Processo C‑26/03

Stadt Halle e RPL Recyclingpark Lochau GmbH

contra

Arbeitsgemeinschaft Thermische Restabfall‑ und Energieverwertungsanlage TREA Leuna

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht Naumburg)

«Directiva 92/50/CEE – Contratos públicos de serviços – Ajuste directo – Adjudicação do contrato a uma empresa de economia mista – Protecção jurisdicional – Directiva 89/665/CEE»

Conclusões da advogada‑geral C. Stix‑Hackl apresentadas em 23 de Setembro de 2004 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 11 de Janeiro de 2005 

Sumário do acórdão

1.     Aproximação das legislações – Processos de recurso em matéria de adjudicação de contratos administrativos de fornecimentos e de obras – Directiva 89/665 – Obrigação de os Estados‑Membros preverem um processo de recurso – Decisões susceptíveis de recurso – Conceito – Decisões tomadas à margem de um procedimento formal de adjudicação de contratos e prévias à abertura de concurso formal – Inclusão – Acesso aos processos de recurso – Condições – Procedimento que deverá ter atingido uma determinada fase – Inadmissibilidade

(Directivas 89/665, artigo 1.°, n.° 1, e 92/50 do Conselho)

2.     Aproximação das legislações – Processos de adjudicação de contratos públicos de serviços – Directiva 92/50 – Âmbito de aplicação – Entidade adjudicante que detém uma participação no capital de uma sociedade juridicamente distinta, conjuntamente com uma ou várias empresas privadas – Contrato celebrado pela entidade adjudicante com a referida sociedade – Inclusão

(Directiva 92/50 do Conselho)

1.     O artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras e de fornecimentos, com a redacção dada pela Directiva 92/50 relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, alterada, por sua vez, pela Directiva 97/52, deve ser interpretado no sentido de que a obrigação de os Estados‑Membros assegurarem a possibilidade de recursos eficazes e rápidos contra decisões adoptadas pelas entidades adjudicantes abrange também as decisões tomadas à margem de um procedimento formal de adjudicação de contratos e prévias à abertura de concurso formal, designadamente a decisão quanto à questão de saber se um determinado contrato cai no âmbito de aplicação pessoal e material da Directiva 92/50, com a nova redacção. Esta possibilidade de recurso está aberta a qualquer pessoa que esteja ou tenha estado interessada em obter o contrato em causa e que tenha sido ou possa ser lesada pela alegada violação, a partir do momento em que seja manifestada a vontade da entidade adjudicante susceptível de produzir efeitos jurídicos. Por conseguinte, os Estados‑Membros não estão autorizados a subordinar a possibilidade de recurso ao facto de o procedimento de adjudicação do contrato público em causa ter formalmente atingido uma determinada fase.

(cf. n.° 41, disp. 1)

2.     Na hipótese de a entidade adjudicante pretender celebrar um contrato a título oneroso para serviços abrangidos pelo âmbito de aplicação material da Directiva 92/50, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, alterada pela Directiva 97/52, com uma sociedade juridicamente distinta, em cujo capital detém uma participação com uma ou várias empresas privadas, devem ser sempre aplicados os procedimentos de adjudicação de contratos públicos previstos nesta directiva, ainda que essa participação seja maioritária.

(cf. n.° 52, disp. 2)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
11 de Janeiro de 2005(1)

«Directiva 92/50/CEE – Contratos públicos de serviços – Ajuste directo – Adjudicação do contrato a uma empresa de economia mista – Protecção jurisdicional – Directiva 89/665/CEE»

No processo C-26/03,que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, submetido pelo Oberlandesgericht Naumburg (Alemanha), por decisão de 8 de Janeiro de 2003, entrado no Tribunal de Justiça em 23 de Janeiro de 2003, no processo

Stadt Halle, RPL Recyclingpark Lochau GmbH

contra

Arbeitsgemeinschaft Thermische Restabfall- und Energieverwertungsanlage TREA Leuna,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),,



composto por: P. Jann, presidente de secção, J. N. Cunha Rodrigues, E. Juhász (relator), M. Ilešič e E. Levits, juízes,

advogada-geral: C. Stix-Hackl,
secretário: R. Grass,

vistos os autos,vistas as observações escritas apresentadas:

em representação da Stadt Halle, por U. Jasper, Rechtsanwältin,

em representação da Arbeitsgemeinschaft Thermische Restabfall- und Energieverwertungsanlage TREA Leuna, por K. Heuvels, Rechtsanwalt,

em representação do Governo francês, por G. de Bergues e D. Petrausch, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, por M. Fruhmann, na qualidade de agente,

em representação do Governo finlandês, por T. Pynnä, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por K. Wiedner, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral apresentadas na audiência de 23 de Setembro de 2004,

profere o presente



Acórdão



1
O pedido de decisão prejudicial versa sobre a interpretação do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras de fornecimentos (JO L 395, p. 33), com a redacção dada pela Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1), com a redacção que, por sua vez, lhe foi dada pela Directiva 97/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1997 (JO L 328, p. 1, a seguir «Directiva 89/665»). O pedido de decisão prejudicial versa ainda sobre a interpretação dos artigos 1.°, n.° 2, e 13.°, n.° 1, da Directiva 93/38/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações (JO L 199, p. 84), com a redacção dada pela Directiva 98/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 1998 (JO L 101, p. 1, a seguir «Directiva 93/38»).

2
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Stadt Halle (cidade de Halle) (Alemanha) e a sociedade RPL Recyclingpark Lochau GmbH (a seguir «RPL Lochau»), por um lado, e a sociedade Arbeitsgemeinschaft Thermische Restabfall‑ und Energieverwertungsanlage TREA Leuna (a seguir «TREA Leuna»), por outro, a propósito da regularidade, à luz das disposições comunitárias, da adjudicação sem concurso público de um contrato de serviços relativo ao tratamento de resíduos pela Stadt Halle à RPL Lochau, na qual uma parte maioritária do capital é detida pela Stadt Halle e uma parte minoritária por uma sociedade privada.


Enquadramento jurídico

Regulamentação comunitária

3
Nos termos do artigo 1.°, alínea a), da Directiva 92/50, com a redacção dada pela Directiva 97/52 (a seguir «Directiva 92/50»), os «contratos públicos de serviços» são «contratos a título oneroso celebrados por escrito entre um prestador de serviços e uma entidade adjudicante». Em conformidade com o artigo 1.°, alínea b), da mesma directiva, são consideradas «entidades adjudicantes» «o Estado, as autarquias locais ou regionais, os organismos de direito público, as associações formadas por uma ou mais autarquias ou organismos de direito público». Por fim, o artigo 1.°, alínea c), desta directiva define «prestadores de serviços» «qualquer pessoa singular ou colectiva, incluindo organismos de direito público que ofereçam serviços».

4
Por força do artigo 8.° da Directiva 92/50, «os contratos que tenham por objecto serviços enumerados no anexo I A serão celebrados de acordo com o disposto nos títulos III a VI». Estas disposições contêm, no essencial, regras em matéria de concorrência e publicidade. O artigo 11.°, n.° 1, da mesma directiva estabelece que, na celebração de contratos públicos de serviços, «as entidades adjudicantes aplicarão os procedimentos definidos nas alíneas d), e) e f) do artigo 1.°, adaptados à presente directiva». Os procedimentos a que se refere esta disposição são, respectivamente, os «concursos públicos», os «concursos limitados» e os «procedimentos por negociação».

5
A categoria n.° 16 do anexo I A da referida directiva designa os «[s]erviços de esgotos e eliminação de resíduos: serviços de saneamento e afins».

6
O artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 92/50 dispõe que a directiva é aplicável aos contratos públicos de serviços cujo montante estimado, sem imposto sobre o valor acrescentado, «seja igual ou superior a 200 000 ecus».

7
Resulta do segundo e do terceiro considerando da Directiva 89/665 que a sua finalidade é assegurar a aplicação das disposições comunitárias em matéria de contratos públicos, através de meios de recurso eficazes e rápidos, sobretudo numa fase em que as violações podem ainda ser corrigidas, considerando que a abertura dos contratos públicos à concorrência comunitária requer um aumento substancial das garantias de transparência e de não discriminação.

8
Para o efeito, o artigo 1.°, n. os  1 e 3, da Directiva 89/665 prevê:

«1.     Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para garantir que, no que se refere aos processos de adjudicação de contratos de direito público abrangidos pelo âmbito de aplicação das directivas […], as decisões tomadas pelas entidades adjudicantes possam ser objecto de recursos eficazes e, sobretudo, tão rápidos quanto possível, nas condições previstas nos artigos seguintes e, nomeadamente, no n.° 7 do artigo 2.°, com base em que essas decisões tenham violado o direito comunitário em matéria de contratos de direito público ou as normas nacionais que transpõem esse direito.

[…]

3.       Os Estados‑Membros garantirão que os processos de recurso sejam acessíveis, de acordo com as regras que os Estados‑Membros podem determinar, pelo menos a qualquer pessoa que esteja ou tenha estado interessada em obter um determinado contrato de fornecimento público […] e que tenha sido ou possa vir a ser lesada por uma alegada violação. Os Estados‑Membros podem em particular exigir que a pessoa que pretenda utilizar tal processo tenha informado previamente a entidade adjudicante da alegada violação e da sua intenção de interpor recurso.»

9
Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 89/665:

«1.     Os Estados‑Membros velarão por que as medidas tomadas para os efeitos dos recursos referidos no artigo 1.º prevejam os poderes que permitam:

a)
tomar o mais rapidamente possível, através de um processo de urgência, medidas provisórias destinadas a corrigir a alegada violação ou a impedir que sejam causados outros danos aos interesses em causa, incluindo medidas destinadas a suspender ou a fazer suspender o processo de adjudicação do contrato de direito público em causa ou a execução de qualquer decisão tomada pelas entidades adjudicantes;

b)
anular ou fazer anular as decisões ilegais, incluindo suprimir as especificações técnicas, económicas ou financeiras discriminatórias que constem dos documentos do concurso, dos cadernos de encargos ou de qualquer outro documento relacionado com o processo de adjudicação do contrato em causa;

c)
conceder indemnizações às pessoas lesadas por uma violação.

[…]»

10
Nos termos do artigo 1.° da Directiva 93/38:

«Para efeitos da presente directiva, entende‑se por:

[…]

2)
‘empresa pública’: qualquer empresa em relação à qual os poderes públicos possam exercer, directa ou indirectamente, uma influência dominante, em virtude da propriedade, da participação financeira ou das normas que lhe são aplicáveis. Presume‑se a existência de influência dominante quando, directa ou indirectamente, em relação a uma empresa, esses poderes:

detenham uma participação maioritária no capital subscrito da empresa,

ou

disponham da maioria dos votos correspondentes às acções emitidas pela empresa,

ou

tenham a possibilidade de designar mais de metade dos membros dos órgãos de administração, de direcção ou de fiscalização da empresa;

3)
‘empresa associada’: […] qualquer empresa sobre a qual a entidade adjudicante possa exercer, directa ou indirectamente, uma influência dominante nos termos do n.° 2 do presente artigo […].

[…]»

11
O artigo 13.° da Directiva 93/38 prevê:

«1.     A presente directiva não é aplicável aos contratos de prestação de serviços:

a)
celebrados entre uma entidade adjudicante e uma empresa associada;

[…]

desde que, pelo menos, 80% do volume médio de negócios realizado por essa empresa na Comunidade em matéria de serviços, nos últimos três anos, resulte da prestação desses serviços às empresas às quais se encontra associada.

[…]»

Legislação nacional

12
Resulta da decisão de reenvio que, no direito alemão, os recursos em matéria de contratos públicos são regidos pela Gesetz gegen Wettbewerbsbeschränkungen (lei contra as restrições da concorrência). De acordo com o § 102 desta lei, «a adjudicação de contratos públicos» é passível de recurso. O proponente ou candidato tem um direito subjectivo ao cumprimento das «disposições que regem o processo de adjudicação de contratos», que lhe permite poder invocar contra a entidade adjudicante os direitos que lhe confere o § 97, n.° 7, dessa mesma lei, «relativos à execução ou à omissão de um acto no âmbito de um procedimento de adjudicação de contratos […]».

13
A decisão de reenvio especifica que, com base nestas disposições, em conformidade com uma corrente seguida por parte da jurisprudência e da doutrina na Alemanha, a interposição de recurso em matéria de adjudicação de contratos só é possível se o recorrente visar obrigar a entidade adjudicante a actuar de um determinado modo no âmbito do procedimento formal de adjudicação do contrato em curso, o que significa que a interposição do recurso é impossível se a entidade adjudicante tiver decidido não lançar concurso público e não abrir formalmente um procedimento de adjudicação do contrato. Contudo, esta corrente é contestada por outra parte da jurisprudência e da doutrina.


Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14
Resulta da decisão de reenvio que a Stadt Halle, por deliberação do conselho municipal de 12 de Dezembro de 2001, encarregou a RPL Lochau da elaboração de um projecto de tratamento prévio, de valorização e de eliminação de resíduos, sem a realização de um procedimento formal de adjudicação. Ao mesmo tempo, a Stadt Halle decidiu, igualmente sem concurso, encetar negociações com a RPL Lochau com vista a celebrar com esta sociedade um contrato para a remoção dos lixos residuais urbanos, com efeitos a partir de 1 de Junho de 2005. A referida sociedade é o investidor na construção da instalação térmica de eliminação e de valorização dos resíduos.

15
A RPL Lochau é uma sociedade por quotas criada em 1996. O seu capital é detido em 75,1% pela Stadtwerke Halle GmbH, cuja única sócia, a Verwaltungsgesellschaft für Versorgungs‑ und Verkehrsbetriebe der Stadt Halle mbH, é 100% propriedade da Stadt Halle, e em 24,9% por uma sociedade privada por quotas. O órgão jurisdicional de reenvio qualifica a RPL Lochau de «sociedade de participação do sector público» e refere que a repartição do capital desta sociedade foi acordada no pacto social apenas em fins de 2001, quando estava prevista a adjudicação da execução do projecto em causa.

16
O órgão jurisdicional de reenvio observa igualmente que a RPL Lochau tem por objecto a exploração de instalações de reciclagem e de eliminação de resíduos. As deliberaçᄉes da assembleia geral são tomadas por maioria simples ou por maioria de 75% dos votos. A direcção comercial e técnica desta sociedade está actualmente confiada a uma empresa terceira e a Stadt Halle está habilitada, designadamente, a proceder à verificação das contas.

17
Tendo tido conhecimento da adjudicação do contrato à margem do quadro do procedimento previsto pelas disposições comunitárias em matéria de contratos públicos, a TREA Leuna, que estava igualmente interessada na prestação dos referidos serviços, contestou a decisão da Stadt Halle e interpôs recurso para a Secção dos Contratos Públicos do Regierungspräsidium Halle, com vista a obrigar a Stadt Halle a abrir concurso público.

18
A Stadt Halle invocou em sua defesa que, em conformidade com a regulamentação nacional referida nos n. os  12 e 13 do presente acórdão, o recurso não era admissível pelo facto de, na qualidade de entidade adjudicante, ela não ter iniciado formalmente um procedimento de adjudicação do contrato. Por outro lado, a RPL Lochau é uma emanação da Stadt Halle, uma vez que é controlada por esta. Tratar‑se‑ia, portanto, de uma «operação interna», não lhe sendo aplicáveis as disposições comunitárias em matéria de contratos públicos.

19
O tribunal da causa julgou procedente o pedido da TREA Leuna, considerando que, mesmo na falta de um procedimento de adjudicação de contrato, as decisões da entidade adjudicante são recorríveis. Considerou igualmente que, no caso concreto, não estava em causa uma «operação interna», uma vez que a participação minoritária privada ultrapassava o limiar dos 10% a partir do qual, de acordo com a regulamentação alemã das sociedades por quotas, existia uma minoria que dispunha de determinados direitos. Por outro lado, considerou que a actividade da RPL Lochau realizada para a Stadt Halle permitia contar, com certeza bastante, com uma utilização das suas capacidades unicamente até 61,25%, de modo que, para escoamento da parte restante das suas capacidades, a empresa estava obrigada a obter encomendas no mercado em que opera.

20
Tendo a Stadt Halle recorrido para o Oberlandesgericht Naumburg, este decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1) a)
O artigo 1.°, n.° 1, […] da Directiva [89/665] exige que os Estados‑Membros garantam a possibilidade de recurso eficaz e tão rápido quanto possível da decisão da entidade adjudicante de adjudicar um contrato público, tomada sem que tenha tido lugar um processo conforme com as disposições das directivas para a adjudicação de contratos públicos?

b)
O artigo 1.°, n.° 1, […] da Directiva [89/665] também exige que os Estados‑Membros garantam a possibilidade de recurso eficaz e tão rápido quanto possível das decisões das entidades adjudicantes na fase preliminar de um concurso formal, em particular da decisão sobre a questão prévia de saber se um determinado processo de fornecimento cai de um modo geral no âmbito de aplicação pessoal ou material das directivas sobre a adjudicação de contratos públicos ou se excepcionalmente se verifica uma exclusão da legislação relativa à adjudicação de concursos públicos?

c)
No caso de resposta afirmativa à [primeira] questão [alínea a)] e resposta negativa à [primeira] questão [alínea b)]:

Um Estado‑Membro cumpre a sua obrigação de garantir a possibilidade de recurso eficaz e tão rápido quanto possível das decisões das entidades adjudicantes de adjudicarem um contrato público sem o fazerem num processo conforme com as disposições das directivas para a adjudicação de contratos públicos, se fizer depender o acesso ao recurso do facto de o processo de fornecimento ter atingido uma determinada fase formal, por exemplo, o início de negociações contratuais verbais ou escritas com um terceiro?

2) a)
Admitindo que uma entidade adjudicante, tal como, por exemplo, uma colectividade territorial, tenciona celebrar com uma instituição dela formalmente distinta – a seguir ‘parceiro contratante’ – um contrato oneroso por escrito para a prestação de serviços, que cairia no âmbito da Directiva [92/50], e admitindo ainda que esse contrato não é, excepcionalmente, um contrato público de prestação de serviços na acepção do artigo 1.°, alínea a), da Directiva [92/50], uma vez que o parceiro contratante pode ser considerado como fazendo parte da Administração Pública ou dos serviços da entidade adjudicante – a seguir ‘negócio próprio não sujeito a adjudicação obrigatória’ –, fica sempre excluída a classificação de tal contrato como contrato próprio não sujeito a adjudicação obrigatória, pelo simples facto de uma empresa privada ter uma participação no parceiro contratante, nos termos do direito das sociedades?

b)
Em caso de resposta negativa à [segunda] questão [alínea a)]:

Em que condições é que um parceiro contratante com uma participação privada nos termos do direito das sociedades – a seguir ‘sociedade de participação do sector público’ – deve ser considerado como fazendo parte da Administração Pública ou dos serviços da entidade adjudicante?

Em particular:

Para se considerar que uma sociedade de participação do sector público faz parte dos serviços da entidade adjudicante, do ponto de vista da configuração e da intensidade do controlo, é suficiente que seja ‘dominada’ pela entidade adjudicante, por exemplo, na acepção do artigo 1.°, n.° 2, e artigo 13.°, n.° 1, da Directiva 93/38 […], alterada pelo acto [relativo às condições de adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 1994, C 241, p. 21, e JO 1995, L 1, p. 1)] e pela Directiva 98/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho [, de 16 de Fevereiro de 1998, que altera a Directiva 93/38 (JO L 101, p. 1)]?

Qualquer influência juridicamente possível exercida pelo sócio privado da sociedade de participação do sector público sobre a definição dos objectivos estratégicos da parte contratante e/ou sobre as decisões individuais da gerência da empresa exclui que se considere integrada nos serviços da entidade adjudicante?

Para que se considere uma sociedade de participação do sector público integrada nos serviços da entidade adjudicante, do ponto de vista da configuração e da intensidade do controlo, é suficiente a existência de um direito abrangente de direcção que apenas se exerce nas decisões para a conclusão do contrato e para a realização da prestação no quadro do processo concreto de fornecimento?

Para que se considere uma sociedade de participação do sector público integrada nos serviços da entidade adjudicante, do ponto de vista da realização da sua actividade essencialmente para a entidade adjudicante, é suficiente que pelo menos 80% do volume de negócios realizado por esta empresa na Comunidade durante os últimos três anos no sector da prestação de serviços provenha da realização desses serviços para a entidade adjudicante ou para uma empresa dela dependente ou que lhe esteja ligada ou que – na medida em que a empresa de economia mista ainda não tenha três anos de actividade – seja de esperar, em termos previsionais, que atinja aquela percentagem de 80%?»


Quanto às questões prejudiciais

21
Para dar uma resposta útil e coerente ao órgão jurisdicional de reenvio, cabe distinguir e examinar as questões colocadas, em dois grupos, atendendo ao seu conteúdo e objecto.

Quanto à primeira questão, alíneas a), b) e c)

22
Na primeira série de questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665 deve ser interpretado no sentido de que a obrigação de os Estados‑Membros garantirem a possibilidade de recursos eficazes e rápidos das decisões das entidades adjudicantes abrange igualmente as decisões tomadas sem procedimento formal de adjudicação de contratos e prévias à abertura de concurso formal, em particular a decisão de saber se um determinado contrato cai no âmbito de aplicação pessoal ou material da Directiva 92/50, e a partir de que momento, no quadro de uma operação de fornecimento, os Estados‑Membros estão obrigados a permitir a um proponente, a um candidato, ou a um interessado, o acesso a vias de recurso.

23
A este propósito, importa observar, antes de mais, que a Directiva 92/50 foi adoptada, de acordo com o primeiro e o segundo considerando, no âmbito de medidas necessárias para a realização do mercado interno, a saber, um espaço sem fronteiras internas no qual é assegurada a livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais. Resulta do quarto e do quinto considerando da mesma directiva que, sendo o seu objectivo a liberalização dos contratos públicos no domínio dos serviços, em condições de tratamento igual e de transparência, a directiva deve ser aplicada por todas as entidades adjudicantes.

24
Importa realçar, em seguida, que as disposições da Directiva 92/50 evidenciam claramente as condições em que é obrigatória a aplicação, por todas as entidades adjudicantes, das regras que figuram nos seus títulos III a VI, sendo as excepções à aplicação das mesmas enumeradas taxativamente na própria directiva.

25
Por conseguinte, quando se verifiquem estas condições, por outras palavras, quando uma transacção cai no âmbito de aplicação pessoal e material da Directiva 92/50, os contratos públicos em causa devem, por força do seu artigo 8.°, interpretado em conjugação com o seu artigo 11.°, n.° 1, ser adjudicados em conformidade com as disposições dos títulos III a VI da directiva, a saber, estar sujeitos a anúncio para a apresentação de propostas e ser objecto de publicidade adequada.

26
Esta obrigação vincula as entidades adjudicantes sem distinção entre os contratos públicos por elas celebrados no cumprimento da sua missão de satisfazer necessidades de interesse geral e os com ela não relacionados (v., neste sentido, acórdão de 15 de Janeiro de 1998, Mannesmann Anlagenbau Austria e o., C‑44/96, Colect., p. I‑73, n.° 32).

27
A fim de responder ao órgão jurisdicional de reenvio, importa examinar o conceito de «decisões tomadas pelas entidades adjudicantes», que figura no artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665. Não estando este conceito expressamente definido nesta directiva, há que delimitar o seu alcance com base na redacção das suas disposições pertinentes e em função do objectivo de protecção jurisdicional eficaz e rápida que a mesma prossegue.

28
A redacção do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665 pressupõe, pelo uso da expressão «no que se refere aos processos», que qualquer decisão de uma entidade adjudicante que se insere nas disposições comunitárias em matéria de contratos públicos e que é susceptível de as violar fica sujeita ao controlo jurisdicional previsto no artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e b), desta directiva (v., neste sentido, acórdãos de 18 de Junho de 2002, HI, C‑92/00, Colect., p. I‑5553, n.° 37, e de 23 de Janeiro de 2003, Makedoniko Metro e Michaniki, C‑57/01, Colect., p. I‑1091, n.° 68). Refere‑se, portanto, em termos gerais, às decisões de uma entidade adjudicante, sem estabelecer qualquer distinção entre estas decisões em função do seu conteúdo ou do momento da sua adopção.

29
O artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 89/665 prevê, aliás, a possibilidade de anulação das decisões ilegais das entidades adjudicantes relacionadas com as especificações técnicas e outras que figuram não só nos documentos de concurso mas também em qualquer outro documento relacionado com o procedimento de adjudicação do contrato em causa. Por conseguinte, esta disposição pode incluir documentos que contenham decisões adoptadas numa fase prévia ao concurso.

30
Esta acepção ampla do conceito de decisão de uma entidade adjudicante é confirmada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. Este já declarou que a disposição do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665 não prevê qualquer restrição no que diz respeito à natureza e ao conteúdo dessas decisões (acórdão de 28 de Outubro de 1999, Alcatel Austria e o., C‑81/98, Colect., p. I‑7671, n.° 35). Tal restrição não pode também ser inferida do texto do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da referida directiva (v., neste sentido, acórdão Alcatel Austria e o., já referido, n.° 32). Por outro lado, uma interpretação restritiva do conceito de decisão susceptível de recurso seria incompatível com a disposição do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da mesma directiva, que impõe que os Estados‑Membros prevejam processos de medidas provisórias relativamente a qualquer decisão tomada pelas entidades adjudicantes (acórdão HI, já referido, n.° 49).

31
Neste espírito de interpretação ampla do conceito de decisão recorrível, o Tribunal de Justiça declarou que a decisão da entidade adjudicante, que precede a celebração do contrato e pela qual esta escolhe o proponente ao qual será adjudicado o contrato, deve ser sempre recorrível, independentemente da possibilidade de obter indemnizações quando o contrato tiver sido celebrado (acórdão Alcatel Austria e o., já referido, n.° 43).

32
Referindo‑se ao objectivo da supressão de entraves à livre circulação de serviços prosseguido pela Directiva 92/50, bem como aos objectivos, à letra e à sistemática da Directiva 89/665, o Tribunal de Justiça considerou igualmente que a decisão da entidade adjudicante de anular o convite para apresentação de propostas para um contrato público de serviços deve poder ser objecto de recurso, nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665 (v., neste sentido, acórdão HI, já referido, n.° 55).

33
A este propósito, como a advogada‑geral realçou no n.° 23 das conclusões, a decisão de a entidade adjudicante não abrir um procedimento de adjudicação de um contrato pode ser considerada equivalente à decisão de encerramento de um tal procedimento. Quando a entidade adjudicante decide não abrir um procedimento de adjudicação pelo facto de o contrato em causa não se inserir, em seu entender, no âmbito de aplicação das disposições comunitárias pertinentes, essa decisão constitui a primeira decisão susceptível de fiscalização jurisdicional.

34
Face a esta jurisprudência, bem como aos objectivos, à economia e à letra da Directiva 89/665, e no sentido de preservar o efeito útil desta, é de concluir que constitui uma decisão recorrível, na acepção do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665, qualquer acto da entidade adjudicante, adoptado em relação a um contrato público de serviços do âmbito de aplicação material da Directiva 92/50 e susceptível de produzir efeitos jurídicos, independentemente da questão de saber se este acto é adoptado à margem de um procedimento formal de adjudicação do contrato ou no âmbito deste.

35
Não são susceptíveis de recurso as actuações que constituem um mero estudo preliminar do contrato ou que são simplesmente preparatórias e se inserem no âmbito de uma reflexão interna da entidade adjudicante com vista à adjudicação de um contrato público.

36
Com base nestas considerações, não pode ter acolhimento o entendimento da Stadt Halle, segundo o qual a Directiva 89/665 não exige protecção jurisdicional fora de um procedimento formal de adjudicação do contrato e que a decisão de a entidade adjudicante não abrir tal processo não é recorrível, nem aliás a decisão destinada a aferir se um contrato público se insere no âmbito de aplicação das disposições comunitárias pertinentes.

37
Esta abordagem tem como resultado tornar facultativa, de acordo com cada entidade adjudicante, a aplicação das disposições comunitárias pertinentes, quando esta aplicação é, no entanto, obrigatória desde que se verifiquem as condições aí previstas. Tal faculdade pode conduzir à mais importante violação do direito comunitário em matéria de contratos públicos por parte da entidade adjudicante. Diminui sensivelmente a protecção jurisdicional eficaz e rápida pretendida pela Directiva 89/665 e põe em causa os objectivos prosseguidos pela Directiva 92/50, a saber, os objectivos da livre circulação de serviços e da concorrência aberta e não falseada nesta matéria em todos os Estados‑Membros.

38
No que se refere ao momento a partir do qual é permitida a possibilidade de recurso, importa notar que esse momento não está formalmente previsto na Directiva 89/665. Contudo, face ao objectivo da protecção jurisdicional eficaz e rápida, designadamente através de medidas provisórias, que esta directiva prossegue, é de concluir que o artigo 1.°, n.° 1, da mesma não autoriza os Estados‑Membros a subordinarem a possibilidade de recurso ao facto de o procedimento de adjudicação do contrato público em causa ter formalmente atingido uma determinada fase.

39
Com base na consideração segundo a qual, em conformidade com o segundo considerando da referida directiva, o cumprimento das regras comunitárias deve ser assegurado, em especial, numa fase em que os vícios podem ainda ser corrigidos, é de concluir que é recorrível a manifestação de vontade da entidade adjudicante em relação a um contrato, que chegue de qualquer modo ao conhecimento das pessoas interessadas, quando esta manifestação tiver ultrapassado a fase referida no n.° 35 do presente acórdão e for susceptível de comportar efeitos jurídicos. O início de negociações contratuais concretas com o interessado constitui tal manifestação de vontade. É de observar, a este propósito, a obrigação de transparência que incumbe à entidade adjudicante a fim de permitir verificar a observância das disposições comunitárias (acórdão HI, já referido, n.° 45).

40
Quanto às pessoas que podem recorrer, basta concluir que, nos termos do artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 89/665, os Estados‑Membros devem garantir que as vias de recurso estejam disponíveis, pelo menos, a qualquer pessoa que esteja ou tenha estado interessada em obter um determinado contrato de direito público e tenha sido ou possa ser lesada pela alegada violação (v., neste sentido, acórdão de 24 de Junho de 2004, Comissão/Áustria, C‑212/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 24). A qualidade formal de proponente ou de candidato não é, portanto, exigida.

41
Na sequência dos desenvolvimentos anteriores, há que responder à primeira questão, alíneas a), b) e c), que o artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665 deve ser interpretado no sentido de que a obrigação de os Estados‑Membros assegurarem a possibilidade de recursos eficazes e rápidos contra decisões adoptadas pelas entidades adjudicantes abrange também as decisões tomadas à margem de um procedimento formal de adjudicação de contratos e prévias à abertura de concurso formal, designadamente a decisão quanto à questão de saber se um determinado contrato cai no âmbito de aplicação pessoal e material da Directiva 92/50. Esta possibilidade de recurso está aberta a qualquer pessoa que esteja ou tenha estado interessada em obter o contrato em causa e tenha sido ou possa ser lesada pela alegada violação, a partir do momento em que seja manifestada a vontade da entidade adjudicante susceptível de produzir efeitos jurídicos. Por conseguinte, os Estados‑Membros não estão autorizados a subordinar a possibilidade de recurso ao facto de o procedimento de adjudicação do contrato público em causa ter formalmente atingido uma determinada fase.

Quanto à segunda questão, alíneas a) e b)

42
Com esta segunda série de questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, na hipótese de a entidade adjudicante ter intenção de celebrar, com uma sociedade de direito privado juridicamente distinta dela, em cujo capital detém uma participação minoritária e sobre a qual exerce determinado controlo, um contrato a título oneroso para a prestação de serviços abrangidos no âmbito de aplicação material da Directiva 92/50, continua a ser obrigada a aplicar os procedimentos de concurso público previstos nesta directiva pelo simples facto de uma empresa privada deter uma participação, ainda que minoritária, no capital desta sociedade co‑contratante. No caso de resposta negativa a esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta quais os critérios para considerar que a entidade adjudicante não está sujeita a essa obrigação.

43
Esta questão relaciona‑se com a situação particular de uma sociedade, dita de «economia mista», estabelecida e que funciona de acordo com as regras de direito privado, face à obrigação de a entidade adjudicante aplicar as regras comunitárias em matéria de contratos públicos, quando se verificam as condições aí previstas.

44
A este propósito, importa lembrar, em primeiro lugar, o objectivo principal das disposições comunitárias em matéria de contratos públicos, como salientado no âmbito da resposta à primeira questão, a saber, a livre circulação de serviços e a abertura à concorrência não falseada em todos os Estados‑Membros. Isso implica a obrigação de qualquer entidade adjudicante aplicar as regras comunitárias pertinentes, quando se verifiquem as condições aí previstas.

45
A obrigação de aplicação, nesse caso, das disposições comunitárias é confirmada pelo facto de, no artigo 1.°, alínea c), da Directiva 92/50, o conceito de prestador de serviços, a saber, o proponente para efeitos de aplicação desta directiva, incluir igualmente «um organismo de direito público que ofereça serviços» (v. acórdão de 7 de Dezembro de 2000, ARGE, C‑94/99, Colect., p. I‑11037, n.° 28).

46
Qualquer excepção à aplicação desta obrigação é, por conseguinte, de interpretação estrita. Assim, o Tribunal de Justiça declarou, a propósito do recurso a um procedimento negociado sem publicação prévia do anúncio de concurso, que o artigo 11.°, n.° 3, da Directiva 92/50, que prevê tal procedimento, enquanto derrogação das regras que visam garantir a efectividade dos direitos reconhecidos pelo Tratado CE no sector dos contratos públicos de serviços, deve ser objecto de interpretação estrita, cabendo o ónus da prova de que se encontram efectivamente reunidas as circunstâncias excepcionais que justificam a derrogação a quem delas pretenda prevalecer‑se (acórdão de 10 de Abril de 2003, Comissão/Alemanha, C‑20/01 e C‑28/01, Colect., p. I‑3609, n.° 58).

47
No espírito de uma abertura dos contratos públicos à concorrência o mais ampla possível, pretendida pelas disposições comunitárias, o Tribunal de Justiça declarou, a propósito da Directiva 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento (JO L 199, p. 1), que esta directiva é aplicável quando uma entidade adjudicante pretende celebrar, com uma entidade juridicamente distinta, um contrato a título oneroso, quer esta entidade seja ela própria uma entidade adjudicante quer não (acórdão de 18 de Novembro de 1999, Teckal, C‑107/98, Colect., p. I‑8121, n. os  50 e 51). É pertinente constatar que o outro co‑contratante neste processo era um grupo constituído por várias entidades adjudicantes, no qual participava a entidade adjudicante em causa.

48
Uma autoridade pública, que seja uma entidade adjudicante, tem a possibilidade de desempenhar as tarefas de interesse público que lhe incumbem pelos seus próprios meios, administrativos, técnicos e outros, sem ser obrigada a recorrer a entidades externas que não pertençam aos seus serviços. Nesse caso, não está em questão um contrato a título oneroso celebrado com uma entidade juridicamente distinta da entidade adjudicante. Assim, não há que aplicar as disposições comunitárias em matéria de contratos públicos.

49
De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, não está excluído que possa haver outras circunstâncias em que o concurso não é obrigatório mesmo se a outra parte contratante for uma entidade juridicamente distinta da entidade adjudicante. É esse o caso quando a autoridade pública, que seja uma entidade adjudicante, exerce sobre a entidade distinta em causa um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e quando essa entidade realiza o essencial da sua actividade com a ou as autoridades públicas que a detêm (v., neste sentido, acórdão Teckal, já referido, n.° 50). Importa lembrar que, no caso referido, a entidade distinta era inteiramente detida por autoridades públicas. Ao invés, a participação, ainda que minoritária, de uma empresa privada no capital de uma sociedade no qual participa também a entidade adjudicante em causa exclui de qualquer forma que esta entidade adjudicante possa exercer sobre esta sociedade um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços.

50
Importa a este propósito observar, antes de mais, que a relação entre uma autoridade pública, que seja uma entidade adjudicante, e os seus próprios serviços se rege por considerações e exigências específicas da prossecução de objectivos de interesse público. Ao invés, o capital privado numa empresa obedece a considerações inerentes a interesses privados e prossegue objectivos de natureza diferente.

51
Em segundo lugar, a atribuição, sem concurso, de um contrato público a uma empresa de economia mista colide com o objectivo da concorrência livre e não falseada e com o princípio da igualdade de tratamento dos interessados a que se refere a Directiva 92/50, na medida em que, designadamente, esse procedimento permite a uma empresa privada com capital nessa empresa uma vantagem relativamente aos seus concorrentes.

52
Por conseguinte, cabe responder à segunda questão, alíneas a) e b), que, na hipótese de a entidade adjudicante pretender celebrar um contrato a título oneroso para serviços abrangidos pelo âmbito de aplicação material da Directiva 92/50, com uma sociedade juridicamente distinta, em cujo capital detém uma participação com uma ou várias empresas privadas, devem ser sempre aplicados os procedimentos de adjudicação de contratos públicos previstos nesta directiva.

53
Perante esta resposta, não há que responder às outras questões do órgão jurisdicional nacional.


Quanto às despesas

54
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas para apresentar observações ao Tribunal de Justiça, para além das das referidas partes, não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)
O artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras de fornecimentos, com a redacção dada pela Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, com a redacção que, por sua vez, lhe foi dada pela Directiva 97/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1997, deve ser interpretado no sentido de que a obrigação de os Estados‑Membros assegurarem a possibilidade de recursos eficazes e rápidos contra decisões adoptadas pelas entidades adjudicantes abrange também as decisões tomadas à margem de um procedimento formal de adjudicação de contratos e prévias à abertura de concurso formal, designadamente a decisão quanto à questão de saber se um determinado contrato cai no âmbito de aplicação pessoal e material da Directiva 92/50, com a nova redacção. Esta possibilidade de recurso está aberta a qualquer pessoa que esteja ou tenha estado interessada em obter o contrato em causa e que tenha sido ou possa ser lesada pela alegada violação, a partir do momento em que seja manifestada a vontade da entidade adjudicante susceptível de produzir efeitos jurídicos. Por conseguinte, os Estados‑Membros não estão autorizados a subordinar a possibilidade de recurso ao facto de o procedimento de adjudicação do contrato público em causa ter formalmente atingido uma determinada fase.

2)
Na hipótese de a entidade adjudicante pretender celebrar um contrato a título oneroso para serviços abrangidos pelo âmbito de aplicação material da Directiva 92/50, alterada pela Directiva 97/52, com uma sociedade juridicamente distinta, em cujo capital detém uma participação com uma ou várias empresas privadas, devem ser sempre aplicados os procedimentos de adjudicação de contratos públicos previstos nesta directiva.

Assinaturas.


1
Língua do processo: alemão.