Processo C‑121/03

Comissão das Comunidades Europeias

contra

Reino de Espanha

«Incumprimento de Estado – Directivas 75/442/CEE e 91/156/CEE – Conceito de resíduos – Directivas 85/337/CEE e 97/11/CE – Avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente – Directiva 80/68/CEE – Protecção das águas subterrâneas contra a poluição causada por certas substâncias perigosas – Directiva 80/778/CEE – Qualidade das águas destinadas ao consumo humano»

Conclusões da advogada‑geral C. Stix‑Hackl apresentadas em 26 de Maio de 2005 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 8 de Setembro de 2005 

Sumário do acórdão

1.     Ambiente – Resíduos – Directiva 75/442 – Conceito – Substância de que alguém se desfaz – Efluentes de explorações pecuárias – Exclusão – Condições – Cadáveres de animais de criação que morrem numa exploração – Inclusão

[Directiva 75/442 do Conselho, alterada pela Directiva 91/156, artigo 1.°, alínea a)]

2.     Ambiente – Resíduos – Directiva 75/442 – «Outra legislação» na acepção do artigo 2.°, n.° 1, alínea b) – Legislação comunitária ou nacional – Condições

[Directiva 75/442 do Conselho, alterada pela Directiva 91/156, artigo 2.°, n.° 1, alínea b)]

3.     Ambiente – Avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente – Directiva 85/337 — – Sujeição dos projectos pertencentes às classes enumeradas no anexo II a avaliação – Poder de apreciação dos Estados‑Membros – Alcance e limites

(Directiva 85/337 do Conselho, alterada pela Directiva 97/11, artigos 2.°, n.° 1, 4.°, n.° 2, e anexo II)

4.     Ambiente – Protecção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola – Directiva 91/676 – Âmbito de aplicação – Efluentes de explorações pecuárias – Inclusão – Utilização de efluentes de explorações pecuárias como fertilizantes agrícolas – Exclusão do regime de protecção das águas subterrâneas instituído pela Directiva 80/68

(Directivas 80/68, artigo 5.°, e 91/676 do Conselho)

1.     O âmbito de aplicação do conceito de «resíduo», na acepção da Directiva 75/442, relativa aos resíduos, alterada pela Directiva 91/156, depende do significado da expressão «se desfazer», constante do artigo 1.º, alínea a), primeiro parágrafo, da referida directiva.

A este respeito, em determinadas situações, um objecto, um material ou uma matéria‑prima que resulte de um processo de extracção ou de fabrico que não se destine essencialmente a produzi‑lo pode constituir não um resíduo mas um subproduto, do qual a empresa não pretenda «desfazer‑se», na acepção da referida disposição, mas tenha a intenção de explorar ou comercializar em condições vantajosas, num processo posterior, sem qualquer operação de transformação prévia. Nesse caso, bens, materiais ou matérias‑primas que têm economicamente o valor de produtos, independentemente de qualquer transformação, e que, enquanto tais, estão sujeitos à legislação aplicável a estes produtos, não estão sujeitos às disposições da referida directiva, que se destinam a prever a eliminação ou valorização de resíduos, com a condição de que essa reutilização não seja meramente eventual, mas certa, sem transformação prévia, e na continuidade do processo de produção.

Consequentemente, os efluentes de explorações pecuárias podem, nas mesmas condições, não ser qualificados como resíduos se forem utilizados como fertilizantes dos solos no âmbito de uma prática legal de dispersão em terrenos bem identificados e se a armazenagem de que forem objecto se limitar às necessidades dessas operações de dispersão. O facto de esses efluentes não serem utilizados nos terrenos que fazem parte da mesma exploração agrícola de onde provêm, mas para necessidades de outros operadores económicos, é irrelevante a este respeito.

Em contrapartida, os cadáveres de animais de criação, quando esse animais morram na exploração e não tenham sido abatidos para consumo humano, não podem, em caso algum, ser utilizados em condições que permitam subtraí‑los à definição de resíduos, na acepção da referida directiva. O detentor desses cadáveres tem efectivamente a obrigação de se desfazer deles, de modo que essas matérias têm de ser consideradas resíduos.

(cf. n.os 57, 58, 60‑62, 64)

2.     O conceito de «outra legislação», constante do artigo 2.º, n.º 1, alínea b), da Directiva 75/442, relativa aos resíduos, alterada pela Directiva 91/156, pode referir‑se tanto a uma legislação comunitária como a uma legislação nacional que abranja uma categoria de resíduos mencionada na referida disposição, se essa legislação, comunitária ou nacional, incidir sobre a gestão dos referidos resíduos enquanto tais e se conduzir a um nível de protecção do ambiente pelo menos equivalente ao pretendido pela referida directiva.

(cf. n.° 69)

3.     O artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 85/337, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente, alterada pela Directiva 97/11, prevê que os Estados‑Membros determinarão, com base numa análise caso a caso ou com base nos limiares ou critérios por si fixados, se os projectos mencionados no anexo II dessa directiva devem ser submetidos a uma avaliação dos seus efeitos. Esta disposição tem, essencialmente, o mesmo alcance que o artigo 4.º, n.º 2, da Directiva 85/337, na sua versão inicial. Não altera a regra geral, enunciada no artigo 2.º, n.º 1, dessa directiva, segundo a qual os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização, serão submetidos à avaliação dos seus efeitos no ambiente.

(cf. n.os 91, 92)

4.     O regime de protecção das águas contra a poluição ocasionada por efluentes pecuários não assenta, a nível comunitário, na Directiva 80/68, relativa à protecção das águas subterrâneas contra a poluição causada por certas substâncias perigosas, mas na Directiva 91/676, relativa à protecção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola. Esta última directiva tem como objecto específico lutar contra a poluição das águas resultante da dispersão ou descarga de dejectos de animais assim como da utilização excessiva de adubos. O regime de protecção que prevê contém medidas concretas de gestão que os Estados‑Membros devem impor aos responsáveis pelas explorações agrícolas e que tomam em consideração o carácter mais ou menos vulnerável dos meios receptores dos efluentes. Ora, se o artigo 5.º da Directiva 80/68 fosse interpretado no sentido de que os Estados‑Membros devem submeter a investigação prévia, que implique, designadamente, um estudo hidrogeológico, qualquer utilização dos efluentes de explorações pecuárias como fertilizantes agrícolas, o regime de protecção instituído pela Directiva 80/68 sobrepor‑se‑ia em parte ao que foi especificamente instituído pela Directiva 91/676.

(cf. n.os 101, 102)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

8 de Setembro de 2005 (*)

«Incumprimento de Estado – Directivas 75/442/CEE e 91/156/CEE – Conceito de resíduos – Directivas 85/337/CEE e 97/11/CE – Avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente – Directiva 80/68/CEE – Protecção das águas subterrâneas contra a poluição causada por certas substâncias perigosas – Directiva 80/778/CEE – Qualidade das águas destinadas ao consumo humano»

No processo C‑121/03,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.º CE, entrada em 19 de Março de 2003,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por G. Valero Jordana, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Reino de Espanha, representado por N. Díaz Abad, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, J.‑P. Puissochet (relator), S. von Bahr, U. Lõhmus e A. Ó Caoimh, juízes,

advogada‑geral: C. Stix‑Hackl,

secretário: M. M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 15 de Dezembro de 2004,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 26 de Maio de 2005,

profere o presente

Acórdão

1       Na sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que:

–       ao não adoptar as medidas necessárias para dar cumprimento às obrigações que lhe incumbem por força do disposto nos artigos 4.º, 9.º e 13.º da Directiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos (JO L 194, p. 39; EE 15 F1 p. 129), alterada pela Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991 (JO L 78, p. 32, a seguir «Directiva 75/442»), ao não ter adoptado as medidas necessárias para garantir que os resíduos provenientes de explorações pecuárias de suínos situadas na região do Baix Ter, na província de Gerona, fossem eliminados ou valorizados sem perigo para a saúde humana nem prejuízo para o meio ambiente, ao ter permitido que essas explorações funcionassem sem a autorização exigida por aquela directiva e ao não ter procedido aos controlos periódicos necessários nessas explorações,

–       ao não efectuar, antes da construção das referidas explorações ou da alteração dos seus projectos, qualquer avaliação dos respectivos efeitos, em violação das disposições dos artigos 2.º e 4.º, n.º 2, da Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9, a seguir «Directiva 85/337, na versão inicial»), ou em violação das disposições dessa directiva, na redacção dada pela Directiva 97/11/CE do Conselho, de 3 de Março de 1997 (JO L 73, p. 5, a seguir «»),

–       ao não realizar os estudos hidrogeológicos necessários na zona afectada pela poluição, no que se refere às explorações de suínos objecto da presente acção, nos termos do disposto nos artigos 3.º, alínea b), 5.º, n.º 1, e 7.º, da Directiva 80/68/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1979, relativa à protecção das águas subterrâneas contra a poluição causada por certas substâncias perigosas (JO 1980, L 20, p. 43; EE 15 F2 p. 211),

–       ao exceder, em várias redes públicas de distribuição de água da região do Baix Ter, a concentração máxima admissível para o parâmetro «nitratos» fixada no anexo I, C, n.º 20, da Directiva 80/778/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1980, relativa à qualidade das águas destinadas ao consumo humano (JO L 229, p. 11; EE 15 F2 p. 174), em violação do artigo 7.º, n.º 6, dessa directiva,

o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das referidas directivas.

 Quadro jurídico

 Regulamentação relativa aos resíduos

 Regulamentação comunitária

2       O artigo 1.º, alínea a), primeiro parágrafo, da Directiva 75/442 define os resíduos como «quaisquer substâncias ou objectos abrangidos pelas categorias fixadas no anexo I de que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer».

3       O artigo 1.º, alínea a), segundo parágrafo, da Directiva 75/442 atribui à Comissão a missão de elaborar «uma lista dos resíduos pertencentes às categorias constantes do anexo I». Na Decisão 94/3/CE, de 20 de Dezembro de 1993, que estabelece uma lista de resíduos em conformidade com a alínea a) do artigo 1.º, da Directiva 75/442 (JO 1994, L 5, p. 15), a Comissão aprovou um Catálogo Europeu de Resíduos, do qual constam, designadamente, entre os «resíduos de produção primária da agricultura», as «fezes, urina e estrume de animais (incluindo palha suja), efluentes recolhidos separadamente e tratados noutro local». A nota introdutória constante do anexo da referida decisão especifica que essa lista de resíduos é «não exaustiva», que «uma determinada matéria que figure no catálogo não constituirá um resíduo em todas as situações» e que «[tal sucederá] apenas quando [essa matéria] satisfizer à definição de resíduo».

4       O referido artigo 1.º, alínea c), define como detentor «o produtor dos resíduos ou a pessoa singular ou colectiva que tem os resíduos na sua posse».

5       O artigo 2.º da Directiva 75/442 dispõe:

«1.      São excluídos do campo de aplicação da presente directiva:

a)       Os efluentes gasosos lançados na atmosfera;

b)       Sempre que já [sejam] abrangidos por outra legislação:

[…]

iii)      os cadáveres de animais e os seguintes resíduos agrícolas: matérias fecais e outras substâncias naturais não perigosas utilizadas nas explorações agrícolas;

[…]

2.      Poderão ser fixadas em directivas específicas disposições específicas ou complementares das da presente directiva para regulamentar a gestão de determinadas categorias de resíduos.»

6       O artigo 4.º da referida directiva prevê que:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para garantir que os resíduos sejam aproveitados ou eliminados sem pôr em perigo a saúde humana e sem utilizar processos ou métodos susceptíveis de agredir o ambiente e, nomeadamente:

–       sem criar riscos para a água, o ar, o solo, a fauna ou a flora,

–       sem causar perturbações sonoras ou por cheiros,

–       sem danificar os locais de interesse e a paisagem.

Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para proibir o abandono, a descarga e a eliminação não controlada de resíduos.»

7       Segundo o artigo 9.º da mesma directiva, para efeitos, designadamente, da aplicação do referido artigo 4.º, qualquer estabelecimento ou empresa que efectue as operações de eliminação dos resíduos referidos no anexo II A dessa directiva deve obter uma autorização da autoridade competente relativa, designadamente, aos tipos e às quantidades de resíduos, às normas técnicas, às precauções a tomar em matéria de segurança, ao local de eliminação e ao método de tratamento.

8       Nos termos do artigo 13.º da Directiva 75/442:

«Os estabelecimentos ou empresas que assegurem as operações referidas nos artigos 9.º a 12.º serão submetidos a controlos periódicos apropriados pelas autoridades competentes.»

 Legislação nacional

9       O artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 10/98, de 21 de Abril de 1998, relativa aos resíduos (BOE de 22 de Abril de 1998), preceitua que «a presente lei aplica‑se a título supletivo às matérias a seguir referidas no que se refere aos aspectos que regulamenta expressamente através da sua legislação específica:

[…]

b)      a eliminação e a transformação de animais mortos e de resíduos de origem animal, como reguladas pelo Real Decreto n.º 2224/1993, de 17 de Dezembro de 1993, sobre as normas sanitárias relativas à eliminação e à transformação de animais mortos e de resíduos de origem animal e à protecção contra os agentes patogénicos nos alimentos para animais […]

c)      os resíduos provenientes de explorações agrícolas e pecuárias compostos por matérias fecais e outras substâncias naturais não nocivas, utilizados no âmbito de explorações agrícolas, nos termos em que esta matéria é regulada pelo Real Decreto n.º 261/1996, de 16 de Fevereiro de 1996, relativo à protecção das águas contra a poluição causada por nitratos com origem agrícola, e pela legislação a adoptar pelo governo nos termos da quinta disposição adicional

[…]»

10     Esta quinta disposição adicional prevê que a utilização dos resíduos enumerados no referido artigo 2.º, n.º 2, alínea c), como fertilizantes agrícolas seja submetida à legislação que o governo aprovar para esse efeito e às normas suplementares eventualmente adoptadas pelas regiões autónomas. Segundo a mesma disposição adicional, essa legislação determina o tipo e a quantidade de resíduos que podem ser utilizados como fertilizantes assim como as condições em que a actividade não será sujeita a autorização, e prescreve que essa mesma actividade deverá ser executada sem que a saúde humana seja posta em perigo e sem utilizar processos ou métodos susceptíveis de afectar o ambiente, designadamente que poluam as águas. A referida disposição adicional prevê também, no seu n.º 3, que, se os resíduos a que se refere forem utilizados nas condições ali descritas, não haverá qualquer operação de descarga nas águas, na acepção do artigo 92.º da Lei n.º 29/1985, de 2 de Agosto de 1985.

11     Ao abrigo da autorização legislativa que resulta da mesma disposição adicional, o Governo espanhol adoptou o Real Decreto n.º 324/2000, de 3 de Março de 2000, que estabelece as regras de base sobre a organização das explorações pecuárias de suínos (BOE de 8 de Março de 2000). Este decreto prevê que a gestão dos efluentes provenientes das explorações pecuárias de suínos pode ser efectuada, designadamente, por meio de uma valorização como adubo orgânico mineral e que a quantidade máxima de efluentes assim utilizada e o seu conteúdo em azoto têm de respeitar as normas previstas no Real Decreto n.º 261/1996.

12     A Comunidade Autónoma da Catalunha adoptou, no que lhe diz respeito, a Lei n.º 6/1993, de 15 de Julho de 1993, relativa aos resíduos. O artigo 4.º, n.º 2, alínea c), desta lei exclui do seu âmbito de aplicação «os resíduos provenientes de explorações agrícolas e pecuárias que não sejam perigosos e que apenas sejam utilizados no âmbito da exploração agrária». O Decreto n.º 220/2001, de 1 de Agosto de 2001, relativo à gestão dos dejectos pecuários que prevê designadamente a obrigação de elaborar planos de gestão e manter registos, completa esta legislação. Este decreto especifica que a gestão dos referidos resíduos deve respeitar o código das boas práticas agrícolas relativas ao azoto, adoptado pelo decreto de 22 de Outubro de 1998.

 Regulamentação relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos no ambiente

 Regulamentação comunitaria

13     O artigo 2.º, n.º 1, da Directiva 85/337, na sua versão inicial, preceituava que:

«Os Estados‑Membros tomarão as disposições necessárias para que, antes de concessão da aprovação, os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização, sejam submetidos à avaliação dos seus efeitos.

Estes projectos são definidos no artigo 4.º».

14     Segundo o artigo 4.º, n.º 2, da referida directiva, «[o]s projectos pertencentes às categorias enumeradas no anexo II são submetidos a uma avaliação nos termos dos artigos 5.º a 10.º, sempre que os Estados‑Membros considerarem que as suas características assim o exigem». Esse anexo II, n.º 1, alínea f), fazia referência às instalações para a criação de gado porcino.

15     Nos termos do artigo 4.º, n.º 1, da Directiva 85/337, «os projectos incluídos no anexo I serão submetidos a uma avaliação nos termos dos artigos 5.º a 10.º».

16     O referido anexo I, n.º 17, alínea b), refere as instalações para a criação intensiva de suínos com espaço para mais de 3 000 porcos de engorda (de mais de 30 kg) e o mesmo número, alínea c), inclui as instalações com espaço para mais de 900 porcas.

17     O artigo 4.º, n.º 2, da Directiva 85/337 prevê que os Estados‑Membros determinarão, para os projectos incluídos no anexo II dessa directiva, com base numa análise caso a caso ou com base nos limiares ou critérios fixados pelo Estado‑Membro, «se o projecto deve ser submetido a uma avaliação nos termos dos artigos 5.º a 10.º». O n.º 3 do mesmo artigo 4.º precisa que, «[q]uando forem efectuadas análises caso a caso ou fixados limiares ou critérios para efeitos do disposto no n.º 2, serão tidos em conta os critérios de selecção relevantes fixados no anexo III».

18     O anexo II, n.º 1, alínea e), da Directiva 85/337 refere as «[i]nstalações de pecuária intensiva (projectos não incluídos no anexo I)» e o n.º 13 do mesmo anexo, «[q]ualquer alteração ou ampliação de projectos incluídos no anexo I ou no anexo II, já autorizados, executados ou em execução, que possam ter impactes negativos importantes no ambiente». A Directiva 85/337 devia ser transposta pelos Estados‑Membros até 14 de Março de 1999.

 Legislação nacional

19     Nos termos da Lei n.º 3/1998 da Comunidade Autónoma da Catalunha, de 27 de Fevereiro de 1998, sobre a intervenção integral da administração do ambiente, e do seu decreto de aplicação, o Decreto n.º 136/1999, de 18 de Maio de 1999, as explorações com mais de 2 000 porcos de engorda ou de 750 porcas de criação estão sujeitas a autorização prévia em matéria de ambiente, pressupondo esta que estão preenchidas as obrigações precisas de gestão dos efluentes pecuários e dos cadáveres de animais. As explorações que tenham entre 200 e 2 000 porcos deverão obter, antes da sua criação, uma licença ambiental. A mesma lei prevê que as explorações pecuárias de suínos existentes que não possuam autorização ambiental são obrigadas a apresentar pedidos de autorização a fim de regularizarem a sua situação.

20     A nível nacional, a Lei n.º 6/2001, de 8 de Maio de 2001, que alterou o Real Decreto‑Lei n.º 1302/1986, de 28 de Junho de 1986, relativo à avaliação dos efeitos no ambiente (BOE de 9 de Maio de 2001), obriga as novas instalações pecuárias intensivas que tenham mais de 2 000 porcos de engorda e de 750 porcas de criação a submeterem‑se a um processo de avaliação dos efeitos no ambiente.

 Regulamentação relativa à protecção das águas subterrâneas

 Regulamentação comunitária

21     O artigo 3.º da Directiva 80/68 dispõe que:

«[o]s Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para:

[…]

b)       Limitar a introdução de substâncias constantes da Lista II nas águas subterrâneas, a fim de evitar a poluição dessas águas por essas substâncias».

22     A referida Lista II, n.º 3, menciona as «[s]ubstâncias que têm um efeito prejudicial no sabor e/ou no cheiro das águas subterrâneas, assim como os compostos susceptíveis de produzir essas substâncias nas águas e torná-las impróprias para o consumo humano».

23     O artigo 5.º da Directiva 80/68 prevê, designadamente, que os Estados‑Membros submeterão a uma investigação prévia as descargas de substâncias constantes da mesma Lista II e poderão conceder qualquer autorização desde que sejam respeitadas todas as precauções técnicas que permitam evitar a poluição das águas subterrâneas por essas substâncias.

24     Por força do artigo 7.º da referida directiva, «[a]s investigações prévias previstas nos artigos 4.º e 5.º devem incluir um estudo das condições hidrogeológicas da respectiva zona, do eventual poder depurador do solo e subsolo, dos riscos de poluição e alteração da qualidade das águas subterrâneas pela descarga e determinar se, do ponto de vista do ambiente, a descarga nessas águas constitui uma solução adequada».

 Legislação nacional

25     Não foi levado ao conhecimento do Tribunal de Justiça, no âmbito do presente processo, nenhum diploma de direito nacional que tenha tido especificamente por objecto a transposição da Directiva 80/68.

 Regulamentação relativa à qualidade das águas destinadas ao consumo humano

 Regulamentação comunitária

26     O artigo 2.º da Directiva 80/778 prevê:

«Na acepção da presente directiva entende-se por águas destinadas ao consumo humano todas as águas utilizadas para esse fim, no seu estado original ou após tratamento, qualquer que seja a sua origem:

–       quer se trate de águas destinadas ao consumo

ou

–       quer se trate de águas:

–       utilizadas numa indústria alimentar para fins de fabrico, de tratamento, de conservação ou de colocação no mercado de produtos ou substâncias destinadas a ser consumidas pelo homem,

e

–       que afectem a salubridade do produto alimentar final.»

27     Nos termos do artigo 7.º, n.º 1, da referida directiva:

«Os Estados‑Membros fixarão os valores aplicáveis às águas destinadas ao consumo humano para os parâmetros que constam do anexo I.»

28     O n.º 6 do mesmo artigo precisa que «[o]s Estados‑Membros tomarão as disposições necessárias para que as águas destinadas ao consumo humano satisfaçam as exigências especificadas no anexo I».

29     O referido anexo I, C, n.º 20, prevê que a concentração máxima admissível para o parâmetro «nitratos» é de 50 mg/l.

 Legislação nacional

30     A zona abrangida pela presente acção foi declarada vulnerável por força do Decreto n.º 283/1998 da Comunidade Autónoma da Catalunha, de 21 de Outubro de 1998. Em aplicação deste texto, o Decreto n.º 167/2000, de 2 de Maio de 2000, adoptou medidas excepcionais em matéria de fontes públicas de abastecimento afectadas pela poluição causada por nitratos, a fim de garantir a qualidade das águas destinadas ao consumo humano.

 Fase pré‑contenciosa

31     Em 2000, a Comissão recebeu uma queixa em que denunciava a poluição do aquífero do Baix Ter, localizado na foz do rio Ter, na província de Gerona, bem como das águas distribuídas em diversos municípios de Empordà, na mesma província. O queixoso sustenta que essa poluição, causada por diversas substâncias, em especial por nitratos, se deve ao aumento do número de pecuárias destinadas à criação intensiva de suínos, cujos efluentes eram directamente despejados, sem controlo nem tratamento, no meio aquático. Ao enviar à Comissão os resultados de análises que mostram o teor de nitratos nas águas em causa, o mesmo queixoso indicou que a Delegação de Saúde de Gerona se tinha recusado a fornecer‑lhe determinadas informações relativas à qualidade das referidas águas.

32     Por carta de 2 de Maio de 2000, a Comissão convidou as autoridades espanholas a apresentar‑lhe as suas observações sobre essa queixa e a comunicar‑lhe informações sobre as explorações pecuárias em causa bem como sobre o estado do aquífero do Baix Ter.

33     Por carta de 13 de Julho de 2000, as autoridades espanholas enviaram vários relatórios elaborados pela Direcção do Ambiente da Comunidade Autónoma da Catalunha. Na sua resposta, sustentaram que os resíduos agrícolas estavam excluídos do âmbito de aplicação da Directiva 75/442 e que as actividades em causa não estavam sujeitas ao processo de avaliação, previsto na Directiva 85/337, no que se refere aos seus efeitos no ambiente. Documentos anexos a essa resposta indicavam que foram iniciadas acções repressivas após o controlo de descargas provenientes de explorações pecuárias e que a poluição do aquífero por nitratos tinha aumentado, sendo que metade das amostras colhidas no primeiro trimestre de 2000 não respeitava a concentração máxima de 50 mg/l. No que se refere à Directiva 80/778, as autoridades espanholas referiram o Decreto n.º 167/2000.

34     Considerando que as autoridades espanholas tinham violado as Directivas 75/442, 85/337, também na sua versão inicial, 80/68 e 80/778, a Comissão enviou ao Reino de Espanha uma notificação para cumprir em 25 de Outubro de 2000.

35     Por cartas de 1 e de 15 de Fevereiro de 2001, as autoridades espanholas responderam a essa notificação para cumprir, tendo enviado à Comissão um relatório elaborado pela Direcção do Ambiente da Comunidade Autónoma da Catalunha, no qual a administração catalã declarava estar consciente do problema decorrente da poluição causada pelos nitratos no Baix Ter. As autoridades espanholas reconheceram designadamente que, em seis municípios do aquífero em causa, a concentração de nitratos ultrapassava o limiar de 50 mg/l. Contudo, indicaram que o Decreto n.º 283/98 designou a zona em causa como zona vulnerável da Catalunha relativamente à poluição causada por nitratos de origem agrícola, e que tinha sido aprovado pelo governo, em 3 de Abril de 2000, um programa de medidas de gestão dos recursos hídricos nas zonas vulneráveis a essa poluição. As autoridades espanholas também especificaram que, na zona em causa, o código das boas práticas agrícolas adoptado pelo decreto de 22 de Outubro de 1998 era obrigatório, assim como o Decreto n.º 205/2000, que adoptou o programa de medidas no domínio agronómico aplicáveis às zonas vulneráveis. Relativamente às Directivas 75/442 e 80/68, as autoridades espanholas indicaram que não tinham sido violadas, na medida em que todas as explorações pecuárias de suínos em causa estavam sujeitas a um processo destinado a garantir a gestão correcta dos seus resíduos.

36     Por carta de 15 de Março de 2001, as autoridades espanholas enviaram à Comissão um relatório sanitário elaborado pela Direcção de Saúde e da Segurança Social da Comunidade Autónoma da Catalunha, que indicava que a concentração máxima de nitratos de 50 mg/l tinha sido ultrapassada em diversos municípios do aquífero em causa bem como num número elevado de poços.

37     Considerando que as respostas fornecidas ainda não eram satisfatórias, a Comissão enviou, por carta de 26 de Julho de 2001, um parecer fundamentado ao Reino de Espanha, convidando‑o a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento às suas obrigações no prazo de dois meses a contar da notificação do referido parecer.

38     As autoridades espanholas responderam ao parecer fundamentado por carta de 3 de Dezembro de 2001, tendo enviado à Comissão um novo relatório elaborado pela Direcção do Ambiente da Comunidade Autónoma da Catalunha. Neste relatório, indicaram em primeiro lugar que os processos de regularização da situação das explorações pecuárias de suínos em causa estavam em curso e que os relatórios ambientais elaborados nesse âmbito, prévios à concessão ou à recusa da autorização, estavam publicados. Referiram também a existência de um plano de inspecções das referidas explorações e a instauração de acções repressivas. Sublinharam que todas as novas pecuárias intensivas de suínos com mais de 2 000 lugares para porcos de engorda e de 750 lugares para porcas de criação estavam sujeitas a avaliação dos respectivos efeitos no ambiente, nos termos da Lei n.º 6/2001. Por último, admitiram que a concentração máxima de nitratos tinha sido ultrapassada em cinco municípios da zona em causa, cuja população era apenas composta, segundo um relatório de 14 de Setembro de 2001 da Direcção de Saúde Pública da Comunidade Autónoma da Catalunha enviado à Comissão, por 1 424 habitantes.

39     Considerando que o Reino de Espanha continuava sem adoptar as medidas necessárias para dar cumprimento às suas obrigações, a Comissão intentou a presente acção.

40     O Reino de Espanha conclui pedindo que a acção seja julgada improcedente e a Comissão condenada nas despesas.

 Quanto à acção

 Quanto às acusações baseadas em violação da Directiva 75/442

 Argumentos das partes

41     A Comissão sustenta que as explorações controvertidas produzem resíduos em quantidade importante, designadamente chorume e cadáveres de animais, e que esses resíduos se regem, na falta de regulamentação comunitária específica que cubra todos os riscos de danos ambientais pelos mesmos ocasionados, pela Directiva 75/442.

42     Segundo a Comissão, a poluição das águas do aquífero do Baix Ter, reconhecida pelas autoridades espanholas nas suas cartas de 1 e de 15 de Fevereiro de 2001, de 15 de Março de 2001 e de 3 de Dezembro de 2001, deve‑se à descarga não gerida nem controlada de um volume crescente de chorume, em violação do disposto no artigo 4.º da referida directiva. Várias análises confirmam este facto. A quantidade média de nitratos nas águas da unidade hidrogeológica do Baix Ter é de 61 mg/l, superior à concentração máxima autorizada.

43     Além disso, a Comissão sustenta que, na data fixada no parecer fundamentado, as explorações pecuárias de suínos em causa funcionavam sem a autorização prevista no artigo 9.º da mesma directiva. As autoridades espanholas admitiram‑no indicando que a situação de várias dessas explorações estava em fase de regularização, facto este que demonstra que a legislação nacional invocada por essas autoridades não é respeitada.

44     Por último, as explorações pecuárias de suínos na zona em causa, que ascendem a cerca de 200, não foram objecto de controlos periódicos adequados e efectivos pelas autoridades competentes, em violação do disposto no artigo 13.º da Directiva 75/442. As autoridades espanholas limitaram‑se a comunicar um quadro relativo ao período de 1994 a 1998 e a referir um plano de controlo assim como algumas acções repressivas.

45     O Governo espanhol contesta que o chorume de suínos seja qualificado como resíduo na acepção da Directiva 75/442. O chorume é utilizado como fertilizante mineral orgânico dos solos e não constitui, portanto, um resíduo, mas uma matéria‑prima. Esse chorume assim utilizado como matéria‑prima é abrangido, na realidade, pelo âmbito de aplicação da Directiva 91/676/CEE do Conselho, de 12 de Dezembro de 1991, relativa à protecção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola (JO L 375, p. 1), que tem por objectivo impedir a poluição causada por nitratos de origem agrícola.

46     O Governo espanhol precisa ainda que a Directiva 91/676 deve, em qualquer caso, ser entendida como uma «outra legislação», na acepção do artigo 2.º, n.º 1, da Directiva 75/442, tornando assim esta última directiva inaplicável ao chorume de suíno. Admitindo que este conceito de «outra legislação» possa ser analisado como visando igualmente uma legislação nacional, os Reais Decretos n.os 261/1996 e 324/2000 devem considerar‑se abrangidos pelo referido conceito.

47     A título subsidiário, na hipótese de o Tribunal de Justiça considerar que o chorume é abrangido pelo âmbito de aplicação da Directiva 75/442, o Governo espanhol considera que a Comissão, a quem cabe a prova da exactidão dos factos que apresenta, não provou a existência do incumprimento desta directiva. A actuação das autoridades espanholas competentes nesta matéria foi resoluta e permitiu obter resultados tangíveis.

48     Na sua réplica, a Comissão sustenta que o conceito de «outra legislação», na acepção do artigo 2.º, n.º 1, da Directiva 75/442, se refere apenas a outra legislação comunitária, com exclusão das legislações dos Estados‑Membros. O Tribunal de Justiça deve portanto alterar a jurisprudência resultante do acórdão de 11 de Setembro de 2003, AvestaPolarit Chrome , Colect., p. I‑8725), pela qual o Tribunal de Justiça declarou que uma legislação nacional pode também constituir uma «outra legislação».

49     De qualquer modo, a Comissão considera que a legislação espanhola existente, a saber, os Reais Decretos n.º 261/1996 e n.º 324/2000, não garante um nível de protecção da saúde humana e do ambiente comparável ao garantido pela Directiva 75/442. Para mais, não existe outra legislação comunitária aplicável ao chorume além dessa directiva. A Directiva 91/676 tem um âmbito de aplicação específico que não abrange todos os prejuízos ambientais causados pelos efluentes de pecuárias. Relativamente aos cadáveres de animais, o Governo espanhol não lhes faz qualquer referência e a Directiva 90/667/CEE do Conselho, de 27 de Novembro de 1990, que estabelece as normas sanitárias para a eliminação e a transformação de resíduos animais, para a sua colocação no mercado e para a prevenção da presença de agentes patogénicos nos alimentos para animais de origem animal ou à base de peixe, e que altera a Directiva 90/425 (JO L 363, p. 51), que não abrange todos os prejuízos causados por esses cadáveres nem todas as actividades de gestão de resíduos, também não pode ser considerada «outra legislação». A é portanto a única directiva aplicável aos resíduos (chorume e cadáveres de animais) produzidos pelas explorações pecuárias de suínos.

50     Em seguida, a Comissão contesta a tese do Governo espanhol segundo a qual o chorume não constitui um resíduo mas uma matéria‑prima. O facto de o chorume de suínos ser objecto de valorização e de constar do Catálogo Europeu dos Resíduos aponta no sentido da qualificação desta substância como resíduo. Só o chorume utilizado nas explorações pecuárias como adubo e em conformidade com as boas práticas agrícolas pode ser considerado um subproduto. Não é o caso de todas as explorações pecuárias que são objecto da presente acção, na medida em que a produção de chorume é demasiado elevada para que este possa ser reservado para essa utilização.

51     Por último, a Comissão considera que demonstrou com suficientes elementos que as autoridades espanholas não cumpriram as obrigações que decorrem da Directiva 75/442.

52     Na sua tréplica, o Governo espanhol indica que não lhe parece pertinente pôr em causa a interpretação do conceito de «outra legislação» feita pelo Tribunal de Justiça no acórdão AvestaPolarit Chrome, já referido.

53     Sustenta que a totalidade da legislação interna aplicável, a saber, por um lado, a nível nacional, o Real Decreto n.º 261/1996 para as zonas vulneráveis e o Real Decreto n.º 324/2000 para as outras zonas, completados a título supletivo pela Lei n.º 10/98, e, por outro, pela legislação muito completa adoptada pela Comunidade Autónoma da Catalunha relativamente aos dejectos de gado (planos de gestão, livros de gestão, regras de dispersão, de transporte fora da exploração, regime de autorização, de sanção, etc.), constitui uma «outra legislação» na acepção do artigo 2.º, n.º 1, alínea b), da Directiva 75/442 e que esta última não é consequentemente aplicável. É sem razão que a Comissão insiste na sua réplica nos cadáveres dos animais, na medida em que a presente acção teve sempre por objecto a poluição das águas resultante dos dejectos do gado.

54     O Governo espanhol alega que, a nível comunitário, a Directiva 91/676 regula a reciclagem dos efluentes de pecuárias na agricultura. A Directiva 90/667 não é, pelo contrário, aplicável ao chorume, porque os dejectos animais estão excluídos do seu âmbito de aplicação. O chorume constitui efectivamente um subproduto, quando é valorizado como fertilizante em conformidade com as boas práticas agrícolas. O facto de ser facilmente comercializado, mesmo fora da sua zona de produção, demonstra que não se inclui no conceito de «resíduo» na acepção da Directiva 75/442. Relativamente aos cadáveres dos animais, é o Regulamento (CE) n.º 1774/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Outubro de 2002, que estabelece regras sanitárias relativas aos subprodutos animais não destinados ao consumo humano (JO L 273, p. 1), que é especificamente aplicável.

55     Por último, o Governo espanhol sublinha que as autoridades catalãs levaram a cabo acções de formação dos agricultores destinadas a uma gestão adequada dos resíduos dos efluentes pecuários e que essas autoridades encorajam a criação de instalações de compostagem para tratamento dos dejectos excedentários. Doze dessas instalações estão já em funcionamento, estando dez em fase de aprovação do projecto.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

56     A título liminar, há que precisar que, na sua acção, a Comissão referiu expressamente os cadáveres de animais entre os resíduos produzidos pelas explorações pecuárias de suínos em causa. As acusações baseadas na violação da Directiva 75/442 referem‑se, portanto, não apenas a incumprimentos pelos quais as autoridades espanholas são responsáveis na gestão do chorume de suíno produzido nas referidas explorações, mas também à não aplicação de diversas disposições da referida directiva aos cadáveres de animais.

57     Há que recordar que o âmbito de aplicação do conceito de «resíduo», na acepção da Directiva 75/442, depende do significado da expressão «se desfazer», constante do artigo 1.º, n.º 1, primeiro parágrafo, da referida directiva (v. acórdão de 18 de Dezembro de 1997, Inter‑Environnement Wallonie,, Colect., p. I‑7411, n.º 26).

58     Ora, em determinadas situações, um objecto, um material ou uma matéria‑prima que resultem de um processo de extracção ou de fabrico que não se destine essencialmente a produzi‑lo podem constituir não um resíduo, mas um subproduto, do qual a empresa não deseja «desfazer‑se», na acepção do artigo 1.º, alínea a), primeiro parágrafo, da Directiva 75/442, mas que tem a intenção de explorar ou comercializar em condições vantajosas para ela, num processo posterior, sem qualquer operação de transformação prévia. Não há, nesse caso, qualquer justificação para sujeitar às disposições desta directiva, que se destinam a prever a eliminação ou valorização dos resíduos, bens, materiais ou matérias‑primas que têm economicamente o valor de produtos, independentemente de qualquer transformação, e que, por si mesmos, estão sujeitos à legislação aplicável a estes produtos, desde que essa reutilização não seja meramente eventual, mas certa, sem transformação prévia, e na continuidade do processo de produção (v. acórdão de 18 de Abril de 2002, Palin Granit e Vehmassalon kansanterveystyön kuntayhtymän hallitus,, Colect., p. I‑3533, n.os 34 a 36).

59      Assim, o Tribunal de Justiça considerou que os fragmentos de pedra e as areias residuais resultantes das operações de aproveitamento de minérios provenientes da exploração de uma mina não são qualificados como resíduos na acepção da Directiva 75/442 quando o seu detentor as utilizar legalmente no enchimento necessário das galerias da referida mina e der garantias suficientes quanto à identificação e utilização efectiva dessas substâncias (v., neste sentido, acórdão AvestaPolarit Chrome, já referido, n.º 43). O Tribunal de Justiça também declarou que não constitui um resíduo na acepção da referida directiva o coque de petróleo produzido voluntariamente, ou resultante da produção simultânea de outras substâncias combustíveis petrolíferas, numa refinaria de petróleo e utilizado com certeza como combustível para as necessidades energéticas da refinaria e as de outros industriais (despacho de 15 de Janeiro de 2004, Saetti e Frediani,, Colect., p. I‑1005, n.º 47).

60     Como foi alegado correctamente pelo Governo espanhol, os efluentes de explorações pecuárias podem, nas mesmas condições, escapar à qualificação de resíduos, se forem utilizados como fertilizantes dos solos no âmbito de uma prática legal de dispersão em terrenos bem identificados e se a armazenagem de que forem objecto se limitar às necessidades dessas operações de dispersão.

61     Contrariamente ao que é sustentado pela Comissão, não há que limitar essa análise aos efluentes das explorações pecuárias utilizados como fertilizantes nos terrenos que fazem parte da mesma exploração agrícola de onde provêm esses efluentes. Com efeito, como já foi considerado pelo Tribunal de Justiça, uma substância não pode ser considerada um resíduo na acepção da Directiva 75/442 se for seguramente utilizada para necessidades de outros operadores que não aquele que a produziu (v., neste sentido, despacho Saetti e Frediani, já referido, n.º 47).

62     Pelo contrário, a análise que permite que se considere que, em determinadas situações, um resíduo de produção não é um resíduo mas um subproduto ou uma matéria‑prima reutilizável na continuidade do processo de produção, não se pode aplicar aos cadáveres de animais de criação quando esse animais morram na exploração e não tenham sido abatidos para consumo humano.

63     Com efeito, esses cadáveres não podem, em regra, ser reutilizados para alimentação humana. São considerados «resíduos animais» pela regulamentação comunitária, designadamente pela Directiva 90/667, que foi revogada, depois da data fixada no parecer fundamentado, pelo artigo 37.º do Regulamento n.º 1774/2002 e, além disso, são resíduos incluídos na categoria das «matérias de alto risco», que têm de ser transformadas em instalações aprovadas pelos Estados‑Membros ou eliminados por incineração ou enterramento. A referida directiva prevê que essas matérias podem ser utilizadas para a alimentação de animais não destinados a consumo humano, mas apenas ao abrigo de autorizações emitidas pelos Estados‑Membros e sob supervisão veterinária das autoridades competentes.

64     Os cadáveres de animais mortos na exploração em causa não podem, em caso algum, ser utilizados em condições que permitam subtraí‑los à definição de resíduos, na acepção da Directiva 75/442. O detentor desses cadáveres tem efectivamente a obrigação de se desfazer deles, pelo que essas matérias têm de ser consideradas resíduos.

65     No presente caso, no que se refere em primeiro lugar ao chorume produzido nas explorações pecuárias em causa, resulta dos documentos do processo que esse chorume é utilizado como fertilizante agrícola, no âmbito de regras de dispersão conformes com as boas práticas agrícolas, fixadas pela Comunidade Autónoma da Catalunha. As pessoas que dirigem as referidas explorações não procuram, portanto, desfazer‑se desse chorume, pelo que este não pode considerar‑se um resíduo, na acepção da Directiva 75/442.

66     A circunstância de no Catálogo Europeu de Resíduos constarem, entre os «resíduos de produção primária da agricultura», «fezes, urina, e estrume de animais (incluindo palha suja), efluentes recolhidos separadamente e tratados noutro local», não permite que esta conclusão seja posta em causa. Com efeito, esta referência geral aos efluentes de pecuárias não toma em consideração as condições nas quais esses efluentes são utilizados e que são determinantes para efeitos da análise do conceito de resíduo. Para mais, a nota introdutória constante do anexo do Catálogo Europeu de Resíduos contém uma precisão segundo a qual essa lista «não [é] exaustiva», referindo‑se que, «[n]o entanto, uma determinada matéria que figure no catálogo não constituirá um resíduo em todas as situações» e que [a inscrição nessa lista significa que constitui um resíduo] «apenas quando satisfizer à definição de resíduo».

67     Consequentemente, as acusações baseadas em violação da Directiva 75/442, na parte relativa à gestão do chorume de suínos, não são procedentes.

68      Em segundo lugar, no que se refere aos cadáveres de animais produzidos nas explorações pecuárias controvertidas, que devem ser considerados resíduos na acepção da Directiva 75/442, como foi referido no n.º 65 do presente acórdão, o Governo espanhol refere, contudo, que esses cadáveres «estão já abrangidos por outra legislação» e que estão assim excluídos do âmbito de aplicação dessa directiva, por força do artigo 2.º, n.º 1, alínea b), iii), da referida directiva.

69     O Tribunal de Justiça já considerou que este conceito de «outra legislação» se pode referir tanto a uma regulamentação comunitária como a uma legislação nacional que abranja uma categoria de resíduos mencionada no artigo 2.º, n.º 1, alínea b), da Directiva 75/442, se essa legislação, comunitária ou nacional, incidir sobre a gestão dos referidos resíduos enquanto tais e se conduzir a um nível de protecção do ambiente pelo menos equivalente ao que é pretendido pela referida directiva (v. acórdão AvestaPolarit Chrome, já referido, n.º 61).

70     Ora, sem que no presente caso seja necessário apreciar as críticas que a Comissão formulou relativamente ao acórdão AvestaPolarit Chrome, já referido, há que referir que, relativamente aos cadáveres de animais em causa, o legislador comunitário adoptou, para além da Directiva 75/442, uma «outra legislação» comunitária, na acepção do artigo 2.º, n.º 1, alínea b), dessa directiva.

71     Com efeito, a Directiva 90/667 tem por objecto, designadamente, a gestão desses cadáveres enquanto resíduos. Fixa regras específicas aplicáveis a essa categoria de resíduos, prescrevendo, em especial, que devem ser transformados em instalações autorizadas ou eliminados através de processos de incineração ou de enterramento. Define, por exemplo, as hipóteses nas quais, não podendo ser transformados, esses resíduos devem ser incinerados ou enterrados. O artigo 3.º, n.º 2, da referida directiva prevê que esses resíduos podem ser incinerados ou enterrados nomeadamente se «quantidade e a distância a percorrer não justificarem a recolha dos resíduos» e que «[o] enterramento deve ser efectuado a uma profundidade suficiente para impedir que os animais carnívoros cheguem aos cadáveres ou detritos e num terreno apropriado, a fim de evitar a contaminação dos lençóis freáticos ou qualquer prejuízo para o ambiente. Antes do enterramento, os cadáveres ou detritos devem ser aspergidos, se necessário, com um desinfectante adequado autorizado pela autoridade competente». A mesma directiva prevê igualmente os controlos e as inspecções que devem ser efectuados por cada Estado‑Membro e, no seu artigo 12.º, que peritos veterinários da Comissão podem, em determinadas situações, efectuar inspecções in loco, em colaboração com as autoridades nacionais. O Regulamento n.º 1774/2002 entrou em vigor depois de expirado o prazo fixado no parecer fundamentado e não é, portanto, aplicável ao presente caso. Adoptado no seguimento da crise sanitária denominada das «vacas loucas», este regulamento estabelece requisitos ainda mais específicos para a armazenagem, o tratamento e a incineração de resíduos animais.

72     As disposições da Directiva 90/667 regulam os efeitos ambientais decorrentes do tratamento de cadáveres de animais e, devido ao seu grau de precisão, impõem um nível de protecção do ambiente pelo menos equivalente ao do nível fixado pela Directiva 75/442. Constituem, portanto, contrariamente ao que a Comissão sustenta na sua réplica, uma «outra legislação» que abrange essa categoria de resíduos, o que permite que se considere que essa categoria está excluída do âmbito de aplicação da referida directiva, sem que seja necessário analisar se a legislação nacional invocada pelo Governo espanhol constitui, em si mesma, «outra legislação».

73     A Directiva 75/442 não é portanto aplicável aos cadáveres de animais em causa. Na medida em que a Comissão apenas invocou a violação dessa directiva, as acusações baseadas na violação desta directiva não são procedentes na parte relativa aos referidos cadáveres.

74     Consequentemente, estas acusações não são procedentes na íntegra.

 Quanto às acusações baseadas em violação da Directiva 85/337

 Argumentos das partes

75     A Comissão alega que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, o artigo 4.º, n.º 2, da Directiva 85/337, também na sua versão inicial, não confere aos Estados‑Membros a faculdade de excluírem global e definitivamente da obrigação de avaliação uma ou várias categorias de projectos referidos no anexo II da referida directiva. A margem de apreciação de que os Estados‑Membros dispõem, quando se trata de designar os projectos referidos nesse anexo II, está na realidade limitada pela obrigação de submeter a um estudo de impacte todos os projectos susceptíveis de terem efeitos significativos no ambiente, designadamente devido à sua natureza, às suas dimensões ou à sua localização. O Tribunal de Justiça já declarou que o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força dessas disposições (acórdão de 13 de Junho de 2002, Comissão/Espanha, C‑474/99, Colect., p. I‑5293).

76     No presente caso, atendendo aos efeitos negativos das explorações pecuárias de suínos no ambiente, em especial à poluição das águas e aos maus cheiros, à dimensão e à enorme proliferação dessas explorações na mesma zona, à sua localização numa zona declarada vulnerável ao abrigo da Directiva 91/676 pelas próprias autoridades espanholas, deviam ter sido realizados processos de avaliação prévia. As autoridades espanholas reconheceram‑no no seu relatório de 31 de Outubro de 2000 que acompanhou a sua resposta ao parecer fundamentado.

77     A Comissão sustenta portanto que o Reino de Espanha violou os artigos 2.º e 4.º, n.º 2, da Directiva 85/337, também na sua versão inicial, consoante a data do pedido de autorização ou de alteração dos projectos em causa seja anterior ou posterior a 14 de Março de 1999, data em que entraram em vigor as alterações introduzidas pela Directiva 97/11.

78     O Governo espanhol considera que a Comissão não especificou a qual das duas versões da Directiva 85/337 se refere o incumprimento e que a acusação é, consequentemente, inadmissível.

79     A título subsidiário, o mesmo governo sustenta que esta acusação deve, de qualquer modo, ser julgada improcedente. Entre 2000 e 2003, os responsáveis por explorações pecuárias de suínos da região do Baix Ter apresentaram doze pedidos de autorização ou de licença ambiental, sendo que nove desses pedidos tinham por objecto a regularização de explorações existentes. Assim, na prática, só três processos eram relativos à criação de novas instalações pecuárias. Quatro desses pedidos deram lugar a decisões de indeferimento.

80     Na sua réplica, a Comissão alega que indicou com precisão que as autoridades espanholas violaram a Directiva 85/337, também na sua versão inicial, consoante a data em que as explorações foram abertas ou ampliadas. A acusação é portanto admissível. Quanto ao mérito, o Governo espanhol não contesta a argumentação que subjaz a esta acusação.

81     Na sua tréplica, o Governo espanhol mantém que as alegações da Comissão são imprecisas, atendendo ao número de explorações em causa, a saber, 387 em 1989, e que esta acusação é consequentemente inadmissível.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

82     Há que recordar que a Comissão deve indicar, em qualquer requerimento apresentado nos termos do artigo 226.º CE, as acusações exactas sobre as quais o Tribunal de Justiça se deve pronunciar, bem como, de forma pelo menos sumária, os elementos de direito ou de facto em que essas acusações se baseiam (v., designadamente, acórdãos de 23 de Outubro de 1997, Comissão/Grécia, C‑375/95, Colect., p. I‑5981, n.° 35, e de 29 de Novembro de 2001, Comissão/Itália, C‑202/99, Colect., p. I‑9319, n.º 20).

83     Ora, é o que acontece no caso em apreço.

84     Com efeito, a Comissão indicou que as suas acusações se referiam à falta de avaliação prévia dos efeitos no ambiente das explorações pecuárias de suínos na região do Baix Ter, tendo apresentado vários exemplos concretos de explorações que deviam ter sido submetidas a essa avaliação e indicado que a directiva cuja violação se alegava era a Directiva 85/337 ou esta última na sua versão inicial, consoante a data do pedido de autorização ou de alteração dos projectos em causa seja anterior ou posterior a 14 de Março de 1999, data em que entraram em vigor as alterações introduzidas pela Directiva 97/11.

85     Assim, estas acusações foram apresentadas com uma precisão que permitiu ao Reino de Espanha apresentar a sua defesa e são, consequentemente, admissíveis.

86     Quanto ao mérito, no que se refere, em primeiro lugar, às explorações criadas ou alteradas antes de 14 de Março de 1999, a Comissão sustenta com razão que os projectos de instalação ou de alteração dessas explorações, apesar de constarem do anexo II da Directiva 85/337, na sua versão inicial, deviam ter sido submetidos a uma avaliação prévia dos seus efeitos no ambiente, atendendo às suas características, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, da mesma directiva.

87     Com efeito, embora o artigo 4.º, n.º 2, segundo parágrafo, da Directiva 85/337, na sua versão inicial, conferisse aos Estados‑Membros uma margem de apreciação para especificarem se as classes de projectos enumeradas no anexo II dessa directiva deviam ser submetidas a uma avaliação ou para fixarem critérios e/ou limiares a ter em conta, essa margem de apreciação encontrava os seus limites na obrigação, constante do artigo 2.º, n.º 1, da mesma directiva, de submeter a um estudo dos efeitos os projectos que pudessem ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização (v., neste sentido, acórdãos de 24 de Outubro de 1996, Kraaijeveld e o.,, Colect., p. I‑5403, n.º 50; de 21 de Setembro de 1999, Comissão/Irlanda,, Colect., p. I‑5901, n.º 64, e Comissão/Espanha, já referido, n.os 30 e 31). Como o Tribunal de Justiça decidiu, os Estados‑Membros não podiam, designadamente, excluir global e definitivamente da obrigação de avaliação uma ou várias categorias de projectos abrangidas pelo referido anexo II (v., neste sentido, acórdão de 2 de Maio de 1996, Comissão/Bélgica, C‑133/94, Colect., p. I‑2323, n.os 41 a 43).

88     No presente caso, as características das explorações em causa impunham que fossem submetidas a uma avaliação dos seus efeitos. A dimensão de várias dessas explorações, a sua localização geográfica numa zona declarada vulnerável em 1998 pelas autoridades espanholas, nos termos da Directiva 91/676, o número relativamente elevado destas na mesma zona e os inconvenientes particulares relacionados com este tipo de explorações pecuárias implicavam a realização dessas avaliações.

89     Ora, o Governo espanhol não referiu qualquer processo de avaliação prévia que tenha sido aplicado às explorações pecuárias de suínos em causa antes de 14 de Março de 1999. Assim, expôs, no decurso da fase pré‑contenciosa, que a legislação nacional então em vigor não previa que as actividades em causa deviam ser submetidas a uma avaliação dos seus efeitos no ambiente. De igual modo, os argumentos que invocou no Tribunal de Justiça referem‑se apenas à implementação na região do Baix Ter de disposições nacionais que entraram em vigor depois de 14 de Março de 1999.

90     Consequentemente, são fundadas as acusações baseadas em violação da Directiva 85/337, na sua versão inicial.

91     Em segundo lugar, no que se refere às explorações pecuárias criadas ou alteradas depois de 14 de Março de 1999, data em que as alterações introduzidas pela Directiva 97/11 entraram em vigor, há que referir que as disposições do artigo 4.º, n.º 2, da Directiva 85/337 prevêem que os Estados‑Membros determinarão, com base numa análise caso a caso ou com base nos limiares ou critérios por si fixados, se os projectos mencionados no anexo II dessa directiva, entre os quais constam as instalações de pecuária intensiva não incluídas no anexo I da mesma directiva devem ser submetidos a uma avaliação dos seus efeitos.

92     Estas disposições têm, essencialmente, o mesmo alcance que o artigo 4.º, n.º 2, da Directiva 85/337, na sua versão inicial. Não alteram a regra geral, enunciada no artigo 2.º, n.º 1, dessa directiva, segundo a qual os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização, serão submetidos à avaliação dos seus efeitos no ambiente. Consequentemente, a entrada em vigor das alterações introduzidas pela Directiva 97/11 não afectou a obrigação que as autoridades espanholas tinham de assegurar que essas avaliações fossem realizadas relativamente às explorações pecuárias em causa.

93     Contudo, o Governo espanhol sustenta que, nos termos da Lei n.º 3/1998 e do seu decreto de aplicação, as explorações com mais de 2 000 porcos de engorda ou de 750 porcas de criação estão sujeitas a autorização prévia em matéria de ambiente, implicando esta autorização obrigações concretas de gestão dos efluentes das pecuárias e dos cadáveres de animais. As explorações que tenham entre 200 e 2 000 suínos deverão obter uma licença ambiental antes da sua criação. A mesma lei prevê que as explorações de pecuárias de suínos existentes que não possuam autorização ambiental devem apresentar pedidos de autorização de modo a regularizarem a sua situação.

94     Segundo o Governo espanhol, apenas três pedidos apresentados com base na referida lei são relativos à criação de novas instalações pecuárias. Todas as novas instalações foram assim objecto de um pedido de autorização ou de licença ambiental, sendo que as mais importantes foram submetidas, com base nos critérios referidos no n.º 93 do presente acórdão, a uma avaliação dos seus efeitos.

95     O Governo espanhol indica também que o número de explorações pecuárias de suínos passou, na totalidade dos municípios da região do Baix Ter abrangidos pela presente acção, de 387 em 1989 para 197 em 1999. Desde então, ainda que o referido número tenha aumentado ligeiramente, o número de animais diminuiu inequivocamente, cifrando‑se a diminuição em 12 017 cabeças. A actuação das autoridades espanholas traduziu‑se nomeadamente na instauração de 63 processos por infracções que deram lugar à aplicação de sanções pecuniárias.

96     Ora, a Comissão não contesta a justeza dos limiares fixados na legislação adoptada pela Comunidade Autónoma da Catalunha. Além disso, embora conteste a eficácia das medidas tomadas com base na Lei n.º 3/1998, não demonstra que determinadas explorações tenham sido criadas ou alteradas depois de 14 de Março de 1999 sem terem sido objecto de uma avaliação dos seus efeitos. Contrariamente ao que é sustentado pela Comissão, as autoridades espanholas não reconheceram que tenha havido explorações nessa situação. As referidas autoridades apenas admitiram que várias explorações criadas antes da entrada em vigor da Lei n.º 3/1998 e do seu decreto de aplicação não foram submetidas a um estudo dos seus efeitos e que algumas dessas explorações foram objecto de processos de autorização que conduziram, eventualmente, a uma regularização.

97     Nestas condições, o incumprimento pelo Reino de Espanha das obrigações que lhe incumbem por força do disposto nos artigos 2.º e 4.º, n.º 2, da Directiva 85/337 não ficou demonstrado. As acusações baseadas na violação das referidas disposições devem, consequentemente, ser julgadas improcedentes.

98     Resulta do exposto que as acusações da Comissão baseadas em violação da obrigação de avaliação dos efeitos no ambiente das explorações pecuárias de suínos na região do Baix Ter não podem ser acolhidas na parte referente à violação dos artigos 2.º e 4.º, n.º 2, da Directiva 85/337, na sua versão inicial.

 Quanto às acusações baseadas em violação da Directiva 80/68

99     A Comissão sustenta que o chorume é uma substância que tem efeitos no sabor e/ou no cheiro das águas subterrâneas e que se inclui, portanto, na Lista II da Directiva 80/68. Consequentemente, deviam ter sido levados a cabo procedimentos de autorização que incluíssem investigações prévias e estudos hidrogeológicos nas zonas abrangidas pela poluição nas quais as explorações pecuárias de suínos iam ser instaladas, em aplicação dos artigos 3.º, alínea b), 5.º, n.º 1, e 7.º da Directiva 80/68, o que não sucedeu. A existência de descargas e de infiltrações não controladas de chorume ficou demonstrada pelas acções repressivas instauradas pelas autoridades espanholas aos responsáveis pelas explorações em causa.

100   Contudo, há que referir, por um lado, que a utilização do chorume como fertilizante é uma operação que obedece frequentemente a boas práticas agrícolas e não constitui, portanto, uma «acção de eliminação ou de depósito com vista a eliminar essas substâncias», na acepção do artigo 5.º da referida directiva.

101   Por outro lado, mesmo admitindo que a dispersão do chorume tenha efeitos no sabor e/ou no cheiro das águas subterrâneas e que possa estar na origem de uma poluição da águas, o regime de protecção das águas contra a poluição ocasionada por efluentes de pecuárias não assenta, a nível comunitário, na Directiva 80/68 mas na Directiva 91/676. Com efeito, esta última directiva tem como objecto específico lutar contra a poluição das águas resultante da dispersão ou descarga de dejectos de animais assim como da utilização excessiva de adubos. O regime de protecção que esta directiva prevê contém medidas concretas de gestão que os Estados‑Membros devem impor aos responsáveis pelas explorações agrícolas e que tomam em consideração o carácter mais ou menos vulnerável dos meios receptores dos efluentes.

102   Ora, se o artigo 5.º da Directiva 80/68 fosse interpretado no sentido de que os Estados‑Membros devem submeter a investigação prévia, que implique, designadamente, um estudo hidrogeológico, qualquer utilização de chorume ou, mais genericamente, dos efluentes de pecuárias como fertilizantes agrícolas, daqui resultaria amplas obrigações de investigação, independentemente da zona em causa. Essas obrigações seriam manifestamente mais rigorosas do que as que o legislador comunitário entendeu, através da Directiva 91/676, impor aos Estados‑Membros em matéria agrícola. O regime de protecção instituído pela Directiva 80/68 sobrepor‑se‑ia em parte ao que foi especificamente instituído pela Directiva 91/676.

103   Esta interpretação da Directiva 80/68 não pode, portanto, ser acolhida.

104   As autoridades espanholas não estavam assim obrigadas, com base na referida directiva, a submeter a utilização agrícola do chorume das explorações pecuárias em causa ao processo de autorização prévia previsto por essa directiva, nem, nessas condições, a realizar estudos hidrogeológicos na zona em causa.

105   Consequentemente, as acusações baseadas em violação da Directiva 80/68 não podem ser acolhidas.

 Quanto às acusações baseadas em violação da Directiva 80/778

 Argumentos das partes

106   A Comissão alega que, em vários municípios da região do Baix Ter, por diversas vezes, a concentração máxima em nitratos de 50 mg/l fixada no anexo I, C, n.º 20, da Directiva 80/778 foi ultrapassada, facto que foi reconhecido pelas autoridades espanholas nas suas cartas de 13 de Julho de 2000, 1 e de 15 de Fevereiro de 2001, 15 de Março de 2001, 3 de Dezembro de 2001 e de 29 de Janeiro de 2002.

107   O Governo espanhol indica que a Comunidade Autónoma da Catalunha implementou um plano de correcção da poluição das águas causada por nitratos que se traduziu em estudos e numerosas análises e medidas de protecção das captações de água, sob a égide da agência catalã da água. Foi implementada uma rede de vigilância na região do Baix Ter, com 28 pontos de análise de três em três meses. Em 2003, 73% das análises desta rede revelaram taxas de concentração de nitratos inferiores a 50 mg/l. Foram desenvolvidos esforços comparáveis no que se refere à análise da presença de compostos azotados nas águas subterrâneas da província de Gerona. Os resultados ainda insuficientes destas acções são parcialmente explicados pela importante seca que a Catalunha conheceu nos últimos anos. Por outro lado, as explorações pecuárias foram objecto de controlos mais rigorosos. Foram igualmente realizadas obras em 2002 em diversos municípios para solucionar problemas que se colocavam relativamente ao abastecimento público de água potável. Os problemas identificados nas outras redes deverão ser brevemente solucionados.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

108   Como o Tribunal de Justiça já decidiu, o artigo 7.º, n.º 6, da Directiva 80/778 impõe não um simples dever de diligência, mas antes uma obrigação de resultado (acórdão de 14 de Novembro de 2002, Comissão/Irlanda,, Colect., p. I‑10527, n.º 37).

109   Ora, o Governo espanhol não contesta que entre 30% e 40% das amostras de água analisadas na zona objecto da presente acção indicam a existência de uma concentração de nitratos que não respeita o limiar de 50 mg/l fixado no anexo I, C, n.º 20, da . Este governo reconhece, designadamente, que, em determinados municípios, e em especial nos de Albons, Parlavà, Rupià e Foixà, as obrigações que decorrem desta directiva não são respeitadas relativamente ao parâmetro «nitratos».

110   Embora se verifique que a qualidade das águas destinadas a consumo humano na região do Baix Ter melhorou globalmente, as medidas tomadas pelas autoridades espanholas não são contudo susceptíveis de demonstrar que as obrigações decorrentes do artigo 7.º, n.º 6, da Directiva 80/778 são respeitadas.

111   Quanto ao facto, alegado pelo Governo espanhol, de o risco sanitário para as populações em causa ter diminuído devido às campanhas de informação, esse facto não exonera de modo algum as autoridades espanholas da obrigação de resultado que lhes incumbe por força da Directiva 80/78.

112   Consequentemente, há que considerar procedentes as acusações baseadas em violação da Directiva 80/778.

113   Resulta de tudo o que foi exposto que:

–       ao não efectuar, antes da construção das explorações pecuárias de suínos da região do Baix Ter ou das suas alterações, qualquer avaliação dos seus efeitos, em violação das disposições dos artigos 2.º e 4.º, n.º 2, da Directiva 85/337, na sua versão inicial,

–       ao exceder, em várias redes públicas de distribuição de água da região do Baix Ter, a concentração máxima admissível para o parâmetro «nitratos» fixada no anexo I, C, n.º 20, da Directiva 80/778, em violação do artigo 7.°, n.º 6, dessa directiva,

o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das referidas directivas.

114   A acção é julgada improcedente quanto ao mais.

 Quanto às despesas

115   Por força do disposto no artigo 69.°, n.º 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Nos termos do artigo 69.°, n.º 3, do mesmo regulamento, o Tribunal de Justiça pode repartir as despesas ou decidir que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas se as partes obtiverem vencimento parcial quanto a um ou mais pedidos ou por circunstâncias excepcionais.

116    No presente litígio, há que ter em conta o facto de a acção não ter sido julgada procedente em relação à totalidade do incumprimento tal como foi definido pela Comissão.

117   Há, assim, que condenar o Reino de Espanha em dois terços da totalidade das despesas. A Comissão é condenada a suportar um terço.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

1)      Ao não efectuar, antes da construção das explorações pecuárias de suínos da região do Baix Ter ou das suas alterações, qualquer avaliação dos seus efeitos, em violação das disposições dos artigos 2.º e 4.º, n.º 2, da Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente, e ao exceder, em várias redes públicas de distribuição de água da região do Baix Ter, a concentração máxima admissível para o parâmetro «nitratos» fixada no anexo I, C, n.º 20, da Directiva 80/778/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1980, relativa à qualidade das águas destinadas ao consumo humano, em violação do artigo 7.º, n.º 6, dessa directiva, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das referidas directivas.

2)      A acção é julgada improcedente quanto ao mais.

3)      O Reino de Espanha é condenado a suportar dois terços da totalidade das despesas. A Comissão das Comunidades Europeias é condenada a suportar um terço.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.