Processos apensos C‑154/04 e C‑155/04

The Queen, ex parte de Alliance for Natural Health e o.

contra

Secretary of State for Health e National Assembly for Wales

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division (Administrative Court)]

«Aproximação das legislações – Suplementos alimentares – Directiva 2002/46/CE – Proibição de comercialização de produtos não conformes com a directiva – Validade – Base jurídica – Artigo 95.° CE – Artigos 28.° CE e 30.° CE – Regulamento (CE) n.° 3285/94 – Princípios da subsidiariedade, da proporcionalidade e da igualdade de tratamento – Direito de propriedade – Livre exercício de uma actividade económica – Dever de fundamentação»

Conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed apresentadas em 5 de Abril de 2005 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 12 de Julho de 2005 

Sumário do acórdão

1.     Aproximação das legislações – Complementos alimentares – Directiva 2002/46 – Proibição de comercialização de suplementos alimentares contendo certas vitaminas ou certos minerais – Medidas destinadas a melhorar o funcionamento do mercado interno – Base jurídica – Artigo 95.° CE – Necessidade de respeitar um nível elevado de protecção da saúde das pessoas

[Artigo 95.° CE; Directiva 2002/46 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), e anexos I e II]

2.     Livre circulação de mercadorias – Restrições quantitativas – Medidas de efeito equivalente – Proibição, que decorre de uma medida comunitária, de comercialização de suplementos alimentares contendo certas vitaminas ou certos minerais – Inadmissibilidade – Justificação – Protecção da saúde pública – Condições

[Artigos 28.° CE e 30.° CE; Directiva 2002/46 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 3.°, 4.°, n.° 1, 4.°, n.° 5 e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), e anexos I e II]

3.     Política comercial comum – Regulamentação pelas instituições comunitárias – Regulamento n.° 3285/94 – Finalidade – Liberalização das importações de bens provenientes de Estados terceiros – Efeitos nas condições de colocação dos referidos produtos no mercado – Inexistência – Consequência

(Regulamento n.° 3285/94 do Conselho)

4.     Aproximação das legislações – Complementos alimentares – Directiva 2002/46 – Medidas de harmonização – Proibição de comercialização de suplementos alimentares contendo certas vitaminas ou certos minerais – Violação do princípio da subsidiariedade – Inexistência

[Artigos 5.°, segundo parágrafo, CE e 95.°, n.° 3, CE; Directiva 2002/46 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alíneas a)e b)]

5.     Aproximação das legislações – Complementos alimentares – Directiva 2002/46 – Medidas de harmonização – Proibição de comercialização de suplementos alimentares contendo certas vitaminas ou certos minerais – Violação do princípio da igualdade de tratamento – Inexistência

[Directiva 2002/46 do Parlamento Europeu e do Conselho, décimo primeiro considerando, artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15, segundo parágrafo, alínea b), e anexo II]

6.     Aproximação das legislações – Complementos alimentares – Directiva 2002/46 – Medidas de harmonização – Proibição de comercialização de suplementos alimentares contendo certas vitaminas ou certos minerais – Ofensa ao respeito da vida privada e familiar do consumidor – Inexistência

[Artigo 6.°, n.° 2, UE; Directiva 2002/46 do Parlamento Europeu e do Conselho, décimo primeiro considerando, artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15, segundo parágrafo, alínea b)]

7.     Direito comunitário – Princípios – Direitos fundamentais – Direito de propriedade – Livre exercício de actividades profissionais – Restrições – Proibição, que decorre de uma medida comunitária, de comercialização de suplementos alimentares contendo certas vitaminas ou certos minerais – Violação do direito de propriedade – Inexistência – Violação do livre exercício da actividade profissional dos fabricantes dos referidos produtos – Admissibilidade – Restrição justificada pelo interesse geral – Violação do princípio da proporcionalidade – Inexistência

[Directiva 2002/46 do Parlamento Europeu e do Conselho, décimo primeiro considerando, artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15, segundo parágrafo, alínea b)]

1.     Quando existem obstáculos às trocas comerciais, ou que seja verosímil o surgimento desses obstáculos no futuro, devido ao facto de os Estados‑Membros terem tomado, ou estarem em vias de tomar, a respeito de um produto ou de uma categoria de produtos, medidas divergentes susceptíveis de assegurar um nível de protecção diferente e impedir, dessa forma, o ou os produtos em questão de circular livremente na Comunidade, o artigo 95.° CE habilita o legislador comunitário a intervir, tomando as medidas adequadas.

Assim, o artigo 95.° CE constitui a única base jurídica adequada para as disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 relativa aos suplementos alimentares, dada a diversidade das regras nacionais a que estes últimos estavam sujeitos antes da adopção da referida directiva e o risco inerente de entrave à sua livre circulação e por conseguinte, do efeito directo no funcionamento do mercado interno nesse domínio.

Todavia, essas disposições devem respeitar quer o artigo 95.°, n.° 3, CE, que exige de forma expressa que, na harmonização realizada, seja garantido um nível elevado de protecção da saúde das pessoas, quer os princípios jurídicos consagrados no Tratado ou enunciados pela jurisprudência, designadamente o princípio da proporcionalidade. Também o facto de considerações da saúde das pessoas terem interferido para decidir a proibição, que decorre das disposições conjugadas dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46, de comercializar suplementos alimentares que contenham vitaminas, minerais ou substâncias vitamínicas que não figurem nas listas anexadas a essa directiva não é susceptível de invalidar a análise que precede.

(cf. n.os 31, 32, 35, 40, 42)

2.     As disposições conjugadas dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46, relativa aos suplementos alimentares, constituem uma restrição à livre circulação de mercadorias entre Estados‑Membros, na acepção do artigo 28.° CE. Com efeito, ao proibirem a comercialização na Comunidade de suplementos alimentares contendo vitaminas, minerais ou substâncias vitamínicas ou minerais que não figurem nas listas anexadas a essa directiva, as referidas disposições são susceptíveis de restringir a livre circulação de suplementos alimentares no interior da Comunidade. Essa medida, motivada por considerações relacionadas com a protecção da saúde humana, pode, no entanto, ser justificada, nos termos do artigo 30.° CE, na condição de ser necessária e proporcionada tendo em vista o objectivo prosseguido.

Para respeitar a exigência de proporcionalidade, a proibição de comercializar produtos que contenham substâncias que não figurem nas listas positivas definidas na legislação aplicável deve prever um procedimento que permita a inscrição de uma substância determinada nessas listas, que seja conforme com os princípios gerais de direito comunitário, nomeadamente com os princípios de uma boa administração e da segurança jurídica. Esse procedimento deve ser acessível, no sentido de que deve ser expressamente mencionado num acto de alcance geral vinculando as autoridades interessadas. Deve poder ser concluído dentro de prazos razoáveis. Um pedido com vista a obter a inscrição de uma substância na lista das substâncias autorizadas só pode ser rejeitado pelas autoridades competentes com base numa avaliação aprofundada do risco que a utilização da substância representa para a saúde pública, estabelecida a partir dos dados científicos disponíveis mais fiáveis e dos resultados mais recentes da investigação internacional. Se o procedimento conduzir a um indeferimento, este deve poder ser objecto de recurso jurisdicional.

Preenche estes requisitos o procedimento previsto no artigo 4.°, n.° 5, da Directiva 2002/46, que permite o aditamento de uma vitamina, de um mineral ou de uma substância vitamínica ou mineral nas listas já referidas.

(cf. n.os 48‑51, 72‑74, 89)

3.     O Regulamento n.° 3285/94, relativo ao regime comum aplicável às importações e que revoga o Regulamento n.° 518/94, tem por objectivo a liberalização das importações de bens provenientes de Estados terceiros. Pelo contrário, não tem por finalidade a liberalização da colocação desses produtos no mercado, que constitui uma fase posterior à importação. Daqui resulta que esse regulamento não é pertinente para apreciar a legalidade das medidas comunitárias que tenham por efeito proibir a colocação no mercado na Comunidade de produtos importados de Estados terceiros que não satisfaçam as condições exigidas para essa colocação no mercado, por razões relacionadas com a protecção da saúde humana.

(cf. n.os 95, 96)

4.     Não violam o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5.°, segundo parágrafo, CE as disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 relativa aos suplementos alimentares.

Com efeito, a proibição, decorrente dessas disposições, de comercializar os suplementos alimentares não conformes com a Directiva 2002/46, acompanhada da obrigação de os Estados‑Membros, em conformidade com o artigo 15.°, segundo parágrafo, alínea a), da mesma directiva, autorizarem o comércio de suplementos alimentares conformes com a mesma, tem por objectivo eliminar os entraves resultantes das divergências entre as regras nacionais respeitantes às vitaminas, minerais e substâncias vitamínicas ou minerais autorizadas ou proibidas no fabrico de suplementos alimentares, assegurando, em conformidade com o artigo 95.°, n.° 3, CE, um nível de protecção elevado em matéria de saúde das pessoas. Deixar aos Estados‑Membros o cuidado de regulamentar o comércio de suplementos alimentares não conformes com a Directiva 2002/46 significaria perpetuar a evolução heterogénea das regulamentações nacionais e, portanto, os obstáculos ao comércio entre Estados‑Membros e as distorções de concorrência no que diz respeito a estes produtos. Também o objectivo para o qual contribuem as disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da referida directiva não pode ser alcançado satisfatoriamente por uma acção desenvolvida pelos Estados‑Membros e pressupõe uma acção ao nível comunitário.

(cf. n.os 105‑108)

5.     Não violam o princípio da igualdade de tratamento as disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 relativa aos suplementos alimentares.

Com efeito, a proibição, decorrente dessas disposições, de comercializar os suplementos alimentares contendo substâncias vitamínicas ou minerais que não figurem na lista positiva constante do anexo II da Directiva 2002/46 assenta no facto de as referidas substâncias não terem sido objecto, no momento da adopção desta directiva, por parte das autoridades competentes, de uma avaliação científica adequada a garantir a sua conformidade com os critérios da inocuidade e da disponibilidade para a absorção pelo organismo, enunciados no décimo primeiro considerando da referida directiva, contrariamente às substâncias que nela figuram. Essa diferença de situação permite, portanto, um tratamento diferente sem que possa ser utilmente invocada uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

(cf. n.os 116, 118, 119)

6.     O facto de as disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46, relativa aos suplementos alimentares, poderem privar as pessoas do direito de consumir suplementos alimentares não conformes com esta directiva não pode ser considerado uma ofensa ao respeito da vida privada e familiar das pessoas, na acepção do artigo 8.° da Convenção Europeia dos Direitos dos Homens.

(cf. n.os 123, 124)

7.     O direito de propriedade faz parte, como o direito de exercer livremente uma actividade económica, dos princípios gerais do direito comunitário. Não obstante, estes princípios não constituem prerrogativas absolutas, mas devem ser tomados em consideração em relação à sua função na sociedade. Consequentemente, o direito de propriedade pode ser acompanhado de restrições, o mesmo sucedendo com o direito de exercer livremente uma actividade económica, com a condição de essas restrições responderem efectivamente aos objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade e de não constituírem, em relação ao fim prosseguido, uma intervenção desproporcionada e intolerável susceptível de atentar contra a substância dos direitos assim garantidos.

A este respeito, a proibição, decorrente das disposições conjugadas dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 relativa aos suplementos alimentares, de comercializar e de colocar no mercado comunitário suplementos alimentares não conformes com esta directiva não coloca de modo nenhum em causa o direito de propriedade. Com efeito, nenhum operador económico pode reivindicar um direito de propriedade sobre uma quota de mercado, mesmo se a detinha num momento anterior à instauração de uma medida que afectou o referido mercado, uma tal quota de mercado apenas constitui uma posição económica momentânea, exposta à eventualidade de uma alteração das circunstâncias.

Em contrapartida, essa proibição é susceptível de restringir o livre exercício da actividade profissional dos fabricantes de suplementos alimentares. Todavia, essa restrição não pode ser vista, à luz do objectivo de interesse geral que é a protecção da saúde das pessoas visada pela proibição, como uma ofensa desproporcionada ao livre exercício da actividade profissional dos referidos fabricantes.

(cf. n.os  126‑129)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

12 de Julho de 2005 (*)

«Aproximação das legislações – Suplementos alimentares – Directiva 2002/46/CE – Proibição de comercialização de produtos não conformes com a directiva – Validade – Base jurídica – Artigo 95.° CE – Artigos 28.° CE e 30.° CE – Regulamento (CE) n.° 3285/94 – Princípios da subsidiariedade, da proporcionalidade e da igualdade de tratamento – Direito de propriedade – Liberdade de exercício de uma actividade económica – Dever de fundamentação»

Nos processos apensos C‑154/04 e C‑155/04,

que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentados pela High Court of Justice (England & Wales) Queen’s Bench Division (Administrative Court) (Reino Unido), por decisões de 17 de Março de 2004, entrados no Tribunal de Justiça em 26 de Março de 2004, nos processos

The Queen, ex parte:

Alliance for Natural Health (C‑154/04),

Nutri‑Link Ltd

contra

Secretary of State for Health

e

The Queen, ex parte:

National Association of Health Stores (C‑155/04),

Health Food Manufacturers Ltd

contra

Secretary of State for Health,

National Assembly for Wales,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas e K. Lenaerts (relator), presidentes de secção, C. Gulmann, A. La Pergola, J.‑P. Puissochet, R. Schintgen, J. Klučka, U. Lõhmus, E. Levits e A. Ó Caoimh, juízes,

advogado‑geral: L. A. Geelhoed,

secretário: K. Sztranc, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 25 de Janeiro de 2005,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação da Alliance for Natural Health e Nutri‑Link Ltd, por K. P. E. Lasok, QC, A. Howard e M. Patchett‑Joyce, barristers,

–       em representação da National Association of Health Stores e da Health Food Manufacturers Ltd, por R.Thompson, QC, e S. Grodzinski, barrister,

–       em representação do Governo do Reino Unido, por M. Bethell, na qualidade de agente, assistido por C. Lewis, barrister,

–       em representação do Governo grego, por N. Dafniou e G. Karipsiadis, na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo português, por L. Fernandes, na qualidade de agente,

–       em representação do Parlamento Europeu, por M. Moore e U. Rösslein, na qualidade de agentes,

–       em representação do Conselho da União Europeia, por E. Karlsson e E. Finnegan, na qualidade de agentes,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J.‑P. Keppenne e M. Shotter, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 5 de Abril de 2005,

profere o presente

Acórdão

1       Os pedidos de decisão prejudicial respeitam à validade dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Junho de 2002, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos suplementos alimentares (JO L 183, p. 51).

2       Esses pedidos foram apresentados no seguimento das petições apresentadas, respectivamente, em 10 de Outubro de 2003 pela National Association of Health Stores e Health Food Manufacturers Ltd (C–155/04) e em 13 de Outubro de 2003 pela Alliance for Natural Health e Nutri‑Link Ltd (154/04»), destinadas a obter a autorização para instaurarem um processo de fiscalização da legalidade («judicial review») das Food Supplements (England) Regulations 2003 e das Food Supplements (Wales) Regulations 2003 (a seguir «Food Supplements Regulations»). Estes dois regulamentos transpõem a Directiva 2002/46 para o direito britânico.

 Quadro jurídico

3       A Directiva 2002/46, adoptada com base no artigo 95.° CE, «refere‑se a suplementos alimentares comercializados como géneros alimentícios e apresentados como tais», tal como resulta do artigo 1.°, n.° 1, da directiva.

4       Segundo o primeiro considerando da directiva, «existe um número crescente de produtos comercializados na Comunidade como alimentos que constituem uma fonte concentrada de nutrientes e são apresentados como complemento aos nutrientes ingeridos num regime alimentar normal».

5       Nos termos do segundo considerando da mesma directiva:

«Esses produtos estão sujeitos a regras nacionais que variam de Estado‑Membro para Estado‑Membro e que podem obstar à sua livre circulação e criar desigualdades nas condições de concorrência, tendo, por conseguinte, um impacto directo no funcionamento do mercado interno. Assim, é necessário adoptar regras comunitárias relativas a esses produtos comercializados como géneros alimentícios.»

6       O quinto considerando da Directiva 2002/46 dispõe que «para garantir um elevado nível de protecção dos consumidores e facilitar a sua escolha, os produtos a colocar no mercado devem ser seguros e comportar uma rotulagem adequada».

7       Resulta dos sexto, sétimo e oitavo considerandos da mesma directiva que, face à grande variedade de nutrientes e outros ingredientes que podem estar presentes nos suplementos alimentares, incluindo, entre outros, vitaminas, minerais, aminoácidos, ácidos gordos essenciais, fibras e várias plantas e extractos de ervas, o legislador comunitário deu prioridade à adopção de medidas para as vitaminas e os minerais utilizados como ingredientes na composição de suplementos alimentares. Precisa‑se que serão adoptadas outras disposições comunitárias relativas a outros nutrientes, para além das vitaminas e minerais, ou a outras substâncias com efeito nutricional ou fisiológico utilizadas como ingredientes de suplementos alimentares, quando estiverem disponíveis dados científicos suficientes e adequados a esse respeito, e que, enquanto se aguarda a adopção dessas disposições comunitárias, e sem prejuízo das disposições do Tratado, podem continuar a aplicar‑se as normas nacionais relativas a esses nutrientes e substâncias.

8       Os nono, décimo, décimo primeiro e décimo segundo considerandos da Directiva 2002/46 estabelecem o seguinte:

«(9)      Apenas as vitaminas e os minerais normalmente presentes e consumidos num regime alimentar podem entrar na composição dos suplementos alimentares, embora tal não signifique que a sua presença naqueles produtos seja indispensável. Deverão evitar‑se potenciais controvérsias relativas à identidade desses nutrientes. Por conseguinte, deve ser estabelecida uma lista positiva dessas vitaminas e minerais.

(10)      Existe uma vasta gama de preparados vitamínicos e substâncias minerais utilizados na produção de suplementos alimentares actualmente comercializados em alguns Estados‑Membros que ainda não foram avaliados pelo Comité Científico da Alimentação Humana e, por conseguinte, não constam das listas positivas. Deveriam ser apresentados à Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos para avaliação urgente, assim que as partes interessadas apresentem os processos adequados.

(11)      É essencial que as substâncias químicas utilizadas como fontes de vitaminas e de minerais no fabrico de suplementos alimentares deverão ser seguras e poder ser consumidas pelo organismo. Assim, deve ser elaborada uma lista positiva dessas substâncias. As substâncias aprovadas pelo Comité Científico da Alimentação Humana, com base nos critérios acima referidos, para utilização no fabrico de alimentos destinados a lactentes e crianças de tenra idade, bem como de outros alimentos destinados a uma alimentação especial, podem igualmente ser utilizadas no fabrico de suplementos alimentares.

(12)      Para acompanhar a evolução científica e tecnológica, é importante que a lista acima referida seja revista, sempre que necessário, com a maior brevidade possível. Essas revisões assumirão a forma de medidas de execução de natureza técnica cuja adopção deverá ser confiada à Comissão, por forma a garantir a simplicidade e celeridade do processo».

9       Para efeitos da Directiva 2002/46, entende‑se por «complementos alimentares», segundo o seu artigo 2.°, alínea a), «géneros alimentícios que se destinam a complementar o regime alimentar normal e que constituem fontes concentradas de determinados nutrientes ou outras substâncias com efeito nutricional ou fisiológico, estremes ou combinados, comercializados em forma doseada, ou seja, as formas de apresentação como cápsulas, pastilhas, comprimidos, pílulas e outras formas semelhantes, saquetas de pó, ampolas de líquido, frascos com conta‑gotas e outras formas similares de líquidos ou pós que se destinam a ser tomados em unidades medidas de quantidade reduzida».

10     Entende‑se por «nutrientes», nos termos do artigo 2.°, alínea b), da mesma directiva, as vitaminas e os minerais.

11     Segundo o artigo 3.° da Directiva 2002/46, os Estados‑Membros garantem que os suplementos alimentares só possam ser comercializados na Comunidade se forem conformes com as regras previstas nessa directiva.

12     O artigo 4.° da mesma directiva dispõe:

«1.      Sob reserva do disposto no n.° 6, apenas as vitaminas e minerais constantes do anexo I, sob as formas enunciadas no anexo II, podem ser utilizados no fabrico de suplementos alimentares.

[…]

5.      As alterações das listas referidas no n.° 1 são adoptadas nos termos do n.° 2 do artigo 13.°

6.      Em derrogação do n.° 1 e até 31 de Dezembro de 2009, os Estados‑Membros podem autorizar no seu território o uso de vitaminas e de minerais não enumerados no anexo I, ou sob formas não enunciadas no anexo II, desde que:

a)      a substância em causa seja utilizada em um ou mais suplementos alimentares comercializados na Comunidade à data de entrada em vigor da presente directiva;

b)      a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos não tenha dado parecer desfavorável à utilização dessa substância, ou à sua utilização sob essa forma, no fabrico de suplementos alimentares, com base num processo favorável à sua utilização, a ser apresentado à Comissão pelo Estado‑Membro o mais tardar em 12 de Julho de 2005.

7.      Sem prejuízo do disposto no n.° 6, os Estados‑Membros podem, segundo as regras do Tratado, continuar a aplicar as restrições ou proibições nacionais em matéria de comércio de suplementos alimentares que contenham vitaminas e minerais não enumerados no anexo I ou sob formas não enunciadas no anexo II.

[…]»

13     O artigo 11.° da Directiva 2002/46 dispõe:

«1.      Sem prejuízo do disposto no n.° 7 do artigo 4.°, o comércio dos produtos referidos no artigo 1.° que sejam conformes com o disposto na presente directiva e, se for caso disso, com os actos comunitários adoptados em sua execução, não pode ser proibido ou restringido pelos Estados‑Membros por motivos relacionados com a composição, especificações de fabrico, apresentação ou rotulagem desses mesmos produtos.

2.      Sem prejuízo do disposto no Tratado CE, nomeadamente nos seus artigos 28.° e 30.°, o n.° 1 do presente artigo não prejudica as disposições nacionais aplicáveis na falta de actos comunitários adoptados ao abrigo da presente directiva.»

14     O artigo 13.° da mesma directiva estabelece o seguinte:

«1.      A Comissão é assistida pelo Comité Permanente da Cadeia Alimentar e da Saúde Animal criado pelo Regulamento (CE) n.° 178/2002 (adiante designado por ‘Comité’).

2.      Sempre que se faça referência ao presente número, são aplicáveis os artigos 5.° e 7.° da Decisão 1999/468/CE, tendo em conta o disposto no seu artigo 8.°

O prazo previsto no n.° 6 do artigo 5.° da Decisão 1999/468/CE é de três meses.

3.      O comité aprovará o seu regulamento interno».

15     O artigo 14.° da Directiva 2002/46 dispõe:

«As disposições que possam afectar a saúde pública são adoptadas após consulta da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos.»

16     O artigo 15.° da directiva dispõe:

«Os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente directiva o mais tardar, até 31 de Julho de 2003 e informar imediatamente a Comissão desse facto.

Essas disposições legislativas, regulamentares e administrativas são aplicadas por forma a:

a)      Autorizar, o mais tardar em 1 de Agosto de 2003, o comércio dos produtos conformes com a presente directiva,

b)      Proibir, o mais tardar em 1 de Agosto de 2005, o comércio dos produtos que não sejam conformes com a presente directiva.

[…]»

17     Nos termos do seu artigo 16.°, a Directiva 2002/46 entrou em vigor em 12 de Julho de 2002, data da sua publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias.

18     A Directiva 2002/46 possui dois anexos que estabelecem, respectivamente, as listas relativas às «[v]itaminas e minerais que podem ser utilizados no fabrico de suplementos alimentares» e às «[substâncias vitamínicas] e minerais que podem ser utilizados no fabrico de suplementos alimentares» (a seguir «listas positivas»).

 Os litígios no processo principal e a questão prejudicial

19     As demandantes nos processos principais que deu origem ao processo C‑154/04 são, por um lado, uma associação de âmbito europeu de fabricantes, grossistas, distribuidores, retalhistas e consumidores de suplementos alimentares e, por outro lado, um pequeno distribuidor‑retalhista especializado na comercialização de suplementos alimentares no Reino Unido.

20     As demandantes nos processos principais que deu origem ao processo C‑155/04 são duas associações profissionais que representam cerca de 580 sociedades, na maioria de pequena dimensão, cuja actividade consiste no fornecimento de alimentos dietéticos no Reino Unido.

21     Todos as demandantes nos processos principais alegam que as disposições conjugadas dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46, transpostas para o direito interno pelas Food Supplements Regulations e que, com efeitos a partir de 1 de Agosto de 2005, proíbem a comercialização de suplementos alimentares que não respeitem a directiva, são incompatíveis com o direito comunitário e devem, portanto, ser declaradas inválidas.

22     A High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Administrative Court), autorizou as demandantes nos processos principais a pedir a fiscalização da legalidade e decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça, em termos idênticos em ambos os casos, a seguinte questão prejudicial:

«São os artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, alínea b), da Directiva 2002/45/CE inválidos, devido:

a)      à inadequação do artigo 95.° CE como base jurídica;

b)      à violação i) dos artigos 28.° CE e 30.° CE e/ou ii) do artigo 1.°, n.° 2, e do artigo 24.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento [(CE) n.° 3285/94 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, relativo ao regime comum aplicável às importações e que revoga o Regulamento (CE) n.° 518/94 (JO L 349, p. 53)];

c)      à violação do princípio da subsidiariedade;

d)      à violação do princípio da proporcionalidade;

e)      à violação do princípio da igualdade de tratamento;

f)      à violação do artigo 6.°, n.° 2, [UE], lido à luz do artigo 8.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do artigo 1.° do Protocolo n.° 1 à Convenção, bem como à violação do direito fundamental de propriedade e/ou do direito de exercer uma actividade económica;

g)      à violação do artigo 253.° CE e/ou do dever de fundamentação?»

23     Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 2004, os pedidos da jurisdição de reenvio tendo em vista submeter os presentes processos à tramitação acelerada prevista no artigo 104.°‑A, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, foram rejeitados. Por este mesmo despacho, os processos C‑154/04 e C‑155/04 foram apensos para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão.

 Quanto à questão prejudicial

 Quanto à alínea a) da questão

24     Na alínea a) da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 são inválidas pelo facto de o artigo 95.° CE não ser a base jurídica apropriada.

25     As demandantes nos processos principais que deu origem ao processo C‑154/04 alegam que a proibição que decorre das disposições da Directiva 2002/46 não contribui para a melhoria das condições de estabelecimento e de funcionamento do mercado interno. Acrescentam que, admitindo que o fundamento dessa proibição reside em considerações de saúde pública, o recurso ao artigo 95.° CE constitui um desvio de poder dado que, nos termos do artigo 152.°, n.° 4, alínea c), CE, a Comunidade não é competente para harmonizar as disposições nacionais em matéria de saúde humana.

26     As demandantes nos processos principais que deu origem ao processo C‑154/04 alegam, por um lado, que os artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 são contrários ao princípio da livre circulação de mercadorias no seio da Comunidade, princípio ao qual o legislador está vinculado no exercício das suas competências ao abrigo do artigo 95.° CE (v. acórdão de 9 de Agosto de 1994, Meyhui, C‑51/93, Colect., p. I‑3879, n.os 10 e 11). Sustentam, por outro lado, que essas disposições contêm restrições directas e imediatas às trocas com Estados terceiros, pelo que deviam ter sido adoptadas com base no artigo 133.° CE.

27     A esse respeito, convém lembrar que, nos termos do artigo 95.°, n.° 1, CE, o Conselho da União Europeia, deliberando de acordo com o procedimento previsto no artigo 251.° CE, e após consulta do Comité Económico e Social Europeu, adopta as medidas relativas à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros, que tenham por objecto o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno.

28     Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, se a simples constatação de disparidades entre as regulamentações nacionais não é suficiente para justificar o recurso ao artigo 95.° CE (v., a este respeito, acórdão de 5 de Outubro de 2000, Alemanha/Parlamento e Conselho, C‑376/98, Colect., p. I‑8419, n.° 84), pelo contrário, o recurso a este artigo já se justifica em caso de divergências entres as disposições legislativas, regulamentares ou administrativas dos Estados‑Membros susceptíveis de limitar as liberdades fundamentais e de ter, assim, uma influência directa sobre o funcionamento do mercado interno [acórdãos de 14 de Dezembro de 2004, Arnold André, C‑434/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 30, e Swedish Match, C‑210/03, ainda não publicado na Colectânea, n.° 29; v. igualmente, nesse sentido, acórdãos Alemanha/Parlamento e Conselho, já referido, n.° 95, e de 10 de Dezembro de 2002, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, C‑491/01, Colect., p. I‑11453, n.° 60].

29     Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal que, se o recurso ao artigo 95.° CE como base jurídica é possível a fim de evitar o aparecimento de obstáculos futuros às trocas comerciais resultantes da evolução heterogénea das legislações nacionais, o aparecimento desses obstáculos deve ser verosímil e a medida em causa deve ter por objecto a sua prevenção [acórdãos, já referidos, Arnold André, n.° 31, e Swedish Match, n.° 31; v. igualmente, neste sentido, acórdãos de 13 de Julho de 1995, Espanha/Conselho, C‑350/92, Colect., p. I‑1985, n.° 35; Alemanha/Parlamento e Conselho, já referido, n.° 86; de 9 de Outubro de 2001, Países Baixos/Parlamento e Conselho, C‑377/98, Colect., p. I‑7079, n.° 15, bem como British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, já referido, n.° 61].

30     O Tribunal de Justiça já declarou, além disso, que, quando estejam preenchidas as condições do recurso ao artigo 95.° CE como base jurídica, o legislador comunitário não pode ser impedido de se fundar nesta base jurídica pelo facto de a protecção da saúde pública ser determinante nas opções a tomar [acórdãos, já referidos, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, n.° 62; Arnold André, n.° 32; e Swedish Match, n.° 31].

31     Cabe sublinhar, a esse respeito, que o artigo 152.°, n.° 1, primeiro parágrafo, CE dispõe que, na definição e na execução de todas as políticas e acções da Comunidade será assegurado um elevado nível de protecção da saúde e o artigo 95.°, n.° 3, CE exige expressamente que se garanta um elevado nível de protecção da saúde humana na harmonização das legislações [acórdãos, já referidos, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, n.° 62; Arnold André, n.° 33; e Swedish Match, n.° 32].

32     Resulta do exposto que, a partir do momento em que existam obstáculos ao comércio, ou que seja verosímil o surgimento desses obstáculos no futuro, devido à adopção pelos Estados‑Membros, a respeito de um produto ou de uma categoria de produtos, de medidas divergentes assegurando um nível de protecção diferente e impedindo, dessa forma, os produtos em questão de circular livremente na Comunidade, o artigo 95.° CE habilita o legislador comunitário a intervir através da adopção de medidas adequadas nos termos, por um lado, do n.° 3 do mesmo artigo e, por outro lado, dos princípios jurídicos mencionados no Tratado ou desenvolvidos pela jurisprudência, nomeadamente o princípio da proporcionalidade (acórdãos, já referidos, Arnold André, n. ° 34, e Swedish Match, n.° 33).

33     Em função das circunstâncias, essas medidas adequadas podem consistir em obrigar o conjunto dos Estados‑Membros a autorizar a comercialização do ou dos produtos em causa, em fazer depender essa obrigação de autorização de determinadas condições, e atém em proibir, provisória ou definitivamente, a comercialização de um ou de certos produtos (acórdãos, já referidos, Arnold André, n.° 35, e Swedish Match, n.° 34).

34     É à luz destes princípios que importa verificar se as condições de recurso ao artigo 95.° CE como base jurídica se encontram preenchidas no caso das disposições relacionadas com a questão formulada.

35     Segundo as indicações que figuram no segundo considerando da Directiva 2002/46, antes da adopção desta directiva, os suplementos alimentares estavam sujeitos a regras nacionais diversas, susceptíveis de obstar à sua livre circulação e de ter, por conseguinte, um impacto directo no funcionamento do mercado interno nesse domínio.

36     Tal como o Parlamento Europeu e o Conselho fizeram notar nas suas observações escritas, essas indicações são corroboradas pelo facto de, antes da adopção da Directiva 2002/46, terem dado entrada no Tribunal de Justiça vários processos respeitantes a situações em que os operadores económicos tinham encontrado obstáculos para comercializar num Estado‑Membro diferente do da sua sede suplementos alimentares legalmente comercializados no Estado‑Membro da sua sede.

37     Além disso, no n.° 1 da exposição de motivos da proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos complementos alimentares, COM(2000) 222 final, apresentada pela Comissão em 10 de Maio de 2000 (JO C 311 E, p. 207), declara‑se, tal como referiram o Governo grego bem como o Conselho e a Comissão nas suas observações escritas, que, antes da apresentação daquela proposta, os serviços da Comissão tinham recebido «um número significativo de queixas apresentadas por operadores económicos» decorrentes das divergências entre as regras nacionais «que não foram ultrapassad[as] pela aplicação do princípio do reconhecimento mútuo».

38     Nestas circunstâncias, uma intervenção do legislador comunitário apoiada no artigo 95.° CE era justificada no que diz respeito aos suplementos alimentares.

39     Resulta do exposto que as disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46, das quais decorre uma proibição, a contar de 1 de Agosto de 2005, de comercializar suplementos alimentares não conformes à Directiva, podiam ser adoptadas com base no artigo 95.° CE.

40     Tendo em conta a jurisprudência referida nos n.os 30 e 31 do presente acórdão, o facto de estarem presentes considerações relativas à saúde humana na definição dessas disposições não invalida a análise que precede.

41     No que diz respeito ao argumento das demandantes nos processos principais que deu origem ao processo C‑155/04, baseado na necessidade de fundamentar as disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 no artigo 133.° CE, importa notar que a circunstância de essas disposições poderem afectar indirectamente o comércio internacional de suplementos alimentares não permite contestar validamente o facto de o seu objectivo primeiro ser o de contribuir para a eliminação das divergências entre as regulamentações nacionais susceptíveis de afectar o funcionamento do mercado interno nesse domínio [v., a esse respeito, acórdão British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, já referido, n.° 96].

42     Por conseguinte, o artigo 95.° CE constitui a única base jurídica adequada para as disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46.

43     Segue‑se que essas disposições não são inválidas por falta de base jurídica adequada.

 Quanto à alínea b) da questão

44     Através da alínea b) da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 são inválidos por violarem os artigos 28.° CE e 30.° CE e/ou por violarem os artigos 1.°, n.° 2, e 24.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 3285/94.

45     Nos dois casos presentes, as demandantes nos processos principais alegam que a proibição decorrente das disposições visadas pela questão formulada constitui uma restrição ao comércio intracomunitário e internacional de suplementos alimentares até aqui legalmente colocados em circulação.

46     As demandantes no processo principal que deu origem ao processo C‑155/04 acrescentam que nem o artigo 30.° CE, nem o artigo 24.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 3285/94 justificam a introdução repentina de uma proibição ao comércio de produtos cuja segurança nunca antes foi colocada em questão.

 No que diz respeito aos artigos 28.° CE e 30.° CE

47     Importa notar que, segundo jurisprudência constante, a proibição de restrições quantitativas bem como de medidas de efeito equivalente, prevista no artigo 28.° CE, vale não somente para as medidas nacionais, mas também para as medidas emanadas das instituições comunitárias (v. acórdãos de 17 de Maio de 1984, Denkavit Nederland, 15/83, Colect., p. 2171, n.° 15; Meyhui, já referido, n.° 11; de 25 de Junho de 1997, Kieffer e Thill, C‑114/96, Colect., p. I‑3629, n.° 27; e Arnold André, já referido, n.° 57).

48     Apesar disso, como prevê o artigo 30.° CE, o artigo 28.° CE não impede proibições ou restrições justificadas, nomeadamente, por razões de protecção da saúde e da vida das pessoas (v. acórdãos, já referidos, Arnold André, n.° 58, e Swedish Match, n.° 60).

49     As disposições conjugadas dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 constituem uma restrição na acepção do artigo 28.° CE. De facto, ao proibirem a comercialização na Comunidade de suplementos alimentares contendo vitaminas, minerais ou substâncias vitamínicas ou minerais que não figurem nas listas positivas, essas disposições são susceptíveis de restringir a livre circulação de suplementos alimentares no interior da Comunidade.

50     Como salienta o advogado‑geral no n.° 40 das suas conclusões, resulta de diferentes considerandos da Directiva 2002/46 e, em particular, do quinto, nono, décimo e décimo primeiro, que o legislador comunitário justifica esta medida de proibição com considerações relacionadas com a protecção da saúde humana.

51     Importa ainda verificar se essa medida é necessária e proporcionada tendo em vista o objectivo da protecção da saúde das pessoas.

52     No que respeita ao controlo jurisdicional dessas condições, há que reconhecer ao legislador comunitário um amplo poder de apreciação num domínio como o do caso vertente, que implica escolhas de natureza política, económica e social da sua parte, em que é chamado a efectuar apreciações complexas. Por conseguinte, só o carácter manifestamente inadequado de uma medida adoptada nesse domínio, em relação ao objectivo que as instituições competentes pretendem prosseguir, pode afectar a legalidade de tal medida [v., nesse sentido, acórdão British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, já referido, n.° 123].

53     Nos dois casos presentes, as demandantes nos processos principais sustentam que a medida de proibição em causa não é necessária nem proporcionada ao objectivo alegado.

54     Em primeiro lugar, contestam a necessidade daquela medida de proibição. Alegam, a este propósito, que os artigos 4.°, n.° 7, e 11.°, n.° 2, da Directiva 2002/46 reconhecem aos Estados‑Membros a possibilidade de restringir o comércio de suplementos alimentares não conformes com a directiva. Segundo as demandantes, uma medida comunitária de proibição é, deste modo, supérflua.

55     No que respeita, em primeiro lugar, ao artigo 4.°, n.° 7, da Directiva 2002/46, importa salientar que, tal como decorre da própria redacção desta disposição e do historial do processo legislativo que conduziu à adopção desta directiva, a referida disposição está intrinsecamente relacionada com o artigo 4.°, n.° 6, da mesma directiva, o que foi confirmado na audiência pelo Parlamento, pelo Conselho e pela Comissão.

56     Segue‑se que a faculdade reconhecida aos Estados‑Membros, no artigo 4.°, n.° 7, da Directiva 2002/46, de continuar a aplicar, segundo as regras do Tratado, as restrições ou proibições nacionais em matéria de comércio de suplementos alimentares que contenham vitaminas, minerais ou substâncias vitamínicas ou minerais não enumerados nas listas positivas não é mais do que o corolário da possibilidade de um Estado‑Membro, nos termos do n.° 6 do mesmo artigo 4.°, autorizar no seu território, até 31 de Dezembro de 2009, a utilização daquelas substâncias sob as condições enunciadas nesta última disposição.

57     Tal como salientou o advogado‑geral no n.° 22 das suas conclusões, o objecto do artigo 4.°, n.° 7, da Directiva 2002/46, consiste unicamente em prever que outros Estados‑Membros que não aquele que autoriza no seu território, dentro dos limites e no respeito pelas condições enunciadas no n.° 6 do mesmo artigo, a utilização, no fabrico de suplementos alimentares, de vitaminas, minerais ou substâncias vitamínicas ou minerais não enumeradas nas listas positivas, não são obrigados a autorizar a importação, no seu próprio território, de suplementos alimentares contendo aqueles ingredientes.

58     O argumento das demandantes nos processos principais apoiado no artigo 4.°, n.° 7, da Directiva 2002/46 não permite, pois, concluir pela inexistência da necessidade da medida de proibição em causa.

59     Em seguida, no que diz respeito ao artigo 11.°, n.° 2, da Directiva 2002/46, a leitura conjugada desta disposição e do oitavo considerando da mesma directiva demonstra que o objectivo daquela disposição é o de garantir, enquanto se aguarda uma regulamentação comunitária específica, a aplicação, segundo as regras do Tratado, das regras nacionais relativas a outros nutrientes que não as vitaminas ou os minerais, ou a outras substâncias com um efeito nutricional ou psicológico, utilizadas como ingredientes nos suplementos alimentares.

60     O artigo 11, n.° 2, da Directiva 2002/46 visa, deste modo, unicamente os suplementos alimentares que contenham nutrientes ou substâncias não abrangidos pelo campo de aplicação material da mesma. Não é, portanto, pertinente para apreciar o carácter necessário da medida de proibição prevista nos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46.

61     Em segundo lugar, as demandantes nos processos principais alegam que aquela medida de proibição reveste um carácter desproporcionado.

62     Alegam a este respeito que o conteúdo das listas positivas é insuficiente. Segundo as demandantes, isto deve‑se a que a lista de substâncias que figura no anexo II da Directiva 2002/46 foi estabelecida não com base em critérios de inocuidade ou de disponibilidade para absorção pelo organismo enunciados no décimo primeiro considerando desta directiva, mas com base em listas que visam identificar os ingredientes autorizados no fabrico de alimentos destinados a usos nutricionais especiais. Por conseguinte, a medida de proibição aplica‑se a um grande número de elementos nutritivos que, todavia, são adaptados a um regime alimentar normal e que são actualmente fabricados e comercializados em certos Estados‑Membros, e, em relação aos quais, até à data, não se demonstrou que possam ser perigosos para a saúde das pessoas. Além disso, a referida directiva proíbe de maneira injustificada e desproporcionada as vitaminas e os minerais de origem natural, ainda que estes estejam habitualmente presentes no regime alimentar normal e sejam mais bem tolerados pelo organismo do que as vitaminas e os minerais de origem não natural.

63     A este respeito, convém, desde logo, salientar, que uma leitura conjugada de diversos considerandos da Directiva 2002/46 demonstra que esta diz respeito aos suplementos alimentares contendo vitaminas e/ou minerais derivados de um processo de fabrico baseado na utilização de «substâncias químicas» (décimo primeiro considerando), e não aos suplementos alimentares de cuja composição fazem parte ingredientes como «aminoácidos, ácidos gordos essenciais, fibras e várias plantas e extractos de ervas» (sexto considerando), cujas condições de utilização continuam, por conseguinte, «enquanto essa regulamentação comunitária específica não for adoptada», a competir «[à]s disposições nacionais», «sem prejuízo das disposições do Tratado» (oitavo considerando).

64     Seguidamente, há que salientar que o conteúdo das listas positivas corresponde, tal como observaram as demandantes no processo principal que deu origem ao processo C‑155/04, à lista de substâncias classificadas nas categorias «vitaminas» e «minerais» que figuram no anexo da Directiva 2001/15/CE da Comissão, de 15 de Fevereiro de 2001, relativa às substâncias para fins nutricionais específicos que podem ser adicionadas nos géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial (JO L 52, p. 19).

65     Como dispõe o quarto considerando da Directiva 2001/15, as substâncias enumeradas no seu anexo foram seleccionadas tendo em conta critérios de inocuidade e de disponibilidade para absorção pelo organismo, previstos no considerando décimo primeiro da Directiva 2002/46.

66     Tal como resulta de uma leitura conjugada dos considerandos décimo e décimo primeiro da Directiva 2002/46, o facto de um determinado número de substâncias químicas que entram na composição de suplementos alimentares comercializados em certos Estados‑Membros não serem actualmente permitidas à escala europeia explica‑se pela circunstância de as substâncias em causa nos litígios nos processos principais não terem sido, no momento da adopção daquela directiva, objecto de uma avaliação favorável, no que diz respeito aos critérios de inocuidade e de disponibilidade para absorção pelo organismo, pelas autoridades científicas europeias competentes.

67     As informações fornecidas pelas demandantes nos processos principais nas suas observações escritas a propósito de certas substâncias vitamínicas ou minerais que não figuram na lista positiva do anexo II da Directiva 2002/46 não são susceptíveis de criar dúvidas quanto à correcta fundamentação dessa explicação. Com efeito, daí resulta que, no momento da adopção desta directiva, essas substâncias ainda não tinham sido objecto de uma avaliação do Comité Científico de Alimentação Humana ou que, pelo menos, este continuava a ter dúvidas sérias, por falta de dados científicos suficientes e adequados, quanto à sua inocuidade e/ou à sua disponibilidade para absorção pelo organismo.

68     Nestas circunstâncias, e tendo em conta a necessidade de o legislador comunitário tomar em consideração o princípio da precaução no momento em que adopte, no quadro da política do mercado interno, medidas de protecção da saúde humana (v., neste sentido, acórdãos de 5 de Maio de 1998, National Farmers’ Union e o., C‑157/96, Colect., p. I‑2211, n.° 64; Reino Unido/Comissão, C‑180/96, Colect., p. I‑2265, n.° 100; e de 2 de Dezembro de 2004, Comissão/Países Baixos, ainda não publicado na Colectânea, n.° 45), os autores da Directiva 2002/46 puderam considerar razoavelmente que a forma adequada de conciliar o objectivo do mercado interno, por um lado, com o objectivo da protecção da saúde humana, por outro, consistia em reservar o benefício da livre circulação para os suplementos alimentares que contivessem substâncias em relação às quais, no momento da adopção da directiva, as autoridades científicas europeias competentes dispunham de dados científicos suficientes e adequados para fundamentar um parecer favorável da sua parte, prevendo ao mesmo tempo, no artigo 4.°, n.° 5, dessa directiva, a possibilidade de se alterar o conteúdo das listas positivas em função da evolução das ciências e da tecnologia.

69     A este propósito, importa aliás salientar que, em conformidade com o artigo 7.° do Regulamento (CE) n.° 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO L 31, p. 1), o legislador comunitário pode adoptar medidas provisórias de gestão do risco necessárias para assegurar um nível elevado de protecção da saúde humana, enquanto se aguardam informações científicas que permitam uma avaliação mais exaustiva do risco, tal como se dispõe no décimo considerando da Directiva 2002/46.

70     Ao contrário do que sustentam as demandantes no processo principal que deu origem ao processo C‑154/04, um sistema de lista negativa, que consista na circunscrição do campo de proibição apenas às substâncias mencionadas nessa lista, pode não ser suficiente para alcançar o objectivo de protecção da saúde humana. De facto, o recurso, no caso vertente, a um tal sistema significaria que, enquanto não for inscrita naquela lista, uma substância pode livremente entrar no fabrico de suplementos alimentares mesmo que, por exemplo dada a sua novidade, ela não tenha sido objecto de qualquer avaliação científica adequada a garantir que não comporta qualquer risco para a saúde humana.

71     As demandantes alegam que os procedimentos previstos no artigo 4.°, n.os 5 e 6, da Directiva 2002/46 carecem de transparência, dada a imprecisão dos critérios aplicados pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos no exame dos dossiers com vista a obter a autorização para utilizar uma substância não prevista nas listas positivas. Esses procedimentos representam também constrangimentos financeiros e administrativos particularmente pesados.

72     A este respeito, uma medida que, como aquela que está em causa nos processos principais, comporte a proibição de comercializar produtos que contenham substâncias que não figurem nas listas positivas definidas na legislação aplicável deve prever um procedimento que permita a inscrição de uma substância determinada nessas listas, que seja conforme com os princípios gerais de direito comunitário, nomeadamente com os princípios de uma boa administração e da segurança jurídica.

73     Esse procedimento deve ser acessível, no sentido de que deve ser expressamente mencionado num acto de alcance geral vinculando as autoridades interessadas. Deve poder ser concluído dentro de prazos razoáveis. Um pedido com vista a obter a inscrição de uma substância na lista das substâncias autorizadas só pode ser rejeitado pelas autoridades competentes com base numa avaliação aprofundada do risco que a utilização da substância representa para a saúde pública, estabelecido a partir dos dados científicos disponíveis mais fiáveis e dos resultados mais recentes da investigação internacional. Se o procedimento conduzir a um indeferimento, este deve poder ser objecto de recurso jurisdicional (v., por analogia, acórdãos de 5 de Fevereiro de 2004, Comissão/França, C‑24/00, Colect., p. I‑1277, n.os 26, 27 e 36, bem como Greenham e Abel, C‑95/01, Colect., p. I‑1333, n.os 35, 36 e 50).

74     No âmbito da Directiva 2002/46, o procedimento que acompanha a medida de proibição em causa, para o aditamento de uma vitamina, de um mineral ou de uma substância vitamínica ou mineral nas listas positivas, está previsto no artigo 4.°, n.° 5, dessa directiva, que respeita à alteração daquelas listas.

75     Por conseguinte, para apreciar a validade da medida de proibição decorrente dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46, o exame do Tribunal de Justiça deve debruçar‑se unicamente sobre a legalidade do procedimento previsto no artigo 4.°, n.° 5, desta directiva. Um exame da validade do procedimento previsto no n.° 6 do mesmo artigo 4.°, que visa a obtenção de uma autorização temporária de alcance nacional, prosseguindo, portanto, uma finalidade diferente do procedimento previsto no referido artigo 4.°, n.° 5, sairia, pelo contrário, do âmbito de análise inerente aos presentes processos.

76     O artigo 4.°, n.° 5, da Directiva 2002/46, remete para o artigo 13.°, n.° 2, da mesma directiva, o qual dispõe, no seu primeiro parágrafo que, «sempre que se faça referência ao presente número, são aplicáveis os artigos 5.° e 7.° da Decisão 1999/468/CE, tendo em conta o disposto no seu artigo 8.°»

77     Como se dispõe no décimo segundo considerando da Directiva 2002/46, a remissão para o procedimento previsto nos artigos 5.° e 7.° da Decisão 1999/468/CE do Conselho, de 28 de Junho de 1999, que fixa as regras de exercício das competências de execução atribuídas à Comissão (JO L 184, p. 23), responde à preocupação de poder recorrer, logo que seja necessário rever as listas positivas em função da evolução da ciência e da tecnologia, a um procedimento simplificado e acelerado, que tome a forma de medidas de execução de natureza técnica cuja adopção é confiada à Comissão.

78     Como resulta dos sétimo e nono considerandos da Decisão 1999/468, esse procedimento, designado de «comitologia», pretende conciliar os imperativos de eficácia e de flexibilidade exigidos pela necessidade de adaptar e de actualizar com regularidade os elementos da legislação comunitária à luz da evolução das concepções científicas em matéria de protecção da saúde ou da segurança das pessoas, por um lado, e a tomada em consideração das competências respectivas das instituições comunitárias, por outro.

79     No âmbito desse procedimento de comitologia, prevê‑se, nos termos do artigo 5.° da Decisão 1999/468, que a Comissão apresente ao Comité referido no artigo 13.°, n.° 1, da Directiva 2002/46, um projecto de medidas a tomar, sobre o qual o comité deve emitir um parecer «num prazo que o [seu] presidente pode fixar em função da urgência da questão» (artigo 5.°, n.° 2). Logo que o mesmo comité emita o seu parecer, compete à Comissão aprovar as medidas projectadas se estas forem conformes com o parecer (artigo 5.°, n.° 3). Na hipótese inversa ou na ausência do parecer do comité, a Comissão apresentará «imediatamente» ao Conselho uma proposta relativa às medidas a tomar e informará o Parlamento (artigo 5.°, n.° 4), podendo o Conselho deliberar no prazo de três meses (artigo 5.°, n.° 6, primeiro parágrafo; artigo 13.°, n.° 2, segundo parágrafo, da Directiva 2002/46). Se, nesse prazo, o Conselho se tiver pronunciado contra a proposta, a Comissão reanalisá‑la‑á podendo apresentar ao Conselho a mesma proposta ou uma proposta alterada ou apresentar uma proposta legislativa com base no Tratado (artigo 5.°, n.° 6, segundo parágrafo). Pelo contrário, se, no termo desse prazo, o Conselho não tiver aprovado o acto de execução proposto nem se tiver pronunciado contra a proposta de medidas de execução, o acto de execução proposto será aprovado pela Comissão (artigo 5.°, n.° 6, terceiro parágrafo).

80     As disposições conjugadas dos artigos 13.°, n.° 2, segundo parágrafo, da Directiva 2002/46 e 5.° da Decisão 1999/468, para as quais remete o artigo 4.°, n.° 5, da mesma directiva, garantem que, a contar da consulta do Comité pela Comissão com base no artigo 5.°, n.° 2, da decisão, o procedimento de alteração do conteúdo das listas positivas decorre dentro de prazos razoáveis.

81     É certo que teria sido desejável que, tratando‑se da fase compreendida entre o depósito de um dossier com vista à alteração do conteúdo das listas positivas e a consulta daquele Comité, fase que compreende designadamente a consulta da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos prevista tanto no artigo 14.° como no décimo considerando da Directiva 2002/46, esta última possuísse disposições que garantissem, por elas mesmas, que aquela fase decorresse com transparência e dentro de prazos razoáveis.

82     Não pode, todavia, considerar‑se que a inexistência de tais disposições pode comprometer o bom desenvolvimento do procedimento de alteração do conteúdo das listas positivas em prazos razoáveis. Apesar disso, incumbe à Comissão, ao abrigo das competências de execução que lhe são conferidas pela Directiva 2002/46 no que respeita, nomeadamente, à aplicação do referido procedimento, adoptar e tornar acessíveis às partes interessadas, em conformidade com o princípio da boa administração, as medidas necessárias para assegurar, de uma maneira geral, a transparência e o carácter razoável da duração da fase de consulta à Autoridade Europeia de Segurança dos Alimentos.

83     Ao prever a aplicação do procedimento estabelecido no artigo 5.° da Decisão 1999/468, o artigo 4.°, n.° 5, da Directiva 2002/46 garante, além disso, que um pedido para obter a inscrição de uma vitamina, de um mineral ou de uma substância vitamínica ou mineral nas listas positivas só possa ser indeferido por uma acto jurídico vinculativo, susceptível de ser objecto de fiscalização jurisdicional.

84     Importa acrescentar a este respeito que a Directiva 2002/46 não contém nenhum elemento que obrigue ou incite as autoridades europeias competentes a terem em conta, no âmbito do procedimento previsto no artigo 4.°, n.° 5, da mesma directiva, critérios estranhos ao objectivo de protecção da saúde das pessoas.

85     Pelo contrário, decorre do nono considerando da Directiva 2002/46 que o critério relacionado com o facto de a vitamina ou de o mineral estarem normalmente presentes no regime alimentar e consumidos nessa medida constitui o único critério pertinente no contexto da lista que figura no anexo I dessa directiva. Tal como observaram as demandantes no processo principal que deu origem ao processo C‑154/04, ainda que a proposta de directiva mencionada no n.° 37 do presente acórdão preveja um segundo critério, a saber, o facto de as vitaminas e de os minerais em causa deverem ser «considerados nutrientes essenciais», como resulta do sétimo considerando dessa proposta, esse critério não está presente no nono considerando da Directiva 2002/46. Quanto à lista que figura no anexo II da mesma directiva, resulta do décimo primeiro considerando desta última que a inocuidade e a disponibilidade para absorção pelo organismo da substância química em causa constituem os únicos critérios pertinentes.

86     Tais indicações demonstram que os critérios pertinentes no contexto das listas positivas e da aplicação do procedimento conducente à modificação do conteúdo destas só podem encontrar fundamento, no espírito do legislador comunitário, na protecção da saúde das pessoas, excluindo considerações de necessidade nutricional.

87     Além disso, é significativo constatar que as críticas formuladas pelas demandantes nos processos principais com respeito ao procedimento de alteração do conteúdo das listas positivas dizem respeito, no fundo, aos constrangimentos administrativos e financeiros relacionados com o depósito de um dossier com vista a obter uma alteração desse tipo, bem como à forma como os critérios de inocuidade e de disponibilidade para absorção pelo organismo previstos do décimo primeiro considerando da Directiva 2002/46 são aplicados pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos no exame dos dossiers individuais.

88     Apesar disso, se tais elementos podem, se necessário, ser invocados em apoio de um recurso de anulação de uma decisão que indefere um pedido de alteração do conteúdo das listas positivas, ou de um recurso dirigido contra a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos em conformidade com o artigo 47.°, n.° 2, do Regulamento n.° 178/2002, eles não afectam, por si sós, a legalidade do procedimento de alteração do conteúdo das listas positivas, tal como salientou o Governo grego nas suas observações escritas.

89     Há portanto que concluir que a análise operada nos n.os 76 a 88 do presente acórdão não revelou qualquer elemento susceptível de afectar a legalidade do procedimento previsto no artigo 4.°, n.° 5, da Directiva 2002/46, para efeitos de alteração do conteúdo das listas positivas.

90     Por último, há que sublinhar que, quando o legislador comunitário entende delegar o seu poder de revisão de elementos do acto legislativo em causa, lhe incumbe garantir que esse poder esteja claramente delimitado e que o seu exercício possa ser alvo de um controlo rigoroso à luz de critérios objectivos por ele fixados (v., neste sentido, acórdão de 13 de Junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade, 9/56, Recueil, p. 9, n.os 43 e 44, Colect. 1954‑1961, p. 175), não podendo conferir às autoridades delegadas um poder discricionário que, por se tratar de uma legislação relativa ao funcionamento do mercado interno de produtos, seja susceptível de impedir de forma excessiva e não transparente a livre circulação dos produtos em causa.

91     No caso em apreço, tal como se salientou nos n.os 85 e 86 do presente acórdão, os nono e décimo primeiro considerandos da Directiva 2002/46 precisam que os únicos critérios pertinentes quanto ao conteúdo das listas positivas dizem respeito, no que se refere às vitaminas e aos minerais, ao facto de eles estarem normalmente presentes no regime alimentar e serem consumidos nesse âmbito, e, no que se refere às substâncias químicas utilizadas como fontes de vitaminas ou de minerais, à inocuidade e à disponibilidade para absorção pelo organismo da substância em causa.

92     Estas precisões, estreitamente relacionadas com a expressão concreta que foi dada à aplicação daqueles critérios pelas listas positivas que fazem parte do corpo da Directiva 2002/46 e que deveriam preferencialmente ter sido incluídas nas próprias disposições desta directiva [v., neste sentido, Acordo Interinstitucional do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, de 22 de Dezembro de 1998, sobre as directrizes comuns em matéria de qualidade de redacção da legislação comunitária (JO 1999, C 73, p. 1)], circunscrevem o exercício pela Comissão do poder de alterar o conteúdo dessas listas com referência a critérios objectivos, exclusivamente ligados a considerações de saúde pública. Elas permitem considerar que o legislador comunitário tomou em consideração, no caso em apreço, os elementos essenciais da matéria a regular para efeitos do exercício dos poderes assim delegados (v., neste sentido, acórdão de 17 de Dezembro de 1970, Köster, 25/70, Colect. 1969‑1970, p. 659, n.° 6).

93     Conclui‑se do exposto que as disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 não são inválidas em virtude de uma violação dos artigos 28.° CE e 30.° CE.

 No que respeita aos artigos 1.°, n.° 2, e 24.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 3285/94

94     Importa sublinhar que o Regulamento n.° 3285/94 foi adoptado no quadro de uma política comercial comum, tal como resulta da sua base jurídica, a saber, o artigo 113.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 133.° CE).

95     O objectivo desse regulamento é a liberalização das importações de bens provenientes de Estados terceiros. Pelo contrário, não tem por finalidade a liberalização da colocação desses produtos no mercado, que constitui uma fase posterior à importação (v. acórdão de 30 de Maio de 2002, Expo Casa Manta, C‑296/00, Colect., p. I‑4657, n.os 30 e 31).

96     Daqui resulta que, como justamente alegaram o Parlamento, o Conselho e a Comissão, e como sublinhou o advogado‑geral nos n.os 57 e 58 das suas conclusões, o Regulamento n.° 3285/94 não é pertinente para apreciar a legalidade das medidas comunitárias que tenham por efeito proibir a colocação no mercado na Comunidade de bens provenientes de Estados terceiros que não satisfaçam as condições relacionadas com a protecção da saúde humana exigidas para essa colocação no mercado.

97     Além disso, ainda que existisse um conflito entre os artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 e os artigos 1.°, n.° 2, e 24.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 3285/94, seria então conveniente ter em atenção que aquela directiva foi adoptada com base no artigo 95.° CE e que não constitui, portanto, uma medida de execução daquele regulamento.

98     Nesta medida, não há que examinar a validade das disposições da Directiva 2002/46 em causa à luz do Regulamento n.° 3285/94.

 Quanto à alínea c) da questão

99     Na alínea c) da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 são inválidas em virtude de uma violação do princípio da subsidiariedade.

100   Nos dois presentes processos, as demandantes nos processos principais alegam que essas disposições invadem injustificadamente a competência dos Estados‑Membros num domínio sensível nos planos sanitário, social e económico. As demandantes no processo principal que deu origem ao processo C‑154/04, acrescentam que os Estados‑Membros estão em melhores condições para determinar, em relação ao mercado respectivo, as exigências de saúde pública capazes de justificar um entrave à livre comercialização de suplementos alimentares no seu território nacional.

101   A este respeito, há que recordar que o princípio da subsidiariedade está enunciado no artigo 5.°, segundo parágrafo, CE, nos termos do qual, nos domínios que não sejam das suas atribuições exclusivas, a Comunidade intervém apenas, de acordo com o princípio da subsidiariedade, se e na medida em que os objectivos da acção encarada não possam ser suficientemente realizados pelos Estados‑Membros, e possam, pois, devido à dimensão ou aos efeitos da acção prevista, ser melhor alcançados ao nível comunitário.

102   O protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e proporcionalidade, em anexo ao Tratado, precisa, no seu terceiro parágrafo, que o princípio da subsidiariedade não põe em questão as atribuições conferidas à Comunidade por esse Tratado, tal como são interpretadas pelo Tribunal de Justiça.

103   Tal como já decidido pelo Tribunal de Justiça, o princípio da subsidiariedade aplica‑se quando o legislador comunitário recorre ao artigo 95.° CE, na medida em que esta disposição não lhe confere competência exclusiva para regulamentar as actividades económicas no mercado interno, mas apenas uma competência para melhorar as condições de estabelecimento e de funcionamento do mesmo, pela eliminação de obstáculos à livre circulação de mercadorias e à livre prestação de serviços ou pela supressão de distorções da concorrência (acórdão British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, já referido, n.° 179).

104   Quanto à questão de saber se as disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 são conformes com o princípio da subsidiariedade, importa examinar se o objectivo dessas disposições podia ser mais bem realizado ao nível comunitário.

105   A este respeito há que sublinhar que a proibição decorrente dessas disposições de comercializar os suplementos alimentares não conformes com a Directiva 2002/46, acompanhada da obrigação de os Estados‑Membros, em conformidade com o artigo 15.°, segundo parágrafo, alínea a), da mesma directiva, autorizarem o comércio de suplementos alimentares conformes com a mesma [v., a esse respeito, por analogia, acórdão British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, já referido, n.° 126], tem por objectivo eliminar os entraves resultantes das divergências entre as regras nacionais respeitantes às vitaminas, minerais e substâncias vitamínicas ou minerais autorizadas ou proibidas no fabrico de suplementos alimentares, assegurando, em conformidade com o artigo 95.°, n.° 3, CE, um nível de protecção elevado em matéria de saúde das pessoas.

106   Deixar aos Estados‑Membros a função de regulamentar o comércio de suplementos alimentares não conformes com a Directiva 2002/46 significaria perpetuar a evolução heterogénea das regulamentações nacionais e, portanto, os obstáculos ao comércio entre Estados‑Membros e as distorções de concorrência no que diz respeito a estes produtos.

107   Consequentemente, o objectivo para o qual contribuem as disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 não podia ser alcançado satisfatoriamente por uma acção desenvolvida pelos Estados‑Membros e pressupunha uma acção ao nível comunitário. Esse objectivo podia, por conseguinte, ser mais bem realizado a este último nível.

108   Decorre do que precede que as disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 não são inválidas em virtude de uma violação do princípio da subsidiariedade.

 Quanto à alínea d) da questão

109   Na alínea d) da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 são inválidas em virtude de uma violação do princípio da proporcionalidade.

110   As demandantes nos processos principais alegam que estas disposições constituem um meio desproporcionado para alcançar o objectivo visado. Os argumentos desenvolvidos em apoio desta alegação são os apresentados nos n.os 54, 62, 70 e 71 do presente acórdão.

111   Todavia, resulta da análise exposta nos n.os 55 a 60, 63 a 70 e 72 a 92 do presente acórdão que as disposições dos artigos 3°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 constituem medidas susceptíveis de realizar o objectivo por elas visado e que, tendo em conta a obrigação do legislador comunitário de garantir um nível elevado de protecção da saúde das pessoas, as disposições limitam‑se ao necessário para atender àquele objectivo.

112   Consequentemente, as disposições dos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 não são inválidas em virtude de uma violação do princípio da proporcionalidade.

 Quanto à alínea e) da questão

113   Na alínea e) da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 são inválidas em virtude de uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

114   Nos dois processos, as demandantes nos processos principais sustentam que aquelas disposições violam o princípio referido, dado que determinadas substâncias que não satisfazem aos critérios enunciados no décimo primeiro considerando da Directiva 2002/46 foram inscritas nas listas positivas sem terem sido submetidas a testes suplementares, ao mesmo tempo que se impõem exigências pesadas aos produtores de suplementos alimentares que contenham substâncias não autorizadas a fim de provar que estão reunidas as condições referidas. Acrescentam que aquela diferença de tratamento não se apoia em qualquer justificação objectiva, não tendo as listas sido estabelecidas com base nesses critérios.

115   Importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o princípio da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, excepto se esse tratamento diferente for objectivamente justificado (v. acórdão de 9 de Setembro de 2004, Espanha e Finlândia/Parlamento e Conselho, C‑184/02 e C‑223/02, Colect., p. I‑7789, n.° 64, bem como os acórdãos, já referidos, Arnold André, n.° 68, e Swedish Match, n.° 70).

116   Ora, como sublinharam o Governo do Reino Unido, o Parlamento e a Comissão nas suas observações escritas, as substâncias vitamínicas ou minerais que não figurem na lista positiva constante do anexo II da Directiva 2002/46 não se encontram na mesma situação que aquelas que aí sejam mencionadas. De facto, ao contrário destas últimas, as primeiras, no momento da adopção da directiva, não tinham sido objecto de uma avaliação científica adequada a garantir a sua conformidade com os critérios da inocuidade e da disponibilidade para a absorção pelo organismo, enunciados no décimo primeiro considerando daquela directiva, por parte das autoridades europeias competentes.

117   Tal como é assinalado nas mesmas observações, possuindo cada uma das substâncias características próprias, a equiparação de uma substância ainda não avaliada à luz desses critérios a uma substância que figure nas listas positivas estava excluída.

118   Essa diferença de situação permitia, portanto, um tratamento diferente sem que pudesse ser utilmente invocada uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

119   Decorre do que precede que as disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 não são inválidas em virtude de uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

 Quanto à alínea f) da questão

120   Na alínea f) da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 são inválidas em virtude de uma violação do artigo 6.°, n.° 2, UE, considerado à luz do artigo 8.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma a 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), e do artigo 1.° do Protocolo Adicional à mesma convenção, bem do direito fundamental de propriedade e/ou do direito de exercer uma actividade económica.

121   Nos dois processos, as demandantes nos processos principais alegam a existência de uma violação dessa natureza. Sustentam que a Directiva 2002/46 comporta um ataque injustificado e desproporcionado à capacidade dos produtores de suplementos alimentares de prosseguirem as suas actividades até aqui exercidas em condições de total igualdade, bem como ao direito individual à livre escolha de produtos alimentares.

122   A esse respeito, importa, em primeiro lugar, notar que, nos termos do artigo 6.°, n.° 2, UE, «a União respeitará os direitos fundamentais tal como os garante a [CEDH], e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário».

123   Por sua vez o artigo 8.° da CEDH, «Direito ao respeito da vida privada e familiar», dispõe, no seu n.° 1, que «[q]ualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicilio e da sua correspondência» e, no seu n.° 2, que «[n]ão pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem‑estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros».

124   Ora, o facto de as disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 poderem privar as pessoas do direito de consumir suplementos alimentares não conformes com a mesma directiva não pode ser considerado um atentado ao respeito da vida privada e familiar dessas pessoas.

125   O artigo 1.° do Protocolo Adicional à CEDH dispõe sob a epígrafe «Protecção da propriedade»:

«Qualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens. Ninguém pode ser privado do que é sua propriedade a não ser por utilidade pública e nas condições previstas pela lei e pelos princípios gerais do direito internacional.

As condições precedentes entendem‑se sem prejuízo do direito que os Estados possuem de pôr em vigor as leis que julguem necessárias para a regulamentação do uso dos bens, de acordo com o interesse geral, ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuições ou de multas.»

126   Resulta da jurisprudência constante que o direito de propriedade, objecto das disposições que precedem, faz parte, tal como o direito de exercer livremente uma actividade económica, dos princípios gerais do direito comunitário. Não obstante, estes princípios não constituem prerrogativas absolutas, mas devem ser tomados em consideração em relação à sua função na sociedade. Consequentemente, o direito de propriedade pode ser acompanhado de restrições, o mesmo sucedendo com o direito de exercer livremente uma actividade económica, sob a condição de essas restrições responderem efectivamente aos objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade e de não constituírem, em relação ao fim prosseguido, uma intervenção desproporcionada e intolerável susceptível de atentar contra a substância dos direitos assim garantidos (v., nomeadamente, acórdãos de 11 de Julho de 1989, Schräder, 265/87, Colect., p. 2237, n.° 15, e de 28 de Abril de 1998, Metronome Musik, C‑200/96, Colect., p. I‑1953, n.° 21).

127   No caso vertente, a proibição de comercializar e de colocar no mercado comunitário suplementos alimentares não conformes com a Directiva 2002/46 é susceptível de restringir o livre exercício da actividade profissional dos fabricantes desses produtos.

128   Apesar disso, o direito de propriedade dos operadores não é posto em causa pela instauração de uma medida daquela natureza. De facto, nenhum operador económico pode reivindicar um direito de propriedade sobre uma parte do mercado, mesmo que a possuísse num momento anterior à instauração de uma medida que veio afectar o respectivo mercado, uma vez que tal parte do mercado não constitui mais do que uma posição económica momentânea sujeita à eventualidade de uma alteração das circunstâncias (acórdãos de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho, C‑280/93, Colect., p. I‑4973, n.° 79, e Swedish Match, já referido, n.° 73). Um operador económico não pode invocar um direito adquirido ou uma confiança legítima na manutenção de uma situação existente que pode ser alterada por decisões tomadas pelas instituições comunitárias no âmbito do seu poder de apreciação (v. acórdão de 28 de Outubro de 1982, Faust/Comissão, 52/81, Recueil, p. 3745, n.° 27, e Swedish Match, já referido, n.° 73).

129   Tal como foi referido acima, a proibição decorrente das disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 visa a protecção da saúde das pessoas, que constitui um objectivo de interesse geral. Ora, não parece que essa medida de proibição tivesse um carácter inadequado em face desse objectivo. Nestas condições, não pode considerar‑se que o obstáculo ao livre exercício de uma actividade económica que constitui uma medida dessa natureza, constitui, em relação ao fim prosseguido, um ataque desproporcionado ao direito ao exercício dessa liberdade ou ao direito de propriedade.

130   Consequentemente, as disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 não são inválidas em virtude de uma violação do artigo 6.°, n.° 2, UE, lido à luz do artigo 8.° da CEDH e do artigo 1.° do Protocolo Adicional à Convenção, do direito fundamental de propriedade e do direito de exercer uma actividade económica.

 Quanto à alínea g) da questão

131   Na alínea g) da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 são inválidas em virtude de uma violação do dever de fundamentação prevista no artigo 253.° CE.

132   As demandantes no processo principal que deu origem ao processo C‑154/04 alegam que a proibição decorrente dessas disposições não está fundamentada, o que constitui, segundo elas, uma violação do artigo 253.° CE.

133   A esse respeito, convém lembrar que, se a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve revelar, de forma clara e inequívoca, o percurso lógico seguido pela autoridade comunitária de que emana o acto impugnado, de modo a permitir aos interessados conhecer as razões que justificaram a medida adoptada e possibilitar ao Tribunal de Justiça o exercício da sua fiscalização, não se exige, porém, que essa fundamentação especifique todos os elementos de facto ou de direito pertinentes (v., nomeadamente, acórdão de 29 de Fevereiro de 1996, Comissão/Conselho, C‑122/94, Colect., p. I‑881, n.° 29).

134   O respeito do dever de fundamentação deve, por outro lado, ser apreciado em razão não apenas do texto do acto impugnado, mas também do seu contexto, bem como do conjunto das regras jurídicas que regem a matéria em causa. Por conseguinte, se resultar do acto contestado o essencial do objectivo prosseguido pela instituição, será inútil exigir uma fundamentação específica para cada uma das escolhas técnicas efectuadas (v., nomeadamente, acórdão de 5 de Julho de 2001, Itália/Conselho e Comissão, C‑100/00, Colect., p. I‑5217, n.° 64).

135   No caso vertente, o nono considerando da Directiva 2002/46 permite concluir que as vitaminas e os minerais visados pela medida de proibição são aqueles que não estão normalmente presentes no regime alimentar e não são consumidos neste âmbito.

136   Quanto às substâncias vitamínicas ou minerais existentes visadas pela medida de proibição, resulta claramente dos considerandos décimo e décimo primeiro da Directiva 2002/46 que uma tal medida está relacionada com a preocupação geral, expressa no considerando cinquenta desta directiva, de assegurar um nível elevado de protecção dos consumidores, ao só autorizar a colocação no mercado de produtos que não representem qualquer perigo para a saúde das pessoas, e que ela resulta do facto de as substâncias em causa, no momento da adopção daquela directiva, não terem sido objecto de uma avaliação pelo Comité Científico de Alimentação Humana à luz dos critérios de inocuidade e de disponibilidade para absorção pelo organismo com base nos quais se definiu o conteúdo da lista positiva do anexo II da mesma directiva.

137   Segue‑se que as disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46 não são inválidas em virtude de uma violação do dever de fundamentação previsto no artigo 253.° CE.

138   Tomando em consideração o conjunto das considerações que precedem, há que responder à questão formulada que o exame desta última não revelou nenhum elemento susceptível de afectar a validade das disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46.

 Quanto às despesas

139   Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes com a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

A apreciação da questão colocada não revelou qualquer elemento susceptível de afectar a validade das disposições dos artigos 3.°, 4.°, n.° 1, e 15.°, segundo parágrafo, alínea b), da Directiva 2002/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Junho de 2002, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos suplementos alimentares.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.