Processos apensos C‑181/04 a C‑183/04

Elmeka NE

contra

Ypourgos Oikonomikon

(pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Symvoulio tis Epikrateias)

«Sexta Directiva IVA – Isenções – Artigo 15.°, n.os 4, alínea a), 5 e 8 – Isenção da locação de embarcações de mar – Âmbito de aplicação»

Conclusões da advogada‑geral C. Stix‑Hackl apresentadas em 1 de Dezembro de 2005 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 14 de Setembro de 2006 

Sumário do acórdão

1.     Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Isenções previstas na Sexta Directiva

[Directiva 77/388 do Conselho, artigo 15.°, n.os 4, alínea a), e 5]

2.     Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Isenções previstas na Sexta Directiva

(Directiva 77/388 do Conselho, artigo 15.°, n.° 8)

3.     Direito comunitário – Princípios – Protecção da confiança legítima

1.     O artigo 15.°, n.° 4, alínea a), da Sexta Directiva 77/388 relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, para o qual remete o n.° 5 do mesmo artigo, com a redacção dada pela Directiva 92/111, aplica‑se não só aos navios afectos à navegação no alto mar e que asseguram o transporte remunerado de passageiros mas também aos navios afectos à navegação no alto mar e que exercem uma actividade comercial, industrial ou de pesca.

Com efeito, embora certas versões linguísticas do artigo 15.°, n.° 4, alínea a), da Sexta Directiva se prestem a interpretações divergentes, a sistemática e a finalidade da mesma apoiam a aplicação do critério da afectação à navegação no alto mar a todos os tipos de navios mencionados na referida disposição. Se se viesse a entender que essa disposição não visa exclusivamente as embarcações afectas à navegação no alto mar, o n.° 4, alínea b), do mesmo artigo, que também prevê uma isenção para as embarcações afectas à pesca costeira, seria supérfluo.

(cf. n.os 14, 16, disp. 1)

2.     O artigo 15.°, n.° 8, da Sexta Directiva 77/388 relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, deve ser interpretado no sentido de que a isenção prevista nessa disposição visa os serviços prestados directamente ao armador para as necessidades directas das embarcações de mar.

Com efeito, para garantir uma aplicação coerente da Sexta Directiva no seu conjunto, a isenção prevista no seu artigo 15.°, n.° 8, não pode ser alargada às prestações de serviços que têm lugar numa fase anterior de comercialização.

(cf. n.os 24‑25, disp. 2)

3.     No âmbito do sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, as autoridades fiscais nacionais são obrigadas a respeitar o princípio da protecção da confiança legítima. Compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar se, no caso de uma decisão da Administração Fiscal de um Estado‑Membro que autorizou um sujeito passivo a não repercutir o imposto sobre o valor acrescentado sobre o co‑contratante, o sujeito passivo podia razoavelmente presumir que a decisão em causa tinha sido tomada por uma autoridade competente.

(cf. n.os 26, 36, disp. 3)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

14 de Setembro de 2006 (*)

«Sexta Directiva IVA – Isenções – Artigo 15.°, n.os 4, alínea a), 5 e 8 – Isenção da locação de embarcações de mar – Âmbito de aplicação»

Nos processos apensos C‑181/04 a C‑183/04,

que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentados pelo Symvoulio tis Epikrateias (Grécia), por decisões de 3 de Março de 2004, entrados no Tribunal de Justiça em 19 de Abril de 2004, nos processos

Elmeka NE

contra

Ypourgos Oikonomikon,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, J. Makarczyk, R. Silva de Lapuerta, P. Kūris e G. Arestis (relator), juízes,

advogada‑geral: C. Stix‑Hackl,

secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

vistos os autos e após a audiência de 8 de Setembro de 2005,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação do Governo helénico, por M. Apessos, S. Spyropoulos, I. Bakopoulos e S. Chala, na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por G. De Bellis, avvocato dello Stato,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por D. Triantafyllou, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 1 de Dezembro de 2005,

profere o presente

Acórdão

1       Os pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a interpretação do artigo 15.°, n.os 4, alínea a), 5 e 8, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), alterada pela Directiva 92/111/CEE do Conselho, de 14 de Dezembro de 1992 (JO L 384, p. 47, a seguir «Sexta Directiva»), bem como os princípios da protecção da confiança legítima e da segurança jurídica.

2       Esses pedidos foram apresentados no âmbito de um litígio que opõe a sociedade Elmeka NE (a seguir «Elmeka») ao Ypourgos Oikonomikon (Ministro das Finanças), pelo facto de este último ter recusado isentar do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») as operações que deram lugar ao pagamento de fretes para o transporte de combustíveis para abastecimento de navios.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3       O artigo 15.° da Sexta Directiva dispõe:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados‑Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

[…]

4.      As entregas de bens destinados ao abastecimento de barcos:

a)      Afectos à navegação no alto mar, e que assegurem o transporte remunerado de passageiros ou o exercício de uma actividade comercial, industrial ou de pesca;

b)      De salvamento e de assistência no mar, ou afectos à pesca costeira, com excepção, relativamente a estes últimos, das provisões de bordo;

[…]

5.      A entrega, transformação, reparação, manutenção, fretamento e locação dos barcos referidos nas alíneas a) e b) do n.° 4 e bem assim a entrega, locação, reparação e manutenção dos objectos – incluindo o equipamento de pesca – incorporados nos referidos barcos ou que sejam utilizados na sua exploração.

[…]

8.      As prestações de serviços que não sejam as referidas no n.° 5, destinadas às necessidades directas dos barcos aí referidos e da respectiva carga.

[…]»

 Legislação nacional

4       O artigo 22.°, n.° 1, da Lei n.° 1642/1986, relativo à aplicação do IVA e outras disposições (FEK A’ 125), que transpõe a Sexta Directiva para a ordem jurídica grega, na versão em vigor no período pertinente, dispõe, designadamente:

«Estão isentos do imposto:

a)      a entrega e a importação de embarcações afectas à navegação mercante ou de pesca pelos sujeitos passivos de IVA à taxa normal ou destinadas a qualquer outra exploração, ao desmantelamento ou ao uso das forças armadas ou dos poderes públicos em geral, a entrega e a importação de meios de transporte de salvamento e assistência no mar, assim como de objectos e materiais destinados a ser incorporados ou utilizados em embarcações ou meios de transporte de salvamento no mar. Exceptuam‑se as embarcações para uso privado destinadas a actividades de recreio ou desporto;

[…]

c)      a entrega e a importação de combustíveis, lubrificantes, provisões e outros bens destinados ao abastecimento de embarcações, meios de transporte aquáticos e aeronaves isentos nos termos das disposições das alíneas a) e b). No que se refere às embarcações e meios de transporte aquáticos da frota mercante nacional, ou destinados a qualquer outra exploração no país, assim como as embarcações de pesca que pescam nas águas territoriais gregas, a isenção limita‑se aos combustíveis e aos lubrificantes;

d)      o fretamento de embarcações e o aluguer de aeronaves destinados à realização de ulteriores operações tributáveis ou de operações isentas com direito da dedução do imposto das operações a montante. Exceptuam‑se o fretamento e o aluguer de embarcações e aeronaves para uso privado destinados a actividades de recreio ou desporto […]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

5       A Elmeka tem por objecto social a exploração de um navio‑cisterna que transporta produtos petrolíferos na Grécia, por conta de diversos afretadores que comercializam combustíveis líquidos.

6       No decurso de uma fiscalização tributária à escrita da Elmeka relativa aos anos de 1994 a 1996, as autoridades fiscais nacionais concluíram que entre os afretadores‑fornecedores da sociedade se encontrava a sociedade panamense Oceanic International Bunkering SA (a seguir «Oceanic»), cujo objecto social é o comércio de produtos petrolíferos. As autoridades fiscais concluíram ainda que a Elmeka não cobrava o IVA sobre o frete bruto que recebia, com base em cada conhecimento de carga, relativo ao transporte de produtos petrolíferos destinados ao abastecimento de navios na Grécia, por conta da sociedade Oceanic, com o fundamento de que essas transacções estavam isentas desse imposto.

7       Por carta de 21 de Junho de 1994, a Elmeka colocou ao Dimosia Oikonomiki Ypiresia Ploion Peiraios (serviço de finanças do Pireu encarregue das contribuições navais, a seguir «serviço de finanças do Pireu») a questão de saber se, relativamente ao abastecimento pelo seu navio‑cisterna, por conta da sociedade Oceanic, de embarcações que navegam no estrangeiro e transportam combustíveis provenientes das refinarias do ancoradouro do porto do Pireu, era obrigada por lei a incluir o IVA nos conhecimentos de carga emitidos à referida sociedade ou se estava isenta desse imposto ao abrigo da Lei n.° 1642/1986 e, nesse caso, segundo que procedimento. Em resposta a essa questão, o serviço de finanças do Pireu respondeu que os conhecimentos de carga em questão estavam isentos de IVA.

8       Na sequência da revogação da isenção de IVA de que beneficiavam as prestações de serviços de transporte de produtos petrolíferos, que produziu efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1993, as prestações da Elmeka ficaram sujeitas a IVA, uma vez que tinham lugar no interior do país, independentemente do facto de o destinatário dessas prestações estar estabelecido fora da Comunidade. Nestas condições, a Administração Fiscal competente imputou à Elmeka, mediante três decisões respeitantes aos três exercícios em causa, a saber, os anos de 1994 (C‑183/04), de 1995 (C‑182/04) e de 1996 (C‑181/04), o diferencial do imposto devido, bem como um agravamento por cada ano, por declarações incorrectas, e ainda o pagamento de uma coima.

9       A Elmeka interpôs recurso destas decisões para o Dioikitiko Protodikeio Pireos (tribunal administrativo de primeira instância do Pireu). Tendo esse tribunal negado provimento ao seu recurso, a sociedade interpôs recurso para o Dioikitiko Efeteio Pireos (tribunal administrativo de segunda instância do Pireu) que, depois de anular a decisão do tribunal de primeira instância, admitiu no caso vertente que, se um comportamento positivo do serviço de finanças do Pireu tivesse criado no sujeito passivo a convicção duradoura e legítima de não estar sujeito a IVA, com a consequência de não ter repercutido este imposto no consumo, esse sujeito passivo não estava obrigado ao pagamento do referido imposto se a sua imputação a posteriori ameaçasse a estabilidade financeira da sua empresa. Todavia, este fundamento de anulação foi rejeitado, uma vez que a Elmeka não tinha invocado elementos concretos relativos à sua situação financeira, não tendo, portanto, demonstrado uma das condições de aplicação da regra relativa à existência de uma convicção duradoura e legítima. O Dioikitiko Efeteio Pireos decidiu ainda que os transportes de carburantes efectuados pela Elmeka não eram abrangidos pelo artigo 22.°, n.° 1, alínea c), da Lei n.° 1642/1986, e que a decisão n.° 6 da Administração Fiscal competente, de 5 de Junho de 1997, exigiu correctamente o pagamento do IVA a essa sociedade. Deste modo, foi negado provimento ao recurso quanto a este ponto.

10     A Elmeka interpôs recurso dessa decisão para o Symvoulio tis Epikrateias (Supremo Tribunal Administrativo da Grécia) que decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, que são redigidas em termos idênticos nos processos C‑181/04 a C‑183/04:

«1)      O artigo 15.°, n.° 4, alínea a), da Sexta Directiva […], para o qual o artigo 15.°, n.° 5, da directiva remete, diz respeito ao [fretamento] tanto dos barcos afectos à navegação no alto mar e que asseguram o transporte remunerado de passageiros como ao dos barcos afectos ao exercício de uma actividade comercial, industrial ou de pesca, ou diz respeito unicamente ao [fretamento] dos barcos afectos à navegação em alto mar, de forma que, na segunda hipótese, a disposição prevista pelo artigo 22.°, n.° 1, alínea d), da Lei n.° 1642/1986 é mais ampla no que se refere à categoria dos barcos a que o [fretamento] previsto na directiva diz respeito?

2)      Para efeitos da isenção do imposto nos termos do artigo 15.°, n.° 8, da Sexta Directiva, a prestação de serviços deve ser efectuada [ao] próprio armador ou a isenção é concedida mesmo que a prestação seja efectuada [a] um terceiro, com a única condição de que seja efectuada para as necessidades imediatas dos barcos referidos no n.° 5 do mesmo artigo, ou seja, nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.° 4 deste artigo?

3)      É permitido, e em que condições, segundo as regras e princípios do direito comunitário que regulam o imposto sobre o valor acrescentado, [aplicar retroactivamente] o imposto […] quando a sua não repercussão pelo sujeito passivo, durante esse período, sobre o co‑contratante e, por conseguinte, o não pagamento do imposto à administração, se ficou a dever ao facto de o sujeito passivo se ter convencido, devido [à actuação] da Administração Fiscal, de que não tinha que repercutir este imposto?»

11     Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 2 de Junho de 2004, os processos C‑181/04 a C‑183/04 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral, bem como do acórdão a proferir.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

12     Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o critério da afectação à «navegação no alto mar», mencionado no artigo 15.°, n.° 4, alínea a), da Sexta Directiva, para o qual remete o n.° 5 do mesmo artigo, apenas diz respeito aos navios afectos ao transporte remunerado de passageiros ou se visa igualmente os navios afectos ao exercício de uma actividade comercial, industrial ou de pesca.

13     O Governo helénico e a Comissão das Comunidades Europeias estão de acordo em considerar que o artigo 15.°, n.° 4, alínea a), da Sexta Directiva apenas diz respeito aos navios afectos à navegação no alto mar e que assegurem o transporte remunerado de passageiros ou o exercício de uma actividade comercial, industrial ou de pesca. O Governo italiano considera, pelo contrário, que essa disposição deve ser interpretada no sentido de que a isenção que prevê diz respeito, por um lado, aos navios afectos à navegação no alto mar e que assegurem o transporte remunerado de passageiros e, por outro, aos navios afectos ao exercício de uma actividade comercial, industrial ou de pesca.

14     A este respeito, embora certas versões linguísticas do artigo 15.°, n.° 4, alínea a), da Sexta Directiva se prestem a interpretações divergentes, a sistemática e a finalidade da mesma apoiam a aplicação do critério da afectação à navegação no alto mar a todos os tipos de navios mencionados na referida disposição. Resulta da epígrafe do mesmo artigo, a saber, «Isenções das operações de exportação, das operações equiparadas e dos transportes internacionais», que as disposições desse artigo visam isentar de IVA, a título de abastecimento e sob determinadas condições, as entregas de bens destinadas ao abastecimento de navios de mar. A aplicação do critério da afectação à navegação no alto mar não permite a isenção de muitos navios afectos à navegação no mar e que exercem uma actividade comercial, industrial ou de pesca na medida em que essas actividades não sejam exercidas em alto mar. Se se viesse a entender que essa disposição não visa exclusivamente as embarcações afectas à navegação no alto mar, o n.° 4, alínea b), do mesmo artigo, que também prevê uma isenção para as embarcações afectas à pesca costeira, seria supérfluo.

15     Além disso, uma interpretação no sentido de o artigo 15.°, n.° 4, alínea a), da Sexta Directiva se aplicar exclusivamente aos navios afectos à navegação no alto mar corresponde à jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, de acordo com a qual as isenções de IVA devem ser interpretadas de forma estrita, por constituírem derrogações ao princípio geral de que o imposto sobre o volume de negócios é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito passivo (v., designadamente, acórdãos de 26 de Junho de 1990, Velker International Oil Company, C‑185/89, Colect., p. I‑2561, n.° 19, e de 16 de Setembro de 2004, Cimber Air, C‑382/02, Colect., p. I‑8379, n.° 25).

16     Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o artigo 15.°, n.° 4, alínea a), da Sexta Directiva, para o qual remete o n.° 5 do mesmo artigo, se aplica não só aos navios afectos à navegação no alto mar e que asseguram o transporte remunerado de passageiros mas também aos navios afectos à navegação no alto mar e que exercem uma actividade comercial, industrial ou de pesca.

 Quanto à segunda questão

17     Através da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a isenção prevista no artigo 15.°, n.° 8, da Sexta Directiva visa apenas as prestações de serviços destinadas às necessidades directas das embarcações de mar, referidas no n.° 5 do mesmo artigo, e da respectiva carga e que têm por destinatário o próprio armador ou se essa isenção se aplica igualmente a essas prestações quando têm por destinatário um terceiro.

18     A este respeito, importa recordar que os processos pendentes no órgão jurisdicional de reenvio têm por objecto operações de transporte de carburantes efectuadas pela Elmeka por conta da Oceanic que vende o combustível aos armadores dos navios em causa. Com efeito, a Elmeka não presta os seus serviços directamente aos armadores, mas à Oceanic, que fornece por si própria os armadores.

19     Os Governos helénico e italiano, bem como a Comissão, consideram que, para beneficiar da isenção prevista no artigo 15.°, n.° 8, da Sexta Directiva, as prestações de serviços devem ser fornecidas directamente ao armador.

20     Importa recordar que as isenções constituem conceitos autónomos do direito comunitário que devem ser colocados no contexto geral do sistema comum do IVA instituído pela Sexta Directiva (v., designadamente, acórdãos de 5 de Junho de 1997, SDC, C‑2/95, Colect., p. I‑3017, n.° 21; de 10 de Setembro de 2002, Kügler, C‑141/00, Colect., p. I‑6833, n.° 25; e Cimber Air, já referido, n.° 23). Por outro lado, como referido no n.° 15 do presente acórdão, as isenções de IVA devem ser interpretadas de forma estrita.

21     As operações de abastecimento de embarcações mencionadas no artigo 15.°, n.° 4, da Sexta Directiva estão isentas pelo facto de serem equiparadas às operações de exportação (v., neste sentido, acórdão Velker International Oil Company, já referido, n.° 21).

22     No que respeita às operações de exportação, do mesmo modo que a isenção de pleno direito prevista no artigo 15.°, n.° 1, da Sexta Directiva se aplica exclusivamente às entregas finais de bens expedidos ou transportados pelo vendedor ou por sua conta para fora da Comunidade, a isenção prevista no n.° 4 do mesmo artigo apenas se aplica à entrega de bens ao explorador de embarcações que utilize esses bens para o abastecimento, não podendo, portanto, ser tornada extensiva às entregas de bens efectuadas numa fase anterior de comercialização (v., neste sentido, acórdão Velker International Oil Company, já referido, n.° 22).

23     Com efeito, a extensão da isenção às fases anteriores à entrega final dos bens ao explorador de embarcações exigiria que os Estados implementassem mecanismos de controlo e de fiscalização para se certificarem do destino final dos bens entregues com isenção do imposto. Estes mecanismos traduzir‑se‑iam, para os Estados e para os operadores em causa, em obrigações que seriam inconciliáveis com a «aplicação correcta e simples das isenções» prescrita pela primeira frase do artigo 15.° da Sexta Directiva (v., neste sentido, acórdão Velker International Oil Company, já referido, n.° 24).

24     Ora, como assinala a advogada‑geral no n.° 28 das suas conclusões, estas considerações são transponíveis para a isenção de prestações de serviços do artigo 15.°, n.° 8, da Sexta Directiva. Daqui decorre que, para garantir uma aplicação coerente da Sexta Directiva no seu conjunto, a isenção prevista nessa disposição se aplica apenas aos serviços directamente prestados ao armador, não podendo, portanto, ser alargada aos serviços prestados numa fase anterior de comercialização.

25     Por conseguinte, há que responder à segunda questão que o artigo 15.°, n.° 8, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que a isenção prevista nessa disposição visa os serviços prestados directamente ao armador para as necessidades directas das embarcações de mar.

 Quanto à terceira questão

26     Através da sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, à luz das regras e princípios do direito comunitário em matéria de IVA, um acto da Administração Fiscal nacional que autorize um sujeito passivo a não repercutir o IVA sobre o co‑contratante pode, ainda que seja ilegal, gerar uma confiança legítima no sujeito passivo que se opõe ao pagamento a posteriori do referido imposto.

27     A Comissão considera que o princípio da protecção da confiança legítima não permite exigir o pagamento a posteriori do IVA que o sujeito passivo não repercutiu sobre o seu co‑contratante durante os exercícios em causa e que não pagou à Administração Fiscal, uma vez que o comportamento desta última ao longo de vários anos convenceu legitimamente esse sujeito passivo de que não tinha de repercutir esse imposto. Na audiência, a Comissão acrescentou, todavia, que o facto de a informação não ter sido comunicada pela Administração Fiscal competente pode, eventualmente, conduzir a uma apreciação diferente.

28     Pelo contrário, o Governo helénico considera que as regras de direito comunitário em matéria de IVA não obstam à cobrança a posteriori de um imposto que não foi pago à Administração Fiscal devido ao facto de o sujeito passivo estar convencido de que não tinha que repercutir esse imposto, quando essa convicção se dever a uma interpretação das disposições legais pertinentes fornecida, a pedido do sujeito passivo, por uma autoridade da Administração Fiscal e, em particular, quando essa autoridade não tinha competência para se pronunciar sobre esse pedido.

29     O Governo italiano alega que o justo equilíbrio entre a salvaguarda dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima, por um lado, e o dever de respeitar a regulamentação comunitária em matéria de IVA, por outro, conduz necessariamente, nos processos principais, a que o Estado helénico deva exigir o pagamento do imposto, mas não deva aplicar qualquer sanção nem exigir o pagamento de juros.

30     Resulta das decisões de reenvio que estão em causa decisões provisórias da Administração Fiscal competente, de 5 de Junho de 1997, respeitantes à liquidação do IVA devido a título dos exercícios de 1994 (C‑183/04), de 1995 (C‑182/04) e de 1996 (C‑181/04), que revogam um documento de isenção do referido imposto anteriormente adoptado pelo serviço de finanças do Pireu.

31     A este respeito, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, os princípios da protecção da confiança legítima e da segurança jurídica fazem parte da ordem jurídica comunitária. Como tal, devem ser respeitados pelas instituições comunitárias, mas também pelos Estados‑Membros no exercício dos poderes que as directivas comunitárias lhes conferem (v., designadamente, acórdãos de 3 de Dezembro de 1998, Belgocodex, C‑381/97, Colect., p. I‑8153, n.° 26, e de 26 de Abril de 2005, «Goed Wonen», C‑376/02, Colect., p. I‑3445, n.° 32). Do exposto resulta que as autoridades nacionais são obrigadas a respeitar o princípio da protecção da confiança legítima dos operadores económicos.

32     No que respeita ao princípio da protecção da confiança legítima do beneficiário do acto favorável, em primeiro lugar, há que determinar se os actos das autoridades administrativas criaram, no espírito de um operador económico prudente e avisado, uma confiança razoável (v., neste sentido, acórdãos de 10 de Dezembro de 1975, Union nationale des coopératives agricoles de céréales e o./Comissão e Conselho, 95/74 a 98/74, 15/75 e 100/75, Recueil, p. 1615, n.os 43 a 45, Colect., p. 555, e de 1 de Fevereiro de 1978, Lührs, 78/77, Recueil, p. 169, n.° 6, Colect., p. 69). Se a resposta a esta questão for afirmativa, há que, num segundo momento, determinar o carácter legítimo dessa confiança.

33     No caso vertente, tal como exposto nas decisões de reenvio, a Elmeka perguntou ao serviço de finanças do Pireu se, no quadro do abastecimento de embarcações, estava isenta de IVA, ao abrigo do artigo 22.° da Lei n.° 1642/1986, e, nesse caso, segundo que procedimento. O referido serviço respondeu que os conhecimentos de carga estavam isentos de IVA em conformidade com o mesmo artigo 22.°, alíneas c) e d).

34     Além disso, importa assinalar que o Governo helénico alegou, tanto nas observações escritas como na audiência, que existe uma disposição expressa no direito interno que designa a autoridade nacional competente para responder às questões relativas a problemas jurídicos em matéria de fiscalidade colocadas pelos cidadãos.

35     A este respeito, compete ao juiz nacional apreciar se a Elmeka, que tem por objecto social a exploração de um navio‑cisterna que efectua o transporte de produtos petrolíferos por conta de diversos afretadores, podia razoavelmente presumir que o serviço de finanças do Pireu tinha competência para se pronunciar acerca da aplicação da isenção às suas actividades.

36     À luz das observações que precedem, há que responder à terceira questão que, no âmbito do sistema comum do IVA, as autoridades fiscais nacionais são obrigadas a respeitar o princípio da protecção da confiança legítima. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se, nas circunstâncias dos processos principais, o sujeito passivo podia razoavelmente presumir que a decisão em causa tinha sido tomada por uma autoridade competente.

 Quanto às despesas

37     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      O artigo 15.°, n.° 4, alínea a), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, para o qual remete o n.° 5 do mesmo artigo, com a redacção dada pela Directiva 92/111/CEE do Conselho, de 14 de Dezembro de 1992, aplica‑se não só aos navios afectos à navegação no alto mar e que asseguram o transporte remunerado de passageiros mas também aos navios afectos à navegação no alto mar e que exercem uma actividade comercial, industrial ou de pesca.

2)      O artigo 15.°, n.° 8, da Sexta Directiva 77/388 deve ser interpretado no sentido de que a isenção prevista nessa disposição visa os serviços prestados directamente ao armador para as necessidades directas das embarcações de mar.

3)      No âmbito do sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, as autoridades fiscais nacionais são obrigadas a respeitar o princípio da protecção da confiança legítima. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se, nas circunstâncias dos processos principais, o sujeito passivo podia razoavelmente presumir que a decisão em causa tinha sido tomada por uma autoridade competente.

Assinaturas


* Língua do processo: grego.