CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 1 de Março de 2005 (1)

Processo C‑458/03

Parking Brixen GmbH

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgericht, Autonome Sektion für die Provinz Bozen (Itália)]

«Contratos públicos – Directiva 92/50/CEE – Delimitação entre contratos públicos de serviços e concessões de serviços – Delimitação entre adjudicações externas e operações internas (‘operações in house’) – Gestão por uma filial da entidade adjudicante de um parque de estacionamento pago»





I –    Introdução

1.     A delimitação entre processos de adjudicação sujeitos e não sujeitos a concurso constitui uma das questões centrais no domínio do direito dos contratos públicos. Neste contexto, é particularmente actual a diferenciação entre a adjudicação externa de contratos e as designadas operações internas, também chamadas «operações in house».

2.     Operações in house em sentido estrito são operações pelas quais um organismo de direito público atribui um contrato a um dos seus serviços sem personalidade jurídica própria. Em sentido lato, também podem ser incluídas no conceito de operação in house determinadas situações em que entidades adjudicantes celebram contratos com sociedades com personalidade jurídica própria por si controladas. Enquanto as operações in house em sentido estrito não são, logo à partida, relevantes para o direito dos contratos públicos, na medida em que são operações administrativas puramente internas (2), coloca‑se regularmente em relação às operações in house em sentido lato (em parte também denominadas operações quase‑internas (3)) a difícil questão de saber se existe ou não quanto a estas uma obrigação de abertura de um concurso. No presente caso, o Tribunal de Justiça é novamente chamado a apreciar esta problemática (4).

3.     O município de Brixen atribuiu, sem qualquer processo de adjudicação prévio, a gestão de dois parques de estacionamento públicos pagos à sua filial Stadtwerke Brixen AG. A sociedade privada Parking Brixen GmbH opõe‑se a esta atribuição. Um tribunal italiano, o Verwaltungsgericht, Autonome Sektion für die Provinz Bozen (a seguir, também, «órgão jurisdicional de reenvio») submeteu duas questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça, cujo objecto consiste essencialmente, por um lado, na delimitação entre concessões de serviços públicos e contratos públicos de serviços e, por outro, na delimitação entre adjudicações externas, sujeitas à abertura de um concurso, e operações in house, não sujeitas à abertura de um concurso.

II – Quadro jurídico

A –    Direito comunitário

4.     O quadro jurídico comunitário deste caso é constituído, por um lado, pela Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (5) (a seguir «Directiva 92/50»), e, por outro, pelos artigos 43.° CE, 49.° CE e 86.°, n.° 1, CE.

5.     O artigo 1.°, alíneas a) e b), da Directiva 92/50 dispõe, nomeadamente, o seguinte:

«Para efeitos do disposto na presente directiva:

a)      Os contratos públicos de serviços são contratos a título oneroso celebrados por escrito entre um prestador de serviços e uma entidade adjudicante, […]

b)      São consideradas entidades adjudicantes o Estado, as autarquias locais ou regionais, os organismos de direito público, as associações formadas por uma ou mais autarquias ou organismos de direito público.

[...]»

6.     No artigo 43.° CE consagra‑se a liberdade de estabelecimento e no artigo 49.° CE a livre prestação de serviços. Nos termos do artigo 48.°, primeiro parágrafo, CE, e do artigo 55.° CE, as sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado‑Membro e que tenham a sua sede social, administração central ou estabelecimento principal na Comunidade são, no que diz respeito às referidas liberdades fundamentais, equiparadas às pessoas singulares, nacionais dos Estados‑Membros.

7.     Por fim, nos primeiros dois números do artigo 86.° CE prevê‑se o seguinte:

«1.      No que respeita às empresas públicas e às empresas a que concedam direitos especiais ou exclusivos, os Estados‑Membros não tomarão nem manterão qualquer medida contrária ao disposto no presente Tratado, designadamente ao disposto nos artigos 12.° e 81.° a 89.°, inclusive.

2.      As empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral ou que tenham a natureza de monopólio fiscal ficam submetidas ao disposto no presente Tratado, designadamente às regras de concorrência, na medida em que a aplicação destas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhes foi confiada. O desenvolvimento das trocas comerciais não deve ser afectado de maneira que contrarie os interesses da Comunidade.»

B –    Direito nacional

8.     Em Itália, o artigo 115.°, n.° 1, do Decreto legislativo (6) n.° 267 do Presidente da República, de 18 de Agosto de 2000 (a seguir «Decreto legislativo 267/2000») (7), autoriza os municípios e as restantes colectividades territoriais a transformarem as suas empresas especiais em sociedades anónimas por negócio jurídico unilateral. Estas sociedades mantêm todos os direitos e deveres existentes antes da transformação e assumem todo o activo e o passivo das empresas especiais originárias. Nos termos da referida disposição, a respectiva colectividade territorial pode permanecer a única accionista dessa sociedade, mas apenas por um período não superior a dois anos a contar da transformação.

9.     O texto coordenado das disposições relativas ao ordenamento dos municípios da Região Autónoma de Trentino‑Alto Adige (a seguir «ordenamento municipal») dispõe o seguinte no artigo 88.°, n.° 6:

«Os municípios regulamentam os processos e os critérios para a selecção das seguintes formas de organização dos serviços públicos com relevância económica e empresarial:

a)      constituição de empresas especiais;

b)      constituição de ou participação em sociedades anónimas ou sociedades por quotas idóneas com influência pública maioritária;

c)      atribuição da gestão dos serviços públicos a terceiros, devendo neste casos ser previstos processos de concurso adequados para a sua selecção [...]» (8).

10.   Além disso, o artigo 88.°, n.° 18, do ordenamento municipal prevê que – desde que estejam preenchidos determinados requisitos definidos neste número – às sociedades constituídas nos termos do n.° 6 pode ser, a qualquer momento, confiada, pelas colectividades locais que nelas participem, a gestão de outros serviços públicos compatíveis com o seu objecto.

III – Matéria de facto

 Matéria de facto e processo principal

11.   O município de Brixen, localizado na Região Autónoma italiana de Trentino‑Alto Adige transmitiu em 2001 e 2002 – em ambos os casos sem um processo de adjudicação prévio – a gestão de dois parques de estacionamento públicos à Stadtwerke Brixen AG. Ambos os parques de estacionamento estão ligados à piscina pública municipal, cuja construção e gestão já tinha sido previamente transmitida à Stadtwerke Brixen no ano 2000. Tal como ficou assente na audiência, os referidos parques de estacionamento não são, no entanto, exclusivamente utilizados por utentes da piscina.

12.   De acordo com as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, os parques de estacionamento em causa estão situados em lotes de terreno diferentes com os números 491/6 e 491/11.

13.   Em relação ao lote de terreno 491/11, o município (9) atribuiu em Dezembro de 2001 à Stadtwerke Brixen AG o direito de construção subterrânea e à superfície de lugares de estacionamento. Até à conclusão das obras de construção da garagem subterrânea planeada, estava inicialmente prevista para o lote em causa a construção de um parque de estacionamento, à superfície, provisório. Para este efeito, a área (que até àquela data era um campo de futebol) foi provisoriamente pavimentada e transformada num parque de estacionamento com cerca de 200 lugares.

14.   De forma a disponibilizar espaço de estacionamento adicional, foi também transmitida em Novembro de 2002 à Stadtwerke Brixen AG a gestão do parque de estacionamento à superfície contíguo situado no lote de terreno 491/6 por um período de nove anos (10). Este parque de estacionamento, que também tem cerca de 200 lugares, fora directamente gerido pelo município de Brixen durante mais de dez anos.

15.   Pela utilização deste último parque de estacionamento, situado no lote de terreno 491/6, a Stadtwerke Brixen AG está autorizada a cobrar aos utentes uma taxa, em conformidade com o acordo que celebrou com o município de Brixen em 19 de Dezembro de 2002. Em contrapartida, comprometeu‑se a pagar ao município uma compensação anual no valor de 151 700 EUR que, em caso de subida das taxas de estacionamento, é aumentada proporcionalmente (11). A Stadtwerke Brixen AG vinculou‑se ainda a continuar a empregar os trabalhadores deste parque de estacionamento anteriormente contratados pelo município de Brixen e responsabilizou‑se pela manutenção ordinária e extraordinária da área. Além disso, a sociedade aceitou prosseguir o empréstimo de bicicletas anteriormente organizado pelo município de Brixen no parque de estacionamento e continuar a autorizar a realização do mercado semanal neste local.

16.   De acordo com as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, não foi, pelo contrário, celebrado qualquer acordo semelhante em relação à utilização do parque de estacionamento à superfície sito no lote de terreno 491/11.

17.   A Parking Brixen GmbH, que já é responsável pela gestão de um parque de estacionamento coberto noutro local em Brixen e está igualmente interessada na gestão dos dois parques de estacionamento em causa no presente processo, opõe‑se à adjudicação da gestão dos parques de estacionamento à Stadtwerke Brixen AG. Em 17 de Janeiro de 2003, interpôs recurso para o órgão jurisdicional de reenvio, pedindo a anulação dos actos jurídicos que conduziram à adjudicação.

 Dados adicionais em relação à Stadtwerke Brixen AG e à anterior empresa especial

18.   A Stadtwerke Brixen AG é a sucessora jurídica da Stadtwerke Brixen, uma anterior empresa especial do município de Brixen. Esta empresa especial era dotada de personalidade jurídica e autonomia empresarial desde 1 de Janeiro de 1999 e, em Outubro de 2001, foi transformada pelo município numa sociedade anónima, a Stadtwerke Brixen AG, ao abrigo do artigo 115.° do Decreto legislativo 267/2000 (12).

19.   As funções da Stadtwerke Brixen AG resultam do artigo 4.° dos seus estatutos, nos termos dos quais pode exercer, a nível local, nacional e internacional, actividades em vários sectores que se inserem lato sensu no domínio dos serviços públicos essenciais, particularmente nos sectores do abastecimento de água e da evacuação de águas residuais, do fornecimento de energia e de calor, da construção de estradas, da eliminação de resíduos, do transporte de pessoas e bens, bem como da informática e das telecomunicações. Também a gestão de parques e de garagens para estacionamento e as respectivas actividades conexas fazem parte das suas funções.

20.   No momento da transmissão da gestão dos dois parques de estacionamento, o accionista único da Stadtwerke Brixen AG era o município de Brixen, situação que se manteve posteriormente. O artigo 5.°, n.° 2, dos estatutos da Stadtwerke Brixen AG determina que a participação do município de Brixen no capital social não pode em caso algum ser inferior à maioria absoluta das acções ordinárias.

21.   De acordo com o disposto no artigo 17.° dos seus estatutos, a sociedade é administrada por um conselho de administração, composto por três a sete membros, que é eleito pela assembleia de accionistas, embora o município de Brixen (13) tenha, em qualquer caso, a possibilidade de designar a maioria dos membros do conselho de administração. Nos termos do artigo 18.° dos estatutos, o conselho de administração goza de plenos poderes de administração ordinária da sociedade, que estão, no entanto, sujeitos a várias restrições e que em alguns casos apenas abrangem a celebração de negócios jurídicos que não ultrapassem o valor de 5 000 000 EUR por operação. De acordo com o disposto no artigo 24.° dos estatutos, o conselho fiscal da sociedade é composto por três membros efectivos e por dois suplentes, sendo, pelo menos, dois membros efectivos e um suplente designados pelo município de Brixen.

22.   A anterior empresa especial Stadtwerke Brixen tinha funções materialmente idênticas às da actual Stadtwerke Brixen AG, com a diferença de que as da primeira se restringiam à área de competência do município e à cooperação com outras empresas fora desta área. O seu domínio de actividade já abrangia a gestão de parques e de edifícios para estacionamento, mas ainda não incluía, por exemplo, os sectores da informática e das telecomunicações. O conselho de administração da Stadtwerke era eleito pelo conselho municipal e a sua actividade estava sujeita às directivas emitidas por este último.

IV – Pedido de decisão prejudicial e processo no Tribunal de Justiça

23.   Por despacho de 23 de Julho de 2003, o órgão jurisdicional de reenvio suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as duas questões prejudiciais seguintes, em cuja introdução também são referidos os artigos 43.° CE e seguintes, 49.° CE e seguintes e 86.° CE:

«1)      A adjudicação da gestão dos parques de estacionamento públicos pagos em causa no presente processo constitui um contrato público de serviços, na acepção da Directiva 92/50, ou uma concessão de serviços públicos à qual são aplicáveis as regras da concorrência da Comunidade Europeia, em particular a obrigação de igualdade de tratamento e de transparência?

2)      No caso de se tratar efectivamente de uma concessão de serviços relativa à gestão de um serviço público local, a adjudicação da gestão de parques de estacionamento públicos pagos, que, nos termos do artigo 44.°, n.° 6, alínea b), da Regionalgesetz n.° 1, de 4 de Janeiro de 1993, alterada pelo artigo 10.° da Regionalgesetz n.° 10, de 23 de Janeiro de 1998, e de acordo com o artigo 88.°, n.° 6, alíneas a) e b), do ordenamento municipal, pode ser efectuada sem abertura de um concurso público, é compatível com o direito comunitário, em particular com os princípios da livre prestação de serviços, da livre concorrência e da não discriminação, e com as obrigações, que decorrem destes princípios, da igualdade de tratamento, da transparência e da proporcionalidade, quando o concessionário seja uma sociedade anónima resultante da transformação de uma empresa municipal especial, nos termos do artigo 115.° do Decreto legislativo, cujo capital social no momento da adjudicação é detido em 100% pelo próprio município, mas cujo conselho de administração possui os mais amplos poderes de administração ordinária até um valor de 5 000 000 EUR por negócio?»

24.   Por carta de 16 de Dezembro de 2004, a Secretaria do Tribunal de Justiça informou as partes e os intervenientes da prolação do acórdão Stadt Halle (14), agendada para 11 de Janeiro de 2005, para lhes dar a oportunidade de se pronunciarem em relação a este acórdão na audiência do presente processo, a realizar em 13 de Janeiro de 2005.

25.   No processo no Tribunal de Justiça, a Parking Brixen AG, a Stadtwerke Brixen AG, o município de Brixen, o Governo italiano, o Governo austríaco e a Comissão apresentaram observações escritas e fizeram alegações. Além destes, o Governo neerlandês apresentou observações na audiência.

V –    Apreciação jurídica

26.   O pedido de decisão prejudicial visa essencialmente clarificar se o direito comunitário estabelece regras para os negócios celebrados entre entidades adjudicantes e as suas filiais e, em caso afirmativo, quais. Esta questão constitui o objecto da segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio. Previamente, deve, porém, apreciar‑se no âmbito da primeira questão prejudicial de que normas do direito comunitário as eventuais regras devem ser extraídas – da Directiva 92/50 ou de princípios gerais de direito consagrados no Tratado. Para responder a esta questão, é necessário proceder à delimitação entre contratos públicos de serviços e concessões de serviços.

A –    Quanto à primeira questão: delimitação entre contrato público de serviços e concessão de serviços

27.   Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se existe um contrato público de serviços na acepção da Directiva 92/50 ou, ao invés, uma concessão de serviços quando uma entidade adjudicante confia a gestão de um parque de estacionamento público a uma empresa que pode cobrar uma taxa pela utilização deste parque e que, em contrapartida, se compromete a pagar ao município uma compensação anual.

28.   Para responder a esta questão, ainda não é relevante a delimitação, já referida na introdução, entre adjudicações externas, sujeitas a concurso, e operações in house, não sujeitas a concurso (15). Pelo contrário, é suficiente por agora apreciar se o mero objecto de um negócio, como o celebrado no presente caso entre o município de Brixen e a Stadtwerke Brixen AG, é abrangido pelo âmbito de aplicação da Directiva 92/50. Caso este negócio constitua um contrato público de serviços, a resposta deve ser afirmativa, mas, caso tenha sido adjudicada uma concessão de serviços, a resposta deve ser negativa. Isto porque, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, que começou por ser desenvolvida a respeito da denominada Directiva sectorial 93/38 (16) e foi posteriormente transposta para o domínio da Directiva 92/50 («directiva serviços»), este tipo de concessões não são contratos a título oneroso celebrados por escrito, na acepção de ambas as directivas (17), mesmo quando incidem sobre domínios de actividade enumerados nos anexos da respectivas directivas, o que também é, aliás, confirmado pela interpretação a contrario da Directiva 2004/18, que entrou posteriormente em vigor, e na qual as concessões de serviços são expressamente mencionadas pela primeira vez (18).

29.   Ao contrário do contrato público de serviços, a concessão de serviços caracteriza‑se pelo facto de o prestador do serviço em causa receber da entidade adjudicante, como contrapartida desse serviço, o direito de explorar a sua própria prestação (19).

30.   Como a Comissão e os Governos austríaco e italiano expõem correctamente, no caso da concessão de serviços é o empresário que assume os riscos inerentes à prestação de serviços e é remunerado – pelo menos em parte – pelo utente do serviço, nomeadamente através da cobrança de uma taxa (20). Existe, portanto, uma relação triangular entre a entidade adjudicante, o prestador de serviços e o seu utente. Pelo contrário, um contrato público de serviços gera apenas uma relação jurídica bilateral, em que a remuneração do serviço prestado é paga pela própria entidade adjudicante, que ainda assume o risco inerente à aquisição.

31.   De acordo com a matéria de facto conhecida, no presente caso, a contrapartida concedida pelo município de Brixen à Stadtwerke Brixen AG pela gestão do parque de estacionamento situado no lote de terreno 491/6 consiste exclusivamente na autorização dada à Stadtwerke Brixen AG para cobrar aos utentes deste parque uma taxa de utilização. Em termos económicos, a Stadtwerke Brixen AG pode, deste modo, retirar rendimentos dos serviços por si prestados, ou seja, da gestão e da manutenção do parque de estacionamento. Ao mesmo tempo, assume, no entanto, também o risco económico da gestão do parque de estacionamento, na medida em que deve financiar com as taxas de utilização que recebe não apenas os custos correntes mas igualmente a manutenção da área de estacionamento e a compensação anual a pagar ao município. Todos estes factos são contrários à consideração de que está em causa um contrato público de serviços e vão no sentido da existência de uma concessão de serviços.

32.   Não é possível responder de modo definitivo com base nas informações disponíveis à questão de saber se esta conclusão também é válida para o parque de estacionamento situado no lote de terreno 491/11. A aplicação dos critérios estabelecidos pelo direito comunitário à matéria de facto do processo principal não incumbe, aliás, ao Tribunal de Justiça, sendo, ao invés, da competência do órgão jurisdicional de reenvio (21). Este tribunal terá, em particular, de esclarecer se a autorização para cobrar uma taxa aos utentes do parque de estacionamento constitui a contrapartida concedida pelo município de Brixen à Stadtwerke Brixen AG pela gestão daquele parque.

33.   Em conclusão, partilho, em qualquer caso, do entendimento da Parking Brixen GmbH, dos Governos austríaco e italiano bem como da Comissão (22) de que não existe um contrato público de serviços na acepção da Directiva 92/50, mas sim uma concessão de serviços não abrangida por esta directiva, quando uma entidade adjudicante encarrega da gestão de um parque de estacionamento público uma empresa que pode cobrar uma taxa pela utilização deste parque e que, em contrapartida, se compromete a pagar à entidade adjudicante uma compensação anual.

B –    Quanto à segunda questão: regras comunitárias para a adjudicação de concessões de serviços a filiais de entidades adjudicantes

34.   Através da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber em que condições uma entidade adjudicante pode atribuir a uma das suas filiais, sem o lançamento prévio de um processo de adjudicação, uma concessão de serviços como o direito de gerir parques de estacionamento públicos pagos em causa no processo principal.

1.      Princípios comunitários da não discriminação e da transparência também fora do âmbito de aplicação das directivas relativas à adjudicação de contratos públicos

35.   Contrariamente ao entendimento do Governo neerlandês, já foi esclarecido na jurisprudência que, fora do âmbito de aplicação das directivas relativas à adjudicação de contratos públicos (23), as entidades adjudicantes também estão sujeitas a obrigações de direito comunitário resultantes das regras fundamentais do Tratado, em particular das liberdades fundamentais (24) e do princípio da não discriminação por estas consagrado (25).

36.   A proibição de discriminação implica uma obrigação de transparência, pois apenas quando a adjudicação de um contrato ou de uma concessão é realizada de forma transparente é possível determinar se, no caso concreto, foi respeitado o princípio da não discriminação ou se, pelo contrário, foi tomada uma decisão arbitrária a favor ou contra determinado concorrente (26).

37.   Tudo isto não significa de forma alguma que tenha de ser aplicado um processo análogo em todos os pormenores às directivas relativas à adjudicação de contratos públicos. Todavia, como o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Telaustria e Telefonadress, devido à obrigação de transparência a seu cargo a entidade adjudicante deve

«garantir, a favor de todos os potenciais concorrentes, um grau de publicidade adequado para garantir a abertura à concorrência dos contratos de serviços, bem como o controlo da imparcialidade dos processos de adjudicação» (27).

38.   Apenas a título acessório, deve referir‑se que a Stadtwerke Brixen AG opõe nesta matéria que os artigos 43.° CE e seguintes não são aplicáveis ao presente caso, na medida em que a situação em causa no processo principal não apresenta qualquer elemento de conexão transfronteiriço, pois todas as partes no processo principal têm a sua sede em Itália.

39.   A este respeito, há que observar que as liberdades fundamentais não são, de facto, aplicáveis a situações puramente internas (28). Contudo, como a Comissão, a Parking Brixen GmbH e o Governo austríaco alegaram correctamente, no direito dos contratos públicos uma eventual violação do princípio da transparência não se repercute apenas sobre empresas nacionais como a Parking Brixen GmbH, mas sobre todos os potenciais interessados, ou seja, também sobre possíveis proponentes de outros Estados‑Membros (29). Por conseguinte, uma eventual falta de publicidade também afecta sempre simultaneamente potenciais interessados de outros Estados‑Membros nas suas liberdades fundamentais.

2.      Possível excepção para negócios com as próprias filiais: a jurisprudência Teckal

40.   Fica ainda por examinar se uma entidade adjudicante não pode ser excepcionalmente exonerada das referidas regras comunitárias quando confia a execução de prestações a serviços por si controlados.

41.   Caso a entidade adjudicante pretenda para este efeito recorrer a uma empresa pública autónoma no plano organizacional, nomeadamente a uma das suas filiais, a resposta à questão parece, à primeira vista, ser evidente: de acordo com o princípio da igualdade de tratamento de empresas públicas e privadas, consagrado particularmente no artigo 86.°, n.° 1, CE, as empresas públicas – ressalvadas as excepções previstas no artigo 86.°, n.° 2, CE – não podem ser objecto de um tratamento preferencial em relação à concorrência privada. Uma entidade adjudicante não pode, portanto, confiar prestações de serviços a uma empresa por si controlada sem previamente tomar em consideração outros potenciais candidatos e organizar para este efeito um processo de selecção transparente.

42.   Por outro lado, o poder público também tem naturalmente a liberdade de desempenhar integralmente pelos seus próprios meios as tarefas que lhe incumbem, ou seja, de forma interna, sem recorrer a empresas juridicamente autónomas – públicas ou privadas. Neste caso, também não está sujeito às obrigações decorrentes do direito dos contratos públicos (30) e do artigo 86.° CE.

43.   Conforme já foi referido na introdução, a delimitação entre este tipo de operações in house e as operações de adjudicação externa suscita com certa frequência algumas dificuldades no caso concreto. Sobre este ponto, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se pela primeira vez no acórdão que proferiu no processo Teckal (31) no contexto da Directiva 93/36. Resulta deste acórdão que o direito dos contratos públicos é, em princípio, aplicável assim que exista uma convenção entre duas pessoas distintas (32), ou seja, assim que exista um contrato.

44.   Contudo, para que o direito dos contratos públicos seja aplicável, não são apenas decisivos aspectos meramente formais mas também uma apreciação valorativa. Mesmo que ambas as partes de um negócio jurídico tenham, formalmente, personalidade jurídica própria, o negócio por si realizado pode ser excepcionalmente equiparado a uma operação interna, na medida em que estejam cumpridos dois critérios cumulativos desenvolvidos pela jurisprudência (33):

–      a entidade adjudicante (34) deve exercer sobre o seu co‑contratante (35) um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços (primeiro critério Teckal), e

–      este co‑contratante deve, por seu lado, realizar o essencial da sua actividade para (36) a ou as entidades adjudicantes que o detêm (segundo critério Teckal).

45.   Entretanto, o Tribunal de Justiça já aplicou esta jurisprudência não apenas à Directiva 93/36 mas também às Directivas 92/50 e 93/37 (37) (38).

46.   Os critérios Teckal também devem ser aplicados a casos idênticos ao presente, não abrangidos por nenhuma das directivas relativas à adjudicação de contratos públicos (39). Se até as referidas directivas, que estabelecem exigências precisas em relação aos processos de adjudicação, admitem excepções para as operações in house, o mesmo também deve, por maioria de razão, ser válido quando são aplicáveis exigências de ordem processual menos precisas – apenas exigências gerais, resultantes dos princípios da não discriminação e da transparência. Caso contrário, o resultado seria paradoxal, ou seja, as entidades adjudicantes estariam sujeitas a exigências mais estritas fora do âmbito de aplicação das directivas, nomeadamente a uma obrigação de garantir transparência e publicidade aplicável sem excepções.

47.   Além disso, deve ser tomado em consideração que, por seu lado, as directivas relativas à adjudicação de contratos públicos apenas visam concretizar regras fundamentais do Tratado, especialmente as que decorrem das liberdades fundamentais (40). Excepções às directivas constituem, portanto, excepções àqueles princípios, o que também constitui um argumento a favor da aplicação da jurisprudência Teckal a casos em que os princípios da não discriminação e da transparência decorrem directamente das liberdades fundamentais e não são previamente concretizados pelas directivas relativas à adjudicação de contratos públicos.

48.   A questão de saber se ambos os critérios Teckal estão preenchidos num caso concreto como o presente, o que teria como consequência que a entidade adjudicante ficaria exonerada das regras do direito comunitário, conforme é alegado pelo município de Brixen, pela Stadtwerke Brixen AG e pelo Governo italiano, depende de uma apreciação global de todas as circunstâncias do caso concreto.

a)      Primeiro critério Teckal: controlo análogo ao que é exercido sobre os próprios serviços

49.   De acordo com o primeiro critério Teckal, a equiparação a uma operação interna pressupõe que a entidade adjudicante exerça sobre o seu co‑contratante um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços.

50.   A Comissão tem dúvidas sobre se tal facto pode ser confirmado em relação a uma empresa como a Stadtwerke Brixen AG, com base em duas ordens de razões: em primeiro lugar, é possível que o capital da Stadtwerke Brixen AG deva ser futuramente aberto à participação de terceiros em virtude de uma obrigação legal e, em segundo lugar, os órgãos desta sociedade anónima podem gerir de forma quase integralmente autónoma os seus negócios correntes. A Parking Brixen GmbH e o Governo austríaco também fizeram referência a este segundo aspecto.

i)      A exclusão de um controlo análogo ao que é exercido sobre os próprios serviços em caso de participação de privados

51.   As considerações seguintes devem tomar por base o acórdão recentemente proferido no processo Stadt Halle. Neste acórdão, o Tribunal de Justiça precisou o primeiro critério Teckal no sentido de que qualquer participação de privados, ainda que minoritária, exclui um controlo análogo ao que é exercido sobre os próprios serviços (41).

52.   Este esclarecimento demonstra que, com o critério do controlo análogo ao que é exercido sobre os próprios serviços, a jurisprudência adoptou um critério mais estrito do que o habitual, por exemplo, no direito da concorrência. Ora, o facto de a entidade adjudicante deter uma participação maioritária no capital da sua filial, exercer a maioria dos direitos de voto e nomear a maioria dos representantes nos órgãos desta empresa permite – tal como, aliás, a existência de eventuais acordos parassociais – concluir que existe controlo na acepção do direito da concorrência (42) e considerar que a filial é uma empresa pública na acepção do artigo 86.°, n.° 1, CE (43). No entanto, estes factos ainda não são suficientes para reconhecer um controlo mais amplo, análogo ao que é exercido sobre os próprios serviços.

53.   Com efeito, a mera presença de uma terceiro de natureza privada, mesmo que apenas sob a forma de uma participação minoritária que não confira direitos de veto, impede que a entidade adjudicante possa exercer um controlo análogo ao que exerce sobre os próprios serviços. Isto porque a presença de um terceiro de natureza privada pressupõe sempre um mínimo de consideração do poder público pelos seus interesses económicos – apenas nesta condição é que o referido terceiro irá pôr à disposição do poder público o seu know‑how ou o seu poder financeiro. Assim, caso um terceiro de natureza privada adquira participações numa empresa – eventualmente na sequência da realização de um concurso público –, a consideração dos seus interesses económicos pode impedir o poder público de realizar na íntegra os seus interesses públicos, mesmo que esta realização seja possível em termos estritamente jurídicos. Por força desta parceria entre interesses públicos e privados, as designadas empresas de economia mista são substancialmente distintas de simples serviços da administração (44).

54.   Na medida em que as empresas de economia mista não podem, portanto, ser objecto de um controlo pelo poder público análogo ao que é exercido sobre os próprios serviços, todos os negócios jurídicos de entidades adjudicantes com as suas filiais de economia mista estão, em princípio, sujeitos às regras do direito dos contratos públicos, em particular aos princípios da não discriminação e da transparência.

ii)    A futura abertura do capital social à participação de terceiros

55.   No momento em que assumiu a gestão dos dois parques de estacionamento, e mesmo posteriormente, a Stadtwerke Brixen AG não era uma empresa de economia mista, mas uma filial do município de Brixen, que detinha 100% do seu capital social. No entanto, no prazo máximo de dois anos a contar da transformação da anterior empresa especial, o município deveria abdicar da sua posição como único accionista a favor de uma simples participação maioritária (45).

56.   O princípio da segurança jurídica exige que a obrigação de lançar um processo de adjudicação seja sempre apreciada ex ante, ou seja, com referência ao momento da celebração do negócio jurídico. Com efeito, tanto do ponto de vista da entidade adjudicante e do seu co‑contratante como na perspectiva de concorrentes que não foram tidos em consideração, no momento da celebração do contrato já deve ser possível verificar se existia ou não a obrigação de lançar um processo de adjudicação. A apreciação de circunstâncias posteriores apenas entra em linha de conta se a sua ocorrência já fosse de prever com toda a segurança no momento da adjudicação.

57.   A perda da participação de 100% do município na sua filial teria sido seguramente previsível se a aquisição de uma participação na sociedade por um terceiro específico estivesse iminente.

58.   A Comissão vai mais longe e considera que, num caso como o presente, a perda da participação de 100% por parte do município já era suficientemente previsível devido ao regime jurídico em vigor e que, portanto, já deveria ter sido tomada em consideração no momento da transmissão da gestão dos parques de estacionamento.

59.   Todavia, de uma disposição legal como o artigo 115.° do Decreto legislativo 267/2000 apenas decorre – caso decorra (46) – uma obrigação de vender acções num determinado prazo. A questão de saber se e quando é que esta venda e a consequente transmissão das acções a um terceiro terão efectivamente lugar depende de várias outras circunstâncias, sobre cuja ocorrência a simples existência desta obrigação legal ainda nada diz. Em particular, não pode ser de forma alguma excluída a hipótese de não ser encontrado qualquer interessado disposto a participar na empresa em causa nas condições que lhe são oferecidas. No presente caso, esta situação é particularmente evidente: de acordo com as indicações fornecidas pelo município de Brixen e pela Stadtwerke Brixen AG na audiência, até hoje nenhum terceiro deteve participações no capital da Stadtwerke Brixen AG.

60.   Também os interesses das partes ainda não eram equiparáveis no momento em causa aos interesses existentes numa empresa de economia mista. De facto, enquanto apenas exista uma obrigação de abrir posteriormente o capital da filial, mas ainda não tenha sido encontrado um terceiro específico como parceiro, a entidade adjudicante ainda não tem motivos para considerar os interesses deste investidor privado na adjudicação de contratos ou concessões à sua filial.

61.   A Comissão expressou receio de que, durante o período de vigência de uma concessão já atribuída (eventualmente a longo prazo (47)), um terceiro pudesse entrar na sociedade anónima e participar no resultado económico da concessão através da sua participação na empresa. O risco conexo de favorecer o posterior investidor privado face a outras empresas privadas (48) não necessita, porém, de ser prevenido logo no momento da adjudicação da concessão à filial do município, sendo suficiente tomar medidas adequadas no momento da escolha do terceiro, ou seja, antes da participação social lhe ser transmitida. Isto porque as liberdades fundamentais (49) exigem a observância dos princípios da não discriminação e da transparência, particularmente a garantia de um grau adequado de publicidade (50), quando um terceiro de natureza privada detém participações numa empresa pública.

62.   Pelas razões enunciadas, a obrigação legal de abrir o capital de uma sociedade à participação de terceiros dentro de um determinado prazo ainda não permite, por si só, excluir que a entidade adjudicante exerça sobre essa sociedade um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços.

iii) O poder dos órgãos de uma sociedade anónima gerirem de forma autónoma os negócios correntes desta sociedade

63.   Independentemente das relações de participação, o facto de uma empresa como a Stadtwerke Brixen AG ser uma sociedade anónima cujos órgãos têm poderes para gerir de forma quase integralmente autónoma os negócios correntes da sociedade (51) também pode gerar dúvidas em relação à existência de um controlo análogo ao que é exercido sobre os próprios serviços. Estas dúvidas não só foram expressas pela Parking Brixen GmbH, pelo Governo austríaco e pela Comissão, como também pelo órgão jurisdicional de reenvio.

64.   Nesta matéria, deve distinguir‑se entre a relação externa da empresa pública com outros operadores económicos e a sua relação interna com o município.

65.   O facto de os órgãos de uma empresa pública disporem de amplos poderes de actuação na relação externa não exclui de forma alguma que o município exerça sobre esta empresa um controlo análogo ao que exerce sobre os próprios serviços. Este tipo de poderes na relação externa são, em regra, necessários para assegurar a capacidade de actuação, não prejudicar a gestão dos negócios correntes e proteger os interesses de terceiros (52). Também na própria administração pública não é excepção a atribuição de poderes relativamente amplos a titulares de cargos públicos, nomeadamente ao presidente de uma câmara, ao governador de um distrito ou aos directores de organismos públicos, para representarem externamente a respectiva colectividade.

66.   Mais relevante para a questão do controlo aqui discutida é a relação interna entre um município e uma empresa como a Stadtwerke Brixen AG. Em relação a este aspecto, o órgão jurisdicional de reenvio considerou que a Stadtwerke Brixen AG obteve um acréscimo notório de autonomia em relação à sua antecessora jurídica, a empresa especial Stadtwerke Brixen AG. Com efeito, enquanto esta empresa estava sujeita ao controlo e à influência directos do conselho municipal, o controlo do município em relação à sociedade anónima restringe‑se aos meios previstos no direito das sociedades. A Comissão e a Parking Brixen GmbH também argumentam de forma semelhante.

67.   O controlo do poder público sobre os seus próprios serviços caracteriza‑se em termos jurídicos geralmente pelo direito de dar instruções e por poderes de fiscalização. No interior do mesmo organismo público, a direcção tem, em regra, o direito de dar instruções a serviços hierarquicamente inferiores. Na relação com os organismos públicos subordinados, também existe geralmente o direito de dar instruções ou, pelo menos, a possibilidade de controlo e rectificação de decisões com base em poderes de fiscalização.

68.   Na relação com os órgãos de direcção de empresas públicas, poderes de emitir instruções ou de fiscalização deste tipo apenas constituem a excepção, pelo menos quando estas empresas estão organizadas sob a forma de sociedades anónimas ou de sociedades por quotas. Por conseguinte, caso se exigisse que a entidade pública detentora das participações tivesse em relação ao seu co‑contratante as mesmas possibilidades jurídicas de influência que sobre os seus próprios serviços, seria quase impossível cumprir o primeiro critério Teckal na relação com sociedades de capitais organizadas segundo o direito privado. Neste caso, antes da celebração de contratos com as suas filiais organizadas sob a forma de sociedades anónimas ou de sociedades por quotas, e mesmo enquanto seu accionista único, as entidades adjudicantes teriam de respeitar sempre as regras do direito dos contratos públicos e teriam provavelmente de confiar o desempenho das suas tarefas a terceiros de natureza privada que apresentassem melhores propostas. Nestas circunstâncias, a mera transferência de tarefas para estas sociedades, mesmo em sectores tão sensíveis como, por exemplo, o abastecimento de água, já equivaleria, no fundo, ao início da privatização destas tarefas.

69.   É certo que, em determinados casos, a transformação de empresas especiais em sociedades anónimas ou em sociedades por quotas pode ser efectivamente encarada como um primeiro passo para a privatização das respectivas tarefas. No entanto, esta situação não terá necessariamente que acontecer. É igualmente possível que, em alguns casos, a decisão em causa constitua apenas uma medida interna de reorganização, que vise, por exemplo, uma prestação de serviços mais eficiente, porque com menores custos, bem como um direito laboral mais flexível para os trabalhadores, não significando, portanto, necessariamente que a colectividade em causa pretenda simultaneamente abdicar do desempenho das suas tarefas. Devido às disposições aplicáveis em matéria de balanços, a escolha da forma jurídica da sociedade anónima ou da sociedade de responsabilidade limitada pode, além disso, conduzir a um aumento de transparência louvável (53).

70.   Ora, se as regras do direito dos contratos públicos também fossem aplicadas aos negócios jurídicos entre entidades adjudicantes e as suas filiais em que detêm 100% das participações, deixaria de ser possível recorrer à forma jurídico‑privada da sociedade anónima ou da sociedade de responsabilidade limitada para efectuar uma simples reorganização interna. A colectividade em causa apenas restaria essencialmente a opção entre a privatização das suas tarefas (54) e o desempenho interno das suas tarefas por serviços da administração ou por empresas especiais integradas na hierarquia administrativa e sem uma autonomia relevante. As filiais existentes poderiam em alguns casos voltar a ser transformadas em empresas especiais.

71.   Uma ingerência deste tipo nos poderes soberanos de organização dos Estados‑Membros e particularmente na autonomia administrativa de muitos municípios (55) não seria, de modo algum, necessária – mesmo tendo em consideração que o direito dos contratos públicos tem como função abrir à concorrência estes contratos. O direito dos contratos públicos visa garantir uma escolha transparente e não discriminatória dos co‑contratantes em todos os domínios em que o poder público decidiu desempenhar as suas tarefas com o auxílio de terceiros. Em contrapartida, o direito dos contratos públicos não visa privatizar «pela porta das traseiras» as tarefas públicas que o poder público pretende continuar a desempenhar pelos próprios meios (56). Para que este fosse o caso, seria necessário que o legislador adoptasse medidas concretas no sentido da liberalização (57).

72.   Aliás, com a expressão «um controlo análogo ao» (58), a jurisprudência Teckal dá a entender que as possibilidades de influência sobre os próprios serviços e sobre as empresas públicas não têm de ser idênticas. Determinante para a comparabilidade de uma empresa a um serviço administrativo ou, pelo contrário, a outros operadores económicos não constitui o facto de o poder público ter ou não formalmente as mesmas possibilidades jurídicas de influência que tem sobre os seus próprios serviços, por exemplo, um direito de dar instruções no caso concreto. É, ao invés, determinante saber se a entidade adjudicante está efectivamente em condições de, a todo o momento, fazer valer integralmente os seus objectivos de interesse público na empresa em causa. Apenas quando uma empresa já adquiriu efectivamente um tal grau de autonomia (59) que a entidade adjudicante deixe de ter condições para fazer valer integralmente os seus interesses no interior da empresa em causa é que já não será possível falar de um controlo análogo ao que é exercido sobre os próprios serviços.

73.   Este ponto de vista orientado para os interesses em causa é particularmente evidente no acórdão Stadt Halle (60), no qual, em relação à interpretação do primeiro critério Teckal, é referida de forma decisiva a prossecução de objectivos de interesse público. No sentido do acórdão Stadt Halle, a necessidade de realizar os referidos interesses públicos determina as possibilidades de influência de que o poder público efectivamente necessita em relação aos seus próprios serviços (61).

74.   No que diz respeito a estas possibilidades efectivas de influência, é válido mutatis mutandis o que foi referido no n.° 53 destas conclusões: caso um terceiro de natureza privada participe no capital de uma empresa, nem que seja apenas sob a forma de uma participação minoritária, a consideração dos seus interesses económicos pode impedir o poder público de realizar na íntegra os seus objectivos de interesse público, mesmo que esta realização seja possível em termos estritamente jurídicos. Se, pelo contrário, a entidade adjudicante for o único sócio da sua filial, os seus interesses e os da filial podem geralmente ser considerados essencialmente coincidentes, mesmo que a filial esteja organizada sob a forma de uma sociedade anónima ou de uma sociedade de responsabilidade limitada. O sócio único detém uma participação de 100% nos lucros realizados e é o único a decidir sobre a sua aplicação.

75.   Se a consideração dos interesses económicos de terceiros de natureza privada não é, porém, necessária, porque o poder público detém 100% das participações sociais, a imposição dos interesses públicos na sociedade pode ser suficientemente assegurada, mesmo que não exista um poder de dar instruções em sentido técnico, apenas pelos meios do direito das sociedades e particularmente através da presença de representantes exclusivamente nomeados pelo poder público nos órgãos da sociedade. Seria extremamente improvável que, na gestão dos negócios correntes, estes órgãos, em regra, além disso, caracterizados por uma ligação pessoal estreita com o poder público, se desviassem das concepções da colectividade territorial que os nomeou de forma que pudesse pôr em causa a imposição dos objectivos de interesse público. Além disso, neste caso, os titulares dos mandatos em questão correriam o risco de serem destituídos ou, em todo o caso, de não voltarem a ser nomeados.

76.   O facto de a Stadtwerke Brixen AG ser uma sociedade anónima cujos órgãos dispõem de amplos poderes de gestão dos negócios correntes não permite, por si só, concluir que a sociedade é autónoma em relação à entidade pública que a detém e que esta já não tem sobre aquela sociedade um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços.

b)      Segundo critério Teckal: o co‑contratante realiza o essencial da sua actividade para a ou as entidades públicas que o detêm

77.   De acordo com o segundo critério Teckal, a equiparação a uma operação interna pressupõe ainda que o co‑contratante da entidade adjudicante realize o essencial da sua actividade para a ou as entidades adjudicantes que o detêm.

78.   No pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio cita apenas as disposições dos estatutos da Stadtwerke Brixen AG. De acordo com estes, o objecto desta sociedade é constituído por uma lista extensa de actividades que podem, no essencial, ser inseridas no domínio dos serviços públicos essenciais e ser exercidas a nível local, nacional e internacional (62).

79.   Este tipo de disposições estatutárias não tem, no entanto, um valor significativo, na medida em que, por um lado, as referidas disposições se caracterizam frequentemente por uma redacção particularmente genérica que pretende abranger não apenas as presentes actividades da sociedade mas também as suas possíveis actividades futuras. Por outro lado, as próprias limitações estatutárias ao domínio de actividade de uma sociedade anónima são inoponíveis a terceiros (63) – através dos estatutos, os accionistas da sociedade definem apenas na relação interna os limites dentro dos quais a sociedade pode exercer a sua actividade.

80.   Por conseguinte, se fossem considerados determinantes os domínios de actividade juridicamente (nos termos da lei e dos estatutos da sociedade) admissíveis, e geralmente relativamente amplos, de uma sociedade anónima ou de uma sociedade de responsabilidade limitada, seria praticamente impossível que este tipo de empresas cumprisse o segundo critério Teckal. Antes de celebrarem contratos com as suas filiais, as entidades adjudicantes teriam então de observar sempre as regras do direito dos contratos públicos se aquelas estivessem organizadas sob a forma de sociedades anónimas ou de sociedades por quotas, o que tornaria a escolha da forma jurídica da sociedade anónima ou da sociedade de responsabilidade manifestamente menos atractiva (64). Uma ingerência de tal modo ampla nos poderes soberanos de organização dos Estados‑Membros e particularmente na autonomia de muitos municípios não seria necessária tendo em vista a função do direito dos contratos públicos de abrir à concorrência estes contratos.

81.   É, pelo contrário, suficiente adoptar como orientação a actividade efectiva da empresa em causa (65). Com efeito, independentemente da forma de organização jurídica, a actividade efectiva de uma empresa esclarece da melhor forma se a empresa em causa actua como as outras no mercado ou se está tão fortemente ligada ao poder público que os contratos que celebra com a entidade adjudicante podem ser equiparados a operações internas e justificam deste modo uma excepção às regras do direito dos contratos públicos.

82.   Neste contexto, deve referir‑se que, nos termos do segundo critério Teckal, o facto de a empresa em causa realizar o essencial da sua actividade para a ou as entidades adjudicantes que a detêm já permite uma excepção às regras do direito dos contratos públicos. O eventual exercício de uma actividade por conta de terceiros não é prejudicial, desde que tenha uma importância meramente subordinada.

83.   Para apreciar esta questão, é necessário tomar em consideração todas as circunstâncias do caso concreto, como já foi acima afirmado. Para que um negócio constitua uma operação interna, o co‑contratante da entidade adjudicante deve realizar o essencial da sua actividade, tanto em termos quantitativos como também qualitativos, para a ou as entidades adjudicantes que o detêm (66). Um primeiro ponto de referência neste sentido pode constituir a percentagem do volume de negócios que a empresa em causa realiza com os contratos das entidades públicas que a detêm. Caso uma empresa tenha vários domínios de actividade – tal como acontece com a Stadtwerke Brixen AG –, deve ainda ter‑se em conta em quantos destes domínios realiza o essencial da sua actividade para as entidades públicas detentoras das suas participações e qual a importância de cada um destes domínios para a empresa (67).

84.   O raio de acção geográfico de empresas como a Stadtwerke Brixen AG também necessita de ser objecto de uma análise mais profunda, porque o facto de uma empresa pública do município exercer ou poder exercer a sua actividade além das fronteiras do município não exclui necessariamente que realize o essencial da sua actividade para este município. Pelo contrário, há que apreciar a importância em termos quantitativos e qualitativos da eventual actividade da empresa além das fronteiras do município por comparação com a actividade para a ou as entidades públicas que a detêm.

85.   A simples circunstância de objecto estatutário de uma sociedade anónima como a Stadtwerke Brixen AG ser amplo do ponto de vista material e, do ponto de vista geográfico, também permitir o exercício da actividade além das fronteiras do município não exclui, em todo o caso, que a sociedade anónima realize o essencial da sua actividade para o município que a detém.

c)      Conclusão provisória

86.   Resumindo, conclui‑se, portanto, o seguinte:

A atribuição por um município da gestão de um parque de estacionamento público pago a uma sociedade anónima, da qual é o único accionista, sem o lançamento prévio de um processo de adjudicação, não viola os artigos 43.° CE, 49.° CE e 86.° CE, desde que o município exerça sobre esta sociedade anónima um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e esta sociedade anónima realize o essencial da sua actividade para o município.

O exercício de um controlo análogo ao que é exercido sobre os próprios serviços não é de excluir só pelo facto de o município estar legalmente obrigado a abrir o capital dessa sociedade anónima à participação de terceiros dentro de um determinado prazo em data futura ou porque os órgãos desta sociedade anónima dispõem de amplos poderes de gestão dos negócios correntes.

A realização do essencial da actividade para o município não é de excluir só pelo facto de, segundo os estatutos da sociedade anónima, o seu possível domínio de actividade ser amplo tanto do ponto de vista material como geográfico. Deve‑se, pelo contrário, ter em consideração a actividade efectivamente realizada.

VI – Conclusão

87.   Com base nas considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões prejudiciais do Verwaltungsgericht, Autonome Sektion für die Provinz Bozen:

«1)      A atribuição da gestão de um parque de estacionamento público por uma entidade adjudicante a uma empresa, que fica autorizada a cobrar uma taxa pela utilização do parque de estacionamento e, em contrapartida, se compromete a pagar à entidade adjudicante uma compensação anual, não constitui um contrato público de serviços na acepção da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, mas uma concessão de serviços não abrangida por esta directiva.

2)      A adjudicação por um município da gestão de um parque de estacionamento público pago a uma sociedade anónima, da qual é o único accionista, sem o lançamento prévio de um processo de adjudicação, não viola os artigos 43.° CE, 49.° CE e 86.° CE, desde que o município exerça sobre esta sociedade anónima um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e esta sociedade anónima realize o essencial da sua actividade para o município.

O exercício de um controlo análogo ao que é exercido sobre os próprios serviços não é de excluir só pelo facto de o município estar legalmente obrigado a abrir o capital da referida sociedade anónima à participação de terceiros dentro de um determinado prazo em data futura ou porque os órgãos desta sociedade anónima dispõem de amplos poderes de gestão dos negócios correntes.

A realização do essencial da actividade para o município não é de excluir só pelo facto de, segundo os estatutos da sociedade anónima, o seu possível domínio de actividade ser amplo tanto do ponto de vista material como geográfico. Deve‑se, pelo contrário, ter em consideração a actividade efectivamente realizada.»


1 – Língua original: alemão.


2 – Acórdão de 18 de Novembro de 1999, Teckal (C‑107/98, Colect., p. I‑8121, n.os 49 e 50), que diz respeito à Directiva 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento (JO L 199, p. 1, a seguir «Directiva 93/36»).


3 – V., a este respeito, n.° 49 das conclusões da advogada‑geral C. Stix‑Hackl, de 23 de Setembro de 2004, no processo Stadt Halle (C‑26/03, Colect. 2005, pp. I‑0000, I‑0000).


4 – V. acórdão Teckal (já referido na nota 2), o primeiro em relação a esta problemática. Recentemente, em 11 de Janeiro de 2005, foi proferido o acórdão Stadt Halle (C‑26/03, Colect., p. I‑0000). Ainda pendentes actualmente estão actualmente, por exemplo, os processos Coname (C‑231/03), Comissão/Áustria (C‑29/04) e Saba Italia (C‑216/04).


5 – JO L 209, p. 1. Esta directiva foi revogada e substituída pela Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114, a seguir «Directiva 2004/18»). Em termos temporais, a Directiva 92/50 mantém‑se, no entanto, aplicável ao presente caso.


6 – Em português, também decreto legislativo.


7 – O Decreto legislativo 267/2000 tem o título «Testo unico delle leggi sull’ordinamento degli enti locali» (texto coordenado das disposições relativas ao ordenamento das autarquias locais) e está publicado em GURI n.° 227, de 28 de Setembro de 2000, suplemento ordinário n.° 162.


8 –      Esta disposição resulta do artigo 44.° da Regionalgesetz (lei regional, a seguir «Regionalgesetz») n.° 1, de 4 de Janeiro de 1993 (Jornal Oficial da Região Autónoma de Trentino‑Alto Adige n.° 3, de 19 de Janeiro de 1993, suplemento ordinário n.° 1), alterada pelo artigo 10.° da Regionalgesetz n.° 10, de 23 de Outubro de 1998 (Jornal Oficial da Região Autónoma de Trentino‑Alto Adige n.° 45, de 27 de Outubro de 1998, suplemento n.° 2).


9 – Decisão n.° 118 do conselho municipal, de 18 de Dezembro de 2001.


10 – Decisão n.° 107 do conselho municipal, de 28 de Novembro de 2002.


11 – De acordo com o despacho de reenvio, o aumento dos preços de parqueamento tem como consequência o aumento da compensação anual «em 80% da percentagem de subida daqueles preços».


12 – Decisão n.° 97 do conselho municipal, de 25 de Outubro de 2001.


13 – Conforme ficou assente na audiência, a competência pertence ao conselho municipal.


14 – Já referido na nota 4.


15 – V., a este respeito, n.os 1 e 2 das presentes conclusões.


16 – Directiva 93/38/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações (JO L 199, p. 84), entretanto revogada e substituída pela Directiva 2004/17/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais (JO L 134, p. 1).


17 – Quanto ao artigo 1.°, alínea a), da Directiva 92/50 («directiva serviços»), v. despacho de 30 de Maio de 2002, Buchhändler‑Vereinigung (C‑358/00, Colect., p. I‑4685, n.os 29 e 30), e, quanto ao artigo 1.°, n.° 4, da Directiva sectorial 93/38, v. acórdão de 7 de Dezembro de 2000, Telaustria e Telefonadress (C‑324/98, Colect., p. I‑10745, n.os 57 e 58).


18 – Artigo 1.°, n.° 4, da Directiva 2004/18.


19 – Acórdão Telaustria e Telefonadress (n.° 58, segundo travessão) e despacho Buchhändler‑Vereinigung (n.° 27), ambos já referidos na nota 17. Neste sentido, também a definição legal, posteriormente aplicável, constante do artigo 1.°, n.° 4, da Directiva 2004/18.


20 – A este respeito, a Comissão também remete para a sua comunicação interpretativa sobre as concessões em direito comunitário (JO 2000, C 121, p. 2); v., particularmente, o ponto 2.2 desta comunicação.


21 – V., neste sentido, entre outros, acórdão de 16 de Julho de 1998, Dumon e Froment (C‑235/95, Colect., p. I‑4531, n.° 25); no mesmo sentido, também acórdão Telaustria e Telefonadress (já referido na nota 17, n.° 63).


22 – Os outros intervenientes no processo não se pronunciaram de forma mais aprofundada sobre a problemática aqui discutida. O argumento apresentado pelo município de Brixen e pela Stadtwerke Brixen AG para negar a existência de uma concessão de serviços prende‑se antes com o facto de a Stadtwerke Brixen AG não ser um terceiro em relação ao município de Brixen.


23 – Quanto à inaplicabilidade da Directiva 92/50 nos casos como o presente, v. o exposto em relação à primeira questão ( n.os 27 a 33 das presentes conclusões).


24 – Num caso como o em apreço podem ser relevantes a livre prestação de serviços (artigo 49.° CE) e – na medida em que um concorrente estrangeiro tencione estabelecer‑se em Itália com a finalidade de gerir os parques de estacionamento – também a liberdade de estabelecimento (artigo 43.° CE).


25 – Deste modo – especificamente a respeito de uma concessão de serviços – acórdão Telaustria e Telefonadress (já referido na nota 17, n.° 60); v., ainda, acórdão de 23 de Janeiro de 2003, Makedoniko Metro e Michaniki (C‑57/01, Colect., p. I‑1091, n.° 69), e despacho de 3 de Dezembro de 2001, Vestergaard (C‑59/00, Colect., p. I‑9505, n.os 20 e 21); no mesmo sentido, acórdão de 18 de Junho de 2002, HI (C‑92/00, Colect., p. I‑5553, n.° 47).


26 – Acórdãos Telaustria e Telefonadress (já referido na nota 17, n.° 61) e HI (já referido na nota 25, n.° 45); acórdão de 18 de Novembro de 1999, Unitron Scandinavia e 3‑S (C‑275/98, Colect., p. I‑8291, n.° 31).


27 –      Já referido na nota 17, n.° 62.


28 – Jurisprudência assente; v., por último, acórdão de 16 de Dezembro de 2004, My (C‑293/03, Colect., p. I‑0000, n.° 40). Especificamente em relação à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços, v. acórdão de 7 de Fevereiro de 1979, Knoors (115/78, Recueil, p. 399, n.° 24, primeira metade do parágrafo, Colect., p. 173).


29 – V., também, acórdão de 25 de Abril de 1996, Comissão/Bélgica (C‑87/94, Colect., p. I‑2043, n.° 33), de acordo com o qual empresas sedeadas noutros Estados‑Membros podem ser, directa ou indirectamente, afectadas pela adjudicação de um contrato. Por conseguinte, as exigências a que estão sujeitos os processo de adjudicação devem ser respeitadas independentemente da nacionalidade ou do lugar da sede dos proponentes. Esta consideração não é apenas válida para as exigências das directivas relativas à adjudicação de contratos públicos, podendo também ser transposta para casos como o presente, em que devem ser aplicados princípios gerais de direito comunitário.


30 – Acórdão Stadt Halle (já referido na nota 4, n.° 48).


31 – Já referido na nota 2, n.os 46, 49 e 50.


32 – No que diz respeito ao âmbito de aplicação pessoal, é necessário, mas também suficiente, que uma das partes contratantes seja uma entidade adjudicante [acórdãos Teckal, já referido na nota 2, n.° 42, segunda frase, e Stadt Halle, já referido na nota 4, n.° 47; v., ainda, acórdão de 7 de Dezembro de 2000, ARGE (C‑94/99, Colect., p. I‑11037, n.° 40)].


33 – Os critérios, na sua versão original, encontram‑se no n.° 50, segunda frase, do acórdão Teckal (já referido na nota 2) e também são referidos no acórdão de 13 de Janeiro de 2005, Comissão/Espanha (C‑84/03, Colect., p. I‑0000, n.° 38). Os critérios são ainda retomados no acórdão Stadt Halle (já referido na nota 4, n.° 49, segunda frase), aqui porém numa versão ligeiramente alterada em termos linguísticos. Esta versão está na base das considerações seguintes, desde que não exista qualquer indicação em contrário.


34 –      O acórdão Stadt Halle utiliza a formulação demasiado complexa «autoridade pública, que seja uma entidade adjudicante», enquanto o acórdão Teckal fala de uma «autarquia local ou regional» – termo adequado à matéria de facto em causa nesse processo.


35 –      O co‑contratante é designado no acórdão Teckal como «pessoa em causa» e no acórdão Stadt Halle como «entidade distinta em causa».


36 –      A utilização da palavra «com» no acórdão Stadt Halle e na maior parte das versões linguísticas do acórdão Teckal é pouco comum em termos linguísticos, tendo em consideração que normalmente não se trata de uma cooperação entre duas empresas, mas sim de uma relação em que uma empresa pública desempenha determinadas tarefas ou presta serviços para a entidade pública que está por detrás dela, geralmente uma colectividade territorial.


37 – Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 199, p. 54), entretanto revogada e substituída pela Directiva 2004/18.


38 – Quanto à Directiva 92/50, v. acórdão Stadt Halle (já referido na nota 4, n.os 47 e 49); uma alusão neste mesmo sentido também já constava do acórdão ARGE (já referido na nota 32, n.° 40). Em relação à Directiva 93/37, v. acórdão Comissão/Espanha (já referido na nota 33, n.° 39).


39 – Quanto à inaplicabilidade da Directiva 92/50 nos casos como o em apreço, v. o exposto em relação à primeira questão (n.os 27 a 33 destas conclusões).


40 – V., a este respeito, o sexto considerando da Directiva 92/50 e o segundo considerando da Directiva 2004/18, bem como os acórdãos de 3 de Outubro de 2000, University of Cambridge (C‑380/98, Colect., p. I‑8035, n.° 16), e de 12 de Dezembro de 2002, Universale‑Bau e o. (C‑470/99, Colect., p. I‑11617, n.° 51). V., ainda, n.os 35 a 37 das presentes conclusões.


41 – Acórdão Stadt Halle (já referido na nota 4, n.os 49 e 52).


42 – V., a este respeito – no que se refere ao conceito de controlo em concentrações de empresas –, n.os 13, 14 e 18 e segs. da Comunicação da Comissão relativa ao conceito de concentração de empresas em conformidade com o Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO 1998, C 66, p. 5).


43 – V., também, o artigo 2.° da Directiva 80/723/CEE da Comissão, de 25 de Junho de 1980, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados‑Membros e as empresas públicas (JO L 195, p. 35; EE 08 F2 p. 75, alterada por último pela Directiva 2000/52/CE da Comissão, de 26 de Julho de 2000, JO L 193, p. 75).


44 – Esta distinção também é referida no acórdão Stadt Halle (já referido na nota 4, n.° 50). Quanto ao conceito de empresa de economia mista, v., por exemplo, n.° 58 das conclusões da advogada‑geral C. Stix‑Hackl no processo Stadt Halle (já referidas na nota 3).


45 – V., por um lado, o artigo 115.° do Decreto legislativo 267/2000 e, por outro, o artigo 88.°, n.° 6, alínea b), do ordenamento municipal bem como o artigo 5.°, n.° 2, dos estatutos da Stadtwerke Brixen AG.


46 – Como ficou demonstrado na audiência realizada no Tribunal de Justiça, no presente caso as partes discutem se o artigo 115.° do Decreto legislativo 267/2000 fundamenta uma obrigação legal de o município abrir o capital social da Stadtwerke Brixen AG ou se, pelo contrário, o município se pode manter a título permanente como único accionista. O município de Brixen invoca a este respeito o artigo 2362.° do Código Civil italiano (Codice civile, na redacção dada pelo Decreto legislativo n.° 6 do Presidente da República, de 17 de Janeiro de 2003, publicado em GURI n.° 17, de 22 de Janeiro de 2003, suplemento ordinário n.° 8), de acordo com o qual em Itália as sociedades anónimas também podem ser detidas por um único accionista.


47 – No presente caso, tinha sido convencionado um período de nove anos em relação ao parque de estacionamento situado no lote de terreno 491/6. V. n.° 14 destas conclusões.


48 – Acórdão Stadt Halle (já referido na nota 4, n.° 51).


49 – Liberdade de estabelecimento (artigo 43.° CE) e livre circulação de capitais (artigo 56.°, n.° 1, CE).


50 – V., a este respeito, n.os 35 a 39 das presentes conclusões.


51 – Como o órgão jurisdicional de reenvio salientou na sua segunda questão, o conselho de administração da Stadtwerke Brixen AG possui «os mais amplos poderes de administração ordinária até ao valor de 5 000 000 EUR por negócio».


52 – V. o artigo 9.° e o segundo considerando da Primeira Directiva 68/151/CEE do Conselho, de 9 de Março de 1968, tendente a coordenar as garantias que, para protecção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados‑Membros às sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 58.° do Tratado, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO L 65, p. 8; EE 17 F1 p. 13; a seguir «Directiva 68/151»).


53 – V., em particular, os artigos 2.° e segs. da Directiva 68/151 bem como os artigos 2.° e 47.° da Quarta Directiva 78/660/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1978, baseada no artigo 54.°, n.° 3, alínea g), do Tratado e relativa às contas anuais de certas formas de sociedades (JO L 222, p. 11; EE 17 F1 p. 55).


54 – Uma empresa sob a forma de sociedade anónima ou de sociedade de responsabilidade limitada controlada pelo poder público teria eventualmente de se candidatar ao contrato ou à concessão em causa como um de vários potenciais proponentes.


55 – De referência nesta matéria pode servir a Carta Europeia de Autonomia Local, de 15 de Outubro de 1985 (SEV n.° 122), ratificada pela maioria dos Estados‑Membros no âmbito do Conselho da Europa. O seu artigo 6.°, n.° 1, exige que «as autarquias locais devem poder definir as estruturas administrativas internas de que entendam dotar‑se, tendo em vista adaptá‑las às suas necessidades específicas, a fim de permitir uma gestão eficaz». A importância da autonomia local é ainda sublinhada pela sua referência expressa no artigo I‑5.°, n.° 1, do Tratado que institui uma Constituição para a Europa (assinado, em Roma, em 29 de Outubro de 2004, JO C 310, p. 1).


56 – V., a este respeito, também o n.° 42 das presentes conclusões.


57 – Neste contexto, deve recordar‑se, por exemplo, as medidas de liberalização no sector das telecomunicações. V., por último, a Directiva 2002/77/CE da Comissão, de 16 de Setembro de 2002, relativa à concorrência nos mercados de redes e serviços de comunicações electrónicas (JO L 249, p. 21). V., ainda, a Proposta alterada de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à acção dos Estados‑Membros em matéria de obrigações de serviço público e adjudicação de contratos de serviço público no sector do transporte de passageiros por via férrea, estrada e via navegável interior [COM (2002) 107 final, JO C 151 E, p. 146].


58 – O sublinhado é meu. Ao contrário da maior parte das versões linguísticas do acórdão Teckal, faltava na versão alemã a palavra «análogo». Esta lacuna foi suprida no acórdão Stadt Halle.


59 – No acórdão Teckal (já referido na nota 2, n.° 51), é utilizado a este respeito o conceito de autonomia no plano decisório em relação à entidade adjudicante (na versão francesa é usado o adjectivo autonome, na versão italiana o adjectivo autonomo).


60 – Já referido na nota 4, n.° 50.


61 – A redacção do acórdão Stadt Halle (já referido na nota 4, n.° 50) é a seguinte: «[A] relação entre uma autoridade pública, que seja uma entidade adjudicante, e os seus próprios serviços [rege‑se] por considerações e exigências específicas da prossecução de objectivos de interesse público.»


62 – V., mais detalhadamente a este respeito, n.° 19 das presentes conclusões.


63 – Artigo 9.°, n.os 1 e 2, da Directiva 68/151.


64 – V., a este respeito, também os n.os 68 a 71 das presentes conclusões.


65 – Também a advogada‑geral C. Stix‑Hackl sublinha no n.° 83 das suas conclusões no processo Stadt Halle (já referidas na nota 3) que o que importa são as actividades efectivas e não as actividades possíveis face à lei ou aos estatutos da sociedade.


66 – Neste sentido, também a advogada‑geral C. Stix‑Hackl no n.° 89 das suas conclusões no processo Stadt Halle (já referidas na nota 3).


67 – Num caso como o presente, deveria também ser, por exemplo, analisada a importância para a actividade da empresa dos novos domínios de trabalho que foram atribuídos à Stadtwerke Brixen AG nos seus estatutos por acréscimo aos da anterior empresa especial (nomeadamente os sectores da informática e das telecomunicações) e por conta de quem a empresa realiza a sua actividade nestes domínios.