe os acordos, decisões e práticas concertadas entre empresas que tenham por objecto ou por efeito impedir, restringir ou falsear de modo significativo a concorrência no mercado nacional ou numa parte substancial deste.

4       Nos termos do n.° 1 deste mesmo artigo 2.°, são considerados «acordos decisões ou práticas concertadas» os acordos e/ou as práticas concertadas entre empresas, bem como as decisões, mesmo se adoptados com base em disposições estatutárias ou regulamentares, de consórcios, associações de empresas e outros organismos similares.

5       Por força do n.° 3 do artigo 2.° da Lei n.° 287/90, os acordos proibidos são nulos.

6       O n.° 2 do artigo 33.° desta lei especifica que as acções de declaração de nulidade e as acções de indemnização, bem como os pedidos de providências cautelares relacionados com as violações das disposições previstas nos títulos I a IV da referida lei, entre as quais o artigo 2.°, são propostas na Corte d’appello territorialmente competente.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

7       Por decisões de 8 de Setembro de 1999, 10 de Novembro de 1999 e 3 de Fevereiro de 2000, a AGCM deu início ao procedimento de infracção previsto no artigo 2.° da Lei n.° 287/90, contra diferentes seguradoras, entre as quais as três demandantes no processo principal. Estas eram acusadas de terem participado num acordo que tinha por objecto «a venda de produtos distintos e a troca de informações entre empresas concorrentes». No que se refere aos presentes processos, apenas é relevante o acordo relativo à troca de informações entre empresas concorrentes.

8       A AGCM observou que, contrariamente ao que aconteceu no resto da Europa, assistiu‑se em Itália, no período compreendido entre 1994 e 1999, a um aumento anormal e crescente dos prémios do seguro de RC automóvel, que é obrigatório.

9       A AGCM verificou igualmente que o mercado dos seguros de RC automóvel apresenta grandes barreiras no acesso, criadas sobretudo pela necessidade de dispor em todo o país de uma rede de distribuição eficiente e de uma rede de agências para a liquidação dos prejuízos relativos aos sinistros em todo o país.

10     No decurso do procedimento, a AGCM obteve documentação da qual resultava existir uma troca de informações alargada e partilhada pelas numerosas seguradoras que propunham um seguro de RC automóvel relativo a todos os aspectos da actividade seguradora, a saber, designadamente, preços, descontos, cobranças, custos dos sinistros e da distribuição.

11     Na sua decisão final n.° 8546 (I377), de 28 de Julho de 2000 (Bolletino 30/2000, de 14 de Agosto de 2000), a AGCM concluiu que as seguradoras em causa tinham posto em prática um acordo ilícito que tinha por objecto a troca de informações relativas ao sector dos seguros. Este acordo permitiu a estas empresas coordenar e fixar os prémios de seguro de RC automóvel, de modo a impor aos clientes aumentos importantes de prémios, não justificados pelas condições de mercado e que os consumidores não podiam eludir.

12     A decisão da AGCM, impugnada pelas seguradoras, foi confirmada no essencial pelo Tribunale amministrativo regionale per il Lazio e pelo Consiglio di Stato.

13     As demandantes no processo principal intentaram as acções no Giudice di pace di Bitonto, pedindo a condenação de cada seguradora envolvida no reembolso dos aumentos dos prémios pagos na sequência do acordo declarado ilícito pela AGCM.

14     Resulta das observações da Assitalia que, de acordo com as demandantes no processo principal, o inquérito feito pela AGCM revelou um preço médio dos seguros de RC automóvel superior em 20% relativamente ao preço que esses seguros atingiriam se os comportamentos concorrenciais das seguradoras não tivessem sido alterados pela prática concertada. A infracção cometida pelas seguradoras que participaram nesta prática causou um prejuízo aos consumidores finais, prejuízo que consiste precisamente no pagamento de um prémio de seguro de RC automóvel em média superior em 20% ao que deveriam pagar se não existisse a infracção das regras da concorrência.

15     As seguradoras no processo principal suscitaram, designadamente, a questão prévia da incompetência do Giudice di pace di Bitonto por força do artigo 33.° da Lei n.° 287/90, bem como a prescrição do direito à restituição e/ou à indemnização do prejuízo.

16     O órgão jurisdicional de reenvio entende que, na medida em que as seguradoras pertencentes a outros Estados‑Membros e que exercem igualmente as suas actividades em Itália também participaram no acordo declarado ilícito pela AGCM, o acordo invocado viola não só o artigo 2.° da Lei n.° 287/90 mas também o artigo 81.° CE, cujo n.° 2 declara nulos todos os acordos ou decisões proibidos.

17     Ora, qualquer terceiro, entre os quais o consumidor e o utilizador final de um serviço, poderia considerar‑se legitimado para invocar a nulidade de um acordo proibido pelo artigo 81.° CE e pedir a reparação do dano sofrido quando exista um nexo de causalidade entre este e o acordo proibido.

18     Se assim fosse, uma disposição como a do artigo 33.° da Lei n.° 287/90 poderia ser considerada contrária ao direito comunitário. Com efeito, os prazos e os custos relativos a um processo na Corte d’appello seriam, respectivamente, bem mais demorados e bem mais elevados do que os de um processo no Giudice di pace, o que poderia comprometer a eficácia do artigo 81.° CE.

19     O órgão jurisdicional de reenvio tem também dúvidas quanto à compatibilidade com o artigo 81.° CE dos prazos de prescrição das acções de indemnização por perdas e danos e do montante da indemnização a pagar, que são estabelecidos pelo direito nacional.

20     Foi nestas condições que, nos processos C‑295/04 a C‑297/04, o Giudice di pace di Bitonto decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 81.° CE ser interpretado no sentido de que comina a nulidade de um acordo ou de uma prática concertada entre companhias de seguros que consiste na troca recíproca de informações de modo a permitir um aumento dos prémios de seguro da responsabilidade civil automóvel não justificado pelas condições de mercado, mesmo tendo em consideração a participação no acordo ou prática concertada de empresas que pertencem a diversos Estados‑Membros?

2)      Deve o artigo 81.° CE ser interpretado no sentido de que confere legitimidade a terceiros, titulares de um interesse juridicamente relevante, para invocarem a nulidade de um acordo ou de uma prática concertada proibida pela mesma norma comunitária e para pedirem a reparação dos danos sofridos no caso de existir um nexo de causalidade entre o acordo ou a prática concertada e o dano?

3)      Deve o artigo 81.° CE ser interpretado no sentido de que o decurso do prazo em que prescreve a acção de indemnização nele baseada começa a correr a partir do dia em que o acordo ou a prática concertada foi posto em prática ou a partir do dia em que o acordo ou a prática concertada cessou?

4)      Deve o artigo 81.° CE ser interpretado no sentido de que o juiz nacional, quando conclua que o prejuízo a ressarcir com base no direito nacional é inferior à vantagem económica obtida pela empresa causadora do prejuízo, participante no acordo ou na prática concertada proibida, também deve arbitrar oficiosamente a favor do terceiro prejudicado uma indemnização a título de sanção, necessária para assegurar que o prejuízo ressarcível é superior à vantagem obtida pela entidade que causou o prejuízo, a fim de desencorajar a adopção de acordos ou de práticas concertadas proibidos pelo artigo 81.° CE?».

21     No processo C‑298/04, o Giudice di pace di Bitonto decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)      Deve o artigo 81.° CE ser interpretado no sentido de que comina a nulidade de um acordo ou de uma prática concertada entre companhias de seguros que consiste na troca recíproca de informações de modo a permitir um aumento dos prémios de seguro de responsabilidade civil automóvel não justificado pelas condições do mercado, mesmo tendo em consideração a participação no acordo ou na prática concertada de empresas que pertencem a diversos Estados‑Membros?

2)      Deve o artigo 81.° CE ser interpretado no sentido de que obsta à aplicação de uma norma nacional de teor análogo ao do artigo 33.° da Lei [n.° 287/90], segundo a qual a acção de indemnização por violação das normas comunitárias e nacionais relativas a acordos anticoncorrenciais deve ser proposta, mesmo por terceiros, perante um juiz diferente do normalmente competente em acções desse tipo, provocando assim um aumento significativo dos custos e da duração do processo?

3)      Deve o artigo 81.° CE ser interpretado no sentido de que confere legitimidade a terceiros, titulares de um interesse juridicamente relevante, para invocarem a nulidade de um acordo ou de uma prática concertada proibida pela mesma norma comunitária e para pedirem a reparação dos danos sofridos no caso de existir um nexo de causalidade entre o acordo ou a prática concertada e o dano?

4)      Deve o artigo 81.° CE ser interpretado no sentido de que o decurso do prazo em que prescreve a acção de indemnização nele baseada começa a correr a partir do dia em que o acordo ou a prática concertada foi posta em prática ou a partir do dia em que o acordo ou a prática concertada cessou?

5)      Deve o artigo 81.° CE ser interpretado no sentido de que o juiz nacional, quando conclua que o prejuízo a ressarcir com base no direito nacional é inferior à vantagem económica obtida pela empresa causadora do prejuízo, participante no acordo ou na prática concertada proibida, também deve arbitrar oficiosamente a favor do terceiro prejudicado uma indemnização a título de sanção, necessária para assegurar que o prejuízo ressarcível é superior à vantagem obtida pela entidade que causou o prejuízo, a fim de desencorajar a adopção de acordos ou de práticas concertadas proibidas pelo artigo 81.° CE?»

22     Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 28 de Setembro de 2004, os processo C‑295/04 a C‑298/04 foram apensados para efeitos da fase escrita e oral e da decisão.

 Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais

 Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

23     A Assitalia alega, em primeiro lugar, que a exposição do contexto de facto e de direito subjacente às questões prejudiciais é insuficiente e ambígua, a ponto de não permitir a todas as partes potencialmente interessadas formular adequadamente as suas observações a este propósito nem ao Tribunal de Justiça dar uma resposta útil às referidas questões.

24     Em segundo lugar, a Assitalia defende que as questões prejudiciais suscitadas pelo Giudice di pace di Bitonto são inadmissíveis na medida em que visam a interpretação de uma disposição do Tratado CE que é manifestamente inaplicável aos casos no processo principal.

25     Com efeito, o acordo em causa no processo principal produziu efeitos limitados ao território italiano e, portanto, não representou um prejuízo significativo para o comércio entre Estados‑Membros na acepção do artigo 81.° CE (v., designadamente, acórdão de 21 de Janeiro de 1999, Bagnasco e o., C‑215/96 e C‑216/96, Colect., p. I‑135). A não aplicação do artigo 81.° CE não foi aliás contestada nos órgãos jurisdicionais nacionais e a decisão da AGCM, baseada no artigo 2.° da Lei n.° 287/90, tornou‑se definitiva. Além disso, o artigo 1.°, n.° 1, da Lei n.° 287/90 especifica que as disposições desta «se aplicam aos acordos, aos abusos de posição dominante e às concentrações de empresas que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação […] dos artigos [81.° CE] e/ou [82.° CE], dos regulamentos […] ou de actos comunitários com um efeito normativo equiparado».

 Apreciação do Tribunal de Justiça

26     A este respeito, importa recordar que, em conformidade com jurisprudência assente, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 234.° CE, compete apenas ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, quando as questões prejudiciais colocadas sejam relativas à interpretação do direito comunitário, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a decidir (v., designadamente, acórdãos de 15 de Dezembro de 1995, Bosman, C‑415/93, Colect., p. I‑4921, n.° 59, e de 10 de Novembro de 2005, Stichting Zuid‑Hollandse Milieufederatie, C‑316/04, Colect., p. I‑9759, n.° 29).

27     No entanto, o Tribunal de Justiça também declarou que, em casos excepcionais, lhe cabe examinar as condições em que os pedidos de interpretação lhe são submetidos pelos órgãos jurisdicionais nacionais, para verificar a sua própria competência (v., neste sentido, acórdão de 16 de Dezembro de 1981, Foglia, 244/80, Recueil, p. 3045, n.° 21). A recusa de decisão sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional só é possível quando for manifesto que a interpretação do direito comunitário solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Bosman, n.° 61, e Stichting Zuid‑Hollandse Milieufederatie, n.° 30).

28     No presente processo, não se verifica nenhuma destas hipóteses.

29     A este propósito, importa verificar, por um lado, que a decisão de reenvio bem como as observações escritas e as alegações forneceram ao Tribunal informações suficientes para interpretar as regras de direito comunitário tendo em vista a situação que é objecto do litígio no processo principal (v., designadamente, acórdão de 3 de Março de 1994, Vaneetveld, C‑316/93, Colect., p. I‑763, n.° 1, e de 21 de Setembro de 1999, Wijsenbeek, C‑378/97, Colect., p. I‑6207, n.° 21).

30     Por outro lado, contrariamente ao que pretende a Assitalia, não é evidente que a interpretação do artigo 81.° CE não tenha qualquer relação com a realidade ou o objecto do litígio no processo principal. Assim, a objecção suscitada pela Assitalia com base na inaplicabilidade deste artigo ao caso no processo principal não se refere à admissibilidade dos presentes processos, mas enquadra‑se na apreciação de mérito da primeira questão.

31     Além disso, importa recordar que os artigos 81.° CE e 82.° CE constituem disposições de ordem pública que devem ser aplicadas oficiosamente pelos órgãos jurisdicionais nacionais (v., neste sentido, acórdão de 1 de Junho de 1999, Eco Swiss, C‑126/97, Colect., p. I‑3055, n.os 39 e 40).

32     Daqui resulta que as questões prejudiciais são admissíveis.

 Quanto à primeira questão nos processos C‑295/04 a C‑298/04

33     Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se um acordo ou uma prática concertada, como a que está em causa no processo principal, entre seguradoras, que consiste numa troca recíproca de informações de modo a permitir um aumento dos prémios do seguro de RC automóvel, não justificado pelas condições do mercado, que constitui uma infracção às regras nacionais de protecção da concorrência, pode também constituir uma violação do artigo 81.° CE, tendo em consideração, designadamente, a participação no acordo ou na prática concertada de empresas que pertencem a diversos Estados‑Membros.

 Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

34     A Assitalia propõe que o Tribunal de Justiça responda que, tendo em conta a natureza meramente geral e instrumental da questão, se torna impossível dar uma resposta útil relativamente à aplicação do artigo 81.° CE.

35     O Governo italiano entende que o artigo 81.° CE não se aplica a um acordo como o que está em causa no processo principal. Com efeito, para que um comportamento anticoncorrencial seja abrangido pela regulamentação comunitária, devem estar preenchidos uma série de critérios, que vão para além de uma mera participação das empresas de outros Estados‑Membros.

36     A Comissão das Comunidades Europeias sustenta que o artigo 81.° CE deve ser interpretado no sentido de que proíbe um acordo ou uma prática concertada entre empresas que restringe a concorrência quando, com base num conjunto de elementos de direito ou de facto, é possível perspectivar com um grau de probabilidade suficiente que o acordo ou a prática concertada em causa exerce uma influência directa ou indirecta, actual ou potencial, sobre as trocas comerciais entre Estados‑Membros. A circunstância de determinadas empresas de outros Estados‑Membros terem participado neste acordo ou nesta prática concertada não constitui, por si só, um elemento suficiente para concluir que o dito acordo ou prática concertada exerce tal influência sobre as trocas comerciais entre Estados‑Membros.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

37     Há que constatar desde já que, contrariamente ao que alega a Assitalia, esta questão é suficientemente precisa para permitir ao Tribunal de Justiça dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio.

38     Em seguida, há que recordar que, de acordo com jurisprudência assente, o direito comunitário e o direito nacional em matéria de concorrência aplicam‑se paralelamente, uma vez que consideram as práticas restritivas sob ângulos diversos. Enquanto os artigos 81.° CE e 82.° CE as encaram do ponto de vista dos entraves que daí podem resultar para o comércio entre Estados‑Membros, as legislações internas, inspiradas por considerações próprias a cada uma delas, consideram as práticas restritivas unicamente neste quadro (v., designadamente, acórdãos de 13 de Fevereiro de 1969, Wilhelm e o., 14/68, Colect. 1969‑1970, p. 1, n.° 3; de 10 de Julho de 1980, Giry e Guerlain e o., 253/78 e 1/79 a 3/79, Recueil, p. 2327, n.° 15, e de 9 de Setembro de 2003, Milk Marque e National Farmers’ Union, C‑137/00, Colect., p. I‑7975, n.° 61).

39     Deve também recordar‑se que os artigos 81.°, n.° 1, CE e 82.° CE produzem efeitos directos nas relações entre particulares e criam direitos na esfera jurídica destes que os órgãos jurisdicionais nacionais devem proteger (v. acórdãos de 30 de Janeiro de 1974, BRT e SABAM, dito «BRT I», 127/73, Colect., p. 33, n.° 16; de 18 de Março de 1997, Guérin automobiles/Comissão, C‑282/95 P, Colect., p. I‑1503, n.° 39, e de 20 de Setembro 2001, Courage e Crehan, C‑453/99, Colect., p. I‑6297, n.° 23) e que o primado do direito comunitário exige que não se aplique uma norma de direito interno contrária a uma norma de direito comunitário, seja ela anterior ou posterior a esta última. (v., designadamente, acórdão de 9 de Setembro de 2003, CIF, C‑198/01, Colect., p. I‑8055, n.° 48).

40     Todavia, como resulta da redacção dos artigos 81.° CE e 82.° CE, para que as regras comunitárias da concorrência se apliquem a um acordo ou uma prática abusiva, é necessário que esta seja susceptível de afectar o comércio entre os Estados‑Membros.

41     A interpretação e a aplicação desta condição relativa aos efeitos sobre o comércio entre Estados‑Membros devem basear‑se no facto de que o seu objectivo é delimitar, em matéria de regulamentação da concorrência, o domínio de aplicação do direito comunitário em relação ao dos Estados‑Membros. Deste modo, o direito comunitário cobre qualquer acordo e qualquer prática susceptível de afectar o comércio entre os Estados‑Membros, duma forma que poderia prejudicar a realização dos objectivos de um mercado único entre os Estados‑Membros, em particular através da compartimentação dos mercados nacionais ou afectando a estrutura da concorrência dentro do mercado comum (v., neste sentido, acórdãos de 31 de Maio de 1979, Hugin/Comissão, 22/78, Recueil, p. 1869, n.° 17, e de 25 de Outubro de 2001, Ambulanz Glöckner, C‑475/99, Colect., p. I‑8089, n.° 47).

42     Para serem susceptíveis de afectar o comércio entre Estados‑Membros, uma decisão, um acordo ou uma prática devem, com base num conjunto de elementos de facto e de direito, permitir prever, com um suficiente grau de probabilidade, que possam exercer uma influência directa ou indirecta, actual ou potencial, sobre as correntes de trocas comerciais entre Estados‑Membros, de modo que se possa temer que entravem a realização de um mercado único entre Estados‑Membros (v. acórdãos de 11 de Julho de 1985, Remia e o./Comissão, 42/84, Recueil, p. 2545, n.° 22, e Ambulanz Glöckner, já referido, n.° 48). Além disso, é necessário que esta influência não seja insignificante (acórdão de 28 de Abril de 1998, Javico, C‑306/96, Colect., p. I‑1983, n.° 16).

43     Deste modo, a afectação das trocas intracomunitárias resulta em geral da reunião de diversos factores que, isoladamente considerados, não são necessariamente determinantes (v. acórdãos Bagnasco e o., já referido, n.° 47, e de 29 de Abril de 2004, British Sugar/Comissão, C‑359/01 P, Colect., p. I‑4933, n.° 27).

44     A este propósito, há que, por um lado, constatar, como faz acertadamente o advogado‑geral no n.° 37 das suas conclusões, que o simples facto de se encontrarem também operadores de outros Estados‑Membros entre os participantes num acordo nacional é um elemento importante na apreciação a fazer, mas não é decisivo por si só para se poder afirmar que fica cumprido o critério da afectação do comércio entre os Estados‑Membros.

45     Por outro lado, o facto de um acordo ter apenas por objecto a comercialização de produtos num único Estado‑Membro não basta para excluir a possibilidade de afectar o comércio entre Estados‑Membros, (v. acórdão de 11 de Julho de 1989, Belasco e o./Comissão, 246/86, Colect., p. I‑2117, n.° 33). Com efeito, um acordo que se estende a todo o território de um Estado‑Membro tem como efeito, pela sua própria natureza, consolidar barreiras de carácter nacional, entravando assim a interpenetração económica pretendida pelo Tratado (acórdãos de 17 de Outubro de 1972, Vereeniging van Cementhandelaren/Comissão, 8/72, Colect., p. 333, n.° 29; Remia e o./Comissão, já referido, n.° 22, e de 18 de Junho de 1998, Comissão/Itália, C‑35/96, Colect., p. I‑3851, n.° 48).

46     Além disso, em matéria de serviços, o Tribunal já decidiu que a influência sobre as trocas comerciais pode consistir no facto de as actividades em causa serem organizadas de tal maneira que o mercado comum é compartimentado e a liberdade das prestações de serviços, que constitui um dos objectivos do Tratado, é entravada (v. acórdãos de 4 de Maio de 1988, Bodson, 30/87, Colect., p. 2479, n.° 24, e Ambulanz Glöckner, já referido, n.° 49).

47     Cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar se, face às características do mercado nacional em causa, existe um grau suficiente de probabilidade de que o acordo ou prática concertada em causa no processo principal possa exercer uma influência directa ou indirecta, actual ou potencial, sobre a contratação de apólices de seguro de RC automóvel no Estado‑Membro em causa pelos operadores de outros Estados‑Membros e de que esta influência não seja insignificante.

48     Todavia, o Tribunal, decidindo a título prejudicial, pode, sendo caso disso, fornecer dados que permitam guiar o órgão jurisdicional nacional na sua interpretação (v., designadamente, acórdão de 17 de Outubro de 2002, Payroll e o., C‑79/01, Colect., p. I‑8923, n.° 29).

49     A este propósito, deve lembrar‑se que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma vez que se trata de um mercado permeável às prestações de serviços pelos operadores de outros Estados‑Membros, os membros de um acordo de preços nacional só podem conservar a sua quota de mercado se se protegerem contra a concorrência estrangeira (v., no que concerne às importações, acórdãos, já referidos, Belasco e o./Comissão, n.° 34, e British Sugar/Comissão, n.° 28).

50     Ora, a decisão de reenvio indica que a AGCM referiu que o mercado das apólices de seguros de RC automóvel apresenta importantes barreiras em termos de acesso, criadas sobretudo em razão da necessidade de dispor de uma rede de distribuição eficiente e de uma rede de agências para a liquidação das indemnizações relativas aos sinistros em toda a Itália. Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio realça também que as seguradoras que pertencem a outros Estados‑Membros e exercem igualmente actividades em Itália também participaram no acordo declarado ilícito pela AGCM. Afigura‑se, pois, tratar‑se de um mercado permeável às prestações de serviços pelas seguradoras de outros Estados‑Membros, muito embora as referidas barreiras tornem a prestação desses serviços mais difícil.

51     Nestas condições, compete em especial ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se a própria existência do acordo ou da prática concertada é susceptível de ter um efeito dissuasor sobre as seguradoras de outros Estados‑Membros que não exerçam a actividade em Itália, nomeadamente permitindo a coordenação e a fixação de prémios de seguro de RC automóvel a um nível em que a contratação de tal seguro por estas seguradoras não é rentável (v., neste sentido, acórdão British Sugar, já referido, n.os 29 e 30).

52     Por conseguinte, há que responder à primeira questão, nos processos C‑295/04 a C‑298/04, que um acordo ou uma prática concertada como a ora em questão no processo principal, entre seguradoras, que consiste numa troca recíproca de informações de modo a permitir um aumento dos prémios de seguro de RC automóvel, não justificado pelas condições do mercado, que constitui uma infracção às regras nacionais de protecção da concorrência, pode também constituir uma violação do artigo 81.° CE se, face às características do mercado nacional em causa, existir um grau suficiente de probabilidade de que o acordo ou a prática concertada respectiva possa ter uma influência directa ou indirecta, actual ou potencial, sobre a contratação das apólices deste seguro no Estado‑Membro em questão por operadores estabelecidos noutros Estados‑Membros e de que esta influência não seja insignificante.

 Quanto à segunda questão nos processos C‑295/04 a C‑297/04 e quanto à terceira questão no processo C‑298/04

53     Com esta questão, que cabe apreciar antes da segunda questão no processo C‑298/04, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 81.° CE deve ser interpretado no sentido de que qualquer pessoa pode invocar a nulidade de um acordo ou de uma prática proibida por este artigo e, quando existe um nexo de causalidade entre esta e o dano sofrido, pedir a reparação do referido dano.

 Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

54     A Assitalia propõe ao Tribunal de Justiça que responda afirmativamente, lembrando porém que, na falta de regulamentação comunitária na matéria, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais das acções judiciais destinadas a garantir a tutela dos direitos que para os cidadãos resultam do efeito directo do direito comunitário, desde que essas modalidades respeitem os princípios da equivalência e da efectividade (v. acórdão Courage e Crehan, já referido, n.° 29).

55     No entendimento do Governo alemão e da Comissão, o artigo 81.° CE deve ser interpretado no sentido de que permite a terceiros titulares de um interesse juridicamente relevante invocarem a nulidade de um acordo ou de uma prática concertada proibida por esta disposição comunitária e pedirem a reparação dos danos sofridos, no caso de existir um nexo de causalidade entre o acordo ou a prática concertada e o dano.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

56     Há que recordar em primeiro lugar que o artigo 81.°, n.° 2, CE prevê a nulidade dos acordos e decisões proibidos pelo artigo 81.° CE.

57     Resulta de jurisprudência assente que esta nulidade, que pode ser invocada por todos, se impõe ao juiz desde que as condições de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE estejam reunidas e o acordo em causa não possa justificar a concessão de uma isenção ao abrigo do artigo 81.°, n.° 3, CE (v., sobre este último ponto, nomeadamente, acórdão de 9 de Julho de 1969, Portelange, 10/69, Colect. 1969‑1970, p. 105, n.° 10). Uma vez que a nulidade visada no artigo 81.°, n.° 2, CE tem carácter absoluto, um acordo nulo nos termos desta disposição não produz efeitos nas relações entre os contratantes e não é oponível a terceiros (v. acórdão de 25 de Novembro de 1971, Béguelin, 22/71, Colect., p. 355, n.° 29). Além disso, tal nulidade é susceptível de afectar todos os efeitos, passados ou futuros, do acordo ou da decisão em causa (v. acórdãos de 6 de Fevereiro de 1973, Brasserie de Haecht, 48/72, Colect., p. 19, n.° 26, e Courage e Crehan, já referido, n.° 22).

58     Além disso, como foi recordado no n.° 39 do presente acórdão, o artigo 81.°, n.° 1, CE produz efeitos directos nas relações entre os particulares e cria direitos na esfera destes que os órgãos jurisdicionais nacionais devem proteger.

59     Assim, qualquer particular tem o direito de invocar em juízo a violação do artigo 81.° CE (v. acórdão Courage e Crehan, já referido, n.° 24) e, portanto, de invocar a nulidade de um acordo ou de uma prática proibida por este artigo.

60     Além disso, quanto à possibilidade de pedir a reparação do dano causado por um contrato ou um comportamento susceptível de restringir ou de falsear o jogo da concorrência, deve recordar‑se que a plena eficácia do artigo 81.° CE e, em particular, o efeito útil da proibição enunciada no seu n.° 1 seriam postos em causa se não fosse possível a qualquer pessoa pedir a reparação do prejuízo que lhe houvesse sido causado por um contrato ou um comportamento susceptível de restringir ou falsear o jogo da concorrência (v. acórdão Courage e Crehan, já referido, n.° 26).

61     Resulta do exposto que qualquer pessoa tem o direito de pedir a reparação do dano sofrido quando existe um nexo de causalidade entre o referido dano e um acordo ou uma prática proibida pelo artigo 81.° CE.

62     Na falta de regulamentação comunitária na matéria, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais das acções judiciais destinadas a garantir a tutela dos direitos que para os cidadãos resultam do efeito directo do direito comunitário, desde que essas modalidades não sejam menos favoráveis do que as das acções análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade) (v. acórdãos de 10 de Julho de 1997, Palmisani, C‑261/95, Colect., p. I‑4025, n.° 27, e Courage e Crehan, já referido, n.° 29).

63     Por conseguinte, deve responder‑se à segunda questão nos processos C‑295/04 a C‑297/04 e à terceira questão no processo C‑298/04 que o artigo 81.° CE deve ser interpretado no sentido de que qualquer pessoa pode invocar a nulidade de um acordo ou de uma prática proibida por este artigo e, quando existe um nexo de causalidade entre esta e o dano sofrido, pedir a reparação do referido dano.

64     Na falta de regulamentação comunitária na matéria, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro regular as modalidades do exercício deste direito, incluindo as da aplicação do conceito de «nexo de causalidade», desde que sejam respeitados os princípios da equivalência e da efectividade.

 Quanto à segunda questão no processo C‑298/04

65     Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 81.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma norma nacional, como o artigo 33.° n.° 2, da Lei n.° 287/90, por força da qual os terceiros devem intentar as suas acções de indemnização por violação das regras da concorrência comunitárias e nacionais perante um órgão jurisdicional diferente do normalmente competente para acções do mesmo valor, provocando assim um aumento significativo dos custos e da duração do processo.

 Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

66     A Assitalia observa que o artigo 33.°, n.° 2, da Lei n.° 287/90 se aplica unicamente às acções de indemnização baseadas na violação de disposições nacionais que regem a concorrência e que, ao invés, as acções de indemnização baseadas nos artigos 81.° CE e 82.° CE, na falta de disposições legais expressas, cabem na competência dos tribunais comuns.

67     Por isso, à luz do princípio da autonomia processual, se o órgão jurisdicional nacional fosse chamado a verificar o respeito dos princípios da equivalência e da efectividade no que concerne ao artigo 33.° da Lei n.° 287/90, deveria ter em conta que a situação jurídica baseada no direito comunitário está mais bem protegida, atendendo à garantia do duplo grau de jurisdição, do que a baseada no direito nacional.

68     O Governo italiano defende que a opção quanto à atribuição das competências para conhecer dos litígios em causa resulta exclusivamente da organização judiciária de cada um dos Estados‑Membros, sob reserva dos princípios da equivalência e da efectividade.

69     A Comissão alega que uma regulamentação nacional que prevê normas de competência para acções cíveis baseadas na violação das regras comunitárias da concorrência diferentes das aplicáveis a acções semelhantes de natureza interna é compatível com o direito comunitário quando as primeiras não são mais favoráveis do que as segundas e não tornam praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos aos particulares pela ordem jurídica comunitária.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

70     Antes de mais, quanto à questão de saber se o artigo 33.°, n.° 2, da Lei n.° 287/90 se aplica unicamente às acções de indemnização baseadas na violação de normas nacionais de concorrência ou igualmente às acções de indemnização baseadas na violação dos artigos 81.° CE e 82.° CE, não compete ao Tribunal de Justiça interpretar o direito nacional nem analisar a sua aplicação ao caso vertente (v., designadamente, acórdãos de 24 de Outubro de 1996, Dietz, C‑435/93, Colect., p. I‑5223, n.° 39, e de 19 de Janeiro de 2006, Bouanich, C‑265/04, Colect., p. I‑923, n.° 51).

71     Em seguida, como resulta do n.° 62 do presente acórdão, na falta de regulamentação comunitária na matéria, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e fixar as modalidades processuais das acções destinadas a assegurar a tutela dos direitos que decorrem para os particulares do efeito directo do direito comunitário, desde que estas modalidades não sejam menos favoráveis do que as de acções semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) e não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos atribuídos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade).

72     Assim, há que responder à segunda questão no processo C‑298/04 que, na falta de regulamentação comunitária na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes para conhecer das acções de indemnização baseadas numa violação das regras comunitárias da concorrência e fixar as modalidades processuais dessas acções, desde que as disposições em causa não sejam menos favoráveis do que as relativas às acções de indemnização baseadas na violação das normas nacionais de concorrência e as referidas disposições nacionais não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito de pedir a reparação do dano causado por um acordo ou uma prática proibida pelo artigo 81.° CE.

 Quanto à terceira questão nos processos C‑295/04 a C‑297/04 e quanto à quarta questão no processo C‑298/04

73     Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 81.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional segundo a qual o prazo de prescrição para pedir a reparação de um dano causado por um acordo ou uma prática proibida pelo artigo 81.° CE começa a correr a partir do dia em que esse acordo ou prática proibida foi posta em prática.

 Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

74     A Assitalia observa que, por força do princípio da autonomia processual, compete ao tribunal nacional, no respeito dos princípios da equivalência e da efectividade, determinar, à luz da sua própria ordem jurídica, quais são os prazos de prescrição e as suas modalidades de aplicação (v. acórdão de 14 de Dezembro de 1995, Peterbroeck, C‑312/93, Colect., p. I‑4599).

75     O Governo italiano sustenta que é a partir do dia em que o acordo foi posto em prática que a protecção contra os efeitos negativos decorrentes deste é eficaz. É, pois, a partir deste momento que corre o prazo de prescrição do pedido de reparação baseado no artigo 81.° CE.

76     A Comissão afirma que, na falta de disposições comunitárias na matéria, é a ordem jurídica de cada Estado‑Membro que rege questões como as do decurso do prazo de prescrição para o exercício de acções baseadas na violação de regras comunitárias da concorrência, desde que este prazo não seja menos favorável do que o aplicável a acções análogas de natureza interna e não torne praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

77     Como foi recordado no n.° 62 do presente acórdão, na falta de regulamentação comunitária na matéria, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro regular as modalidades processuais das acções destinadas a garantir a tutela dos direitos que para os cidadãos resultam do efeito directo do direito comunitário, desde que estas modalidades respeitem os princípios da equivalência e da efectividade.

78     Uma disposição nacional por força da qual o prazo de prescrição para propor uma acção de indemnização corre a contar do dia em que o acordo ou prática concertada foi posta em prática pode tornar praticamente impossível o exercício do direito de pedir a reparação do dano causado por este acordo ou prática proibida, em especial se esta disposição nacional previr também um prazo de prescrição curto e que não possa ser suspenso.

79     Com efeito, nessa situação, no caso de infracções contínuas ou repetidas, não se exclui que o prazo de prescrição se esgote antes mesmo de ser posto termo à infracção, caso em que qualquer pessoa que tenha sofrido danos após o termo do prazo de prescrição se encontra na impossibilidade de propor a acção.

80     Cabe ao órgão jurisdicional nacional averiguar se é este o caso da disposição nacional em causa no processo principal.

81     Consequentemente, deve responder‑se à terceira questão nos processos C‑295/04 a C‑297/04 e à quarta questão no processo C‑298/04 que, na falta de regulamentação comunitária na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro fixar o prazo de prescrição para pedir a reparação do dano causado por um acordo ou uma prática proibida pelo artigo 81.° CE, desde que sejam respeitados os princípios da equivalência e da efectividade.

82     A este propósito, cabe ao órgão jurisdicional nacional averiguar se uma disposição nacional por força da qual o prazo de prescrição para pedir a reparação de um dano causado por um acordo ou uma prática proibida pelo artigo 81.° CE corre a partir do dia em que este acordo ou esta prática proibida foi posta em prática, em especial se essa disposição nacional previr também um prazo de prescrição curto e que não possa ser suspenso, torna praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito à reparação do dano sofrido.

 Quanto à quarta questão nos processos C‑295/04 a C‑297/04 e quanto à quinta questão no processo C‑298/04

83     Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 81.° CE deve ser interpretado no sentido de que impõe aos órgãos jurisdicionais nacionais a obrigação de conceder uma indemnização a título de sanção, a fim de que o montante da indemnização seja superior à vantagem obtida pelo operador económico que violou esta disposição, desencorajando assim a adopção de acordos ou de práticas concertadas proibidas por aquele artigo.

 Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

84     A Assitalia alega que a questão do reconhecimento de uma indemnização a título de sanção ao terceiro que sofreu prejuízo por um comportamento anticoncorrencial cabe, mais uma vez, no princípio da autonomia processual. Na medida em que não existe disposição comunitária em matéria de indemnização a título de sanção, incumbe ao ordenamento jurídico de cada Estado‑Membro fixar os critérios que permitem determinar a extensão da indemnização, sempre no respeito dos princípios da equivalência e da efectividade (v., designadamente, neste sentido, acórdão de 5 de Março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame, C‑46/93 e C‑48/93, Colect., p. I‑1029, n.os 89 e 90).

85     O Governo italiano sustenta que a instituição da indemnização a título de sanção é estranha à ordem jurídica italiana e à razão de ser da instituição da indemnização. Esta é, com efeito, concebida como medida de reparação do dano sofrido e provado pela vítima. Não pode, em caso algum, ter uma função de sanção ou de repressão, cabendo tal função à lei.

86     O Governo alemão defende que deve ser dada resposta negativa a esta questão.

87     No entendimento do Governo austríaco, para garantir a aplicação do artigo 81.° CE, não é necessário conceder oficiosamente uma indemnização a título de sanção a um terceiro que tenha sofrido um dano, não sendo perspectivado nem necessário o enriquecimento da pessoa que tenha sofrido prejuízo. A maior parte das ordens jurídicas dos Estados‑Membros não tiram consequências jurídicas deste tipo da violação do artigo 81.°, n.° 1, CE. Prevêem sobretudo o direito à reparação e a proibição, que bastam para a aplicação efectiva do artigo 81.° CE.

88     A Comissão defende que, na falta de disposições comunitárias na matéria, é o ordenamento jurídico de cada Estado‑Membro que rege questões como as da liquidação do prejuízo decorrente da violação das regras comunitárias da concorrência, desde que a reparação do dano nesse caso não seja menos favorável para o lesado do que a indemnização que poderia obter através de acções análogas de natureza interna.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

89     Como resulta de jurisprudência assente, cabe aos tribunais nacionais encarregados de aplicar, no quadro das suas competências, as disposições do direito comunitário garantir a plena eficácia destas normas e proteger os direitos que as mesmas conferem aos particulares (v., nomeadamente, acórdãos de 9 de Março de 1978, Simmenthal, 106/77, Colect., p. 243, n.° 16; de 19 de Junho de 1990, Factortame e o., C‑213/89, Colect., p. I‑2433, n.° 19, e Courage e Crehan, já referido, n.° 25).

90     Como foi recordado no n.° 60 do presente acórdão, a plena eficácia do artigo 81.° CE, em especial, o efeito útil da proibição prevista no n.° 1, seria posta em causa se não fosse permitido a qualquer pessoa pedir a reparação do prejuízo sofrido que lhe houvesse sido causado por um contrato ou um comportamento susceptível de restringir ou de falsear o jogo da concorrência.

91     Com efeito, um direito deste tipo reforça o carácter operacional das regras comunitárias da concorrência e pode desencorajar acordos ou práticas, frequentemente disfarçados, capazes de restringir ou falsear o jogo da concorrência. Nesta perspectiva, as acções de indemnização por perdas e danos junto dos órgãos jurisdicionais nacionais são susceptíveis de contribuir substancialmente para a manutenção de uma concorrência efectiva na Comunidade (acórdão Courage e Crehan, já referido, n.° 27).

92     Quanto à atribuição de indemnização por perdas e danos e uma eventual possibilidade de conceder indemnizações, a título de sanção, na falta de disposições comunitárias neste domínio, cabe ao ordenamento jurídico de cada Estado‑Membro fixar os critérios que permitem determinar a amplitude da reparação, desde que sejam respeitados os princípios da equivalência e da efectividade.

93     A este propósito, por um lado, em conformidade com o princípio da equivalência, devem poder ser atribuídas indemnizações por perdas e danos particulares, tais como as indemnizações por perdas e danos exemplares ou a título de sanção, no quadro de acções baseadas em regras comunitárias da concorrência, se o puderem ser no quadro de acções semelhantes baseadas no direito nacional (v., neste sentido, acórdão Brasserie du pêcheur e Factortame, já referido, n.° 90).

94     Contudo, é jurisprudência assente que o direito comunitário não obsta a que os órgãos jurisdicionais nacionais zelem por que a protecção dos direitos garantidos pela ordem jurídica comunitária não conduza a um enriquecimento sem causa dos seus titulares (v., nomeadamente, acórdãos de 4 de Outubro de 1979, Ireks‑Arkady/Conselho e Comissão, 238/78, Recueil, p. 2955, n.° 14; de 21 de Setembro de 2000, Michaïlidis, C‑441/98 e C‑442/98, Colect., p. I‑7145, n.° 31, e Courage e Crehan, já referido, n.° 30).

95     Por outro lado, resulta do princípio da efectividade e do direito de qualquer pessoa a pedir a reparação do dano causado por um contrato ou um comportamento susceptível de restringir ou falsear o jogo da concorrência que as pessoas que tenham sofrido um dano possam pedir reparação não só do dano real (damnum emergens) mas também dos lucros cessantes (lucrum cessans), bem como o pagamento de juros.

96     Com efeito, a exclusão total do lucro cessante do prejuízo indemnizável não pode ser aceite em caso de violação do direito comunitário, pois, especialmente a propósito de litígios de ordem económica ou comercial, a exclusão total do lucro cessante é susceptível de tornar impossível de facto a reparação do prejuízo (v. acórdãos Brasserie du pêcheur e Factortame, já referido, n.° 87, e de 8 de Março de 2001, Metallgesellschaft e o., C‑397/98 e C‑410/98, Colect., p. I‑1727, n.° 91).

97     Quanto ao pagamento de juros, o Tribunal de Justiça lembrou no n.° 31 do acórdão de 2 de Agosto de 1993, Marshall (C‑271/91, Colect., p. I‑4367), que a sua atribuição, nos termos das normas nacionais aplicáveis, deve ser considerada uma componente indispensável da indemnização.

98     Consequentemente, deve‑se responder à quarta questão nos processos C‑295/04 a C‑297/04 e à quinta questão no processo C‑298/04 que, na falta de disposições comunitárias neste matéria, cabe ao ordenamento jurídico de cada Estado‑Membro fixar os critérios que permitem determinar o alcance da reparação do dano causado por um acordo ou uma prática proibida pelo artigo 81.° CE, desde que sejam respeitados os princípios da equivalência e da efectividade.

99     Por conseguinte, por um lado, em conformidade com o princípio da equivalência, se podem ser atribuídas indemnizações por perdas e danos especiais, como as indemnizações por perdas e danos exemplares ou a título de sanção, no âmbito de acções nacionais semelhantes às acções baseadas em regras comunitárias da concorrência, também devem poder sê‑lo no quadro destas últimas acções. Contudo, o direito comunitário não obsta a que os órgãos jurisdicionais nacionais zelem por que a protecção dos direitos garantidos pela ordem jurídica comunitária não conduza a um enriquecimento sem causa dos seus titulares.

100   Por outro lado, resulta do princípio da efectividade e do direito dos particulares a pedirem a reparação do dano causado por um contrato ou um comportamento susceptível de restringir ou de falsear o jogo da concorrência que as pessoas que tenham sofrido um dano devem poder pedir a reparação não só do dano real (damnum emergens) mas também dos lucros cessantes (lucrum cessans), bem como o pagamento de juros.

 Quanto às despesas

101   Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      Um acordo ou uma prática concertada, como a ora em questão no processo principal, entre seguradoras, que consiste numa troca recíproca de informações de modo a permitir um aumento dos prémios das apólices de seguro de responsabilidade civil automóvel relativa aos sinistros causados por veículos automóveis, navios e ciclomotores, não justificado pelas condições do mercado, que constitui uma infracção às regras nacionais de protecção da concorrência, pode também constituir uma violação do artigo 81.° CE se, face às características do mercado nacional em causa, existir um grau suficiente de probabilidade de que o acordo ou a prática concertada respectiva possa ter uma influência directa ou indirecta, actual ou potencial, sobre a contratação das apólices deste seguro no Estado‑Membro em questão por operadores estabelecidos noutros Estados‑Membros e de que esta influência não seja insignificante.

2)      O artigo 81.° CE deve ser interpretado no sentido de que qualquer pessoa pode invocar a nulidade de um acordo ou de uma prática proibida por este artigo e, quando existe um nexo de causalidade entre esta e o dano sofrido, pedir a reparação do referido dano.

Na falta de regulamentação comunitária na matéria, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro regular as modalidades do exercício deste direito, incluindo as da aplicação do conceito de «nexo de causalidade», desde que sejam respeitados os princípios da equivalência e da efectividade.

3)      Na falta de regulamentação comunitária na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes para conhecer das acções de indemnização baseadas numa violação das regras comunitárias da concorrência e fixar as modalidades processuais dessas acções, desde que as disposições em causa não sejam menos favoráveis do que as relativas às acções de indemnização baseadas na violação das normas nacionais de concorrência e as referidas disposições nacionais não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito de pedir a reparação do dano causado por um acordo ou uma prática proibida pelo artigo 81.° CE.

4)      Na falta de regulamentação comunitária na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro fixar o prazo de prescrição para pedir a reparação do dano causado por um acordo ou uma prática proibida pelo artigo 81.° CE, desde que sejam respeitados os princípios da equivalência e da efectividade.

A este propósito, cabe ao órgão jurisdicional nacional averiguar se uma disposição nacional por força da qual o prazo de prescrição para pedir a reparação do dano causado por um acordo ou uma prática proibida pelo artigo 81.° CE corre a partir do dia em que este acordo ou esta prática proibida foi posta em prática, em especial se essa disposição nacional previr também um prazo de prescrição curto e que não possa ser suspenso, torna praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito à reparação do dano sofrido.

5)      Na falta de disposições comunitárias nesta matéria, cabe ao ordenamento jurídico de cada Estado‑Membro fixar os critérios que permitem determinar o alcance da reparação do dano causado por um acordo ou uma prática proibida pelo artigo 81.° CE, desde que sejam respeitados os princípios da equivalência e da efectividade.

Por conseguinte, por um lado, em conformidade com o princípio da equivalência, se podem ser atribuídas indemnizações por perdas e danos especiais, como as indemnizações por perdas e danos exemplares ou a título de sanção, no âmbito de acções nacionais semelhantes às acções baseadas em regras comunitárias da concorrência, também devem poder sê‑lo no quadro destas últimas acções. Contudo, o direito comunitário não obsta a que os órgãos jurisdicionais nacionais zelem por que a protecção dos direitos garantidos pela ordem jurídica comunitária não conduza a um enriquecimento sem causa dos seus titulares.

Por outro lado, resulta do princípio da efectividade e do direito dos particulares a pedirem a reparação do dano causado por um contrato ou um comportamento susceptível de restringir ou de falsear o jogo da concorrência que as pessoas que tenham sofrido um dano devem poder pedir a reparação não só do dano real (damnum emergens), mas também os lucros cessantes (lucrum cessans), bem como o pagamento de juros.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.