Processo C‑88/03

República Portuguesa

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Recurso de anulação – Auxílios de Estado – Decisão 2003/442/CE – Medidas fiscais adoptadas por uma colectividade regional ou local – Redução das taxas do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas com domicílio fiscal nos Açores – Qualificação como auxílio de Estado – Carácter selectivo – Justificação pela natureza e pela economia do sistema fiscal – Dever de fundamentação – Compatibilidade com o mercado comum»

Conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed apresentadas em 20 de Outubro de 2005 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 6 de Setembro de 2006 

Sumário do acórdão

1.     Auxílios concedidos pelos Estados – Conceito – Carácter selectivo da medida

(Artigo 87.°, n.° 1, CE)

2.     Auxílios concedidos pelos Estados – Conceito – Carácter selectivo da medida

(Artigo 87.°, n.° 1, CE)

3.     Actos das instituições – Fundamentação – Dever – Âmbito

(Artigos 87.°, n.° 1, CE e 253.° CE)

4.     Auxílios concedidos pelos Estados – Proibição – Derrogações – Poder de apreciação da Comissão

(Artigo 87.°, n.° 3, CE)

1.     O artigo 87.°, n.° 1, CE proíbe os auxílios que «favoreçam certas empresas ou certas produções», relativamente a outras que, à luz do objectivo prosseguido pelo referido regime, se encontrem numa situação factual e jurídica comparável, isto é, os auxílios selectivos. Todavia, o conceito de auxílio de Estado não abrange as medidas estatais que introduzem uma diferenciação entre empresas, e que, portanto, são a priori selectivas, quando essa diferenciação resulta da natureza ou da economia do sistema de imposições em que se inscrevem.

Uma medida que constitui uma excepção à aplicação do sistema fiscal geral pode ser justificada pela natureza e pela economia geral do sistema fiscal se o Estado‑Membro em causa conseguir demonstrar que tal medida resulta directamente dos princípios fundadores ou directores do seu sistema fiscal. A este respeito, deve fazer‑se uma distinção entre, por um lado, os objectivos de um dado regime fiscal, que lhe são exteriores, e, por outro, os mecanismos inerentes ao próprio sistema fiscal, que são necessários para a realização de tais objectivos.

(cf. n.os 52, 54, 81)

2.     Quando se trata de analisar se uma medida reveste um carácter selectivo, a determinação do quadro de referência é fundamental e este quadro não deve necessariamente ser definido nos limites do território nacional.

Por esse motivo, para apreciar a selectividade de uma medida adoptada por uma entidade infra‑estatal e que tem por objectivo fixar, numa parte apenas do território de um Estado‑Membro, uma taxa de imposto reduzida em relação à taxa em vigor no resto do referido Estado‑Membro, importa examinar se a referida medida foi adoptada por essa entidade no exercício de poderes suficientemente autónomos em relação ao poder central e, caso assim seja, apurar se se aplica efectivamente a todas as empresas estabelecidas ou a todas as produções realizadas no território em que essa entidade exerce a sua competência.

Na hipótese de uma autoridade regional ou local adoptar, no exercício de poderes suficientemente autónomos em relação ao poder central, uma taxa de imposto inferior à taxa nacional e que é aplicável unicamente às empresas presentes no território sob jurisdição dessa autoridade, o quadro jurídico pertinente para apreciar a selectividade de uma medida fiscal pode limitar‑se à zona geográfica em questão no caso de a entidade infra‑estatal, designadamente em razão do seu estatuto e dos seus poderes, desempenhar um papel fundamental na definição do contexto político e económico em que operam as empresas presentes no território sob sua jurisdição.

Para que se possa considerar que uma decisão tomada em tais circunstâncias foi adoptada no exercício de poderes suficientemente autónomos, importa, em primeiro lugar, que essa decisão tenha sido adoptada por uma autoridade local dotada, no plano constitucional, de um estatuto político e administrativo distinto do do Governo central. Em seguida, deve ter sido adoptada sem que o Governo central possa intervir directamente no seu conteúdo. Finalmente, as consequências financeiras de uma redução da taxa de imposto nacional aplicável às empresas presentes na região não devem ser compensadas por contribuições ou subvenções provenientes das outras regiões ou do Governo central.

(cf. n.os 56‑58, 62, 65‑67)

3.     A fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do acto, de forma a permitir que os interessados conheçam as razões da medida adoptada e que o órgão jurisdicional competente exerça a sua fiscalização. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto cumpre as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa.

Aplicado à qualificação de uma medida de auxílio, este princípio exige que sejam indicadas as razões pelas quais a Comissão considera que a medida em causa se enquadra no âmbito de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE. A este respeito, mesmo nos casos em que resulta das circunstâncias em que esse auxílio foi concedido que este é susceptível de afectar as trocas comerciais entre Estados‑Membros e de falsear ou de ameaçar falsear a concorrência, incumbe à Comissão, pelo menos, evocar essas circunstâncias nos fundamentos da sua decisão.

(cf. n.os 88‑89)

4.     Na aplicação do artigo 87.°, n.° 3, CE, a Comissão goza de um amplo poder de apreciação, cujo exercício envolve avaliações de ordem económica e social que devem ser efectuadas num contexto comunitário. O juiz comunitário, ao fiscalizar a legalidade do exercício dessa liberdade, não pode substituir a apreciação do autor da decisão pela sua própria apreciação na matéria, devendo limitar‑se a examinar se aquela está viciada por erro manifesto ou por desvio de poder.

(cf. n.° 99)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

6 de Setembro de 2006 (*)

«Recurso de anulação – Auxílios de Estado – Decisão 2003/442/CE – Medidas fiscais adoptadas por uma colectividade regional ou local – Redução das taxas do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas com domicílio fiscal nos Açores – Qualificação como auxílio de Estado – Carácter selectivo – Justificação pela natureza e pela economia do sistema fiscal – Dever de fundamentação – Compatibilidade com o mercado comum»

No processo C‑88/03,

que tem por objecto um recurso de anulação nos termos do artigo 230.° CE, entrado em 24 de Fevereiro de 2003,

República Portuguesa, representada por L. Fernandes, na qualidade de agente, assistido por J. da Cruz Vilaça e L. Romão, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

apoiada por:

Reino de Espanha, representado por N. Díaz Abad, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por R. Caudwell, na qualidade de agente, assistida por D. Anderson, QC, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

intervenientes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por V. Di Bucci e F. de Sousa Fialho, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas (relator) e J. Malenovský, presidentes de secção, J.‑P. Puissochet, R. Schintgen, N. Colneric, S. von Bahr, J. Klučka e U. Lõhmus, juízes,

advogado‑geral: L. A. Geelhoed,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 6 de Setembro de 2005,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de Outubro de 2005,

profere o presente

Acórdão

1       Com o seu recurso, a República Portuguesa pede a anulação da Decisão 2003/442/CE da Comissão, de 11 de Dezembro de 2002, relativa à parte do regime que adapta o sistema fiscal nacional às especificidades da Região Autónoma dos Açores referente à vertente das reduções das taxas do imposto sobre o rendimento (JO L 150, p. 52, a seguir «decisão impugnada»).

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

2       O artigo 87.°, n.° 1, CE estabelece:

«Salvo disposição em contrário do presente Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.»

3       A Comunicação da Comissão, de 10 de Dezembro de 1998, sobre a aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas que respeitam à fiscalidade directa das empresas (JO C 384, p. 3, a seguir «comunicação relativa aos auxílios de Estado no domínio da fiscalidade directa»), indica, no seu ponto 2, que se propõe fornecer esclarecimentos quanto à qualificação como auxílio nos termos do n.° 1 do artigo 87.°, no caso das medidas fiscais.

4       O artigo 87.°, n.° 3, CE prevê que podem ser considerados compatíveis com o mercado comum:

«a)      Os auxílios destinados a promover o desenvolvimento económico de regiões em que o nível de vida seja anormalmente baixo ou em que exista grave situação de subemprego;

[…]

c)      Os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum;

[...]»

5       O artigo 299.°, n.° 2, CE indica que o disposto no Tratado é aplicável aos departamentos franceses ultramarinos, aos Açores, à Madeira e às ilhas Canárias. Todavia, o legislador comunitário pode adoptar medidas específicas destinadas, em especial, a estabelecer as condições de aplicação do presente Tratado a essas regiões, tendo em conta que a sua situação social e económica estrutural é agravada por certos factores cuja persistência e conjugação prejudicam gravemente o seu desenvolvimento.

6       Nos termos do ponto 4.15 das Orientações da Comissão sobre os auxílios estatais com finalidade regional (JO 1998, C 74, p. 9), conforme alteradas em 9 de Setembro de 2000 (JO C 258, p. 5, a seguir «orientações sobre os auxílios estatais com finalidade regional»), são proibidos os auxílios regionais destinados a reduzir as despesas correntes de uma empresa, isto é, os auxílios ao funcionamento.

7       Todavia, nos termos do ponto 4.16.2 das referidas orientações, nas regiões ultraperiféricas que beneficiam da derrogação prevista no n.° 3, alíneas a) e c), do artigo 87.° CE, podem ser autorizados auxílios que não sejam simultaneamente degressivos e limitados no tempo, na medida em que contribuam para compensar os custos adicionais do exercício da actividade económica inerentes aos factores enunciados no n.° 2 do artigo 299.° CE, cuja persistência e conjugação prejudicam gravemente o desenvolvimento destas regiões. É igualmente indicado neste ponto que compete ao Estado‑Membro avaliar a importância desses custos e demonstrar a sua correlação com os referidos factores. Além disso, os auxílios previstos devem justificar‑se pelo seu contributo para o desenvolvimento regional e pela sua natureza, e o seu nível deve ser proporcional aos custos adicionais que visam compensar.

 Legislação nacional

8       A Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976, dispõe que «os arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiões autónomas dotadas de estatutos político‑administrativos e de órgãos de governo próprios». Contém, para tanto, várias disposições que regulam os poderes, atribuições e competências destas regiões e os respectivos órgãos políticos e administrativos.

9       Resulta destas disposições que as regiões autónomas dispõem de receitas fiscais próprias e de uma participação nas receitas fiscais do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegura a efectiva solidariedade nacional. Além disso, é da competência exclusiva das assembleias legislativas destas regiões exercer, nas condições estabelecidas numa lei‑quadro adoptada pela Assembleia da República, um poder tributário próprio, bem como adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais.

10     Pela Lei n.° 13/98, de 24 de Fevereiro, Lei de Finanças das Regiões Autónomas (Diário da República, I série‑A, n.° 46, de 24 de Fevereiro de 1998, p. 746, a seguir «Lei n.° 13/98»), o Estado português definiu de forma precisa as condições dessa autonomia financeira. Esta lei enuncia os princípios e os objectivos da autonomia financeira regional, prevê a coordenação das finanças das regiões autónomas com as finanças do Estado, estabelece o princípio da solidariedade nacional e a obrigação de cooperação entre o Estado e as regiões autónomas.

11     No que respeita à cooperação entre o Estado e as regiões autónomas, o artigo 5.°, n.os 1 a 3, da Lei n.° 13/98 dispõe, designadamente:

«1.      No cumprimento do dever constitucional e estatutário de solidariedade, o Estado, que deverá ter em conta as suas disponibilidades orçamentais e a necessidade de assegurar um tratamento igual a todas as parcelas do território nacional, participa com as autoridades das Regiões Autónomas na tarefa de desenvolvimento económico, na correcção das desigualdades derivadas da insularidade e na convergência económica e social com o restante território nacional e com a União Europeia.

2.      A solidariedade nacional traduz‑se, designadamente, no plano financeiro, nas transferências orçamentais previstas no presente diploma e deverá adequar‑se, em cada momento, ao nível de desenvolvimento das Regiões Autónomas, visando sobretudo criar as condições que venham a permitir uma melhor cobertura financeira pelas suas receitas próprias.

3.      A solidariedade nacional visa assegurar um princípio fundamental de tratamento igual de todos os cidadãos portugueses e a possibilidade de todos eles terem acesso às políticas sociais definidas a nível nacional, bem como auxiliar a convergência económica e social com o restante território nacional e com a União [...], e traduz‑se, designadamente, nas transferências orçamentais a concretizar de harmonia com o disposto no presente diploma.»

12     Como é recordado no ponto 7 dos fundamentos da decisão impugnada, a Lei n.° 13/98 prevê, em particular, que o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas constituem receita das regiões autónomas, nas condições que ela própria determina. Nos termos do artigo 37.° desta lei, as Assembleias Legislativas Regionais são autorizadas, nomeadamente, a diminuir as taxas do imposto sobre o rendimento que são aplicáveis nas respectivas regiões, até ao limite de 30% das taxas previstas pela legislação nacional.

 Regime especial da Região Autónoma dos Açores

13     Através do Decreto Legislativo Regional n.° 2/99/A, de 20 de Janeiro de 1999, conforme alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.° 33/99/A, de 30 de Dezembro de 1999 (a seguir «Decreto n.° 2/99/A»), o órgão legislativo da Região dos Açores aprovou as modalidades de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais, em aplicação das competências que lhe estão atribuídas na matéria. Este decreto legislativo produz efeitos desde 1 de Janeiro de 1999 e inclui, em especial, uma vertente relativa às reduções das taxas dos impostos sobre o rendimento.

14     Essas reduções das taxas são automaticamente aplicáveis a todos os agentes económicos (pessoas singulares e colectivas). Segundo as autoridades portuguesas, têm por objectivo, nomeadamente, permitir às empresas instaladas nos Açores ultrapassar as desvantagens estruturais decorrentes da sua localização numa região insular e ultraperiférica. A este título, todos os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas na Região dos Açores beneficiam de reduções das taxas destes impostos, que podem atingir 20% (15% em 1999) para o primeiro destes impostos e 30% para o segundo. O custo orçamental desta medida é considerado pelas autoridades portuguesas, com base na perda de receitas fiscais que daí resultam, em cerca de 26,25 milhões de euros por ano.

 Decisão impugnada

15     Por carta de 5 de Janeiro de 2000, as autoridades portuguesas notificaram a Comissão das Comunidades Europeias de um regime de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades da Região Autónoma dos Açores. Este regime, que foi notificado tardiamente, em resposta a um pedido de informações formulado pelos serviços da Comissão em 7 de Dezembro de 1999 na sequência de artigos publicados pela imprensa, e que entrou em vigor sem autorização da Comissão, foi inscrito no registo dos auxílios não notificados.

16     Após ter examinado as informações transmitidas pelas autoridades portuguesas, a Comissão decidiu dar início ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, em relação à parte do regime referente à vertente das reduções das taxas dos impostos sobre o rendimento. No âmbito desse procedimento, o Governo regional das ilhas Åland (Finlândia) apresentou as suas observações à Comissão, em apoio da posição portuguesa.

17     No termo desse procedimento, a Comissão adoptou a decisão impugnada.

18     No ponto 23 dos fundamentos desta decisão, referindo‑se à sua comunicação relativa aos auxílios de Estado no domínio da fiscalidade directa, a Comissão recorda os critérios da definição de um auxílio estatal na acepção do n.° 1 do artigo 87.° CE. A medida em questão deve dar aos seus beneficiários uma vantagem que reduza os encargos que normalmente oneram o seu orçamento. Tal vantagem deve ser concedida pelo Estado ou através de recursos estatais, independentemente da sua forma. A medida em causa deve afectar a concorrência e as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Por último, deve ser específica ou selectiva, no sentido de que favorece certas empresas ou produções.

19     No ponto 24 dos fundamentos da decisão impugnada, a Comissão conclui que cada um destes critérios está preenchido no que respeita às reduções das taxas dos impostos sobre o rendimento em causa. Considera, em especial, relativamente aos três primeiros critérios, que:

–       «[…] [n]a medida em que as reduções das taxas do imposto em análise se aplicam a empresas, proporcionam [...] uma vantagem que reduz os encargos que oneram normalmente os seus orçamentos,

–       a concessão de uma redução de imposto implica uma perda de receitas fiscais, que [...] ‘é equivalente ao consumo de recursos estatais na forma de despesas fiscais’. Na medida em que este princípio é aplicável igualmente no caso de auxílios atribuídos por entidades regionais e locais dos Estados‑Membros [...], as reduções das taxas do imposto em análise são concedidas mediante recursos estatais, ou seja, recursos que no sistema das finanças públicas portuguesas são afectados à Região Autónoma dos Açores,

–       o critério de a concorrência e as trocas comerciais entre Estados‑Membros serem afectadas pressupõe que o beneficiário da medida exerce uma actividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico ou do seu modo de financiamento. De acordo com uma jurisprudência constante, esta condição da afectação das trocas comerciais encontra‑se preenchida, dado que as empresas beneficiárias exercem uma actividade económica que é objecto de comércio entre os Estados‑Membros [...]. Tendo em conta a extensão do seu âmbito de aplicação sectorial e na medida em que pelo menos uma parte das empresas em causa exercerá uma actividade que é objecto de trocas comerciais entre os Estados‑Membros, é este o caso das reduções do imposto em análise».

20     No que diz respeito ao elemento da selectividade, a Comissão cita o ponto 17 da sua comunicação relativa aos auxílios de Estado no domínio da fiscalidade directa, onde se indica que a prática decisória da Comissão demonstra que «apenas as medidas cujo âmbito abrange a totalidade do território do Estado escapam ao critério de especificidade estabelecido no n.° 1 do artigo 87.° [CE]», que «[o] próprio Tratado qualifica como auxílios as medidas destinadas a promover o desenvolvimento económico de uma região». A Comissão considera que as reduções das taxas de imposto em causa constituem, para as empresas situadas numa determinada região de Portugal, uma vantagem de que não podem beneficiar as empresas que pretendem realizar operações económicas análogas noutras regiões de Portugal. Segundo o ponto 24 dos fundamentos da decisão impugnada, tais reduções favorecem, portanto, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, as empresas que devem pagar imposto na Região Autónoma dos Açores em relação a todas as outras empresas portuguesas.

21     A Comissão baseia esta conclusão no seguinte raciocínio, exposto nos pontos 26, 27, 31 e 33 dos fundamentos da decisão impugnada.

22     Em primeiro lugar, na medida em que o elemento de selectividade no conceito de auxílio assenta numa comparação entre dois grupos de empresas que se encontram no mesmo quadro de referência (as que beneficiam da vantagem e as que dela não beneficiam), não pode ser estabelecido senão em relação a uma tributação definida como normal. Segundo a Comissão, «resulta simultaneamente da economia do Tratado, que visa os auxílios concedidos pelo Estado ou através de recursos do Estado, e do papel fundamental que desempenham, na definição do ambiente político e económico em que as empresas operam, as autoridades centrais dos Estados‑Membros, graças às medidas que tomam, aos serviços que prestam e, eventualmente, às transferências financeiras que operam, que o quadro em que se deve proceder a tal comparação é o espaço económico do Estado‑Membro. [...] A prática constante da Comissão [...] consiste [...] em classificar como auxílios os regimes fiscais aplicáveis em determinadas regiões ou territórios e que são favoráveis em comparação com o regime geral de um Estado‑Membro [...]».

23     Em segundo lugar, é inconciliável com o conceito de auxílio, que engloba todas as intervenções que diminuem os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma ou de várias empresas, independentemente da sua finalidade, da sua justificação, do seu objectivo e do estatuto da autoridade pública que as institui ou cujo orçamento suporta o encargo, defender, como as autoridades portuguesas, que os benefícios com um alcance territorial limitado passariam a ser medidas gerais na região em causa, pelo simples facto de não terem sido instituídas pela autoridade central, mas sim pela autoridade regional, e de se aplicarem em todo o território sujeito à jurisdição da região. «Uma distinção baseada unicamente na entidade que decide da medida retiraria qualquer efeito útil ao artigo 87.° [CE], que pretende abranger as medidas em questão exclusivamente em função dos seus efeitos sobre a concorrência e sobre as trocas comunitárias [...]».

24     A Comissão acrescenta que «a presente decisão não diz respeito a um mecanismo que permita ao conjunto das colectividades locais de determinado nível (regiões, concelhos ou outras) instituir e cobrar impostos locais, sem qualquer relação com a fiscalidade nacional. Pelo contrário, trata‑se, no caso vertente, de uma redução aplicável unicamente nos Açores da taxa de imposto fixada pela legislação nacional e aplicável na parte continental de Portugal. Nestas circunstâncias, é evidente que a medida adoptada pelas autoridades regionais constitui uma derrogação ao sistema fiscal nacional».

25     Em terceiro lugar, as reduções das taxas dos impostos acima mencionadas não podem justificar‑se pela natureza ou pela economia do sistema fiscal português. A Comissão considera que, em especial, e «na medida em que estas reduções não resultam da aplicação de princípios como a proporcionalidade ou a progressividade fiscal, favorecendo pelo contrário empresas localizadas numa região específica, independentemente da sua situação financeira, os objectivos de desenvolvimento regional que lhes são atribuídos não podem ser considerados como inerentes ao referido sistema fiscal português».

26     Depois de, no ponto 34 dos fundamentos da decisão impugnada, ter qualificado as medidas em causa como auxílios de Estado, a Comissão considera, no ponto 35 dos referidos fundamentos, que esses auxílios, tendo em conta que têm por objectivo ultrapassar as desvantagens estruturais permanentes decorrentes do carácter insular da Região dos Açores e do seu afastamento dos centros económicos continentais, mediante uma redução das despesas correntes das empresas, constituem auxílios ao funcionamento. Acrescenta que tais auxílios podem ser autorizados se se destinarem a reduzir os custos adicionais do exercício da actividade económica inerentes às desvantagens enunciadas no n.° 2 do artigo 299.° CE, no respeito das condições estabelecidas no ponto 4.16.2 das orientações sobre os auxílios estatais com finalidade regional, ou seja, justificar‑se pelo seu contributo para o desenvolvimento regional e pela sua natureza, e o seu nível deve ser proporcional aos custos adicionais que visam compensar.

27     A este respeito, a Comissão afirma, no ponto 38 dos fundamentos da decisão impugnada, que, na medida em que as referidas reduções das taxas do imposto sobre o rendimento serão aplicáveis a «empresas que operam fora do sector financeiro», a Comissão pode igualmente considerá‑los compatíveis com o mercado comum ao abrigo da derrogação prevista no n.° 3, alínea a), do artigo 87.° CE.

28     Em contrapartida, segundo a Comissão, na medida em que se aplicam a empresas que operam no sector financeiro, as reduções das taxas do imposto sobre o rendimento não se justificam em função do seu contributo para o desenvolvimento regional e o seu nível não é proporcional às deficiências que visariam atenuar. A Comissão não pode assim considerar que essas reduções constituem auxílios compatíveis com o mercado comum, na acepção do n.° 3, alínea a), do artigo 87.° CE, tanto mais que continuam a faltar elementos quantificados que permitam medir objectivamente o nível dos custos adicionais com que se defrontam as sociedades financeiras sujeitas a imposto na Região dos Açores. Por conseguinte, esses auxílios também não podem ser abrangidos por outras derrogações previstas no Tratado.

29     Importa assinalar que, no ponto 18 dos fundamentos da decisão impugnada, a Comissão tinha assinalado, no diz respeito ao estudo apresentado pelas autoridades portuguesas, a ausência de empresas do sector financeiro entre as empresas da amostra de base. Tinha sublinhado que as autoridades portuguesas se tinham limitado a justificar essa ausência por falta de dados estatísticos relativos ao sector, reconhecendo por isso que, em relação a tais actividades, não lhes seria possível demonstrar de maneira rigorosa que as reduções das taxas do imposto em questão seriam, pela sua natureza e o seu nível, susceptíveis de resolver os problemas específicos da Região dos Açores.

30     Por outro lado, a Comissão acrescenta, no ponto 42 dos fundamentos da decisão impugnada, que, por razões de transparência e de segurança jurídica, há que excluir igualmente do benefício de uma decisão de compatibilidade com o mercado comum «as actividades do tipo ‘serviços intragrupo’ (actividades cujo fundamento económico é prestar serviços às empresas pertencentes a um mesmo grupo, como centros de coordenação, de tesouraria ou de distribuição)». Considera, com efeito, que «tais actividades não participam suficientemente no desenvolvimento regional e não podem por isso ser declaradas compatíveis por força do n.° 3, alínea a), do artigo 87.°, nem a título de outras derrogações previstas pelo Tratado, pelas mesmas razões indicadas a propósito do sector financeiro».

31     Consequentemente, no artigo 1.° da decisão impugnada, a Comissão declara compatível com o mercado comum a parte do regime que adapta o sistema fiscal nacional às especificidades da Região Autónoma dos Açores a que se refere a vertente relativa às reduções das taxas dos impostos sobre o rendimento, sob reserva do disposto no artigo 2.°, nos termos do qual a parte do regime de auxílios referida no artigo 1.° é incompatível com o mercado comum desde que seja aplicável a empresas que exerçam actividades financeiras, bem como a empresas que exerçam actividades do tipo «serviços intragrupo». No artigo 3.° da decisão impugnada, a Comissão intima Portugal a adoptar as medidas necessárias para recuperar, junto das empresas que exercem as actividades mencionadas no artigo 2.°, os auxílios pagos a título da parte do regime de auxílios referida no artigo 1.°

 Pedidos das partes

32     Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 16 de Setembro de 2003, foi admitida a intervenção do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte em apoio dos pedidos da República Portuguesa.

33     Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 9 de Junho de 2005, foi admitida a intervenção do Reino de Espanha em apoio dos pedidos da República Portuguesa.

34     A República Portuguesa conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–       declarar o recurso admissível;

–       declarar o recurso procedente e, em consequência, anular a decisão impugnada, na medida em que esta considera que as reduções das taxas do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas com residência fiscal na Região Autónoma dos Açores constituem auxílios de Estado;

–       se assim não se entender e sem prescindir, declarar o recurso procedente e decretar a anulação parcial da decisão impugnada, na medida em que esta declara incompatível com o mercado comum as reduções das taxas do imposto aplicáveis às empresas que operam no sector financeiro, bem como às empresas que exercem actividades do tipo «serviço intragrupo», e em que, no seu artigo 3.°, intima a República Portuguesa a recuperar o seu montante;

–       condenar a Comissão no pagamento de todas as despesas, incluindo as suportadas pela República Portuguesa.

35     A Comissão das Comunidades Europeias pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–       rejeitar o recurso como infundado;

–       condenar a República Portuguesa nas despesas.

36     O Reino Unido, que interveio em apoio dos pedidos de Portugal, conclui pedindo que o Tribunal de Justiça dê provimento ao recurso e que, em consequência, anule a decisão impugnada, na medida em que considera que as reduções das taxas do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas que, para efeitos fiscais, residem ou têm sede nos Açores constituem auxílios de Estado.

 Quanto ao recurso

37     O Governo português invoca três fundamentos de recurso. Em primeiro lugar, em sua opinião, a decisão impugnada baseia‑se num erro de direito na aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE, em dois sentidos. Em segundo lugar, a decisão está insuficientemente fundamentada, o que constitui uma violação do artigo 253.° CE. Em terceiro lugar, contém um erro manifesto de apreciação dos factos que condicionam a aplicação do artigo 87.°, n.° 3, alínea a), CE.

 Quanto ao primeiro fundamento, baseado num erro de direito na aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE

 Argumentos das partes

38     Através do seu primeiro fundamento, o Governo português sustenta que as reduções das taxas dos impostos sobre o rendimento previstas pelo Decreto n.° 2/99/A a favor das pessoas singulares e colectivas instaladas nos Açores não constituem medidas selectivas, mas medidas de carácter geral, e que, de qualquer forma, a diferenciação que essas reduções operam em matéria de encargos se justifica pela natureza ou pela economia do sistema fiscal português.

39     Quanto à apreciação do carácter selectivo de tais medidas, o Governo português começa por afirmar que a Comissão tomou erradamente como quadro de referência a totalidade do território português. Para apreciar a selectividade de uma medida, não há que situar necessariamente a referida medida num quadro de referência nacional. Assim, quando uma autoridade infra‑estatal, em relação à parte do território que é da sua competência, concede vantagens fiscais cujo alcance é limitado a uma parte do território, o quadro de referência deveria ser a região em causa. Na medida em que vantagens fiscais concedidas em tais condições sejam aplicáveis a todas as empresas submetidas a imposto nessa região, essas vantagens constituem medidas gerais, e não medidas selectivas.

40     Em seguida, este governo sublinha que as reduções das taxas de imposto em causa emanam directamente dos princípios fundadores do sistema fiscal português, em especial dos princípios da redistribuição e da solidariedade nacional, bem como do grau de autonomia da região em causa. São o resultado do exercício da soberania constitucional e são motivadas pelos factores definidos no n.° 2 do artigo 299.° CE, ou seja, a insularidade, o clima difícil e a dependência económica dos Açores dum pequeno número de produtos.

41     De qualquer forma, segundo o Governo português, a decisão impugnada ignora o facto de as reduções fiscais em causa serem justificadas pela natureza e pela economia do sistema fiscal português. Defende, a este respeito, que estas medidas contribuem para a realização dos objectivos estruturantes do sistema fiscal português, designadamente uma distribuição da carga fiscal em consonância com a capacidade contributiva, com uma finalidade redistributiva. Recorda também que existem diferenças objectivas entre os contribuintes com residência fiscal no território continental português e os contribuintes com residência fiscal nos Açores. Estes dois elementos têm, de resto, origem directamente nos textos constitucionais e legais que estabelecem os princípios fundadores do sistema fiscal português e a autonomia das regiões ultraperiféricas.

42     Segundo a Comissão, resulta do sistema do Tratado que a selectividade de uma medida deve ser apreciada em relação ao quadro nacional. Tomar como quadro de referência a região que adopta a medida seria ignorar a função e a razão de ser das regras que o Tratado consagra sobre os auxílios estatais. Mesmo na ausência de selectividade material, medidas reservadas às empresas que operam em certas regiões de um Estado‑Membro têm carácter selectivo e constituem obviamente auxílios estatais. No caso vertente, as reduções das taxas do imposto em causa favorecem as empresas que são passíveis do imposto na Região dos Açores, em relação a todas as outras empresas portuguesas, uma vez que, nas regiões de Portugal continental, os impostos nacionais em questão não podem ser modulados em baixa pelas autoridades locais e são aplicáveis à taxa plena, o que basta para se concluir pela selectividade da medida em questão, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE. O facto de as reduções fiscais em causa terem sido decididas por uma entidade diferente do Estado central é desprovido de qualquer pertinência: só os efeitos da medida, e não a sua forma, podem ser tomados em conta para a sua qualificação.

43     A Comissão considera, além disso, que o grau de autonomia da Região Autónoma dos Açores é, na realidade, limitado. O Estado central português continua a desempenhar um papel fundamental na definição do contexto político e económico em que as empresas operam. A título de exemplo, empresas que operam nos Açores podem beneficiar de infra‑estruturas financiadas pelo Estado central ou de um sistema de segurança social cujo equilíbrio financeiro é assegurado por esse mesmo Estado central. Por outro lado, a diminuição das receitas fiscais resultante, para a região em causa, das reduções das taxas de imposto em causa é indirectamente compensada, no plano orçamental, por transferências provenientes do Estado central, em nome do princípio da solidariedade financeira.

44     Quanto à justificação das vantagens fiscais em questão pela natureza e pela economia do sistema fiscal português, a Comissão alega que só poderia ser admitida se tais vantagens decorressem de diferenças objectivas entre os contribuintes. Ora, a Comissão considera que não é o caso das reduções em questão, visto que se aplicam a todas as empresas situadas nos Açores, independentemente da sua situação financeira, e decorrem das características económicas da região, que constituem elementos extrínsecos ao sistema de imposição. A Comissão indica que o conceito de natureza ou de economia do sistema fiscal remete para a lógica interna do sistema de imposições obrigatórias e para diferenciações técnicas necessárias e proporcionadas às situações objectivamente diferentes às quais se aplica o sistema de imposição e que respondem à exigência de fazer funcionar o melhor possível um tal sistema em todas as hipóteses que lhe dizem respeito.

45     O Governo do Reino Unido, que interveio em apoio da República Portuguesa, concentrou a sua argumentação na apreciação do critério da selectividade. Afastando o argumento da Comissão segundo o qual as medidas cujo alcance não se estenda ao conjunto do território de um Estado‑Membro satisfazem o critério de especificidade estabelecido no artigo 87.°, n.° 1, CE, alega que esse critério pode, por vezes, não ser preenchido pelas medidas fiscais que são adoptadas pelas regiões descentralizadas ou autónomas, que se aplicam ao conjunto do território sob sua jurisdição e que não são específicas a certos sectores.

46     Segundo o Governo do Reino Unido, quando, como no caso vertente, o legislador de uma região autónoma institui impostos a uma taxa que aplica uniformemente na região, mas que é mais baixa do que a que é aplicada, por decisão do legislador nacional, noutras partes do Estado em questão, a selectividade da medida não pode ser deduzida do simples facto de as outras regiões estarem submetidas a um nível de imposição diferente. Conforme as circunstâncias, o quadro no âmbito do qual a selectividade deve ser apreciada é a própria região, e não o Estado‑Membro como um todo. É o que acontece quando existe um sistema constitucional que reconhece uma autonomia fiscal suficiente para que se possa considerar que uma redução de impostos decretada por uma colectividade local foi decidida por uma região autónoma ou descentralizada que não só tem o poder de tomar essa decisão, mas que, além disso, deve suportar as suas consequências financeiras e políticas.

47     Por conseguinte, antes de qualificar como auxílios de Estado as taxas reduzidas de tributação regionais relativamente à taxa de imposto nacional, a Comissão deveria ter tido em conta, segundo este governo, o grau de autonomia da autoridade infra‑estatal que instituiu essas taxas reduzidas à luz de diversos factores, como o facto de a competência em matéria fiscal fazer parte de um sistema constitucional que confere à região um grau significativo de poder político, de a decisão de instituir reduções da tributação ser tomada por um órgão eleito pela população da região responsável perante esta e de as consequências financeiras da decisão serem suportadas pela região, sem existir qualquer subsídio ou contribuição em contrapartida de outras regiões ou do poder central.

48     Segundo o Governo do Reino Unido, a apreciação da natureza de um sistema fiscal regional relativamente aos auxílios de Estado suscita problemas mais amplos no que respeita à autonomia regional, que revestem grande importância no plano constitucional. Em especial, o sistema constitucional de descentralização «assimétrica» do Reino Unido poderia ser posto em causa, tendo em conta a situação da Escócia e da Irlanda do Norte.

49     O Reino de Espanha, que também intervém em apoio da República Portuguesa, sublinha que a atribuição de competências, quando prevista, integra o quadro constitucional dos Estados‑Membros. Por conseguinte, concordar com os argumentos da Comissão implicaria ignorar esta estrutura constitucional, designadamente na medida em que a política de tributação directa permanece na competência exclusiva dos Estados‑Membros.

50     Nas suas observações sobre as alegações de intervenção do Reino Unido, a Comissão contesta que a abordagem adoptada pela Comissão na decisão impugnada impeça o exercício, pela Escócia ou pela Irlanda do Norte, dos poderes fiscais que lhes são reconhecidos.

51     A Comissão acrescenta que o facto de tratar da mesma maneira, por um lado, as reduções do imposto aplicáveis numa determinada região e decididas centralmente e, por outro lado, as reduções idênticas decididas por uma autoridade regional é coerente com o princípio segundo o qual a natureza do auxílio se define em função dos efeitos da medida no que diz respeito às empresas ou aos produtores, sem que seja necessário ter em conta as suas causas ou os seus objectivos, nem tão‑pouco a situação dos organismos distribuidores ou gestores do auxílio (acórdãos de 2 de Julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, Colect., p. 357, n.os 27 e 28, e de 22 de Março de 1977, Steinike & Weinlig, 78/76, Colect., p. 203, n.° 21). Em contrapartida, os critérios propostos pelo Reino Unido, que pretendem que, «conforme as circunstâncias», a selectividade de uma medida seja analisada no quadro da região ou no quadro do Estado‑Membro como um todo, são incompatíveis com aquele princípio e conduziriam a uma insegurança jurídica que comprometeria o controlo dos auxílios de Estado.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

52     O artigo 87.°, n.° 1, CE proíbe os auxílios que «favoreçam certas empresas ou certas produções», isto é, os auxílios selectivos (v. acórdão de 15 de Dezembro de 2005, Itália/Comissão, C‑66/02, Colect., p. I‑10901, n.° 94). Todavia, é jurisprudência assente que o conceito de auxílio de Estado não abrange as medidas estatais que introduzem uma diferenciação entre empresas, e que, portanto, são a priori selectivas, quando essa diferenciação resulta da natureza ou da economia do sistema de imposições em que se inscrevem (v., neste sentido, acórdãos de 2 de Julho de 1974, Itália/Comissão, já referido, n.° 33, e de 15 de Dezembro de 2005, Unicredito Italiano, C‑148/04, Colect., p. I‑11137, n.° 51).

53     Assim, importa, antes de mais, determinar se as medidas de redução das taxas de imposto em causa têm carácter selectivo e, caso assim seja, apurar se, como defende o Governo português, tais medidas se justificam pela natureza e a economia do sistema fiscal português.

54     No que respeita à apreciação da condição de selectividade, constitutiva do conceito de auxílio de Estado, é jurisprudência assente que o artigo 87.°, n.° 1, CE impõe que se determine se, no quadro de um dado regime jurídico, uma medida estatal é susceptível de favorecer «certas empresas ou certas produções» relativamente a outras que, à luz do objectivo prosseguido pelo referido regime, se encontrem numa situação factual e jurídica comparável (v., neste sentido, acórdãos de 8 de Novembro de 2001, Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke, C‑143/99, Colect., p. I‑8365, n.° 41; de 29 de Abril de 2004, GIL Insurance e o., C‑308/01, Colect., p. I‑4777, n.° 68; e de 3 de Março de 2005, Heiser, C‑172/03, Colect., p. I‑1627, n.° 40).

55     Tal análise impõe‑se igualmente em relação a uma medida adoptada não pelo legislador nacional mas por uma autoridade infra‑estatal, uma vez que uma medida adoptada por uma colectividade territorial e não pelo poder central é susceptível de constituir um auxílio se preencher os requisitos do artigo 87.°, n.° 1, CE (v. acórdão de 14 de Outubro de 1987, Alemanha/Comissão, 248/84, Colect., p. 4013, n.° 17).

56     Resulta de quanto precede que, para apreciar a selectividade da medida em questão, há que analisar se, no quadro de um dado regime jurídico, a referida medida constitui uma vantagem para certas empresas em relação a outras que se encontrem numa situação factual e jurídica comparável. A determinação do quadro de referência reveste importância acrescida no caso das medidas fiscais, dado que a própria existência de uma vantagem só pode ser afirmada em relação a uma imposição dita «normal». A taxa de imposto normal é a taxa em vigor na zona geográfica que constitui o quadro de referência.

57     A este respeito, o quadro de referência não deve necessariamente ser definido nos limites do território do Estado‑Membro em causa, de modo que uma medida que concede uma vantagem numa parte apenas do território nacional não é, por esse simples facto, selectiva na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

58     Não se pode excluir que uma entidade infra‑estatal disponha de um estatuto de direito e de facto suficientemente autónomo em relação ao Governo central de um Estado‑Membro, para que, pelas medidas que adopta, seja essa entidade, e não o Governo central, que desempenha um papel fundamental na definição do contexto político e económico em que operam as empresas. Em tal caso, é o território onde exerce a sua competência a entidade infra‑estatal, autora da medida, e não o território nacional no seu conjunto, que constitui o contexto pertinente para determinar se uma medida adoptada por essa entidade favorece certas empresas em relação a outras que se encontrem numa situação factual e jurídica comparável, tendo em atenção o objectivo prosseguido pela medida ou o regime jurídico em causa.

59     A argumentação da Comissão, segundo a qual tal análise contraria a letra do Tratado e uma jurisprudência bem estabelecida na matéria, não pode ser acolhida.

60     É certo que o Tribunal de Justiça já decidiu que o facto de um programa de auxílios ter sido adoptado por uma colectividade territorial não impede a aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE, desde que estejam preenchidos os requisitos estabelecidos por esta disposição (v., neste sentido, acórdão Alemanha/Comissão, já referido, n.° 17). Por outro lado, como sublinhou a Comissão no ponto 26 dos fundamentos da decisão impugnada, o próprio texto do Tratado, que, no artigo 87.°, n.° 3, alíneas a) e c), qualifica como auxílios estatais susceptíveis de serem declarados compatíveis as medidas destinadas «a promover o desenvolvimento económico de uma região», indica que os benefícios cujo alcance se limite a uma parte do território do Estado sujeito à disciplina dos auxílios são susceptíveis de constituir benefícios selectivos. Todavia, daí não se pode deduzir que uma medida é selectiva, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, pelo simples facto de apenas se aplicar numa zona geográfica limitada de um Estado‑Membro.

61     Também não se pode deduzir do acórdão de 19 de Setembro de 2000, Alemanha/Comissão (C‑156/98, Colect., p. I‑6857), que uma medida cujo benefício é reservado às empresas situadas em certas regiões é, por esse simples facto, selectiva. No n.° 23 desse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que o facto de uma redução fiscal beneficiar determinadas empresas estabelecidas nos novos Länder e em Berlim Ocidental lhe retirava a natureza de medida geral de política fiscal ou económica. Mas a medida de redução fiscal em causa tinha sido adoptada pelo legislador nacional e aplicava‑se a uma parte apenas das empresas estabelecidas em certas regiões da Alemanha, ou seja, as que empregavam no máximo 250 trabalhadores e cuja sede social e direcção efectiva se encontravam nos novos Länder ou em Berlim Ocidental, em derrogação do regime nacional que, à parte esta excepção, era uniforme.

62     Para apreciar a selectividade de uma medida adoptada por uma entidade infra‑estatal e que tem por objectivo, como a medida em causa, fixar, numa parte apenas do território de um Estado‑Membro, uma taxa de imposto reduzida em relação à taxa em vigor no resto do referido Estado‑Membro, importa, como se declarou no n.° 58 do presente acórdão, examinar se a referida medida foi adoptada por essa entidade no exercício de poderes suficientemente autónomos em relação ao poder central e, caso assim seja, apurar se se aplica efectivamente a todas as empresas estabelecidas ou a todas as produções realizadas no território em que essa entidade exerce a sua competência.

63     O advogado‑geral identificou, nos n.os 50 e seguintes das suas conclusões, três hipóteses em que se pode colocar a questão da qualificação como auxílio de Estado de uma medida destinada a estabelecer, para uma zona geograficamente limitada, taxas de imposto reduzidas em relação às taxas em vigor a nível nacional.

64     Na primeira hipótese, o Governo central decide, unilateralmente, aplicar numa determinada área geográfica uma taxa de imposto mais baixa do que aquela que é aplicável a nível nacional. A segunda hipótese corresponde a um modelo de repartição das competências fiscais no qual todas as autoridades locais de determinado nível (regiões, concelhos ou outras) dispõem do poder de fixar livremente, dentro dos limites das competências de que dispõem, a taxa do imposto aplicável no território sob sua jurisdição. A Comissão reconheceu, à semelhança dos Governos português e do Reino Unido, que uma medida tomada por uma autoridade local nesta segunda hipótese não é selectiva, uma vez que não é possível determinar um nível de tributação normal, susceptível de constituir o parâmetro de referência.

65     Na hipótese evocada em terceiro lugar, uma autoridade regional ou local adopta, no exercício de poderes suficientemente autónomos em relação ao poder central, uma taxa de imposto inferior à taxa nacional e que é aplicável unicamente às empresas presentes no território sob jurisdição dessa autoridade.

66     Nesta última hipótese, o quadro jurídico pertinente para apreciar a selectividade de uma medida fiscal poderia limitar‑se à zona geográfica em questão no caso de a entidade infra‑estatal, designadamente em razão do seu estatuto e dos seus poderes, desempenhar um papel fundamental na definição do contexto político e económico em que operam as empresas presentes no território sob sua jurisdição.

67     Para que se possa considerar que uma decisão tomada em tais circunstâncias foi adoptada no exercício de poderes suficientemente autónomos, importa, em primeiro lugar, como o advogado‑geral sublinhou no n.° 54 das suas conclusões, que essa decisão tenha sido adoptada por uma autoridade local dotada, no plano constitucional, de um estatuto político e administrativo distinto do do Governo central. Em seguida, deve ter sido adoptada sem que o Governo central possa intervir directamente no seu conteúdo. Finalmente, as consequências financeiras de uma redução da taxa de imposto nacional aplicável às empresas presentes na região não devem ser compensadas por contribuições ou subvenções provenientes das outras regiões ou do Governo central.

68     Resulta do que precede que uma autonomia política e fiscal relativamente ao Governo central, que seja suficiente no que respeita à aplicação das regras comunitárias relativas aos auxílios de Estado, supõe, como sublinhou o Governo do Reino Unido, que a entidade infra‑estatal disponha não apenas da competência para adoptar, no território sob sua jurisdição, medidas de redução da taxa de imposto, independentemente de qualquer consideração relacionada com o comportamento do Estado central, mas que assuma, além disso, as consequências políticas e financeiras de tal medida.

69     Uma vez que o Governo português contesta a apreciação, pela Comissão, da selectividade das medidas de redução fiscais em causa, importa analisar se essas medidas, que são vantajosas para as empresas que devem pagar imposto na Região dos Açores, preenchem os requisitos estabelecidos nos n.os 67 e 68 do presente acórdão.

70     A este respeito, importa sublinhar que, por força da Constituição da República Portuguesa, os Açores constituem uma região autónoma dotada de um estatuto político administrativo e de órgãos de governo próprios, que têm o poder de exercer as suas próprias competências fiscais e de adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, em conformidade com o disposto na Lei n.° 13/98 e no Decreto n.° 2/99/A.

71     No que respeita à autonomia em termos económicos, o Governo português, em resposta à argumentação da Comissão relativa à falta de autonomia da Região Autónoma dos Açores em razão da existência de transferências financeiras compensatórias provenientes do Estado central, limitou‑se a sublinhar que a Comissão não tinha provado a razão de ser desta argumentação, mas ele próprio não demonstrou que a Região Autónoma dos Açores não recebe nenhum financiamento do Estado para compensar a redução de receitas fiscais eventualmente decorrente das reduções das taxas de imposto.

72     A este respeito, há que assinalar que, ao abrigo do artigo 5.°, n.° 1, da Lei n.° 13/98 e no quadro da adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais, o princípio constitucional da solidariedade nacional foi precisado no sentido de que o Estado central participa, com as autoridades das regiões autónomas, na tarefa de desenvolvimento económico, na correcção das desigualdades derivadas da insularidade e na convergência económica e social com o restante território nacional.

73     Segundo o artigo 32.° da referida lei, a aplicação deste princípio traduz‑se num dever, que incumbe tanto às autoridades centrais como regionais, de promover a correcção das desigualdades decorrentes da insularidade, com a consequente diminuição das pressões fiscais regionais, bem como num dever de assegurar um nível adequado de serviços públicos e de actividades privadas.

74     Como reconhece o Governo português, foi como corolário deste edifício constitucional e legal que o Decreto n.° 2/99/A procedeu à adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais.

75     Embora a diminuição de receitas fiscais que decorre eventualmente, para a Região dos Açores, das reduções das taxas de imposto em causa possa afectar a realização do objectivo, reconhecido pelo Governo português, de correcção das desigualdades em matéria de desenvolvimento económico, essa diminuição é, de qualquer modo, compensada por um mecanismo de financiamento gerido a nível central. No caso vertente, esse financiamento está expressamente previsto no artigo 5.°, n.° 2, da Lei n.° 13/98, sob a forma de transferências orçamentais.

76     Daqui resulta que os dois aspectos da política fiscal do Governo regional, ou seja, por um lado, a decisão de diminuir a pressão fiscal regional exercendo o seu poder de redução das taxas de imposto sobre o rendimento e, por outro, o cumprimento da sua missão de correcção das desigualdades decorrentes da insularidade, estão indissociavelmente ligados e dependem, do ponto de vista financeiro, das transferências orçamentais geridas pelo Governo central.

77     Neste contexto, há que concluir que a decisão do Governo da Região Autónoma dos Açores de exercer o seu poder de redução das taxas do imposto nacional sobre o rendimento, para permitir aos operadores económicos da região ultrapassar os inconvenientes estruturais decorrentes da sua localização insular e ultraperiférica, não foi adoptada no respeito de todos os requisitos estabelecidos nos n.os 67 e 68 do presente acórdão.

78     Consequentemente, o quadro jurídico pertinente para apreciar a selectividade das medidas fiscais em causa não pode ser definido exclusivamente nos limites geográficos da Região dos Açores. Essas medidas devem ser apreciadas em relação ao conjunto do território português, no quadro do qual são selectivas.

79     Daqui resulta que a Comissão considerou com razão, na decisão impugnada, que as reduções das taxas de imposto em causa constituem medidas selectivas, e não medidas de carácter geral.

80     Em conformidade com a jurisprudência citada no n.° 52 do presente acórdão, importa portanto determinar se as medidas fiscais em causa podem ser justificadas pela natureza ou pela economia do sistema fiscal português, o que incumbe ao Estado‑Membro demonstrar.

81     Uma medida que constitui uma excepção à aplicação do sistema fiscal geral pode ser justificada pela natureza e pela economia geral do sistema fiscal se o Estado‑Membro em causa conseguir demonstrar que tal medida resulta directamente dos princípios fundadores ou directores do seu sistema fiscal. A este respeito, deve fazer‑se uma distinção entre, por um lado, os objectivos de um dado regime fiscal, que lhe são exteriores, e, por outro, os mecanismos inerentes ao próprio sistema fiscal, que são necessários para a realização de tais objectivos.

82     Ora, não se pode considerar que medidas como as que estão em causa, que se aplicam a qualquer operador económico sem distinção segundo a sua situação financeira, respondem a uma preocupação de respeito da capacidade contributiva numa lógica de redistribuição. Embora seja verdade que as desvantagens ligadas à insularidade dos Açores podem, em princípio, afectar qualquer operador económico, independentemente da sua situação financeira, o simples facto de o sistema fiscal regional estar concebido de forma a assegurar a correcção de tais desigualdades não permite considerar que qualquer benefício fiscal concedido pelas autoridades da Região Autónoma em causa seja justificado pela natureza e pela economia do sistema fiscal nacional. O facto de se actuar com base numa política de desenvolvimento regional ou de coesão social não basta para que uma medida adoptada no quadro de tal política possa considerar‑se justificada por esse simples facto.

83     Consequentemente, o Governo português não demonstrou que a adopção, pela Região Autónoma dos Açores, das medidas em causa fosse necessária para o funcionamento e a eficácia do sistema fiscal geral. Limitou‑se a fazer uma afirmação genérica neste sentido, sem fornecer elementos precisos em seu apoio. Assim, não demonstrou que as medidas em causa fossem justificadas pela natureza ou pela economia do sistema fiscal português.

84     Por conseguinte, a Comissão considerou com razão, na decisão impugnada, que a diferenciação em matéria de encargos resultante das reduções das taxas de imposto em causa não se justificava pela natureza ou pela economia do sistema fiscal português.

85     Decorre de todas estas considerações que o primeiro fundamento do recurso deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo a fundamentação insuficiente quanto à existência de afectação das trocas comerciais intracomunitárias e de restrição sensível da concorrência

 Argumentos das partes

86     Através do seu segundo fundamento, o Governo português sustenta, em substância, que a fundamentação da decisão impugnada não responde às exigências do artigo 253.° CE, na medida em que a referida decisão não precisa nem justifica o impacto das reduções das taxas de imposto em causa sobre as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, nem o efeito sensível de distorção da concorrência dessas medidas.

87     A Comissão contesta esta alegação, baseando‑se, designadamente, na jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual, quando está em causa um regime de auxílios de alcance geral, basta indicar que, pelo menos no caso de certos beneficiários, a medida afecta as trocas comerciais, não sendo a Comissão obrigada a ir mais ao pormenor quanto a esta questão nas suas decisões (acórdão de 7 de Março de 2002, Itália/Comissão, C‑310/99, Colect., p. I‑2289). No caso vertente, as reduções das taxas de imposto aplicam‑se a todos os operadores económicos que devem pagar impostos na Região dos Açores. Dado que pelo menos uma parte das empresas em causa exerce uma actividade que é objecto de trocas comerciais entre os Estados‑Membros e que está sujeita à concorrência comunitária, a decisão está, segundo a Comissão, suficientemente fundamentada.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

88     Segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do acto, de forma a permitir que os interessados conheçam as razões da medida adoptada e que o órgão jurisdicional competente exerça a sua fiscalização. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto cumpre as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v., nomeadamente, acórdãos de 29 de Fevereiro de 1996, Bélgica/Comissão, C‑56/93, Colect., p. I‑723, n.° 86; de 15 de Maio de 1997, Siemens/Comissão, C‑278/95 P, Colect., p. I‑2507, n.° 17; e de 15 de Julho de 2004, Espanha/Comissão, C‑501/00, Colect., p. I‑6717, n.° 73).

89     Aplicado à qualificação de uma medida de auxílio, este princípio exige que sejam indicadas as razões pelas quais a Comissão considera que a medida em causa se enquadra no âmbito de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE. Assim, mesmo nos casos em que resulta das circunstâncias em que esse auxílio foi concedido que este é susceptível de afectar as trocas comerciais entre Estados‑Membros e de falsear ou de ameaçar falsear a concorrência, incumbe à Comissão, pelo menos, evocar essas circunstâncias nos fundamentos da sua decisão (acórdãos de 7 de Junho de 1988, Grécia/Comissão, 57/86, Colect., p. 2855, n.° 15; de 24 de Outubro de 1996, Alemanha e o./Comissão, C‑329/93, C‑62/95 e C‑63/95, Colect., p. I‑5151, n.° 52; e de 19 de Setembro de 2000, Alemanha/Comissão, já referido, n.° 98).

90     No caso vertente, basta sublinhar, a este respeito, que a decisão impugnada indica claramente e aplica à situação em apreço os critérios que uma medida deve satisfazer para constituir um auxílio de Estado.

91     Quanto à apreciação, pela Comissão, dos efeitos do auxílio nas trocas comerciais intracomunitárias, refira‑se que a decisão impugnada, no ponto 24 dos seus fundamentos, como se recordou no n.° 19 do presente acórdão, deduz logicamente das características do sistema em causa e do alcance geral das reduções de tributação que este sistema implica, uma vez que tais reduções se aplicam a todos os sectores económicos dos Açores, que pelo menos uma parte das empresas em questão exercerá uma actividade económica que é objecto de tais trocas e que, portanto, as trocas comerciais entre Estados‑Membros são susceptíveis de ser afectadas.

92     Resulta de quanto precede que o segundo fundamento invocado pelo Governo português, relativo à insuficiência de fundamentação, deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação na aplicação do artigo 87.°, n.° 3, alínea a), CE

 Argumentos das partes

93     No seu terceiro fundamento, o Governo português acusa a Comissão de ter cometido um erro manifesto de apreciação na aplicação do artigo 87.°, n.° 3, alínea a), CE, ao excluir da derrogação prevista por esta disposição as reduções das taxas de imposto em causa na medida em que se aplicam às empresas que exercem actividades financeiras ou actividades do tipo «serviços intragrupo» e ao declará‑las incompatíveis com o mercado comum no artigo 2.° da decisão impugnada.

94     Ora, segundo o Governo português, por um lado, actividades do tipo «serviços intragrupo» não existem na ordem jurídica portuguesa e, por outro lado, as empresas que operam no sector financeiro são susceptíveis de suportar os mesmos custos acrescidos decorrentes do carácter ultraperiférico e da insularidade da Região dos Açores que os que foram identificados, para outros sectores da economia, num estudo realizado pelo Centre for European Policy Studies, apresentado em 3 de Novembro de 1999 no quadro de um processo em matéria de auxílios de Estado relativo à Região Autónoma da Madeira. Esse estudo teve por objecto determinar as implicações do artigo 299.°, n.° 2, CE em relação às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores.

95     A Comissão contesta ter cometido um erro manifesto de apreciação e recorda, em primeiro lugar, que, no que respeita à apreciação da compatibilidade dos auxílios, goza de um amplo poder de apreciação cujo exercício implica avaliações de ordem económica e social.

96     A Comissão alega, em segundo lugar, que o estudo do Centre for European Policy Studies, em que se baseia o Governo português, não é pertinente para apreciar a compatibilidade das reduções das taxas de imposto aplicáveis às empresas que operam no sector financeiro. Esse estudo enumera os custos ligados à situação ultraperiférica da região em causa, sem quantificar o impacto dos custos sobre os diferentes sectores económicos. Ora, apesar de se poder razoavelmente admitir que todas as empresas localizadas na Região dos Açores estão confrontadas com as mesmas desvantagens estruturais permanentes, que decorrem do carácter insular do arquipélago dos Açores e do seu afastamento dos centros económicos continentais, daí não decorre que o impacto de tais desvantagens sobre os custos adicionais do exercício da actividade económica seja idêntico em todos os sectores.

97     Segundo a Comissão, tendo em conta a extrema mobilidade dos serviços que oferece, o sector financeiro encontra‑se numa situação diferente do resto da economia dos Açores. Por esta razão, desde o início do procedimento, a Comissão convidou repetidamente as autoridades portuguesas a fornecer‑lhe elementos demonstrativos de que os benefícios concedidos ao sector financeiro eram justificados. A Comissão alega que, na falta de tais elementos individualizados, não pôde, com base na documentação fornecida pelas autoridades portuguesas, considerar que as reduções fiscais aplicáveis às empresas que operam neste sector são auxílios compatíveis com o mercado comum nos termos da derrogação prevista pelo artigo 87.°, n.° 3, alínea a), CE.

98     A Comissão recorda ainda que se um Estado‑Membro não lhe fornece as informações pedidas ou se apenas lhe fornece informações parcelares, a legalidade da sua decisão terá de ser apreciada em função dos elementos de informação de que dispunha no momento em que a adoptou (acórdão de 13 de Junho de 2002, Países Baixos/Comissão, C‑382/99, Colect., p. I‑5163, n.° 49). Este princípio deve ser aplicado ainda com mais rigor no caso em apreço, já que foram enviados vários pedidos de informação às autoridades portuguesas e incumbe ao Estado‑Membro o ónus da prova de que os auxílios eram justificados, de acordo com o ponto 4.16.2 das orientações sobre os auxílios estatais com finalidade regional.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

99     A título preliminar, há que recordar que a Comissão, na aplicação do artigo 87.°, n.° 3, CE, goza de um amplo poder de apreciação, cujo exercício envolve avaliações de ordem económica e social que devem ser efectuadas num contexto comunitário. O Tribunal de Justiça, ao fiscalizar a legalidade do exercício dessa liberdade, não pode substituir a apreciação do autor da decisão pela sua própria apreciação na matéria, devendo limitar‑se a examinar se aquela está viciada por erro manifesto ou por desvio de poder (v., nomeadamente, acórdãos de 7 de Março de 2002, Itália/Comissão, já referido, n.os 45 e 46; de 12 de Dezembro de 2002, França/Comissão, C‑456/00, Colect., p. I‑11949, n.° 41; e de 15 de Dezembro de 2005, Itália/Comissão, já referido, n.° 135).

100   As orientações sobre os auxílios estatais com finalidade regional proíbem os auxílios regionais destinados a reduzir as despesas correntes de uma empresa, ou seja, os auxílios ao funcionamento. Todavia, nos termos do ponto 4.16.2 das referidas orientações, nas regiões ultraperiféricas que beneficiam da derrogação prevista no n.° 3, alíneas a) e c), do artigo 87.° CE, podem ser autorizados auxílios ao funcionamento na medida em que contribuam para compensar os custos adicionais do exercício da actividade económica inerentes aos factores enunciados no n.° 2 do artigo 299.° CE, cuja persistência e conjugação prejudicam gravemente o desenvolvimento destas regiões.

101   É indicado neste ponto que compete ao Estado‑Membro avaliar a importância desses custos adicionais e demonstrar a sua correlação com os referidos factores. Tais auxílios devem justificar‑se pelo seu contributo para o desenvolvimento regional e pela sua natureza, e o seu nível deve ser proporcional aos custos adicionais que visam compensar.

102   Importa sublinhar que, quando alega que as medidas em causa preenchem os critérios previstos pelas referidas orientações não só no que respeita aos sectores da actividade económica que não sejam serviços financeiros, como admite a Comissão na decisão impugnada, mas também no que respeita ao referido sector, o Governo português não contesta os termos das orientações sobre os auxílios estatais com finalidade regional. Este governo contesta unicamente o modo como a Comissão aplicou estas últimas ao sector financeiro da Região dos Açores. Considera, com efeito, ter demonstrado que as empresas que exercem actividades financeiras devem fazer face aos mesmos custos decorrentes da especificidade geográfica da região em causa que qualquer outra empresa que aí esteja estabelecida.

103   Como se recordou no n.° 101 do presente acórdão, segundo as orientações sobre os auxílios estatais com finalidade regional, compete ao Estado‑Membro que concedeu os auxílios avaliar a sua importância e demonstrar que se justificam pelo seu contributo para o desenvolvimento regional e que o nível das vantagens assim concedidas é proporcional aos custos adicionais que visam compensar. Ora, resulta dos autos e do ponto 18 dos fundamentos da decisão impugnada que as autoridades portuguesas não forneceram tais elementos em relação ao sector financeiro.

104   Embora seja verdade que a decisão impugnada não indica a razão pela qual a Comissão tinha considerado necessário dispor de elementos de prova quantificados no que respeita ao sector financeiro, não se pode daí concluir que esta instituição tenha excedido os limites do seu poder de apreciação.

105   Assim, ao declarar incompatível com o mercado comum a parte do regime de auxílios referida no artigo 1.° da decisão impugnada na medida em que se aplica às empresas que exercem actividades financeiras, a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação.

106   Por outro lado, cabe sublinhar, no que respeita às empresas que exercem actividades do tipo «serviços intragrupo», que, em resposta ao argumento das autoridades portuguesas de que tais actividades não existem actualmente na ordem jurídica portuguesa, a Comissão declarou, no ponto 42 dos fundamentos da decisão impugnada, que, por razões de transparência e de segurança jurídica, no caso de tais actividades, na prática, poderem ser exercidas no âmbito de serviços fornecidos principalmente às empresas de um grupo, as reduções das taxas de imposto aplicáveis às empresas que exercem tais actividades devem, tal como acontece com as empresas do sector financeiro, ser excluídas de jure do benefício da derrogação prevista pelo artigo 87.°, n.° 3, alínea a), CE. Na verdade, a Comissão considera que, uma vez que os seus efeitos sobre a decisão de localização das empresas de um grupo e as suas externalidades sobre a economia local são fracos, tais actividades não participam suficientemente no desenvolvimento regional para que as medidas em causa, aplicadas a tais actividades, possam ser declaradas compatíveis com o mercado comum por força do n.° 3, alínea a), do artigo 87.° CE ou a título de outras derrogações previstas pelo Tratado, pelas mesmas razões indicadas a propósito do sector financeiro e independentemente da questão de saber se tais actividades existem num dado momento na ordem jurídica portuguesa. Na falta de argumentos desenvolvidos pelo Governo português contra estas afirmações, não ficou demonstrado que tenha sido cometido um erro manifesto de apreciação relativamente a tais empresas.

107   Consequentemente, o terceiro fundamento do recurso, relativo a uma violação do artigo 87.°, n.° 3, alínea a), CE, deve ser julgado improcedente.

108   Não tendo nenhum dos fundamentos invocados pelo Governo português merecido acolhimento, há que negar provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

109   Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Portuguesa e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas. Nos termos do artigo 69.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, os Estados‑Membros que intervieram no litígio suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A República Portuguesa é condenada nas despesas.

3)      O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e o Reino de Espanha suportarão as suas próprias despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: português.